Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0576/15
Data do Acordão:10/01/2015
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:MARIA DO CÉU NEVES
Sumário:I - Se o fundamento da acção de indemnização é o facto ilícito tributário praticado pela Administração fiscal no âmbito das compensações e pagamento de quantias exigidas aos AA respeitantes a IVA, coimas e juros, que por alegadamente ilegal, lhes provocaram danos que pretendem por esta via ver ressarcidos, então podemos concluir que o que está em causa não é um conflito emergente de uma relação jurídica tributária, mas sim um conflito que apesar de ter a sua génese na actividade da Administração Tributária, emerge por razões alheias à concreta relação jurídica tributária.
II - Assim sendo, é inequívoco que a presente uma acção de responsabilidade civil extra contratual se rege pelas normas do direito civil e do direito administrativo e não pelas normas do direito tributário, sendo competente para decidir tal acção o Tribunal Administrativo.
Nº Convencional:JSTA000P19450
Nº do Documento:SA1201510010576
Data de Entrada:06/23/2015
Recorrente:ESTADO PORTUGUÊS
Recorrido 1:A............, LDA E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo
1. RELATÓRIO

O Ministério Público, inconformado com a decisão proferida no TCAN, em 16 de Janeiro de 2015, que negou provimento ao recurso, e nesta improcedência manteve a decisão proferida no TAF de Penafiel que julgou o Tribunal Administrativo incompetente em razão da matéria para conhecer dos pedidos formulados pelos AA., no âmbito da presente acção administrativa comum, interpôs recurso de revista para este Supremo Tribunal Administrativo.

Apresentou, para o efeito, as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem:

«1.ª) O presente recurso de revista é legalmente admissível, nos termos do artigo 150º, nº 1, do CPTA, uma vez que das decisões proferidas pelos Tribunais Centrais Administrativos “pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo (...) quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito” e, em especial, nos termos do nº 2 do mesmo artigo, quando tenha por fundamento a violação de lei substantiva ou processual;
2.ª) O Recorrente Estado Português veio circunscrever, expressamente, o objecto do presente recurso de revista à questão da competência material dos tribunais administrativos, conformando-se, pois, com o segmento decisório do acórdão in crisis que corroborou e manteve a decisão do TAF de Penafiel na parte em que, suposta essa incompetência em razão da matéria, determinou a absolvição dos RR. da instância;
3.ª) No caso sub judice,pugna o Recorrente Estado Português no sentido de que o, aliás douto, acórdão do TCA Norte efectuou uma errada interpretação e aplicação das disposições dos artigos 4º, 44º e 49º, todos do ETAF;
4.ª) Verifica-se, assim, a necessidade de intervenção desse Colendo STA para melhor aplicação do direito, mercê da relevância jurídica da questão suscitada, que assume importância jurídica fundamental;
5.ª) A solução da questão decidenda envolve a concatenação e a efectiva aplicação das normas e dos princípios do regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e, outrossim, do direito judiciário, maxime do ETAF, constituindo uma questão frequentemente suscitada perante os Tribunais de 1ª instância e os Tribunais Centrais Administrativos e, ademais, é possível adivinhar-se a multiplicação de situações em que os Tribunais serão chamados a apreciar esta temática;
6.ª) Esta concreta matéria jurídica já foi tratada por esse Colendo Tribunal, tendo aí gerado enorme controvérsia, continuando a digladiar-se, a nível dos tribunais inferiores, duas posições jurídicas de sentido oposto, facto que determina a essencialidade do seu tratamento pela mais alta instância jurisdicional, face à imprevisibilidade da solução jurídica que virá a ser consagrada, atenta, além do mais, a recente renovação do quadro de Juízes Conselheiros desse Alto Tribunal;
7.ª) Verifica-se, pois, a necessidade de intervenção do STA, quer pela relevância jurídica da questão suscitada, que assume importância fundamental, quer para melhor aplicação do direito, assim se justificando a admissão do presente recurso;

8.ª) Deverá, pois, ser efectuada a apreciação preliminar sumária, a que alude a norma do nº 5 do art.º 150º do CPT, e, considerando que o presente recurso preenche os pressupostos do nº 1 do mesmo artigo, ser o mesmo admitido;
Sem prejuízo e sem conceder,
9.ª) O, aliás douto, aresto recorrido violou as disposições legais aplicáveis ao caso sub judice,designadamente, as dos artigos 4º, 44º e 49º, todos do ETAF;

10.ª) Assim, ao ter invocado e aderido, expressamente, à fundamentação jurídica vazada no voto de vencido exarado no Acórdão do Plenário de 09/05/2012, no Processo nº 0862/11, o aresto em crise sufragou a posição doutrinal, desde sempre, minoritária desse Colendo STA;

