Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:049/21.0BALSB
Data do Acordão:11/24/2021
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:RECURSO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
MESMA QUESTÃO DE DIREITO
Sumário:I - O recurso para o Supremo Tribunal Administrativo de decisão arbitral pressupõe que se verifique, entre a decisão arbitral recorrida e o acórdão invocado como fundamento, oposição quanto à mesma questão fundamental de direito (cf. o n.º 2 do art. 25.º RJAT).
II - Não pode considerar-se que a questão fundamental de direito é a mesma quando, apesar de a questão decidida no acórdão recorrido – respeitante ao regime do art. 19.º do CIRC, ou seja, ao regime fiscal a aplicar aos contratos de construção em relação a obras de carácter plurianual – também ter sido aflorada no acórdão fundamento, neste foi expressamente referido que, apesar de que esse «regime a aplicar às obras de carácter plurianual[…] eventualmente, se poderia aplicar ao caso dos autos», «a correcção sob exame e estruturada pela A. Fiscal [que deu origem à liquidação] se baseia num enfoque prévio ao dito regime e que passa pelo crivo do art. 23.º, do C.I.R.C., supra devidamente estudado».
Nº Convencional:JSTA000P28575
Nº do Documento:SAP20211124049/21
Data de Entrada:04/10/2021
Recorrente:Z................., S.A.
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Recurso para uniformização de jurisprudência da decisão arbitral proferida pelo Centro de Arbitragem Administrativa - CAAD no processo n.º 24/2020-T
Recorrente: “Z…………………., S.A.”
Recorrida: Autoridade Tributária e Aduaneira

1. RELATÓRIO

1.1 A sociedade acima identificada veio, ao abrigo do disposto no art. 25.º, n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, interpor recurso para o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo da decisão arbitral proferida pelo Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) em 26 de Fevereiro de 2021, no processo n.º 24/2020-T (Disponível em
https://caad.org.pt/tributario/decisoes/decisao.php?listOrder=Sorter_data&listDir=DESC&id=5304.), invocando oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com o acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, de 19 de Dezembro de 2018, proferido no processo n.º 909/09.6BESNT (Disponível em http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/-/ffcb42e9486d6ee880258376004cf7e3.).

1.2 Apresentou alegações, com conclusões do seguinte teor:

«I. Vem o presente Recurso para Uniformização de Jurisprudência, interposto da decisão arbitral proferida no processo n.º 24/2020-T CAAD, que correu termos no Tribunal Arbitral constituído no âmbito do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), que julgou totalmente improcedente o pedido de pronúncia Arbitral.

II. Com efeito, o Acórdão Arbitral recorrido colide frontalmente com Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, datado de 19.12.2018, no âmbito do processo n.º 909/09.6BESNT, já transitado em julgado.

III. No caso concreto, há uma contradição patente quanto a uma questão fundamental de Direito que se prende com a consideração da interpretação concatenada do preceito normativo vertido no artigo 19.º do Código de Imposto dos Rendimentos das Pessoas Colectivas (doravante CIRC) e com as respectivas normas contabilísticas aplicáveis aos contratos de construção.

IV. Para a questão em apreço, a decisão recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:

[segue-se a transcrição da matéria de facto que a decisão arbitral recorrida deu como provada]

V. O objecto de recurso e as questões de Direito que se pretende ver analisadas são as seguintes: por um lado, em que momento deverá ser relevado o rendimento final de uma obra, designadamente, se o mesmo deverá ser relevado no exercício de conclusão de uma obra ou em outro momento; por outro lado, qual a relevância dos circunstancialismos verificados no âmbito de um contrato de construção, reflectidos na facturação emitida no cálculo dos réditos dos contratos de construção.

