Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0449/14
Data do Acordão:03/15/2017
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:CASIMIRO GONÇALVES
Descritores:ACTO TRIBUTÁRIO
RECLAMAÇÃO GRACIOSA
RECURSO HIERÁRQUICO
PRAZO
REVOGAÇÃO
Sumário:Não constando da LGT nem do CPPT norma definidora do prazo para a revogação dos actos tributários, hão-de acolher-se as regras constantes dos arts. 136º e ss. do CPA, que directamente regulam a revogação dos actos administrativos.
Nº Convencional:JSTA00070075
Nº do Documento:SA2201703150449
Data de Entrada:04/11/2014
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A............ E OUTRA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF LOULÉ
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC FISC GRAC
Área Temática 2:DIR FISC
Legislação Nacional:CPA ART141 ART137.
CPPT ART102 ART2 ART112.
CPTA ART58.
LGT ART79 ART2.
L 82-E/2014 ART16.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0566/12 DE 2013/05/15.
Referência a Doutrina:LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM RODRIGUES, JORGE DE SOUSA - LEI GERAL TRIBUTÁRIA ANOTADA E COMENTADA 4ED (2012) PÁG724.
LIMA GUERREIRO - LEI GERAL TRIBUTÁRIA ANOTADA PÁG350.
JORGE DE SOUSA - CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO 6ED VOLI PÁG667.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

RELATÓRIO
1.1. A Fazenda Pública interpõe recurso da sentença do TAF de Loulé que julgou procedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação adicional de IRS do ano de 2006, por A………… e B………… (na sequência de indeferimento de recurso hierárquico apresentado contra indeferimento de reclamação graciosa) e anulou a decisão da Administração Tributária de revogação da decisão proferida na reclamação, determinando que a liquidação fosse efectuada nos exactos termos que resultaram da decisão de deferimento, proferida em 17/06/2010, pelo Director de Finanças de Faro.

1.2. Apresentou as seguintes conclusões das suas alegações:
1. A douta sentença recorrida considerou procedente a acção interposta pelos impugnantes considerando que a AT violou o art. 141° do CPA no que respeita ao despacho de reforma de decisão anterior de deferimento proferida em Reclamação Graciosa pelo Director de Finanças de Faro;
2. Fundamentou-se tal decisão na possibilidade legal de revogação de actos administrativos em matéria tributária prevista no art. 79° da LGT e verificando que nem aquela Lei Geral Tributária nem o CPPT “contêm qualquer norma sobre o prazo para a aludida revogação, pelo que o mesmo só pode ser o constante das regras do CPA — diploma que constitui legislação complementar e subsidiária ao direito tributário (...) e que devem ser aplicadas no direito tributário de acordo com a natureza do caso omisso, mais precisamente as regras que diretamente regulam a revogação dos atos administrativos nos arts. 136° e segs.”
3. Vem depois a sentença recorrida entender que “(...) o processo tributário encontra-se especialmente regulado no CPPT só sendo admissível recorrer às normas previstas no CPTA nos termos do disposto na al. c) do art. 2° do CPPT, quando a solução não esteja prevista, ou nos casos em que o legislador expressamente remeter para aquelas.”
4. Nesta ordem de ideias, a douta sentença recorrida conclui que o prazo de 15 dias previsto no n° 2 do art. 102° do CPPT é o de maior amplitude temporal que permitia o recurso judicial do acto decisório de uma reclamação graciosa, pelo que, tendo a decisão revogada ocorrido em 2010-06-21 e o acto de revogação em 2010-07-06, este último é ilegal;
5. Concorda-se plenamente com o teor da fundamentação reproduzida da conclusão 2ª supra;
6. Não concordamos é com a interpretação segundo a qual, uma vez aplicado o art. 141° do CPA, considerar-se que o prazo para o recurso judicial é o da impugnação do indeferimento de reclamação graciosa previsto no CPPT, isto é, o prazo de 15 dias;
7. Citando as notas ao art. 79° da LGT in “Lei Geral Tributária Anotada” de Guerreiro, António Lima, Editora Rei dos Livros, Lx, 2001, pp. 349 351, diz a nota 1: “O presente artigo declara a aplicabilidade à decisão do procedimento tributário, seja qual for a sua natureza, dos institutos da revogação, reforma, ratificação, conversão e rectificação dos actos administrativos em geral.”
8. Por sua vez, a nota 3 ao mesmo artigo entende: “Os actos administrativos em matéria fiscal que sejam constitutivos de direitos, só podem, pois, ser revogados com fundamento em invalidade, nos termos e prazos do artigo 141° do CPA. Esse prazo que é de um ano, é o do recurso contencioso do Ministério Público dos actos administrativos com fundamento em ilegalidade (artigo 28°, número 1, alínea c) da LPTA e prevalece sobre o prazo de caducidade do direito de liquidação previsto nos artigos 45° e 46° da presente lei.”
9. Ora, actualmente, a LPTA foi substituída pelo CPTA, sendo que o actual art. 58° n° 1 a) deste Código prevê que o prazo de impugnação de actos anuláveis é de um ano se promovida pelo Ministério Público.