11.ª) Ademais, o acórdão recorrido escamoteou e desconsiderou o facto de, posteriormente à prolatação do citado douto Acórdão do Plenário desse STA, ter sido tirado novo Acórdão, em 29-01-2014, no âmbito do Processo nº 01771/13, cuja argumentação jurídica foi seguida e profusamente transcrita pela Mma Juíza Conselheira cujo voto de vencido estribou o aresto ora em crise;

12.ª) Na verdade, a mesma Mma Juíza Conselheira viria a relatar o Acórdão de 10-09-2014, no Processo nº 090/14, em que, pelas razões aí explicitadas, aderiu à tese doutrinal vencedora, consagrada no supra citado Acórdão do Plenário de 29-01-2014;

13.ª) De todo o exposto, já ressuma que o TCA Norte andou mal ao sufragar, no aresto recorrido, uma tese doutrinal que, à data da sua prolação - 16/01/2015 - já nem sequer era seguida pela sua principal subscritora;

14.ª) Assim, parafraseando o citado Acórdão do Plenário, de 29-01-2014, “Não é a função – administrativa ou tributária – em que a Administração exerce o seu poder que determina a competência do Tribunal para o julgamento do conflito, visto essa competência resultar do facto do conflito emergir de uma relação jurídica administrativa ou de uma relação jurídica tributária”;
15.ª) Destarte, utilizando essas palavras sagazes e incontornáveis, “Só se pode falar em relação jurídica tributária quando um dos seus sujeitos for uma das entidades identificadas no nº 3 do art.º 1º da LGT e o seu objecto for a liquidação e cobrança de tributos ou a resolução dos conflitos daí decorrentes (art.º 30º do mesmo diploma) como só se pode falar em relação jurídica administrativa se o sujeito público que nela intervém não for uma das citadas entidades e não prosseguir as finalidades prosseguidas pela Administração tributária”;

16.ª) Sucede que a presente acção, embora configurada pelos AA. como uma acção de responsabilidade civil extracontratual do Estado fundada na prática de actos ilícitos tributários, não deixa de constituir uma verdadeira e típica acção administrativa comum, a que são aplicáveis as normas substantivas de direito civil (constantes do Código Civil) e de direito administrativo (consagradas na Lei nº 67/2007, de 31/12), estando, pois, excluída in casu a aplicação de quaisquer disposições próprias do direito tributário;
17.ª) Assim sendo, no caso sub judice, os Tribunais Administrativos são efectivamente competentes, em razão da matéria, para o seu conhecimento e decisão, estando, pois, a presente acção administrativa comum subtraída da competência material dos tribunais tributários;
18.ª) Nesta conformidade, deverá ser concedido total provimento ao recurso de revista interposto pelo R. Estado Português, revogando-se o, aliás douto, acórdão recorrido e substituindo-se por outro que, nos termos acima explanados, julgue o Tribunal Administrativo de Penafiel materialmente competente para conhecer da presente acção administrativa comum».

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Não foram apresentadas contra alegações.

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O «recurso de revista» foi admitido por acórdão deste STA [formação a que alude o nº 5 do artigo 150º do CPTA], proferido a 28.05.2015, nos termos seguintes:

(…) 2.2. As instâncias, de forma convergente, julgaram que o Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, enquanto tribunal administrativo, era incompetente para conhecer da acção, sendo competente o mesmo Tribunal, enquanto o tribunal tributário.

Para o seu julgamento, aderiram à tese que foi vencida no acórdão do Plenário deste Supremo Tribunal de 09/05/2012, processo nº 0862/11, depois vencida, também, no acórdão do mesmo Plenário de 29/01/2014, processo nº 01771/13.

A única questão jurídica que vem ao recurso é a da determinação do tribunal materialmente competente para decidir e apreciar a presente acção administrativa comum, para efectivação de responsabilidade civil extracontratual, com fundamento em facto ilícito tributário.

O tipo de questão suscitada nos autos já foi apreciado por este Tribunal, nos sobreditos acórdãos do Plenário.

Posteriormente a esses acórdãos, o Plenário passou a decidir, sem votos de vencido, na linha da tese vencedora, ou seja, estabilizou-se a jurisprudência de que a competência material para conhecer as acções administrativas comuns para efectivação de responsabilidade civil extracontratual, com fundamento em facto ilícito tributário, pertence aos tribunais administrativos: vejam-se os acórdãos de 15/10/2014, processo nº 0873/14, e de 14/05/2015, processo nº 1152/14. E também na Secção do Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal, no acórdão de 10/09/2014, processo nº 090/14, se ponderou, sobre questão jurídica idêntica, que a «posição jurisprudencial vencedora no Tribunal Plenário, deve ser respeitada face à suprema importância da segurança jurídica e da uniformidade na interpretação e aplicação da lei, que encontra consagração no art.º 8º, nº 3, do Código Civil – ao impor ao julgador o dever de considerar todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito».

