Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01076/17
Data do Acordão:02/28/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ASCENSÃO LOPES
Descritores:EMBARGOS DE TERCEIRO
TERCEIRO
REGISTO PREDIAL
PRIORIDADE
Sumário:Tendo o embargante provado a aquisição do direito de propriedade sobre o imóvel penhorado (embora não levado a registo na Conservatória de Registo Predial) em data anterior à penhora, deve esse direito prevalecer sobre a penhora registada na execução fiscal instaurada contra uma sociedade e que não reverteu contra si, pois face ao conceito de terceiros para efeitos de registo acolhido pelo acórdão uniformizador nº 3/99 do STJ, prolatado em 18/05/99, e o conceito que, em consonância com a doutrina desse acórdão, veio a ser vertida no art. 5º, nº 4, do Cód. Reg. Predial pelo DL nº 533/99, de 11 Dezembro, o embargante e o exequente não são terceiros para efeitos de registo, não lhes sendo, por isso, aplicável a prioridade derivada do registo proclamada pelo nº 1 do artigo 6º Cód. Reg. Predial.
Nº Convencional:JSTA00070559
Nº do Documento:SA22018022801076
Data de Entrada:10/03/2017
Recorrente:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A... E OUTRO
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF SINTRA
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL
Legislação Nacional:CRP ART5 ART6 ART8
CCIV66 ART408 ART879.
Jurisprudência Nacional:AC STAPROC0162/14 DE 2016/01/07.; AC STJ 3/99 DE 1999/05/18
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1 - RELATÓRIO
A Representante da Fazenda Pública, vem recorrer da decisão do TAF de Sintra, exarada a fls. 160 e seguintes, que julgou procedente os embargos de terceiros deduzidos por A……………, melhor identificada nos autos, contra a penhora efectuada pela Administração Fiscal, no âmbito do processo de execução fiscal nº 3557-2009/01008889 em que é executado o marido, B………………

Inconformada com o assim decidido, apresentou a Representante da Fazenda Pública as respectivas alegações que resumiu nas seguintes conclusões:
«I. Vem o presente recurso reagir contra a douta sentença que julgou procedente os Embargos de Terceiro deduzidos por A……………., contra os actos de penhora efectuados pela Administração Tributária no âmbito do processo de execução fiscal n.º 3557200901008889 e apensos, instaurado contra B…………. por reversão da execução instaurada contra C…………….. Lda. por dívidas de IVA e IRC referentes ao ano de 2004.
II. A penhora de cada um dos imóveis identificados nos autos, devidamente registadas, foram efectuadas em 14/06/2010 e em 25/01/2011.
III. A partilha do património comum da embargante e do seu ex-marido, executado por reversão na execução fiscal acima identificada, ocorreu em 26/03/2010 na sequência de divórcio, com a adjudicação dos bens imóveis penhoradas à embargante.
IV. O registo da aquisição dos imóveis foi efectuado pela embargante em 14/05/2012.
V. Pelo que, em momento posterior às penhoras efectuadas no âmbito da execução fiscal identificada.
VI. Prevalecendo, perante a incompatibilidade de direitos, de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 6.º do Código de Registo Predial, o direito real de garantia constituído em data anterior à aquisição registada pela embargante em 14/05/2012.
VIl. Procedendo a douta sentença à subsunção do quadro fáctico apontado às normas legais aplicáveis em violação do disposto no n.º 1 do artigo 6.º do Código de Registo Predial.
TERMOS EM QUE, CONCEDENDO-SE PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO DEVE A DOUTA SENTENÇA, ORA RECORRIDA, SER REVOGADA, ASSIM SE FAZENDO A COSTUMADA JUSTIÇA.»