10. Nos termos do art. 141° n° 2 do CPA, se houver prazos diferentes para o recurso contencioso, atender-se-á ao que terminar em último lugar.
11. Verifica-se que a douta decisão recorrida bem se socorreu desta norma da legislação complementar, ex vi art. 2° alínea c) da LGT (e não art. 2° do CPPT, conforme decidido, uma vez que a norma sobre prazo cuja lacuna se pretende integrar é o art. 79° da LGT).
12. Não obstante, a sentença recorrida não aplicou os prazos previstos para o contencioso administrativo conforme a previsão da norma do direito complementar de que se socorreu, voltando outrossim, a aplicar os prazos previstos no CPPT.
13. Subscreve-se o mui douto entendimento exposto no Acórdão do STA de 2013-05-15, proferido no Proc. n° 0566/12;
14. Ao optar pela aplicação das regras de direito administrativo para regular a revogação da decisão de deferimento proferida em reclamação graciosa, a Mm.ª Juiz a quo devia aplicar aquele regime em bloco qual seja o art. 141° do CPA conjugado com o art. 58° do CPTA. Não o tendo feito, incorreu em erro de julgamento, resultando violadas aquelas disposições legais.
Termina pedindo o provimento do recurso e a revogação da sentença recorrida.

1.3. Não foram apresentadas contra-alegações.

1.4. O MP emite Parecer nos termos seguintes:
«1. Vem o presente recurso interposto da sentença de fls. 73 e seguintes, que julgou procedente a acção de impugnação judicial e anulou a decisão da administração tributária de revogação de decisão proferida em sede de reclamação e determinou que a liquidação fosse efectuada de acordo com a anterior decisão de deferimento da mesma.
Para o efeito e invocando o entendimento sufragado por António Lima Guerreiro, em anotação ao artigo 79° da Lei Geral Tributária (in “LGT Anotada”, editora Rei dos Livros, Lx., 2001, pp. 349/351), alega a Recorrente Fazenda Pública que o referido preceito legal consagra a aplicação à decisão do procedimento tributário, seja qual for a sua natureza, dos institutos da revogação, reforma, ratificação, conversão e rectificação dos actos administrativos em geral. E de acordo com o artigo 141º do CPA, conjugado com o disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 58º do CPTA, o prazo de revogação dos actos administrativos em matéria fiscal é de um ano (prazo de recurso concedido ao Ministério Público).
Conclui a Recorrente que a sentença recorrida padece do vício de erro de julgamento, por errónea interpretação e aplicação da lei, motivo pelo qual pugna pela sua revogação.
2. Na sentença recorrida deu-se como assente, entre outras coisas, que em 15/03/2010 os aqui recorridos apresentaram reclamação graciosa contra o acto de liquidação de IRS do ano de 2006, a qual foi objecto de decisão de deferimento proferida pelo director de finanças de Faro, datada de 17/06/2010, e notificada aos ali reclamantes através de carta registada remetida em 18/06/2010.
E em 17/09/2010 foi proferida nova decisão pelo director de finanças de Faro, reformando a anterior decisão, deferindo apenas parcialmente aquelas reclamações na parte relativa ao estado civil de casados e indeferindo na parte restante, a qual foi notificada aos reclamantes em 27/09/2010.
Desta decisão foi interposto recurso hierárquico, ao qual foi negado provimento, por despacho da senhora directora de serviços, datado de 20/12/2010, e notificado aos interessados através de ofício que lhe foi remetido em 04/01/2011. E do indeferimento deste recurso foi apresentada em 07/04/2011 a impugnação judicial que deu origem aos presentes autos.
Para se decidir pela procedência da acção de impugnação judicial a Mma. Juiz “a quo” considerou que o meio adequado para impugnar contenciosamente o indeferimento da reclamação graciosa era a impugnação judicial, cujo prazo é de 15 dias, nos termos do artigo 102º, nº 2, do CPPT. E seria neste prazo que a administração tributária podia reformar a decisão de deferimento da reclamação, que configurava um acto constitutivo de direitos, nos termos dos artigos 136º e 141°do CPA. Tendo sido ultrapassado o referido prazo, a reforma daquela decisão já não era possível, motivo pelo qual concluiu que a decisão proferida a 17/09/2010 pelo senhor director de finanças de Faro padecia do vício de ilegalidade.
3. A questão que se coloca é a de saber qual é o prazo de revogação de decisão de deferimento de reclamação graciosa interposta contra um acto de liquidação de IRS, na qual foi deferida a pretensão dos contribuintes.
A questão que se coloca prende-se com a legalidade da decisão do senhor director de finanças de Faro que revogando uma anterior decisão proferida em sede de reclamação graciosa apresentada contra o acto de liquidação de IRS relativo ao ano de 2006, na qual deferira a pretensão dos contribuintes, veio a deferir apenas parcialmente essa pretensão.
