Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0634/12
Data do Acordão:07/03/2014
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CA
Relator:COSTA REIS
Descritores:REFORMA DE ACÓRDÃO
LAPSO DO JUIZ
Sumário:É susceptível de reforma, com fundamento em manifesto lapso na determinação da norma aplicável, o acórdão que,
em contrato de empreitada de obras públicas, remeteu a determinação da taxa de juros de mora para o regime geral, quando se impunha aplicar o regime especial previsto no artº 213º do Dec. Lei nº55/99, de 2 de Março.(*)
Nº Convencional:JSTA00068838
Nº do Documento:SAP201407030634
Data de Entrada:06/14/2012
Recorrente:MUNICÍPIO DE ALBUFEIRA
Recorrido 1:A... SA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REFORMA
Objecto:AC PLENO DO STA DE 2012/12/18.
Decisão:DEFERIMENTO
Área Temática 1:DIR ADM CONT
Legislação Nacional:CPC13 ART616 N2 A.
CCOM ART102.
CCIV66 ART559.
ETAF02 ART24 ART30.
DL 59/99 DE1999/03/02.
DL 18/08 DE 2008/01/29 ART213.
DL 197/99 DE 1999/06/08.
CCP08 ART213.
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NO PLENO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO:

1. O MUNICÍPIO DE ALBUFEIRA inconformado com o Acórdão do TCAS que, na acção administrativa comum que contra ele foi instaurada por B………………… S.A., o condenou a pagar os juros comerciais fixados nas Portarias e Avisos que nele se identificaram, interpôs recurso para a uniformização de jurisprudência alegando que essa decisão estava em oposição com o que se sentenciou no Acórdão deste Supremo de 13/05/2004 (proc. n.º 94/04).

Este Pleno, por Acórdão de 18/12/2012, considerou que ocorria a invocada oposição, identificou a questão controvertida como sendo a de “saber - no domínio da legislação que antecedeu a entrada em vigor do DL 32/2003, de 17/02 - quais os juros devidos em caso do desatempado pagamento das obrigações pecuniárias assumidas em contratos administrativos; será a taxa de juro supletiva prevista no art.º 559.º do Código Civil ou será a taxa de juros comerciais prevista no art.º 102.º do Código Comercial?” e, concedendo provimento ao recurso, revogou o Acórdão recorrido fixando a seguinte jurisprudência «Na falta de convenção das partes e de regime especial aplicável aos juros de mora decorrentes do incumprimento de contrato administrativo celebrado antes da entrada em vigor do DL 32/2003, de 17/02, é de aplicar a esses juros o regime supletivo previsto no art.º 559.º do Código Civil e Portaria para que remete
Decisão que foi fundada na convicção de que “no momento da celebração do contrato de que resultaram as peticionadas dívidas, como no momento em que estas se venceram, inexistia legislação que previsse pagamento de juros comerciais relativamente em caso de incumprimento de contratos administrativos. Legislação que só surgiu com a entrada em vigor do DL 32/2003, de 17/02 (Na sequência da Directiva n.º 2000/35/CE, de 29/08, do Parlamento Europeu e do Conselho) … .” E que, sendo assim, e sendo que o contrato cujo incumprimento originara os juros peticionados era um contrato administrativo de empreitada de obras públicas regido por disciplina própria (à data o DL 55/99, de 2/03, hoje o Código de Contratos Públicos, aprovado pelo DL 18/2008, de 29/01) o mesmo era insusceptível de integração na definição de actos de comércio constante do transcrito art.º 2.º do Cod. Comercial pelo que, não tendo havido convenção das partes e inexistindo regime especial aplicável, era de aplicar aos juros de mora decorrentes do incumprimento daquele contrato o regime supletivo previsto no art. 559.º do Código Civil e Portaria para que este remete.

A Recorrida, ao abrigo do disposto no art.º 669.º/2/a) do CPC, veio requerer a reforma desse Acórdão - alegando ter havido manifesto lapso na determinação da norma aplicável uma vez que, contrariamente ao decidido, o DL 59/99, regulador do contrato de empreitada, continha normas específicas sobre juros de mora - e, subsidiariamente, a sua nulidade – por haver oposição entre os fundamentos e decisão, na medida em que afirmou que o regime supletivo previsto no art.º 559.º do CC só seria de aplicar na falta de regime especial e, apesar de haver esse regime, o Acórdão decidiu aplicar o regime constante da citada norma do CC.

Notificado, o Município de Albufeira nada disse.

A Ex.ma Sr.ª Procuradora Geral Adjunta foi de parecer que se devia deferir ao requerido.
Cumpre decidir.