Foram apresentadas contra alegações com o seguinte quadro conclusivo:
«a. A Recorrida entende que deverá manter-se a douta sentença já proferida.
b. Na medida em que partilha do mesmo entendimento do Meritíssimo Juiz do tribunal “a quo”, quando referiu na sentença recorrida que “(...) Não é controvertida a circunstância de os bens terem sido partilhados nem que os mesmos tenham sido adjudicados à ora Embargante.
c. (...) o direito de garantia do AA que conflitua com o direito de propriedade da recorrente/embargante, posteriormente levada a registo, deriva de diligência judicial (a penhora), situação não enquadrável no conceito restrito de terceiros, não goza o mesmo da protecção registral de que se arroga, não obstante a respectiva inscrição ser anterior. No caso, não sendo aquele terceiro, para efeitos de registo, não funcionam obviamente as suas regras, designadamente a da prioridade (prior in tempore, potior jure), que é afastada pelo princípio da transmissibilidade de direitos que opera imediata e eficazmente, independentemente do registo.”
d. A Recorrida é proprietária das fracções autónomas penhoradas em execução desde 26/03/2010, por força da partilha em consequência de divórcio, na qual as mesmas lhe foram adjudicadas.
e. Ainda antes de 26.03.2010, a Recorrida, já agia enquanto legítima possuidora das fracções em questão, exercendo actos de posse e comportando-se como sua legítima possuidora, sendo que, após 26/03/2010, também como sua única e exclusiva proprietária.
f. Não têm razão a Recorrente quando pretende aqui ver aplicadas as regras registrais, designadamente as previstas nos artigos 5° n°1 e 6° do Código de Registo Predial, pelo simples facto de a Recorrida apenas ter registado tal aquisição após o registo da penhora.
g. Na verdade, a aquisição da Recorrida prevalece sobre o registo da penhora, efectuado no âmbito de uma execução movida por um credor (AT) contra o ex-cônjuge da Recorrida.
h. Neste sentido pronunciou-se o Tribunal da Relação do Porto, no âmbito do processo 7000/09.3T2AGD-A.P1, através do acórdão de 17.12.2014, quando refere que diz o seguinte: “a partilha amigável é um modo previsto na lei de um dos cônjuges adquirir a propriedade exclusiva para si do bem antes comum do casal — art°s 1316° e 1317°, do CC. É um negócio translativo. Por mero efeito dela, o direito real transferiu-se para a embargante — art° 408°, n° 1, CC. Em consequência, esta goza sobre ele dos poderes plenos e inerentes conferidos pelo art° 1305°, de o usar fruir e dele dispor.
Simplesmente, antes de ela levar ao registo predial tal aquisição, onerou-o a exequente com a inscrição da penhora. (...)“
i. Ainda que houvesse dúvidas se a Recorrente se enquadra na noção de terceiro, por conjugação das normas civis acima referidas com as prediais invocadas pela Recorrente, designadamente o artigo 5° e 6° do Código de Registo Predial, sobre essa questão já se pronunciou o Supremo Tribunal de Justiça no Acórdão Uniformizador n° 3/99.
j. Desse acórdão, basicamente resulta que: Terceiros para efeitos do disposto no art° 5º do C. Registo Predial, são os adquirentes de boa fé, de um mesmo transmitente comum, de direitos incompatíveis, sobre a mesma coisa”.
k. Foi exactamente essa interpretação que foi introduzida no artigo 5°, n° 4 do Código de Registo Predial, ao dizer que “Terceiros, para efeitos de registo, são aqueles que tenham adquirido de um autor comum direitos incompatíveis entre si.
l. In casu, o acto registado pela Recorrente é uma penhora, o que significa que ainda que tenha adquirido sobre as mesmas fracções um direito incompatível com o da embargante/ Recorrida, adquiriu esse direito sem intervenção voluntária do titular inscrito e, portanto, não é adquirente de um mesmo transmitente comum.
m. Ou seja, a Recorrente não é um terceiro para efeitos de registo predial e, como tal, o direito anterior da embargante/ recorrida não registado previamente à penhora, pode ser-lhe oposto.
n. O que foi feito por intermédio dos embargos de terceiro apresentados oportunamente pela Recorrida.
o. O direito da Recorrente e o direito da Recorrida são dois direitos reais em confronto, ou seja, o direito real de propriedade não registado previamente à penhora e o direito real de garantia resultante da penhora registada.
p. Se se permitisse a prioridade do registo da penhora, quando, por via dos embargos de terceiro, a Recorrida deu a conhecer que as fracções autónomas lhe foram adjudicadas, em 26/03/2010, por partilha em consequência de divórcio, seria permitir que um direito de crédito, ainda que protegido por um direito real de garantia, prevalecesse sobre um direito real de gozo.
q. Nessa linha de raciocínio também encontramos o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6.12.2012, que refere que “Nos termos desta (art.° 5°, n.º 4 do CRP) e da orientação plasmada no último dos acórdãos uniformizadores que aqui também se adopta, a inoponibilidade de direitos, para efeitos de registo, pressupõe que ambos os direitos advenham de um mesmo transmitente comum, dela se excluindo “os casos em que o direito em conflito deriva de uma diligência judicial, seja ela arresto ou penhora”.
r. Portanto, o direito de garantia da Recorrente, que conflitua com o direito de propriedade da Recorrida, deriva de uma penhora, situação que não é enquadrável no conceito restrito de terceiros.
s. Consequentemente, não goza, assim, a penhora da protecção registal de que se arroga a Recorrente, não obstante a respectiva inscrição ser anterior à da Recorrida.
t. Pelo que, não tem sustentação o entendimento da Recorrente, uma vez que não é um terceiro, para efeitos de registo, não podendo funcionar, obviamente, as regras registrais de que se pretende socorrer, designadamente a da prioridade.
u. A regra da “prior in tempore, potior jure”, é afastada, in casu, pelo princípio geral da transmissibilidade de direitos que opera imediata e eficazmente, independentemente do registo.
v. Pois, quando as fracções autónomas foram penhoradas, já as mesmas haviam saído do património do executado, ex-cônjuge da Recorrida, uma vez que o direito de propriedade transferiu-se por mero efeito da partilha e adjudicação para a Recorrida/Embargante, independentemente do seu registo.
w. Não podiam, portanto, as fracções autónomas ser já objecto de penhora, para, assim, garantir o crédito que a Recorrente tinha ou tem sobre o executado ex cônjuge da Recorrida, pelo simples facto de a realidade substantiva prevalecer sobre a realidade registal.»

