Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0194/15
Data do Acordão:06/17/2015
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ARAGÃO SEIA
Descritores:CADUCIDADE DO DIREITO DE ACÇÃO
ABSOLVIÇÃO DO PEDIDO
CASO JULGADO MATERIAL
CPPT
Sumário:I – Ultrapassada a fase liminar, e verificada a caducidade do direito de acção, por extemporaneidade da petição inicial apresentada, impõe-se a absolvição da Fazenda Pública do pedido e não da instância, uma vez que a caducidade do direito de acção obsta à produção do efeito jurídico dos factos articulados pelo autor;
II – Não sendo impugnada a sentença que assim decide forma-se caso julgado material quanto a essa questão, nos termos do disposto nos artigos 619º, n.º 1 e 621º do NCPC;
III – A situação prevista no n.º 4 do artigo 37º do CPPT apenas aproveitará ao autor quando o mesmo tiver sido induzido em erro pela comunicação ou notificação que lhe foi feita pelo órgão tributário, quer essa comunicação ou notificação seja insuficiente ou errada, o que não se passa quando o mesmo impugna um acto de indeferimento presumido.
Nº Convencional:JSTA000P19166
Nº do Documento:SA2201506170194
Data de Entrada:02/20/2015
Recorrente:A... LDA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam os juízes da secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:


A……………… LDA, inconformada, recorreu da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa (TTL), datada de 23 de Maio de 2014, que julgou improcedente a impugnação que havia deduzido contra as liquidações adicionais de IVA nºs 306684, 306685, 306686, 306687, 306688, 306689, 306690, 306691, 306692, 306693, 306694, 306695, 306696, do ano de 1996; n°s 306699, 306700, 306701, 306702, 306703, 306704, 306705, 306706, 306707, 306708, 306709, 306710, 306711, do ano de 1997, e n°s 306714, 306715, 306716, 306717, 306718, 306719, 306720, 306721, 306722, 306723, 306724, 306725 e 306726, do ano de 1998.

Alegou, tendo concluído como se segue:
A) O presente recurso vem interposto da sentença proferida pelo Tribunal a quo que julgou improcedente a impugnação judicial apresentada pela ora Recorrente, a qual tem por objeto a apreciação jurisdicional da legalidade das liquidações de IVA dos anos de 1996 a 1998, no valor total de EUR 163.382,06;
B) Na ótica do Tribunal a quo, como resulta da sentença ora recorrida, não é possível conhecer do mérito da impugnação, dado que se verifica uma exceção que obsta ao conhecimento da causa, em concreto, a exceção do caso julgado, nos termos e para os efeitos dos artigos 497º e 498º do CPC;
C) A ora Recorrente não pode concordar com a referida decisão, desde logo porquanto não existe nenhuma exceção dilatória que obste ao conhecimento do presente pedido, uma vez que não se verificou uma situação de caso julgado, dado que o Tribunal, em sede da sentença do recurso contencioso previamente apresentado pela Recorrente, determinou a total improcedência do recurso apresentado, apenas e tão só, com base na alegada inadequação do meio processual utilizado face ao pedido efetuado;
D) Ou seja, por outras palavras, o Tribunal não proferiu qualquer decisão sobre o mérito da causa, tendo-se limitado a julgar inadequado o meio processual utilizado e a decidir pela impossibilidade de convolação do processo para o meio processual adequado — i,e., o Tribunal limitou-se a analisar questões prévias, nada decidindo quanto à relação material controvertida;
E) É assim por demais evidente que a decisão em apreço constitui apenas caso julgado formal, tendo apenas efeitos dentro do respetivo processo, nos termos do artigo 672º do CPC (atual artigo 620°), pelo que não se verifica qualquer exceção dilatória, nos termos e para os efeitos do artigo 493.° do CPC (atual 577°), o que se invoca para efeitos de revogação da decisão ora recorrida;
F) Este Venerando Tribunal já confirmou o entendimento ora defendido pela Recorrente quanto ao alcance do conceito de caso julgado formal, decidindo que, “As sentenças que recaiam unicamente sobre a relação processual, questões e incidentes fazem, apenas, caso julgado formal e só têm força obrigatória dentro do processo (artigos 96.º/2 e 672.º do CPC). A sentença só constitui caso julgado material nos precisos limites e termos em que julga (artigo 673.º do CPC). Ora, no caso concreto dos autos, inexiste caso julgado material, uma vez que na outra ação não se conheceu do mérito da causa, por se ter considerado que o ato tributário sindicado era inimpugnável por omissão da reclamação prévia para a Comissão de Revisão, nos termos do disposto no artigo 91° da LGT Portanto, ocorre apenas caso julgado formal quanto a essa questão, só tendo força obrigatória dentro do respetivo processo.” — vide acórdão n.° 0923/13, de 11.13.2013.