Parece não oferecer dúvidas que a decisão proferida pelo senhor director de finanças de Faro em 17/09/2010 em sede de reclamação graciosa consubstancia um acto revogatório, na medida em que fez cessar ou eliminou parcialmente os efeitos de uma anterior decisão proferida no mesmo procedimento tributário, com fundamento na sua invalidade.
Também não oferece dúvidas que na falta de regras especiais sobre os requisitos de revogação na LGT, deverão ser aplicadas as previstas no CPA, subsidiariamente aplicável nos termos da alínea b) do artigo 2° da Lei Geral Tributária (cfr. neste sentido Diogo Leite de Campos e outros, in “Lei Geral Tributária Anotada e Comentada”, em anotação ao artigo 79°, e António Lima Guerreiro, in “Lei Geral Tributária Anotada”, em anotação ao mesmo preceito legal; e acórdãos do STA de 15/05/2013, 03/07/2013 e 18/09/2013, recursos n° 0566/12, 0120/11 e 01180/11, respectivamente).
Também é pacífico que os actos administrativos em matéria tributária que sejam constitutivos de direitos só podem ser revogados com fundamento em invalidade, nos termos e prazos previstos no artigo 141° do CPA, ou seja, no prazo do respectivo recurso contencioso, que nos termos do artigo 58°, n° 2, do CPTA é de um ano (al. a), caso seja o Ministério Público ou de 3 meses (al. b), nos restantes casos. E nos termos do n° 2 do artigo 141° do CPA, havendo prazos diferentes, atender-se-á ao que terminar em último lugar, ou seja, no caso ao de um ano.
Na sentença recorrida entendeu-se que no caso sub judice o prazo é de 15 dias, porque é esse o prazo para a impugnação contenciosa da decisão proferida em sede de reclamação graciosa, atento o disposto no n° 2 do artigo 102° do CPPT.
Como se alcança da factualidade dada como assente na sentença recorrida, a decisão que recaiu sobre a reclamação apresentada pelo contribuinte teve por objecto a legalidade de acto tributário - liquidação de IRS de 2006 -, pelo que embora tenha sido apresentado recurso hierárquico do indeferimento parcial, da decisão deste último cabe impugnação judicial, uma vez que é o processo de impugnação judicial e não o recurso contencioso o meio processual adequado para impugnar contenciosamente actos que apreciem actos de liquidação, quer sejam de indeferimento de reclamações graciosas quer sejam de recursos hierárquicos delas interpostos - artigo 97º, nº 1, alínea d) do CPPT (cfr. Jorge Lopes de Sousa, in CPPT, Anotado, I vol., pág. 667).
Como resulta do nº 1 do artigo 141º do CPA, a revogação pode ser feita dentro do prazo do respectivo recurso contencioso ou até à resposta da entidade recorrida. A razão subjacente a tal prazo tem em consideração o facto de que decorrido o prazo de impugnação contenciosa do acto, a ilegalidade do mesmo fica sanada. Por outro lado impugnado contenciosamente o acto só a entidade que praticou o acto é que pode revogá-lo e dentro do prazo da resposta à impugnação, uma vez que decorrido esse prazo deixa de poder fazê-lo, passando para a competência do tribunal a apreciação dessa ilegalidade.
Resultando da factualidade dada como assente na sentença recorrida que a primeira decisão vertida no procedimento de reclamação graciosa foi notificada aos contribuintes através de carta registada remetida em 18/06/2010, a mesma presume-se notificada em 21/06/2010. Tendo a segunda decisão sido notificada aos contribuintes em 27/09/2010 e a impugnação judicial sido apresentada em 07/04/2011, é manifesto que a revogação foi efectuada em data anterior ao prazo que a entidade demandada tinha para contestar a acção de impugnação judicial. Como se deixou supra referido, a faculdade de revogação do acto inválido persiste enquanto o mesmo não se encontre estabilizado, ou seja, enquanto possa ser impugnado contenciosamente. É o que resulta do artigo 112º do CPPT, ao possibilitar à Administração Tributária a revogação do acto impugnado no prazo que tem para contestar a acção de impugnação judicial apresentada contra o mesmo.
Em face do exposto, afigura-se-nos que a sentença recorrida padece do vício de errónea interpretação e aplicação da lei que lhe é assacado pela Recorrente, motivo pelo qual deve ser revogada e substituída por acórdão que julgue a acção de impugnação judicial apresentada pelo Recorrido improcedente.»

1.5. Corridos os Vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

FUNDAMENTOS
2. A sentença recorrida julgou provados os factos seguintes:
A) Relativamente aos rendimentos obtidos no ano de 2006 os Impugnantes não apresentaram a declaração modelo 3 de IRS no prazo legalmente previsto — cfr. fls. 2 do processo de Reclamação Graciosa n° 1082201004000765 apenso e por acordo.
B) Em 12.10.2009 a Administração Tributária elaborou Boletim de Alteração Oficiosa (BAO) em relação ao Impugnante marido preenchendo o quadro 10 — “Enquadramento” com o Regime de Contabilidade Organizada (art. 28° do CIRS) desde 01.01.2005, com fundamento na seguinte informação, descrita no quadro 28 do BAO:
«O presente BAO destina-se a enquadrar o sujeito passivo no regime de contabilidade organizada com referência aos anos de 2005 e 2006 em virtude dos seguintes volumes de vendas (...):
2004 — € 826.049,42
2005 — € 754.498,17
— cfr. fls. 58 a 61 da Reclamação Graciosa n° 1082201004000765 apensa.