O Ministério Público emitiu parecer no qual se pronuncia pela improcedência do recurso, em termos que destacaremos infra.

2 - Fundamentação

O Tribunal a quo deu como provada a seguinte matéria de facto:
a) Em 26 de Março de 2010 foi efectuada a partilha do património comum de A……………. e B…………., na sequência de divórcio decretado em 04/11/2009, pelo Conservador do Registo Civil de Queluz — Cfr. Documento 1, junto com a p.i;
b) Na partilha referida em a) foram adjudicadas à ora Embargante, A…………, as seguintes verbas: i) fracção autónoma destinada a habitação designada pela letra “...” que corresponde ao …………. do prédio urbano número ………., em regime de propriedade horizontal, sito na Avenida …………, nº …… e Rua …………, nºs …, ….., …, ….., ….. e …, da freguesia de ……, concelho de Sintra, descrito na Conservatória do Registo Predial de Queluz sob o n° setenta da dita freguesia, afecto ao regime de propriedade horizontal nos termos da inscrição F -1 e inscrito na matriz da freguesia de Queluz sob o artigo seiscentos e noventa e um; ii) fracção autónoma designada pela letra “…’ que corresponde à garagem ….., na ….. do prédio sito na Av. ….., n°… — ….., ……, Queluz, descrito na Conservatória do Registo Predial de Queluz sob o setenta da dita freguesia e inscrito na matriz da freguesia de Queluz sob o artigo seiscentos e noventa e um — Cfr. Idem;
c) Corre termos, no Serviço de Finanças de Sintra 3, o processo de execução fiscal n° 3557-2009/01008889 e apensos, contra B………., por reversão — Cfr. PEF, apenso;
d) Em 08/07/2010, no âmbito do processo de execução fiscal referido na alínea antecedente, foi registada a penhora da fracção autónoma destinada a habitação designada pela letra “…” que corresponde ao …… do prédio urbano ….., em regime de propriedade horizontal, sito na Avenida ……, n°… e Rua ……, n°s …, …, …, …, … e …, freguesia de ……., concelho de Sintra, descrito na Conservatória do Registo Predial de Queluz sob o n° setenta da dita freguesia, afecto ao regime de propriedade horizontal nos termos da inscrição F -1 e inscrito na matriz da freguesia de Queluz sob o artigo seiscentos e noventa e um, efectuada em 14/06/2010 — Cfr. Documento a fls. 166, apenso e documento a fls. 110, ambos do PEF, apenso;
e) Em 10/02/2011, no âmbito do processo de execução fiscal referido na alínea c), foi efectuada a penhora da fracção autónoma designada pela letra “…”, que corresponde à garagem …, na … do prédio sito na Av. ….., n°… — …, ……, Queluz descrito na Conservatória do Registo Predial de Queluz sob o artigo setenta da dita freguesia e inscrito na matriz da freguesia de Queluz sob o artigo seiscentos e noventa e um — Cfr. Documento a fls. 116 do PEF, apenso;