G) Resumindo, em sede do processo de recurso contencioso, o Tribunal não se pronunciou sobre o mérito da causa, nem proferiu qualquer decisão sobre a questão material controvertida, não podendo assim o Tribunal a quo julgar verificada a exceção do caso julgado, o que se invoca para os devidos efeitos legais, mormente de revogação da decisão ora recorrida.
H) Acresce que, conforme demonstrado pela ora Recorrente, a presente impugnação foi apresentada ao abrigo de uma disposição especial prevista no CPPT (artigo 37°, número 4) que permite expressamente a apresentação do meio processual adequado à apreciação de um pedido, sempre que o Tribunal em ação anterior que tenha conhecido do mesmo pedido, considere errado o meio processual utilizado, tal como se verificou no caso em apreço.
I) Como já decidiu este Venerando Tribunal (acórdão de 04.12.2012, processo n.° 0122/12), “II - Se o contribuinte interpõe acção administrativa especial, a convolação em processo de impugnação judicial constitui um poder/dever vinculado do juiz da causa (artigos 98.º n.° 4 do CPPT e 97.° n° 3 da LGT), que apenas pode ser afastado quando a convolação se mostre inviável perante a inidoneidade da petição inicial, a manifesta improcedência da pretensão ou a extemporaneidade da petição em função do meio processual adequado. III - A errónea indicação do meio de defesa na notificação efectuada ao contribuinte não torna idóneo o meio processual utilizado, determinando apenas a aplicação do disposto no artigo 37º, n.° 4 do CPPT no caso de se tornar impossível a convolação no meio processual adequado.”
J) Assim a Recorrente não pode aceitar a posição defendida pelo Tribunal a quo no sentido de que rejeitada a convolação por intempestividade do meio processual correto (a impugnação judicial), a Recorrente ficaria impedida de discutir a questão material controvertida por verificação da caducidade do direito de impugnação!
K) No caso em apreço, e como resulta da sua petição inicial, a Recorrente entende que o artigo 37.°/4 do CPPT se aplica inequivocamente ao caso em apreço, uma vez que a ratio da norma consiste em facultar ao sujeito passivo a apresentação do meio processual adequado às suas pretensões sempre que por motivo que lhe não seja imputável, tenha apresentado um outro meio processual, o qual a posteriori, o Tribunal vem a considerar como inaplicável ao caso em apreço.