2. Há que reconhecer que o Acórdão que quer ver reformado incorreu em erro porque, muito embora tivesse considerado que o contrato ora em causa era um contrato administrativo de empreitada regido por disciplina própria e que, por isso, e ao contrário do que se havia decidido no TCA Sul, não havia que recorrer ao disposto no art.º 102.º do Código Comercial para determinar os juros devidos pelo seu incumprimento, certo é que remeteu para o regime geral do art.º 559.º do CC a identificação dos juros devidos pela referida mora quando se impunha aplicar-lhe o regime especial previsto no art.º 213.º daquele DL 59/99 (Onde se lê que esse atraso seria sancionado com juros calculados “a uma taxa fixada por despacho conjunto do Ministro das Finanças e do Ministro responsável pelo sector das obras públicas.” (n.º 1).)
O que quer dizer que aquele Aresto incorreu em lapso manifesto na determinação da norma aplicável. O qual é corrigível a coberto do que se dispõe no art.º 616.º/2/a) do CPC (Que corresponde ao art.º 669.º/2/a) do CPC, na versão anterior à Reforma de 2013.).
O reconhecimento desse erro obriga a que daí se retirem todas as consequências, designadamente a relacionada com a verificação da alegada oposição de julgados uma vez que foi o apontado erro que provocou a decisão que considerou verificar-se essa contradição de julgados. Ou seja, impõe-se que se renove a análise da verificação dos pressupostos que consentem a admissão deste tipo de recursos.
É o que, de imediato, se fará.

3. No caso, a Autora, B…………….., SA (doravante B……..) - que havia incorporado a sociedade C……………….., S.A., e, por essa razão, passou a ser titular dos créditos que a D…………………, SA, tinha sobre o Município de Albufeira por virtude do incumprimento do "Contrato para Execução da Empreitada de Rectificação, Alargamento e Dotação das Infra-estruturas da Estrada de Vale Parra/Galé" - intentou acção contra aquele Município pedindo a sua condenação no pagamento da quantia em dívida, acrescida de juros à taxa comercial. A qual, tendo sido julgada procedente, determinou a condenação do Réu no pagamento dos “créditos cedidos no valor total de 367.976,55 euros acrescidos de juros de mora comerciais, contados desde a citação em 5/04/2004 até integral e efectivo pagamento, pelas taxas fixadas nas Portarias e Avisos enunciados neste Acórdão.”

O Município de Albufeira não se conformou com essa condenação e daí a interposição deste recurso onde sustentou que, à semelhança do que se sentenciou no Acórdão fundamento, os juros devidos pela mora no cumprimento do dito contrato deviam ser taxados de acordo com o estabelecido no art.º 559.º do CC e não, como se decidiu, nos termos da lei comercial.

Será que esta situação é substancialmente idêntica à verificada no Acórdão fundamento?

4. No Acórdão fundamento (Acórdão do STA de 13/05/2000, proc. n.º 94/04) a Autora - sociedade comercial cujo objecto social era a prestação de serviços de fornecimento, confecção e distribuição de alimentação - celebrou com o Centro Hospitalar de Gaia, em 24/03/1999 e 01/02/2000, dois contratos de aquisição de serviços de alimentação que a Autora cumpriu sem que o referido Centro tivesse reclamado do modo como esse cumprimento foi feito.
Todavia, e apesar disso, aquele Centro Hospitalar não pagou a totalidade das prestações acordadas pelo que a Autora propôs acção declarativa pedindo a condenação daquele no pagamento do montante em dívida. A qual foi julgada parcialmente procedente o que determinou a condenação do Réu no pagamento da quantia em dívida acrescida dos juros de mora previstos no art.º 559.º do CC.

5. O exposto evidencia que as situações retratadas nos Acórdãos recorrido e fundamento não são substancialmente idênticas e, porque assim é, impõe-se concluir não se verificam as condições legais que permitiam a admissão do recurso interposto.
Com efeito, a referida admissão dependia de que, subjacente às alegadas decisões contraditórias, se verificassem quadros normativos e realidades factuais substancialmente idênticas pois só essa semelhança poderia permitir que se concluísse que a invocada divergência de julgamentos tinha resultado, unicamente, de diferente interpretação jurídica.
Ora, é manifestamente evidente que esse requisito se não verifica.
Com efeito, num dos casos (Acórdão recorrido), o contrato que originou a contra prestação cujo incumprimento provocou a peticionada dívida era de empreitada, disciplinado pelo DL 59/99, de 2/03, e, no outro (Acórdão fundamento), o contrato em causa era de fornecimento de bens e serviços regido pelo DL 197/99, de 8/06. O que quer dizer que não só os quadros normativos subjacentes aos mencionados Acórdãos eram desiguais como a realidade factual que eles trabalharam foi diferente o que, por si só, basta para que se conclua pela não verificação dos requisitos que condicionam a admissão deste recurso.
Ou seja, e dito de outra forma, as realidades materiais subjacentes a cada um dos Acórdãos em confronto como quadro jurídico em que eles laboraram foram diferentes o que significa que se não verificam os requisitos que consentem a admissão do presente recurso para uniformização de jurisprudência.
Tanto basta para se poder concluir que se não verificam os requisitos previstos nos art.ºs 24.º e 30.º do ETAF e que, por isso, o presente recurso não pode prosseguir.
Termos em que acordam os Juízes que compõem este Tribunal em deferir o requerido e, em consequência, declarar não verificada a alegada oposição de Acórdãos e julgar findo o recurso.
Custas pelo Recorrente.

Lisboa, 3 de Julho de 2014. – Alberto Acácio de Sá Costa Reis (relator) – Alberto Augusto Andrade de Oliveira – Jorge Artur Madeira dos Santos – António Bento São Pedro – Maria Fernanda dos Santos Maçãs – António Políbio Ferreira Henriques – Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa – José Augusto Araújo Veloso – José Francisco Fonseca da Paz – Vítor Manuel Gonçalves Gomes.