Ora, o acórdão recorrido não reflectiu a jurisprudência já consolidada, justificando-se, deste modo, a admissão da revista, para uma melhor aplicação do direito».


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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

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2. FUNDAMENTAÇÃO

A…………, Ldª e B………… instauraram, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, acção administrativa comum, para efectivação de responsabilidade civil extracontratual, com fundamento em facto ilícito tributário, contra o Estado Português e outros.

O TAF de Penafiel por saneador-sentença de 24/01/2014 (fls. 982/992), julgou que a acção teria de ser apreciada e decidida pela área tributária e não pela área administrativa, julgando-se incompetente, em razão da matéria, enquanto tribunal administrativo.

Em recurso, o Tribunal Central Administrativo Norte, por acórdão de 16/01/2015 (fls. 1027/1038), manteve a decisão recorrida, sendo deste acórdão que vem interposto o presente recurso de revista.


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2.1. O DIREITO

Temos, pois, que a questão a decidir na presente revista é tão só saber se a decisão recorrida padece de erro de julgamento de direito por considerar que a competência para conhecer de pedido de indemnização fundado em responsabilidade civil extra-contratual por facto ilícito tributário pertence aos tribunais tributários ou aos tribunais administrativos.

Acresce que nos autos, inexiste qualquer contenda quanto à natureza fiscal da relação jurídica em que os AA concretizam a sua pretensão [alegada actuação ilícita, culposa e danosa por parte da administração fiscal no âmbito das compensações, pagamentos de tributos - IVA, coimas e juros – imputadas aos AA].

A questão em discussão neste recurso, que como se referiu consiste apenas em apurar se a competência para o conhecimento do pedido de indemnização com fundamento em responsabilidade civil extra contratual por factos ilícitos de natureza materialmente tributária, pertence à secção administrativa ou antes à secção tributária, foi alvo de jurisprudência nem sempre uniforme, durante os últimos anos, jurisprudência esta que, no entanto, se veio a solidificar de forma unânime com a prolação dos Acórdãos do Plenário deste Supremo Tribunal Administrativo, de 15/10/2014, in rec. nº 0873/14 e de 14/05/2015, in rec. nº 1152/14.

E porque se trata de jurisprudência já consolidada, que aponta no sentido de, as acções administrativas destinadas à apreciação da responsabilidade de entes públicos decorrentes da prática de actos tributários ou de actos administrativos em matéria tributária, fundadas em responsabilidade civil extra-contratual, serem da competência material dos tribunais administrativos [secção administrativa] limitar-nos-emos a transcrever o que a este propósito, com relevo, se escreveu no Acórdão proferido pelo Plenário deste STA em 14/05/2015, onde igualmente estava em causa uma acção administrativa para efectivação de responsabilidade civil extra contratual do Estado, pela prática de actos tributários ilegais [que por sua vez, reproduz o constante no proc. nº 01771/13 de 29/01/2014]:

«2. É sabido que, nos termos constitucionais, compete aos tribunais administrativos e fiscais “o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais" (seu art.º 212.º/3), normativo que foi vertido para a legislação ordinária pelo ETAF onde se dispôs que “os Tribunais da jurisdição administrativa e fiscal são órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo nos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais.” (seu art.º 1.º/1).

O que quer dizer que, nesta jurisdição, o que determina a competência material do Tribunal é a circunstância do conflito cuja resolução se pretende ter emergido de uma relação jurídica administrativa ou de uma relação jurídica fiscal. No primeiro caso será competente o Tribunal Administrativo, no segundo essa competência caberá ao Tribunal Tributário.

A natureza da relação jurídica que está na origem do dissídio é, assim, o elemento chave na tarefa de identificação do Tribunal competente para o julgamento.

O que nos força a definir o que se deve entender por relação jurídica administrativa e por relação jurídica tributária por tais definições serem essenciais na economia da decisão que temos de tomar.

2. 1. O conceito de relação jurídica administrativa não tem assento legal o que não impede que possamos, para o presente efeito, considerá-la como uma relação que se estabelece entre dois ou mais sujeitos regulada por normas de direito administrativo, em que um desses sujeitos é uma entidade ou um órgão da Administração Pública que actua no exercício de poderes de autoridade que lhe são próprios com vista à satisfação do interesse público.