L) Tudo resumido, e em virtude do disposto no número 4 do artigo 37.° do CPPT, é inequívoco que, tendo o tribunal determinado que o meio processual adequado ao caso em apreço seria o da impugnação judicial e decorrendo a utilização do meio de recurso contencioso de um motivo não imputável à ora Recorrente, conforme amplamente explicado nos presentes autos, é plenamente admissível a apresentação do presente meio, em estrito cumprimento do princípio da tutela jurisdicional efetiva previsto no número 4 do artigo 268.° da CRP;
M) Admitir-se um cenário e uma interpretação distinta, equivaleria a uma denegação do princípio da tutela jurisdicional efetiva e uma clara violação das mais elementares regras de segurança e boa-fé que devem regular as relações entre os particulares e o Estado;
N) Recorde-se que a alegada errónea aplicação do meio processual do recurso contencioso por parte da Recorrente não lhe pode ser assacada, decorrendo tal facto única e exclusivamente da deficiente formulação do artigo 76.° do CPPT e de uma interpretação jurisprudencial com a qual os contribuintes não podiam, atentos os princípios da confiança e boa-fé, razoavelmente, contar;
O) Tudo resumido, é assim evidente que a petição inicial apresentada pela ora Recorrente é manifestamente tempestiva e tem pleno enquadramento legal ao abrigo do artigo 37.°/4 do CPPT, o que motivará a anulação da decisão ora recorrida, devendo as liquidações ora sindicadas ser consequentemente anuladas com base nos fundamentos abaixo melhor expostos, tudo com as devidas consequências legais;
P) Delimitadas as questões formais subjacentes à prolação da decisão ora recorrida, a ora Recorrente não concorda com o entendimento defendido pela Administração Tributária que motivou a realização de correções em sede de IVA dos anos de 1996 a 1998, considerando que o procedimento de inspeção padece de vício de falta de fundamentação, padecendo ainda as liquidações objeto da presente impugnação judicial de vicio de violação de lei, o que motivará a procedência do presente recurso;
Q) Conforme resulta da prova efetuada nos presentes autos, a ora Recorrente, em sede de resposta aos projetos de indeferimento das reclamações graciosas relativas aos atos tributários objeto dos presentes autos, veio ao processo deduzir uma série de argumentos de facto e de Direito, tendo questionado, de forma fundamentada, a legalidade dos respetivos procedimentos tributários, invocando a violação dos artigos 60°, 68.° e 77.° da LGT;
R) Ora, no caso em apreço, a falta de fundamentação decorre da circunstância de, determinando o n.° 6 do artigo 60.° da Lei Geral Tributária (atual artigo 60°, número 7) a obrigatoriedade de a Administração Tributária levar em conta na fundamentação da decisão final os elementos novos suscitados na audição dos contribuintes, a simples menção sumária de que é de manter a decisão constante do projeto de decisão, sem nada acrescentar de substancial, ou mesmo a reprodução integral da “fundamentação” anteriormente expressa, não integra o conceito de ato fundamentado.
S) Com efeito, da análise da notificação das decisões de indeferimento expresso das reclamações graciosas não é possível descortinar os motivos porquanto as objeções formuladas pela ora Recorrente em sede de audição prévia foram desconsideradas na decisão final dos procedimentos tributários, nem tão pouco se descortina, os motivos e razões, que levam a Administração Tributária a afirmar que a atividade de publishing se encontra abrangida pelo n.° 17 do artigo 9° do CIVA, não existindo também qualquer referência à Informação n.° 1610, da DSIVA, processo A10095049, mormente a justificação porquanto não seria de aplicar o entendimento administrativo aí vertido, e que é oposto ao postulado para fundamentação dos atos tributários ora sindicados;
T) Assim, ao omitir por completo na “fundamentação” da decisão as razões que a levaram a desconsiderar os argumentos e razões trazidas pela Recorrente em sede da reclamação graciosa subjacente aos presentes autos, sempre se há de concluir que a Administração Tributária não cumpriu o dever de fundamentação conforme preceituado no artigo 77.° da Lei Geral Tributária, o que se invoca para os devidos efeitos legais;