C) A Administração Tributária elaborou declaração oficiosa para cada um dos ora Impugnantes, nas quais fez constar os rendimentos de cada um, individualmente, não levando em consideração o seu estado civil de casado e considerando a totalidade do rendimento líquido da categoria B no ano mais próximo que se encontrava determinado e de acordo com as regras do regime simplificado de tributação — cfr. a informação de fls. 79 da Reclamação Graciosa 1082201004000765 apensa, e por acordo.
D) Em 05.02.2010 foi efectuada, em relação ao sujeito passivo marido, a liquidação oficiosa de IRS n° 2010 5000038819, que apurou imposto no valor de € 79.853,67, e juros compensatórios no montante de € 8.694,92 — cfr. fls. 28 da Reclamação Graciosa 1082201004000765 apensa.
E) Em 03.02.2010 foi efectuada, em relação ao sujeito passivo mulher, a liquidação oficiosa de IRS n° 2010 5000038821, que apurou imposto no valor de € 30.504,02, e juros compensatórios no montante de € 3.349,59 — cfr. fls. 14 a 16 da Reclamação Graciosa 1082201004000773 apensa.
F) Em 15.03.2010 os Impugnantes apresentaram, ambos, reclamação graciosa alegando, em síntese, que a liquidação efectuada não corresponde aos rendimentos obtidos; que se encontravam impossibilitados de apresentar a declaração de rendimentos porque o sujeito passivo marido se encontrava mal enquadrado quanto ao regime de tributação, que os rendimentos obtidos foram enviados à Administração Fiscal através de declaração apresentada em 12.03.2010, e que são casados, devendo ser considerado o seu estado civil — cfr. fls. 2 e 3 dos processos de Reclamação Graciosa apensos 1082201004000773 e 1082201004000765 apensos.
G) Em 17.06.2010 foi proferido pelo Director de Finanças Adjunto de Faro despacho de deferimento da reclamação graciosa com os fundamentos que, em síntese, se transcrevem:
«(...) constata-se que os reclamantes não conseguiam proceder à entrega das declarações de rendimentos em falta, por divergência de regime de tributação, por causa que não lhes era imputável. Pelo que, o Serviço de Finanças procedeu à elaboração do BAO, em 03-11-2009, tendo o sujeito passivo A para o ano de 2006 ficado enquadrado no regime de contabilidade organizada (doc. fls. 58 a 61 dos autos).
Relativamente ao sujeito passivo B, B…………, verifica-se que no ano de 2006 se encontrava enquadrada no regime simplificado de tributação (fls. 84 dos autos), contudo, à data em que a Administração Fiscal elaborou o respetivo DC (26-10-2010), já detinha em seu poder, não só os elementos declarados nas declarações periódicas de IVA referentes ao ano de 2005, atempadamente entregues, cuja base tributável ascendeu ao montante global de € 143.099,22 (fls. 86 a 91), assim como a declaração anual rececionada em 27-02-2009, que indica um montante total de prestações de serviços no valor de € 188.278,51 (fls. 96 a 102).
Determinava o então em vigor art. 28°, n° 2 do CIRS que ficavam abrangidos pelo regime simplificado os sujeitos passivos que, não tendo optado pelo regime de contabilidade organizada, não tenham ultrapassado na sua atividade, no período imediatamente anterior, um dos seguintes limites: € volume de vendas de € 149.639,37, ou o valor líquido dos restantes rendimentos da categoria B de € 99.759,58.
De acordo com o estipulado no então art. 76º, nº 1, al. b) do CIRS, quando o S.P. não apresentou declaração de rendimentos, o apuramento dos rendimentos da categoria B deveria corresponder à totalidade do rendimento coletável do ano mais próximo (ano 2005), pelo que o regime a aplicar ao ano de 2006 relativamente ao primeiro reclamante, deveria ser o de contabilidade organizada, porquanto foi ultrapassado o limite de vendas de € 149.639,37.
Pelos factos supra expostos, e atentos os documentos que lhe servem de suporte, assim como a legislação aplicável, será de atender à pretensão do reclamante, devendo ser considerados os rendimentos declarados pelos sujeitos passivos A e B na declaração de rendimentos que integra os presentes autos.
(…)
Assim, pelo supra exposto, e no uso da competência que me é conferida pelo n° 1 do art. 75° do CPPT, DEFIRO o pedido, com todas as consequências legais. (...)»
— cfr. fls. 104 a 106 do processo de Reclamação Graciosa n° 1082201004000765 apensa.
H) Por ofício expedido sob registo em 18.06.2010 os Impugnantes foram notificados do despacho que antecede — cfr. fls. 107 e 108 da Reclamação Graciosa n° 1082201004000765 apensa.