f) Em 14/05/2012 foi registada a aquisição, pela Embargante, na sequência de partilha subsequente a divórcio, relativa à fracção autónoma destinada a habitação designada pela letra “…”, que corresponde ao ……. do prédio urbano número …, em regime de propriedade horizontal, sito na Avenida ……., n°… e Rua ….., nºs ..., …, …, …, … e ., freguesia de ……, concelho de Sintra, descrito na Conservatória do Registo Predial de Queluz sob o n° setenta da dita freguesia, afecto ao regime de propriedade horizontal nos termos da inscrição F-1 e inscrito na matriz da freguesia de Queluz sob o artigo seiscentos e noventa e um — Cfr. Documento a fls. 42;
g) Em 14/05/2012 foi registada a aquisição, pela Embargante, na sequência de partilha subsequente a divórcio, relativa à fracção autónoma designada pela letra “...” que corresponde à garagem …, na …… do prédio sito na Av. ……, n° …— …., …., Queluz, descrito na Conservatória do Registo Predial de Queluz sob o n° setenta da dita freguesia e inscrito na matriz da freguesia de Queluz sob o artigo seiscentos e noventa e um — Cfr. Documento a fls. 46;
3- DO DIREITO:
Para se decidir pela procedência dos embargos considerou a sentença recorrida a seguinte fundamentação, que se apresenta por extracto.
“Com os presentes embargos pretende a Embargante que seja ordenado o imediato cancelamento da penhora da FP incidente sobre as fracções de que se arroga proprietária.
Afirma que o executado não tem qualquer título que legitime a propriedade do bem objecto da penhora, tendo, há muito, deixado de ser seu possuidor. E que não é executada, e que em nada contribuiu para a constituição da dívida do executado. A ERFP defende que deveria a Embargante ter efectuado o registo do seu direito de propriedade sobre os imóveis penhorados em data anterior à da penhora efectuada pelo Serviço de Finanças.
Vejamos.
A questão que importa apreciar e decidir é a de saber se o registo da penhora efectuada pela FP, no âmbito de processo de execução fiscal, prevalece em relação ao registo posterior da aquisição a favor de ex-cônjuge do executado.
Do probatório resulta que, não obstante a partilha dos bens do casal do qual fazia parte a Embargante ter ocorrido em data anterior à da penhora efectuada no âmbito do processo de execução fiscal n° 3557-2009/01008889 e apensos, o registo da aquisição dos bens a favor da embargante foi efectuado em data posterior ao do registo daquela penhora.
Não é controvertida a circunstância de os bens terem sido partilhados nem que os mesmos tenham sido adjudicados à ora Embargante.
Esta questão foi apreciada no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 17/12/2014, do qual se destaca o seguinte:

“(…) Como (...) se refere no Acórdão do STJ, de 06-12-2012, depois de traçar uma panorâmica sobre a questão e tratando de caso cujos contornos facticos são praticamente iguais aos deste (aquisição do bem na partilha subsequente a divórcio pelo ex-cônjuge embargante e sua penhora registada antes daquele negócio em execução movida contra o ex-cônjuge executado)
“Nos termos desta (art.° 5°, n.º 4 do CRP) e da orientação plasmada no último dos acórdãos uniformizadores que aqui também se adopta, a inoponibilidade de direitos, para efeitos de registo, pressupõe que ambos os direitos advenham de um mesmo transmitente comum, dela se excluindo “ casos em que o direito em conflito deriva de uma diligência judicial, seja ela arresto ou penhora”.