U) Acresce que, em sede de audição prévia aos projetos de indeferimento das reclamações graciosas, a ora Recorrente invocou a existência de uma informação emitida pela Direção de Serviços do IVA, a qual, a propósito de uma situação absolutamente idêntica à da Recorrente, postula claramente que a exploração de obras musicais por entidades diversas dos autores não se mostra abrangida pela isenção do n.° 17 do artigo 9° do CIVA;
V) Resulta claramente do exposto que a questão de direito em análise nos presentes autos é incontroversa para a Administração Tributária, revelando-se absolutamente contrário aos princípios da igualdade, da justiça e da tutela da confiança legítima consagrados nos artigos 55° da LGT e 7.° do CPA, que a Administração Tributária, perante factos tributários simetricamente idênticos, profira duas decisões diametralmente opostas;
W) Ora, face ao disposto na alínea b) do n.° 4 artigo 68° da LGT, a Administração Tributária está não apenas vinculada às orientações genéricas contidas em circulares administrativas, mas também ao teor dos “instrumentos de idêntica natureza”, vide os despachos que, mesmo incidindo sobre casos concretos de aplicação das normas tributárias, comportem orientações de natureza genérica que sejam utilizadas pelos serviços como precedente na determinação das soluções concretas dos sujeitos passivos;
X) Ora, como resulta da prova documental junta aos presentes autos, nos Despachos do Diretor de Finanças de Lisboa não há sequer uma tentativa de explicação dos motivos do afastamento de tal orientação administrativa que esteve na base da conduta da ora Recorrente, motivo porquanto se deve entender que os atos tributários objeto dos presentes autos padecem de manifesto vício de lei, por violação do artigo 55.° do CPPT, n.° 7 do artigo 60°, n.° 4 do artigo 68.° e artigo 77°, todos da LGT, o que se invoca para os devidos efeitos legais, mormente de procedência dos presentes autos;
Y) Acresce que, no caso dos presentes autos, não estão verificados os pressupostos para liquidação de juros compensatórios, desde logo por inexistência de comportamento censurável do contribuinte, mas também por que as liquidações de juros sindicadas violam de forma expressa o disposto no n.° 9 do artigo 35° da LGT, uma vez que não evidenciam a taxa de juros aplicada, o montante da dívida principal, o número de dias, não evidenciando com clareza o cálculo dos juros conforme expressamente preceituado na supra referida norma legal, o que determina a sua anulabilidade por falta de fundamentação legal;
Z) Face a tudo o acima exposto, deve o presente recurso jurisdicional ser julgado procedente por provado, requerendo-se a este Venerando Tribunal que revogue a decisão ora recorrida e, consequentemente, anule os atos tributários ora sindicados, com base nos vícios acima melhor expostos nas presentes alegações, tudo com as demais consequências legais, mormente o direito da Recorrente à restituição das quantias indevidamente pagas acrescidas dos juros indemnizatórios nos termos do artigo 43.° da LGT.
Nestes termos, e nos melhores de Direito que os mui Ilustres Juízes CONSELHEIROS deste Venerando Tribunal assim o julgarem no seu MUI douto juízo, deve o recurso interposto pela Recorrente ser julgado totalmente procedente, requerendo-se a revogação da decisão ora recorrida, com base nos fundamentos acima melhor expostos e a consequente remessa do processo para o Tribunal a quo para efeitos de apreciação da questão material controvertida e prolação de nova decisão sobre o mérito, concluindo-se no sentido da anulação das liquidações de IVA objeto dos presentes autos, tudo com as demais consequências legais.
Não obstante o pedido acima exposto, caso este venerando Tribunal entenda que dispõe de todos os elementos para apreciação das questões de direito controvertidas nos presentes autos e decida não ordenar a remessa do processo de novo para a 1ª instância, a ora Recorrente requer ainda a este Venerando Tribunal, ao abrigo do atual artigo 665.° do CPC, que conheça em substituição do mérito do pedido apresentado pela ora Recorrente

Não foram produzidas contra-alegações.

O Ministério Público emitiu o seguinte parecer:
“A……………., Lda” recorre da sentença do TAF de Lisboa de 23.05.2014 que julgou improcedente a Impugnação das liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios referentes aos exercícios de 1996 a 1998.