I) Por despacho de 18.06.2010 do Director de Finanças de Faro, proferido no processo de reclamação graciosa n° 1082201004000773, e notificado à Impugnante mulher por ofício sob registo postal de 21.06.2010, foi determinado o arquivamento do processo com fundamento na inutilidade superveniente da lide, pelo facto de a pretensão da reclamante ter sido atendida com base no despacho de deferimento proferido no processo de reclamação graciosa n° 1082201004000765 — cfr. fls. 88 a 90 da Reclamação Graciosa n° 1082201004000773 apensa.
J) Em 17.09.2010 foi proferido pelo Director de Finanças de Faro despacho de reforma da decisão proferida em 17.06.2010, identificada em G), dando procedência parcial à reclamação graciosa, no sentido de considerar o estado civil de casado, determinando a sua improcedência no mais, com os fundamentos que, em síntese, se transcrevem:
«(...) após análise mais detalhada dos factos, constata-se que os reclamantes A………… e B…………, no ano de 2007, foram notificados para proceder à entrega da declaração de rendimentos de 2006 em falta (conforme “print” retirado do programa informático MGIT - controlo de faltosos), e nada fizeram. Nada tendo feito, a Administração Tributária agiu de acordo com a lei e efetuou a liquidação oficiosa, nos termos do artigo 76º, n° 3 do CIRS.
Os reclamantes alegaram que não entregaram a declaração de rendimentos do ano em causa, por divergência no enquadramento do regime de tributação. Contudo, a alegada divergência foi originada pela falta de entrega, dentro dos prazos legalmente estabelecidos, das declarações de IRS dos anos de 2003, 2004 e 2005. Portanto, a facto imputável aos próprios reclamantes.
Ora, dispõe o n° 2 daquele artigo 76º, com a redação dada pela Lei 53-A/2006 de 29.12 que, não tendo sido apresentada a declaração, o rendimento líquido da categoria B determina-se em conformidade com as regras do regime simplificado de tributação, com aplicação do coeficiente mais elevado previsto no n° 2 do artigo 31°. E o n° 3 daquele dispositivo legal determina que a liquidação oficiosa não atenderá ao disposto no artigo 70.º (mínimo de existência), devendo apenas ser considerada as deduções do sujeito passivo (artigo 79º, n° 1, al. a), assim como as retenções na fonte e pagamentos por conta.
Também de acordo com o Ofício-Circulado n° 20142 de 03-12-2009 da DSIRS, foi sancionado o entendimento segundo o qual, quando esteja em causa uma reclamação graciosa de liquidação efetuada com base em pressupostos e condicionalismos especiais previstos (parte final do n° 3 do artigo 76° do CIRS), somente poderão ser objeto de revisão o estado civil do sujeito passivo, rendimento bruto e correspondente dedução específica, com exceção dos rendimentos da categoria B, aos quais se aplica sempre o coeficiente mais elevado previsto no n° 2 do artigo 31º, conforme disposto no artigo 76º n° 2, e as retenções na fonte e pagamentos por conta.
Por conseguinte, atentas as normas legais e o ofício-circulado supra mencionados, REFORMA-SE o despacho proferido nestes autos, em 17-06-2010, observando-se os condicionalismos supra descritos legalmente impostos para estas situações, expurgando-se assim os vícios de que padecia aquele ato anterior.
Assim, porque o ato administrativo em matéria tributária, consubstanciado na decisão anteriormente proferida nos presentes autos, é inválido, é suscetível de REFORMA porque ainda está em tempo, face ao previsto nos artigos 137°, 138º, 141°, 142º, n° 1, 145º, n° 2 e 146º, todos do Código de Procedimento Administrativo) por remissão da al. c) do artigo 2° da Lei Geral Tributária.
Para produção de efeitos decorrente do presente despacho de reforma, elabore-se o Boletim de Alteração Oficiosa (ano 2006) (...) e o competente Documento de Correção.»
— cfr. fls. 127 a 130 da Reclamação Graciosa n° 1082201004000765 apensa.
K) Em 27.09.2010 os Impugnantes foram notificados do despacho que antecede — cfr. fls. 131 e 133 da Reclamação Graciosa n° 1082201004000765 apensa.
L) Em 27.09.2010 os Impugnantes apresentaram recurso hierárquico da decisão identificada em J), invocando, em síntese, a ilegalidade da reforma da decisão de anteriormente proferida de deferimento da reclamação graciosa pelo facto de ter sido praticado para além do prazo em que tal decisão era contenciosamente recorrível, e que se impõe a correção da liquidação nos termos do disposto no n° 4 do art. 76° do CIRS, de acordo com o regime de contabilidade organizada — cfr. fls. finais, não numeradas da Reclamação Graciosa n° 1082201004000765 apensa.
M) Ato Impugnado: Em cumprimento do despacho identificado em J), em 14.12.2010 foi emitida a liquidação n° 2010 5005121267, no valor total de € 121.516,29, sendo € 109.764,03 referentes a imposto e € 11.752,26 de juros compensatórios — cfr. fls. 51, do PAT apenso.