Ora, como no caso, o direito de garantia do AA que conflitua com o direito de propriedade da recorrente/embargante, posteriormente levado ao registo, deriva de diligência judicial (a penhora), situação não enquadrável no conceito restrito de terceiros, não goza o mesmo da protecção registal de que se arroga, não obstante a respectiva inscrição ser anterior. No caso, não sendo aquele terceiro, para efeitos de registo, não funcionam obviamente as suas regras, designadamente a da prioridade (prior in tempore, potior jure), que é afastada pelo princípio geral da transmissibilidade de direitos que opera imediata e eficazmente, independentemente do registo.
Deste modo, quando a fracção autónoma foi penhorada (...) já a mesma havia saído, bem antes, do património do embargado/executado BB, dado que o atinente direito de propriedade transferira-se por mero efeito da partilha e adjudicação para a recorrente/embargante, independentemente do seu registo, e portanto não podia ser já objecto de subsequente penhora em ordem a garantir o crédito que o embargado AA tem sobre aquele executado.
O AA não é considerado terceiro em relação à recorrente e, apesar de ter registado a penhora antes do registo do direito de propriedade daquela, a sua inscrição registal não prevalece sobre a propriedade da mesma, que foi claramente ofendida por essa diligência judicial e não pode subsistir (…)”.
Veja-se, no mesmo sentido, o que se escreveu no Acórdão do STJ de 06/11/201:
“(...) Decorre da leitura dos arts. 4.º, nº 1, e 5.°, n.º 1, do CRP, que, inter partes, os factos sujeitos a registo predial são plenamente eficazes mesmo que não registados, mas, para com terceiros, a sua eficácia depende do registo.
I - A formulação legal de terceiros vertida no art. 5.°, n.º 4, do CRP (aditado pelo DL n.º 533/99, de -12) é tributária da concepção restrita de terceiros, acolhida no acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 3/99, de 18-05, seguindo a qual a inoponibilidade de direitos, para efeitos de registo, pressupõe que ambos os direitos advenham de um mesmo transmitente comum dela se excluindo os casos em que o direito em conflito deriva de uma diligência judicial, seja ela arresto ou penhora.”
Ora, acolhemos, na íntegra, a tese do supra identificado Acórdão, pelo que, concluindo-se que a FP, na qualidade de exequente, não detém a qualidade de terceiro, para efeitos do preceituado no artigo 5° do CRP, é de considerar procedentes os presentes embargos.(…)” .

DECIDINDO NESTE STA
A Fazenda Pública, vem recorrer da sentença de 27/04/2017, constante de fls. 160 a 167, que julgou procedentes os presentes embargos de terceiro, no entendimento de que, tendo as penhoras das fracções “…” e “….”, referidas no probatório, sido efectuadas em primeiro lugar, antes do registo de 14/05/2017 da transferência da propriedade das mesmas fracções efectuada para a esfera jurídica da ora embargante prevalece, de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 6.º do Código de Registo Predial, o direito real de garantia constituído em data anterior à aquisição registada pela embargante.

A questão que se suscita nos autos é pois, apenas a de saber se a aquisição dos imóveis por parte da embargante, ora recorrida, em data anterior à da penhora mas tendo o registo desta aquisição sido alegadamente posterior à daquele acto/ónus praticado na execução fiscal, (sendo ainda que, comprovadamente, pelo menos o registo da penhora da dita fracção “….” ocorreu em 08/07/2010), ainda assim, tal aquisição é oponível à recorrente Fazenda Pública face ao que dispõe o artigo 5.° do Código de Registo Predial.
Respondemos desde já afirmativamente, ou seja: que a aquisição dos imóveis por parte da embargante em data anterior à da penhora mas com registo posterior a esta é oponível à recorrente Fazenda Pública, não obstante o teor do aludido preceito do Código de Registo Predial, (doravante CRP) como procuraremos explicar de seguida.
Dispõe o artº 5º do CRP
Oponibilidade a terceiros
1 - Os factos sujeitos a registo só produzem efeitos contra terceiros depois da data do respetivo registo.
2 - Excetuam-se do disposto no número anterior:
a) A aquisição, fundada na usucapião, dos direitos referidos na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º;
b) As servidões aparentes;
c) Os factos relativos a bens indeterminados, enquanto estes não forem devidamente especificados e determinados.
3 - A falta de registo não pode ser oposta aos interessados por quem esteja obrigado a promovê-lo, nem pelos herdeiros destes.
4 - Terceiros, para efeitos de registo, são aqueles que tenham adquirido de um autor comum direitos incompatíveis entre si.
5 - Não é oponível a terceiros a duração superior a seis anos do arrendamento não registado.