Questão que se coloca é se a sentença recorrida errou ao considerar procedente a excepção do caso julgado invocada pela Fazenda Pública e acompanhada pelo Ministério Público da 1ª Instância.
Creio que não assiste razão à ora Recorrente.
Como se vê dos factos provados e de fls. 233 e sgs. para as quais remete o ponto B do probatório, a Impugnante, ora Recorrente, visando a anulação das liquidações impugnadas nos presentes autos, interpôs no extinto Tribunal Tributário de 1ª Instância de Lisboa recurso contencioso, que correu termos sob o n.° 381/07.
Nesse processo foi, em 21.10.2009, proferida sentença que, bem ou mal, convolou os autos de recurso contencioso em autos impugnação judicial, julgando estes “não provados e improcedentes” e, em consequência”, absolvendo a F.P. dos pedidos.
Em 10.12.2009 deu entrada em tribunal a petição da presente impugnação, alegadamente apresentada ao abrigo do n.° 4, do art. 37.° do CPPT (ponto E dos factos provados).
Ora, não parece que no caso vertente tenha aplicação o preceito invocado.
É verdade que dos termos da sentença claramente resulta que o não conhecimento do mérito da causa decorreu do facto da petição não ser tempestiva para o processo de impugnação judicial, que era o meio próprio para sindicar a legalidade das liquidações de IVA em causa e dos respectivos juros compensatórios.
Porém, o que é facto é que o tribunal efectuou a convolação do recurso contencioso em impugnação judicial, que julgou improcedente, com absolvição da F.P. dos pedidos e essa decisão, como a própria impugnante o reconhece no art. 17.° do articulado inicial, transitou em julgado em 17.11.2009.
Ora, esta situação, salvo melhor entendimento, é bem diversa daquela que vem contemplada no art. 37°, n.° 4 do CPPT.
Com efeito, o uso da faculdade prevista no art. 37°, n.° 4 do CPPT pressupõe a existência de erro na notificação quanto ao meio de reacção contra o acto notificado.
E, no caso vertente, é manifesto que tal não ocorre uma vez que a AT não indicou erradamente qual o meio de reacção a utilizar pelo contribuinte para reagir contra o acto ou actos de que foi notificado. Aliás, nem sequer decidiu o recurso hierárquico na sequência do qual foi interposto o recurso contencioso (art. 12.° da p.i. e fls. 215 e segs.) e, no que concerne à notificação das decisões das reclamações graciosas, indicou acertadamente que das mesmas cabia recurso hierárquico ou impugnação Judicial e quais os prazos a observar, nos termos dos arts. 66°, n.° 2 e 102°, n.° 2, ambos do CPPT, respectivamente (cfr. art. 10º da p.i. e fls. 138, 151 e 164).
Consequentemente, não pode ser assacada à AT qualquer erro na utilização pela ora Recorrente do meio processual do recurso contencioso que a sentença proferida nesse processo, devidamente transitada, convolou em impugnação judicial e, Jogo, julgou improcedente.
Não pode, pois, a ora Recorrente, socorrendo-se da faculdade prevista no art. 37°, n.° 4 do CPPT, recuperar não só o prazo para a dedução de impugnação judicial como também a possibilidade de ver reapreciados em nova impugnação judicial pedidos sobre o quais, bem ou mal, repete-se, já foi produzida decisão transitada, deles se absolvendo a F.P..