N) Em 20.12.2010 a Diretora de Serviços do IRS proferiu despacho negando provimento ao recurso hierárquico com os fundamentos que, em síntese, se transcrevem:
«(...) 14. No caso concreto o ato de deferimento da reclamação graciosa foi notificado ao recorrente em 21.06.2010 e a reforma desse acto foi-lhe notificada em 27.09.2010. Assim e dispondo a al. a) n° 2 do referido art. 58º do CPTA o prazo de um ano para a impugnação de atos anuláveis, a Administração Fiscal dispunha deste prazo para o fazer, devendo concluir-se portanto que a reforma do despacho de deferimento é tempestiva e mantendo-se válida com todos as consequências legais daí decorrentes.
(…)
17. Importa sublinhar que o sujeito passivo nunca entregou a declaração Mod. 3 de IRS relativamente aos rendimentos obtidos nos anos de 2003, 2004, 2005 e 2006. Relativamente ao ano de 2006, estando enquadrado no regime simplificado de tributação, também não a entregou;
(...)
19. Não tendo sido apresentada a declaração, impõe o n° 2 do art. 76°, que o rendimento líquido da categoria B seja determinado em conformidade com as regras do regime simplificado de tributação, com aplicação do coeficiente mais elevado previsto no n° 2 do art. 31° do CIRS e, faz-se notar, independentemente do regime de tributação;
(...)
21. Ora o prazo legalmente estabelecido para entregada declaração Mod. 3 de IRS do ano de 2006 expirou em 30 de abril de 2007 sem que o contribuinte o tenha feito. Qualquer dos ora recorrentes foi notificado em 23.07.2007 (data do registo CTT), para cumprir a obrigação em falta no prazo de 30 dias e nenhum deles o fez. Só em 12.03.2010, após ter recebido a liquidação que deu origem aos presentes autos veio submeter uma declaração Mod. 3 que nunca viria a ser validada exatamente por divergências quanto ao enquadramento;
22. Assim, a Administração Fiscal não podia deixar de processar a liquidação oficiosa conforme dispõe a al. b) do n° 1 art. 76º do CIRS (…);
(…)
24. Ora, tratando-se de uma liquidação efetuada com base em pressupostos e condicionalismos especiais (parte final do n° 3 do art. 76º do CIRS), também a reclamação terá necessariamente de se cingir às especificidades dessa mesma liquidação. Assim a revisão da liquidação só pode ser fundamentada em erro na sua situação pessoal, bem como nos elementos tidos em consideração na própria liquidação (rendimento, dedução pessoal imputável, retenções na fonte e pagamentos por conta) sem ter em consideração o mínimo de existência bem como o regime de tributação pois para determinar os rendimentos da categoria B se aplica sempre o coeficiente mais elevado previsto no n° 2 do art. 31º do CIRS.
Em face do exposto, deverá concluir-se que não colhem os argumentos invocados quer porque a reforma do despacho em referência foi praticada dentro do prazo legalmente concedido para o efeito quer porque o regime de tributação (de regime simplificado para o de contabilidade organizada) não pode ser alterado à luz do n° 4 do art. 76° do CIRS, pelo que, sou de parecer que deverá ser negado provimento ao presente recurso, mantendo-se a decisão recorrida e a liquidação vigente que se encontra correta.»
— cfr. fls. finais, não numeradas da Reclamação Graciosa n° 1082201004000765 apensa.
O) Por ofício de 04.01.2011 da Direção de Finanças de Faro os Impugnantes foram notificados do despacho que antecede — cfr. fls. finais, não numeradas da Reclamação Graciosa n° 1082201004000765 apensa.
P) O ato de liquidação identificado em M) foi também objeto de reclamação graciosa, à qual foi atribuído o n° 1082201104000374, e que foi de objeto indeferimento por despacho do Diretor de Finanças de Faro de 17.02.2011, notificado aos ora Impugnantes em 23.02.2011 — cfr. fls. 2 e 45 a 50 da Reclamação Graciosa n° 1082201104000374 apensa.
Q) Em 25.03.2011 os Impugnantes recorreram hierarquicamente da decisão de indeferimento identificada na alínea que antecede — cfr. fls. finais não numeradas da Reclamação Graciosa n° 1082201104000374 apensa.
R) Em 07.04.2011 os Impugnantes remeteram a presente impugnação judicial a este TAF, sob correio registado — cfr. fls. 42 dos autos.
S) Em 15.06.2011 a Diretora de Serviços do IRS proferiu despacho negando provimento ao recurso hierárquico que antecede com os mesmos fundamentos constantes do despacho identificado em N) — cfr. fls. finais não numeradas da Reclamação Graciosa n° 1082201104000374 apensa.
T) Por ofício de 28.06.2011 da Direção de Finanças de Faro os Impugnantes foram notificados do despacho que antecede - cfr. fls. finais, não numeradas da Reclamação Graciosa n° 1082201004000765 apensa.