Já o mesmo não acontece com a noção de relação jurídica tributária visto estas não só têm definição legal – são as “estabelecidas entre a administração tributária, agindo como tal, e as pessoas singulares e colectivas e outras entidades legalmente equiparadas a estas” (art.º 1.º/2 da Lei Geral Tributária) – como têm o seu objecto normativamente especificado (…) e têm indicadas as entidades da Administração Tributária que podem figurar como sujeitos dessa relação (…).

Não se pense, porém, que as relações jurídicas administrativas e as relações jurídicas fiscais se repelem mutuamente ou que é possível traçar entre elas uma clara e inultrapassável linha divisória pois o facto de um dos seus sujeitos ser, forçosamente, uma entidade ou órgão da Administração não só destrói essa ideia como nos leva a concluir que, na sua essência, a relação jurídica tributária é uma espécie de um género mais abrangente, a relação jurídica administrativa. Conclusão que resulta do facto de um dos sujeitos daquela relação estar integrado na Administração e de, por isso, ao menos mediatamente, a mesma ter natureza administrativa e ser, subsidiariamente, regulada por normas de direito administrativo (art.º 2º/c) da LGT).

Por ser assim é que, por um lado, a lei fala em competências administrativas no domínio tributário (nº 3 do art.º 1º da LGT) e, por outro, o legislador teve grande preocupação em definir com rigor o conceito de relação jurídica tributária e de identificar as entidades que, em nome da Administração, nelas podiam intervir. Preocupação resultante da necessidade de a autonomizar, teórica e praticamente, perante a relação jurídica administrativa e de, nessa medida, se evitarem os problemas que poderiam advir de uma eventual confusão de conceitos.

Podemos, assim, dar por adquiridas duas importantes certezas; a primeira, é a de que a identificação do Tribunal competente para o julgamento da causa se afere em função da natureza administrativa ou tributária da relação donde emerge o litígio e, por conseguinte, não é a função – administrativa ou tributária – em que a Administração exerce o seu poder que a determina; a segunda, é a de que só se pode falar em relação jurídica tributária quando um dos seus sujeitos for uma das entidades legalmente identificadas (art.º 1º/3 da LGT) e o seu objecto for a liquidação e cobrança de tributos ou a resolução dos conflitos daí decorrentes (art.º 30º do mesmo diploma) e de que estaremos perante uma relação jurídica administrativa se, por um lado, o sujeito público que nela intervém não for nenhuma das citadas entidades e, por outro, essa intervenção não se destinar a prosseguir as finalidades cometidas à Administração Tributária.

2.2. O que fica dito elucida-nos das razões que levaram o legislador a definir a competência dos Tribunais Administrativos de uma forma muito ampla e genérica e do mesmo não ter sucedido quando se tratou de definir a competência dos Tribunais Tributários. Com efeito, enquanto o art.º 44º/1 (…) do ETAF estatuiu que cabe aos Tribunais Administrativos conhecer “de todos os processos do âmbito da jurisdição administrativa”, o seu art.º 49º (…) indicou com rigor as matérias cujo julgamento era da competência dos Tribunais Tributários - as acções onde se impugnem os actos de fixação dos valores patrimoniais ou de fixação da matéria colectável, bem como os actos liquidação dos tributos, de aplicação de coimas e dos incidentes relacionados com esses actos e, além destas, das “demais matérias que lhes sejam deferidas por lei” [al.ª f)].

O que quer dizer que, se bem virmos, o legislador configurou os Tribunais Administrativos como uma espécie de Tribunal comum da jurisdição administrativa – vocacionados para julgar todos os conflitos que a lei não comete especificamente aos Tribunais Tributários – e que a competência atribuída aos Tribunais Tributários foi definida em termos bem precisos e rigorosos – cabe-lhe julgar os conflitos emergentes das relações jurídicas tributárias elencadas na lei – o que tem por consequência que estes não podem ser chamados a intervir se inexistir disposição legal a atribuir-lhes a competência para o julgamento do conflito em questão.

Por ser assim não é lícito afirmar que o facto de inexistir no elenco do art.º 49.º do ETAF uma referência aos litígios decorrentes de responsabilidade civil emergente de questões fiscais é insuficiente para declarar que os Tribunais Tributários são incompetentes para o julgamento das acções fundadas naquela responsabilidade e não é lícito porque essa omissão quer, justamente, significar que o legislador não quis que essa matéria integrasse a competência dos Tribunais Tributários.