Nesta conformidade, sou de parecer que o presente recurso deverá ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se a sentença recorrida.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

Na sentença recorrida deu-se como assente a seguinte factualidade concreta:
A. A Sociedade aqui Impugnante interpôs, no extinto Tribunal Tributário de Primeira Instância de Lisboa, Recurso Contencioso das seguintes liquidações adicionais de IVA: n°s 306684, 306685, 306686, 306687, 306688, 306689, 306690, 306691, 306692, 306693, 306694, 306695, 306696, do ano de 1996; n°s 306699, 306700, 306701, 306702, 306703, 306704, 306705, 306706, 306707, 306708, 306709, 306710, 306711, do ano de 1997, e n°s 306714, 306715, 306716, 306717, 306718, 306719, 306720, 306721, 306722, 306723, 306724, 306725 e 306726, do ano de 1998 - cfr. fls. 215;
B. Em 21 de Outubro de 2009, nos autos de Recurso Contencioso referidos em A, que correram neste Tribunal com o n° 381/07, antes n° 12/03, do 2° Juízo, 2ª Secção, do extinto Tribunal Tributário de Primeira Instância de Lisboa, foi proferida sentença de convolação do processo de Recurso Contencioso em Impugnação Judicial e, com fundamento na caducidade do direito de acção, indeferida a Impugnação - cfr. fls. 233 e ss;
C. Da decisão referida em A foi o ora Impugnante notificado, por carta registada, em 27 de Outubro de 2009 - cfr. fls. 233;
D. Resulta do SITAF que a decisão referida em C não foi objecto de recurso ou de qualquer reclamação - consulta do SITAF;
E. Em 10 de Dezembro de 2009, deu entrada em tribunal, remetida, antes, por telecópia de 7 do mesmo mês, PI de Impugnação Judicial, alegadamente, apresentada ao abrigo do disposto no n° 4 do art. 37° do CPPT e do art. 97º do mesmo código - cfr. fls. 4 e 29;
F. No processo de Recurso Contencioso referido em A, pedia a ora Impugnante a anulação das liquidações referidas, também em A, e o pagamento de juros indemnizatórios nos termos do art. 43° da LGT, a computar entre 22 de Fevereiro de 2001 e a data do efectivo reembolso, sendo a causa de pedir a falta de fundamentação das liquidações, a violação do principio da igualdade e do art. 68° da LGT, e a ilegalidade da liquidação de juros compensatórios - cfr. fls. 231;
G. Na presente Impugnação pede a Impugnante a admissão da Impugnação ao abrigo do art. 37°, n° 4, do CPPT, a anulação das mesmas liquidações referidas em A, e o pagamento de juros indemnizatórios nos termos do art. 43° da LGT, a computar entre 22 de Fevereiro de 2001 e a data do efectivo reembolso, sendo a causa de pedir a falta de fundamentação das liquidações, a violação do princípio da igualdade e do art. 68° da LGT, e a ilegalidade da liquidação de juros compensatórios - cfr. fls. 29.
Nada mais se deu como provado.

Há agora que conhecer do recurso que nos vem dirigido.
A recorrente, inconformada, pretende a revogação da sentença proferida nos autos a fls. 306 a 310 que julgou improcedente a impugnação uma vez que em decorrência de decisão judicial anterior transitada em julgado, em que se havia reconhecido a caducidade do direito de acção (de impugnar), se extinguiu relativamente à impugnante “…o direito de impugnar tais liquidações”.

Alega, em síntese, e no que interessa para a revogação da decisão recorrida:
-não existe nenhuma exceção dilatória que obste ao conhecimento do presente pedido, uma vez que não se verificou uma situação de caso julgado, dado que o Tribunal, em sede da sentença do recurso contencioso previamente apresentado pela Recorrente, determinou a total improcedência do recurso apresentado, apenas e tão só, com base na alegada inadequação do meio processual utilizado face ao pedido efetuado;
-que a decisão em apreço constitui apenas caso julgado formal, tendo apenas efeitos dentro do respetivo processo, nos termos do artigo 672º do CPC (atual artigo 620°), pelo que não se verifica qualquer exceção dilatória, nos termos e para os efeitos do artigo 493.° do CPC (atual 577°), o que se invoca para efeitos de revogação da decisão ora recorrida;
-a presente impugnação foi apresentada ao abrigo de uma disposição especial prevista no CPPT (artigo 37°, número 4) que permite expressamente a apresentação do meio processual adequado à apreciação de um pedido, sempre que o Tribunal em ação anterior que tenha conhecido do mesmo pedido, considere errado o meio processual utilizado, tal como se verificou no caso em apreço;
-em virtude do disposto no número 4 do artigo 37.° do CPPT, é inequívoco que, tendo o tribunal determinado que o meio processual adequado ao caso em apreço seria o da impugnação judicial e decorrendo a utilização do meio de recurso contencioso de um motivo não imputável à ora Recorrente, conforme amplamente explicado nos presentes autos, é plenamente admissível a apresentação do presente meio, em estrito cumprimento do princípio da tutela jurisdicional efetiva previsto no número 4 do artigo 268.° da CRP.