3.1. Apreciando prioritariamente a questão da (i)legalidade da reforma da decisão de deferimento da reclamação graciosa, por considerar que se trata de questão prejudicial em relação à invocada ilegalidade da liquidação, com fundamento nas ilegalidades que lhe vêm imputadas, a sentença recorrida veio a concluir que o despacho de reforma, proferido em 17/09/2010, é ilegal, por violação do disposto no nº 1 do art. 141° do CPA e no nº 2 do art. 102° do CPPT, pondo em causa os princípios da segurança jurídica e tutela de confiança que o art. 141° do CPA visa acautelar, e a estabilidade alcançada pelos ora Impugnantes no que respeita à sua situação tributária relativa ao ano de 2006, por força do anterior deferimento da sua pretensão em sede de reclamação graciosa, pelo que tal despacho (de reforma da decisão de deferimento da reclamação graciosa) é anulável nos termos do disposto no art. 135º do CPA.
Isto porque, por força dos arts. 137°, n° 2 e 141º do CPA, a reforma apenas poderia ocorrer até ao termo do prazo do recurso contencioso do acto reformando [prazo que, no caso, será o de impugnação judicial — 15 dias após a notificação — cfr. o n° 2 do art. 102° do CPPT, uma vez que estamos perante um acto administrativo de natureza fiscal, e não de um acto administrativo “normal”, pelo que não é aplicável a al. a) do n° 2 do art. 58° do CPTA, mas sim, o n° 2 do art. 102° do CPPT]. Ou seja, uma vez que decorrido o prazo de 15 dias sobre a data da notificação da decisão da reclamação graciosa, tal decisão não é mais passível de recurso judicial, então, nessa base, é extemporânea a decisão de reforma praticada após o decurso daquele prazo.
A sentença conclui, assim, pela procedência da questão prévia suscitada e pela ilegalidade do acto de reforma, anulatório da decisão de deferimento da reclamação graciosa e decide que, consequentemente, a questionada liquidação de IRS relativa ao ano de 2006, deve ser efectuada nos exactos termos que resultam da primitiva decisão de deferimento proferida em 17/06/2010 pelo Director de Finanças de Faro.
Dando, igualmente, por prejudicado o conhecimento dos demais vícios também apontados à liquidação.

3.2. A questão a decidir no recurso prende-se, portanto, com a de saber qual é o prazo de revogação de decisão de deferimento de reclamação graciosa interposta contra um acto de liquidação de IRS, na qual foi deferida a pretensão dos contribuintes: trata-se, no essencial, de apreciar a legalidade da decisão do DF de Faro que, revogando anterior decisão em que se deferira a pretensão dos contribuintes, veio a deferir apenas parcialmente essa pretensão (a primitiva decisão deferindo a pretensão dos impugnantes fora proferida em sede de reclamação graciosa apresentada contra o acto de liquidação de IRS).
Vejamos.

3.3. A possibilidade legal de revogação dos actos administrativos em matéria tributária está prevista no art. 79º da LGT (a revogação é um acto que faz cessar ou elimina os efeitos de um acto anterior, com fundamento na sua inconveniência ou invalidade, estando o respectivo regime previsto nos arts. 138° a 146° do CPA).
Todavia, não constando da LGT nem do CPPT norma definidora do prazo para tal revogação, é incontroverso que hão-de acolher-se as regras constantes dos arts. 136º e ss. do CPA, que directamente regulam a revogação dos actos administrativos [sendo que o CPA constitui legislação complementar e subsidiária ao direito tributário — arts. 2º, al. c), da LGT e 2º, al. d), do CPPT (Cfr., por todos, o ac. desta Secção do STA, de 15/5/2013, proc. nº 0566/12; bem como Leite Campos, Benjamim Rodrigues e Jorge de Sousa, Lei Geral Tributária Anotada e comentada, 4ª ed., 2012, anotação 1 ao art. 79º, p. 724 e Lima Guerreiro, Lei Geral Tributária, anotada, Editora Rei dos Livros, pág. 350, nota 7.)].
Ora, nos termos do nº 1 do art. 136º do CPA (Regime da anulabilidade) «O acto administrativo anulável pode ser revogado nos termos previstos no artigo 141°» e de acordo com o disposto neste art. 141º, tal acto que seja inválido só pode ser revogado com fundamento na sua invalidade e dentro do prazo do respectivo recurso contencioso (um ano, se a impugnação for promovida pelo Ministério Público, ou três meses, nos restantes casos – cfr. as als. a) e b) do nº 2 do art. 58º do CPTA) ou até à resposta da entidade recorrida.
E havendo prazos diferentes, atender-se-á ao que terminar em último lugar (n° 2 do art. 141° do CPA).
Assim, o prazo para a revogação do acto administrativo de deferimento da reclamação graciosa que anteriormente fora apresentada pelos impugnantes, só pode ser o constante das normas do CPA, que não, ao invés do que se entendeu na sentença recorrida, o de 15 dias, então previsto no nº 2 (entretanto revogado pela al. d) do art. 16º da Lei nº 82-E/2014, de 31/12) do art. 102º do CPPT para impugnar o indeferimento da reclamação graciosa.