E de nada vale convocar o que se dispõe no art.º 4.º/1, al.ªs g) e h) do ETAF (…) para contrariar o que fica dito, uma vez que estatuir que os Tribunais Administrativos e os Tribunais Tributários são competentes para julgar questões em que haja lugar a responsabilidade civil extracontratual de pessoas colectivas de direito público, sem especificar a quem cabe esse julgamento em cada caso, remete-nos para as normas gerais de atribuição de competência contidas nos artºs 44º e 49º do ETAF. E, como já sabemos, destas resulta que a competência para julgar acções fundadas naquela responsabilidade não está cometida aos Tribunais Tributários.

De resto, é muito significativo que o processo tributário não inclua as acções destinadas a efectivar a responsabilidade civil extracontratual como uma das formas dos contribuintes poderem defender os seus direitos».

Mais recentemente, no Plenário deste STA, por acórdão de 25/06/2015 in proc. nº 0664/15, consignou-se – por referência ao proc. nº 0873/14:

«É sabido que as acções do género – de responsabilidade civil extracontratual dos entes públicos – costumam correr nos tribunais administrativos, e não nos tributários. E essa prática – cuja repetição, por si só, nada garante – tem um genuíno fundamento legal.

Concede-se que o ETAF não é perfeitamente claro na repartição de competências entre as subjurisdições administrativa e tributária. Mas, se cotejarmos os arts. 44º e 49º do diploma, atentando na minuciosa previsão, no último deles, dos assuntos cujo conhecimento incumbe aos Tribunais Tributários, logo recolheremos aí um forte indício de que o ETAF recortou as competências dessas subjurisdições por forma a conferir à administrativa uma competência que se pode qualificar como residual ou por exclusão. Sendo assim, o próprio ETAF inculca que a apreciação das acções de responsabilidade civil propostas na jurisdição administrativa e fiscal compete ordinariamente aos tribunais administrativos – conclusão que negativamente se extrai do pormenor de elas não estarem directamente previstas no art. 49º do diploma.

E isso, para que o ETAF aponta, é confirmado pelo CPTA. Os destinatários imediatos deste código são os tribunais administrativos («vide» o seu art. 1º), aplicando-o os tribunais tributários de um modo apenas subsidiário (art. 2º, al. c), do CPPT). Ora, o art. 37º, nº 2, al. f), do CPTA é explícito no sentido de que a responsabilidade do Estado deve ser pedida através uma acção administrativa comum – a interpor nos tribunais que o diploma tem em vista e que são os administrativos.

E nenhuma estranheza há num tal desfecho. É que a determinação da competência material para conhecer dessas acções de responsabilidade costuma abstrair da natureza do assunto em que se inscreveu a conduta ilícita e danosa imputada ao Estado – como mostra o facto de ele responder nos tribunais administrativos por actos relacionados com o exercício das funções jurisdicional e legislativa (art. 4º, nº 1, al. g), do ETAF). E, se o Estado responde nos tribunais administrativos em tais casos, nada, «a fortiori», obsta a que possa civilmente responder na mesma sede por condutas ligadas a questões jurídico-fiscais».

Ora, sendo inequívoco que o fundamento da presente acção de indemnização é facto ilícito tributário praticado pela Administração fiscal no âmbito das compensações e pagamento de quantias exigidas aos AA respeitantes a IVA, coimas e juros, que por alegadamente ilegal, lhes provocaram danos que pretendem por esta via ver ressarcidos e, porque o Plenário do STA vem uniformemente decidindo que a competência material para conhecer desta responsabilidade dirigida contra entes públicos pertence não aos tribunais tributários mas aos tribunais administrativos [cfr. Acórdãos de 9/5/2012, de 29/1/2014, de 29/01/2014, de 10/09/2014, de 15/10/2014, de 14/5/2015 e de 3/6/2015, os quais foram proferidos, respectivamente, nos procs. nsº 0862/11, 1771/13, 621/14, 090/14, 0873/14, 1152/14 e 520/15], e ainda porque todas as considerações supra mencionadas se aplicam com integral rigor ao caso sub judice, impõe-se reiterar a jurisprudência que supra se transcreveu para assim se concluir, na procedência do recurso, pela competência dos tribunais administrativos.

3. DECISÃO:

Atento o exposto, acordam os juízes que compõem este Tribunal em conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida e determinar a remessa dos autos à secção administrativa do TAF de Penafiel, para aí prosseguir os seus termos se nada a tal obstar.

Sem custas.

Lisboa, 1 de Outubro de 2015. – Maria do Céu Dias Rosas das Neves (relatora) – Jorge Artur Madeira dos SantosTeresa Maria Sena Ferreira de Sousa.