Vejamos, então.
Na referida decisão transitada em julgado, facto B. do probatório, constante de fls. 235 a 240, apreciou-se a questão da propriedade do meio processual utilizado pela impugnante (o recurso contencioso de anulação), tendo-se concluído que o meio processual adequado era a impugnação judicial.
Sendo certo que esse recurso contencioso de anulação foi intentado, tal como resulta do probatório dessa decisão, facto 7º, de um acto silente, ou seja, de um indeferimento presumido do recurso hierárquico que oportunamente havia sido intentado junto da Administração Fiscal.
Face a essa conclusão, e à decisão de convolação no meio processual adequado, tal como assim se entendeu na referida sentença, apreciou-se a tempestividade desses autos já assumindo como se de uma impugnação judicial se tratasse, tendo-se, então, concluído que a impugnante já havia deixado passar o prazo legalmente estipulado para a dedução da impugnação judicial.
E, nesse seguimento, decidiu-se:
Por tudo quanto vem de ser exposto, convolo os presentes autos de acção de recurso contencioso deduzidos por… em autos de impugnação e, julgo os mesmos não provados e improcedentes, pelo que em consequência absolvo a F.P. dos pedidos”.
E o que é certo, é que desta decisão não foi interposto qualquer recurso.

Portanto, se bem se percebe, nessa sentença em questão, decidiu-se:
-convolar o recurso contencioso de anulação em impugnação judicial;
-julgar improcedente os pedidos formulados na impugnação judicial por se mostrar caduco o direito de acção.

Do alinhamento do relatório dessa referida sentença, a mesma foi proferida já no momento próprio, ou seja, após os articulados das partes, após a fase de alegações e após o parecer do Ministério público, ou seja, não se tratou de despacho liminar, ou sequer, de decisão imediatamente subsequente aos articulados.
Tem este Supremo Tribunal entendido que, ultrapassada a fase liminar, e verificada a caducidade do direito de acção, por extemporaneidade da petição inicial apresentada, impõe-se a absolvição da Fazenda Pública do pedido e não da instância, uma vez que a caducidade do direito de acção obsta à produção do efeito jurídico dos factos articulados pelo autor, cfr. entre outros, acórdãos deste STA, datados de 22/05/2013, de 05/02/2015 e de 22/04/2015, respectivamente, recs. n.ºs. 0340/13, 01775/13 e 01194/14.
A solução encontrada na referida sentença, facto B. do probatório, respeitou esta doutrina e aplicou-a, ou seja, após a convolação dos autos e tendo constatado que a impugnação seria extemporânea absolveu a Fazenda Pública dos pedidos que contra si haviam sido formulados.
Não se limitou nessa sentença a pronúncia relativamente a questões de forma, a questão que contendesse unicamente com a tramitação ou regularidade processual, considerou-se que a impugnante havia perdido o direito a impugnar e, em consequência, absolveu-se a Fazenda Pública dos pedidos.
E assim sendo, não há dúvida que se formou o caso julgado material quanto a essa questão, nos termos do disposto nos artigos 619º, n.º 1 e 621º do NCPC e não caso julgado formal nos termos do disposto no artigo 620º do mesmo Código.