Artigo 6.º do CRP
Prioridade do registo
1 - O direito inscrito em primeiro lugar prevalece sobre os que se lhe seguirem relativamente aos mesmos bens, por ordem da data dos registos e, dentro da mesma data, pela ordem temporal das apresentações correspondentes.
2 - [Revogado].
3 - O registo convertido em definitivo conserva a prioridade que tinha como provisório.
4 - Em caso de recusa, o registo feito na sequência de recurso julgado procedente conserva a prioridade correspondente à apresentação do ato recusado.

Visto o quadro legal impõe-se considerar o que se mostra necessário demonstrar para que os embargos possam ter êxito.

A procedência dos embargos está dependente da verificação cumulativa dos seguintes requisitos: apresentação tempestiva do meio processual; detenção da qualidade de terceiro e ofensa da posse anterior à penhora.

Ora, resulta do probatório, que a recorrida adquiriu a propriedade das fracções em causa em 26 de Março de 2010, por escritura pública de partilha, na sequência de divórcio e que as penhoras das fracções em causa foram efectuadas em 14/06/2010 e 21/01/2011, e registadas a da fracção “…” em 08/07/2010, sendo o probatório omisso quanto ao registo da penhora da fracção “….”.
Porém, também está provado que o registo da aquisição das fracções a favor da ora embargante só foi feito em 14/05/2012.
Será que este registo posterior pelo menos em relação a uma das fracções penhoradas inviabiliza o reconhecimento da não oponibilidade do direito da ora recorrida em relação à Fazenda Pública?
Cremos que a resposta tem de ser negativa. Como destaca o Sr. Procurador Geral Adjunto, neste STA, no seu parecer:
(…) Nos termos do disposto nos artigos 2.°/1/ a) e 8.° do CRP é obrigatório submeter a registo os factos jurídicos que determinem a constituição, o reconhecimento, a aquisição ou a modificação do direito de propriedade.
É certo que, nos termos do disposto no artigo 5.° do CRP, os factos sujeitos a registo só produzem efeitos contra terceiros depois da data do respetivo registo.
Todavia, terceiros para efeitos do disposto no artigo 5.° do CRP são os adquirentes, de boa-fé, de um mesmo transmitente comum, de direitos incompatíveis sobre a mesma coisa (Acórdão uniformizador de jurisprudência do STJ, de 18 de Maio de 1999, publicado no DR I-A, de 10 de Julho de 1999.
Acórdãos do STA, de 27/01/2010-R. n.º 0995/09, de 24/02/2010-R. n.º 01197/09 e de 07/01/2016-R. n.º 0162/14, todos disponíveis no sítio da internet www.dgsi.pt.)(...)”
Efetivamente, a penhora, não se traduzindo na constituição de um direito real de gozo sobre o prédio, e sendo um ato do processo executivo, é um simples ónus que passa a incidir sobre a coisa penhorada, e unicamente os atos de disposição ou oneração posteriores à penhora deixam de prevalecer.
Como se diz no já citado acórdão unificador de jurisprudência do STJ (acórdão 3/99) “Situação diferente é a resultante do confronto do direito real de garantia resultante da penhora registada quando o imóvel penhorado já havia sido alienado, mas sem subsequente registo. Aqui, o direito real de propriedade, obtido por efeito próprio da celebração da competente escritura pública, confronta-se com um direito de crédito, embora com a proteção de um direito real (somente de garantia). Nesta situação, mesmo que o credor esteja originariamente de boa-fé, isto é, ignorante de que o bem já tinha saído da esfera jurídica do devedor, manter a viabilidade executiva quando, por via de embargos de terceiro, se denuncia a veracidade da situação, seria colocar o Estado, por via do aparelho judicial a, deliberadamente, ratificar algo que vai necessariamente desembocar numa situação intrinsecamente ilícita, que se aproxima de subsunção criminal, ao menos se for o próprio executado a indicar os bens à penhora. Assim, poderia servir-se a lex, mas não seguramente o jus.”