No caso, os impugnantes apresentaram em 15/3/2010 reclamações graciosas (duas – já que, dada a entrega de declarações separadas, a AT também procedera a liquidações individualizadas) contra os actos de liquidação de IRS (do ano de 2006), tendo a reclamação apresentada por A………… (impugnante marido) sido deferida por despacho de 17/6/2010 pelo DF de Faro, notificado aos reclamantes/impugnantes, através de carta registada remetida em 18/6/2010 e tendo a reclamação apresentada por B………… (impugnante mulher) sido arquivada com fundamento na inutilidade superveniente da lide, pelo facto de a pretensão da reclamante ter sido atendida com base no despacho de deferimento proferido no processo de reclamação graciosa n° 1082201004000765.
Em 17/9/2010 foi proferida nova decisão na reclamação deduzida pelo impugnante A…………, reformando aquela primitiva decisão/despacho e deferindo agora apenas parcialmente a dita reclamação: deferindo-a na parte relativa ao estado civil de casados e indeferindo-a na parte restante. E esta decisão de 17/9/2010, foi notificada aos reclamantes em 27/9/2010 e dela foi interposto recurso hierárquico, ao qual foi negado provimento, por despacho de 20/12/2010, notificado aos interessados através de ofício remetido em 4/1/2011.
E é no seguimento do indeferimento deste recurso hierárquico que foi apresentada em 7/4/2011 a impugnação judicial que deu origem aos presentes autos.
Porém, conforme decorre do Probatório, a decisão do DF de Faro que apreciou a reclamação graciosa apresentada pelo impugnante marido teve por objecto a legalidade do acto de liquidação (IRS de 2006), pelo que embora tenha sido apresentado recurso hierárquico do indeferimento parcial, sempre caberia impugnação judicial da decisão deste último: na verdade, é o processo de impugnação judicial e não o recurso contencioso o meio processual adequado para impugnar contenciosamente actos que apreciem actos de liquidação [quer se trate de indeferimento de reclamações graciosas quer se trate de recursos hierárquicos delas interpostos (Cfr. art. 97º, nº 1, al. d) do CPPT.
Cfr. Jorge Lopes de Sousa, in CPPT, Anotado, I vol., 6ª edição, 2011, p. 667 – anotação 7 ao art. 76º.)] e, no caso, apesar de a decisão que indeferiu o recurso hierárquico interposto do despacho do DF de Faro (em que se decidiu proceder à reforma do primitivo despacho que deferira a reclamação graciosa deduzida pelo contribuinte A…………) se fundamentar, também, na tempestividade do próprio despacho que procede à reforma, vai para além desta apreciação da vertente formal, pois que apreciou (e teve por objecto) a legalidade daquele acto tributário de liquidação de IRS.
Assim, como sublinha o MP, não obstante ter sido apresentado recurso hierárquico do indeferimento parcial, da decisão deste último cabe impugnação judicial.
Ora, se o acto de deferimento da reclamação graciosa apresentada pelo contribuinte marido, A………… (e esse deferimento é a primeira decisão ali proferida) lhe foi notificado em 21/6/2010 (carta registada remetida em 18/6/2010, presumindo-se a notificação em 21/6/2010 – cfr. al. H) do Probatório) e se a reforma desse acto foi notificada em 27/9/2010 (cfr. al. K) do Probatório), então, face ao disposto na citada al. a) n° 2 do art. 58º do CPTA (prazo de um ano para a impugnação de actos anuláveis), a AT dispunha deste prazo para o fazer, devendo concluir-se portanto que a reforma do despacho de deferimento é tempestiva e mantendo-se válida com todos as consequências legais daí decorrentes.
Acresce que, como também sublinha o MP, podendo a revogação ser operada dentro do prazo do respectivo recurso contencioso ou até à resposta da entidade recorrida (nº 1 do art. 141º do CPA), resultando da factualidade provada que a segunda decisão foi notificada aos contribuintes em 27/9/2010 e que a impugnação judicial foi deduzida em 7/4/2011, é manifesto que a revogação foi efectuada em data anterior ao prazo que a entidade demandada tinha para contestar a acção de impugnação judicial. Sendo que, como decorre do disposto no art. 112º do CPPT (ao possibilitar à AT a revogação do acto impugnado no prazo que tem para contestar a respectiva acção de impugnação judicial) a faculdade de revogação do acto inválido persiste enquanto este não estiver estabilizado, ou seja, enquanto possa ser impugnado contenciosamente.
Nestes termos, procede o recurso, impondo-se a baixa dos autos à instância para conhecimento dos demais vícios cuja apreciação foi julgada prejudicada pela decisão recorrida.

DECISÃO
Nestes termos, acorda-se em, dando provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e ordenar a baixa dos autos à 1ª instância para, se a tanto nada mais obstar, serem conhecidos os demais vícios invocados, cuja apreciação se considerou prejudicada face ao teor da concreta decisão proferida.
Sem custas.
Lisboa, 15 de Março de 2017. – Casimiro Gonçalves (relator) – Isabel Marques da Silva – Pedro Delgado.