Portanto, ao não ter sido impugnada tal sentença ficou definitivamente decidida a questão da “inexistência” do direito de acção na esfera jurídica da impugnante e, consequentemente, já não se está perante a situação prevista no artigo 37º, n.º 4 do CPPT (No caso de o tribunal vier a reconhecer como estando errado o meio de reacção contra o acto notificado indicado na notificação, poderá o meio de reacção adequado ser ainda exercido no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado da decisão judicial).
A propósito deste n.º 4 escreve J. Lopes de Sousa, CPPT Anotado, 6ª edição, vol I, pág. 362: “No n.° 4 deste art. 37.° pressupõe-se que o uso de um meio de reacção inadequado justifica uma decisão de rejeição.
Porém, quando não é caso disso, por se tratar de situação em que o acto impugnado é susceptível de impugnação contenciosa, mas não foi utilizada a forma processual adequada [por exemplo, utilização do processo de impugnação judicial em situação em que deve ser utilizada a acção administrativa especial, nos termos do art. 97.°, n.º 1, alíneas d) e p), do CPPT], estar-se-á perante um mero erro na forma de processo judicial, que deve ser corrigido, através da convolação do processo para a forma adequada, como impõem os arts 97.°, n.° 3, da LGT e 98.°, n.° 4, do CPPT, desde que a petição possa ser aproveitada para esse fim.
Porém, se a petição não poder ser aproveitada para o meio processual adequado, deverá aplicar-se também a regra deste n.° 4 do art. 37.°, permitindo ao interessado a correcção do erro, pois, desde há muito que se vem adoptando o entendimento de que os interessados não devem ser prejudicados por erros de entidades públicas competentes, princípio este que tem afloramentos explícitos no n.° 6 do art. 161.° e no n.° 3 do art. 198.° do CPC.
Por aplicação deste mesmo princípio, no caso de o obstáculo à convolação para o meio processual adequado ser exclusivamente a intempestividade, se a petição foi apresentada tempestivamente para o meio processual errado indicado na notificação, deverá considerar-se a petição tempestiva, corrigindo-se o erro na forma de processo.”.
Surpreende-se, da economia deste preceito, que a situação prevista neste n.º 4 apenas aproveitará ao autor quando o mesmo tiver sido induzido em erro pela comunicação ou notificação que lhe foi feita pelo órgão tributário, quer essa comunicação ou notificação seja insuficiente ou errada.
No caso concreto não houve qualquer comunicação ou notificação, a impugnante atacou um acto de indeferimento presumido o que implica, necessariamente, o silêncio da Administração, quer quanto à decisão, quer quanto, naturalmente, à subsequente notificação.
De resto, nem sequer se poderia afirmar existir dúvida séria no tocante ao meio processual judicial de que o recorrente deveria lançar mão para atacar tal acto de indeferimento presumido uma vez que, ao longo do tempo, tem sido uniforme a interpretação do disposto no artigo 102º, n.º 1, als. d) e e) do CPPT (na redacção à data) no sentido de que o indeferimento presumido do recurso hierárquico interposto do acto de indeferimento de reclamação graciosa interposto contra a liquidação do imposto se faz por via da impugnação judicial e não por via do recurso contencioso de anulação (hoje acção administrativa especial), cfr., entre outros, acórdão deste Supremo Tribunal datado de 12/06/2007, rec. n.º 0341/07.
Podemos, assim, concluir que o caso concreto não se subsume ao disposto naquele n.º 4 do referido artigo 37º, pelo que, também por esta razão o presente recurso não merece provimento.

Termos em que acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal em negar provimento ao recurso que nos vinha dirigido.
Custas pela recorrente.
D.n.

Lisboa, 17 de Junho de 2015. – Aragão Seia (relator) – Casimiro GonçalvesFrancisco Rothes.