Está acertado este entendimento. Com efeito, como se sumariou no citado acórdão do STA de 07/01/2016 tirado no recurso n.º 0162/14, no qual o ora Relator interveio como primeiro Juiz Adjunto:
(...) V - Tendo o embargante provado a aquisição do direito de propriedade sobre o imóvel penhorado (embora não levado a registo na Conservatória de Registo Predial) em data anterior à penhora, deve esse direito prevalecer sobre a penhora registada na execução fiscal instaurada contra uma sociedade e que não reverteu contra si, pois face ao conceito de terceiros para efeitos de registo acolhido pelo acórdão uniformizador nº 3/99 do STJ, prolatado em 18/05/99, e o conceito que, em consonância com a doutrina desse acórdão, veio a ser vertida no art. 5º, nº 4, do Cód. Reg. Predial pelo DL nº 533/99, de 11 Dezembro, o embargante e o exequente não são terceiros para efeitos de registo, não lhes sendo, por isso, aplicável a prioridade derivada do registo proclamada pelo nº 1 do artigo 6º Cód. Reg. Predial.

Ora este é exactamente o caso dos autos, sendo até transponível a situação fáctica ressalvadas as devidas distâncias ditadas pelos casos concretos.
Por isso continua a fazer todo o sentido a fundamentação jurídica então explanada e que para aqui aportamos:
(…) Antes de mais, convém recordar que após as alterações introduzida no Código de Processo Civil pelo Dec.Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro, os embargos de terceiro puderam passar a basear-se na titularidade do direito de propriedade ou outro direito real de gozo menor, desde que tais direitos sejam incompatíveis com a futura transmissão para terceiros do bem penhorado através da sua adjudicação ou venda. Ou seja, o terceiro passou a poder, através de embargos, defender não apenas a posse, mas, também, qualquer direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência judicialmente ordenada, sendo terceiro, para efeitos de embargos, sempre que não é parte na causa.
Na situação em apreço, o Embargante não consta no título executivo como devedor nem houve reversão da execução contra si, pelo que é manifesta a sua qualidade de terceiro relativamente à execução instaurada contra a referida sociedade.
Por outro lado, está demonstrado que em 21/11/2006 o Embargante adquiriu o direito de propriedade do prédio em questão no processo de execução sumária nº 558-A/1997, do 2º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Paredes, mas não registou essa aquisição na Conservatória do Registo Predial. Todavia, o registo predial destina-se essencialmente a dar publicidade à situação jurídica dos prédios, tendo em vista a segurança do comércio jurídico imobiliário (art. 1º Cód.Reg.Predial), não tendo natureza constitutiva, mas apenas valor declarativo. Ou seja, o que transfere a titularidade de um bem não é o registo, mas, antes, o acto ou negócio de transmissão do direito de propriedade, como é o caso do contrato de compra e venda, com a sua eficácia real (arts. 408º e 879º, al. a), do C.Civil), ou a venda em execução, que transfere para o adquirente os direitos do executado sobre a coisa vendida.
Deste modo, e visto o conceito de terceiros para efeitos de registo acolhido pelo acórdão uniformizador nº 3/99 do Supremo Tribunal de Justiça, prolatado em 18/05/99, e o conceito que, em consonância com a doutrina desse acórdão, veio a ser vertida no nº 4 do artigo 5º do Cód.Reg.Predial pelo Dec.Lei nº 533/99, de 11 Dezembro (Em que se consignou que terceiros, para efeitos de registo, são aqueles que tenham adquirido de um autor comum direitos incompatíveis entre si), há que concluir que o Embargante e o Exequente não são terceiros para efeitos de registo, não lhes sendo, por isso, aplicável a prioridade derivada do registo proclamada pelo nº 1 do artigo 6º Cód. Reg. Predial, não podendo, assim, prevalecer a penhora do imóvel, ainda que previamente registada porque posterior à aquisição do direito de propriedade pelo Embargante..
Em suma, a penhora das fracções não goza da prioridade de registo a que se reporta o artigo 6°/1 do CRP.

Aqui chegados temos que a embargante é a proprietária e tem pois essa forma suprema de posse que é ofendida pela diligência de penhora. A mesma é terceira em relação à execução e reagiu em tempo pelo meio próprio que são os embargos, o que não vem sequer questionado.
Portanto, mostram-se preenchidos os três requisitos, supra enunciados, necessários ao êxito dos presentes embargos de terceiro, como bem decidiu a sentença recorrida.
A sentença recorrida não merece pois qualquer censura e deve ser confirmada.

4- DECISÃO:
Pelo exposto, acordam os Juízes deste STA em negar provimento ao presente recurso e em confirmar a sentença recorrida.

Custas a cargo da recorrente.

Lisboa, 28 de Fevereiro de 2018. - Ascensão Lopes (relator) - Ana Paula Lobo - António Pimpão.