VI. A respeito do ponto a., pronunciou-se o Centro de Arbitragem Administrativa no seguinte sentido:

“(...) haverá que considerar que o rendimento final de uma obra não surge necessariamente relevado, em definitivo, no exercício da sua conclusão. Nos exercícios seguintes podem surgir gastos, com ela relacionados, que irão influenciar os resultados desses exercícios. Será o caso normal de trabalhos realizados em cumprimento de obrigações de garantia, de desmontagem de estaleiros, etc. Ou seja, não pode proceder o argumento da Requerente de que uma obra não pode ser considerada concluída enquanto surgirem gastos a ela associados” (destacado nosso) – cfr. página 21 do Acórdão Recorrido.
“(...) Cumpre, em primeiro lugar, salientar que a lei fiscal – artigos 17.º, 18.º e 19.º do CIRC – e a normalização contabilística – Estrutura Conceptual, NCRF 19 e NCRF 4 – não prevêem a consideração da facturação emitida no cálculo dos réditos deste tipo de contratos.
Nos termos da lei – fiscal e contabilística – a facturação emitida é irrelevante – é desconsiderada – para efeitos de apuramento dos resultados – contabilísticos e fiscais – dos contratos de construção. Para efeitos do apuramento do rédito destes contratos apenas relevam o valor da adjudicação da obra (inicial ou revisto) – o valor do contrato de construção – os custos estimados para a conclusão da obra (iniciais ou revistos) e os custos efectivamente suportados com a realização da obra” (destacado nosso) – cfr. página 22 do Acórdão Recorrido.
“(...) Se, após a conclusão da obra, vier a ser decidido (no caso, por sentença judicial) um conflito que tem por objecto o acerto de contas entre o empreiteiro e o dono da obra, ficando estabelecido quais os trabalhos que foram efectivamente realizados, e, consequentemente, o montante que o empreiteiro tem direito a facturar/receber, os valores que constam da conta “acréscimos de rendimentos” (correspondentes à diferença entre o valor do contrato e o valor da facturação emitida), referentes a essa obra, deverão ser corrigidos, com relevância no cálculo do lucro tributável, assim se ajustando o valor do rédito desse contrato em termos globais.
Mas tal ajuste só poderá acontecer no exercício em que a questão for decidida e não no exercício da conclusão das obras (seja este qual for) em razão das especiais regras contabilísticas e fiscais, que presidem ao cálculo do rédito dos contratos de construção” – cfr. páginas 23 e 24 do Acórdão Recorrido.

VII. A respeito destas matérias, discorre-se no Acórdão Fundamento que:
“(...)
Abordemos, agora, o regime das obras de carácter plurianual, as quais colocam especiais dificuldades à concretização do princípio da especialização dos exercícios, previsto no artigo 18.º, do C.I.R.C. (...).
O citado regime das obras de carácter plurianual merecia consagração legal no art. 19.º, do C.I.R.C., (...)
Sendo pacificamente aceite que o momento de reconhecimento dos proveitos obtidos e dos custos incorridos nem sempre coincidem com os dos respectivos recebimentos e pagamentos, nem por isso aqueles dois pares de factos patrimoniais podem ser definitivamente dissociados. Quer isto significar que um proveito só o será verdadeiramente se lhe vier a suceder uma receita ou recebimento de um meio usual de pagamento ou uma desobrigação de um passivo e, por forma semelhante, um custo só o será verdadeiramente se lhe vier a suceder um dispêndio, uma despesa ou pagamento então uma diminuição de um qualquer activo afecto ao património.
Havendo a possibilidade de diferimento entre as operações geradoras de proveitos e de incorrência em custos e as dos correspondentes recebimentos e pagamentos devem, por isso, os proveitos e os custos, quando não recebidos ou pagos de imediato, ser reconhecidos quando houver uma razoável probabilidade de os mesmos serem cobrados dos devedores ou satisfeitos aos credores, respectivamente.
Compreendem-se no citado art. 19.º, do C.I.R.C., as obras cujo ciclo de produção ou tempo de construção seja superior a um (1) ano, isto é, aquelas cuja duração de execução se estende para além de um exercício económico. Nesta definição cabem, a título exemplificativo, a construção de pontes, barragens, estradas, edifícios, navios e bens de equipamento, não se circunscrevendo, portanto, à construção civil e empreitadas de obras públicas e privadas. São excluídas da previsão do preceito, todavia, as actividades de ciclo de produção ou de tempo de construção inferior a doze meses, embora com início e termo situados em dois períodos fiscais anuais diferentes.
Consagra-se no preceito a possibilidade de as empresas que realizam obras de carácter plurianual adoptarem, na determinação dos resultados, o método do encerramento da obra ou o método da percentagem de acabamento, reconhecidos de há longa data pela prática contabilística e recomendados pelas normas internacionais de contabilidade. Pelo primeiro método os resultados só são determinados e registados quando a obra é dada por concluída ou substancialmente concluída (grau de acabamento superior a 95% - cfr. art. 19.º, n.º 3, al. a), do C.I.R.C.), sendo os custos incorporados nas obras acumuladas até final nas existências e as prestações recebidas dos clientes relevadas como adiantamentos. Verifica-se, em consequência, o diferimento e a concentração de tributação do lucro no exercício da conclusão da obra.
Por sua vez, o método da percentagem de acabamento permite que os resultados sejam evidenciados na contabilidade à e na medida do desenvolvimento físico da obra, isto é, em função do estádio de avanço da obra. A percentagem de acabamento pode ser aferida por diversos critérios, sendo o mais usual o recurso ao cálculo de percentagens dos custos incorporados na obra até certa data sobre a totalidade dos custos estimados. Ao revelar-se o resultado no período em que em princípio é produzido, obtém-se uma distribuição da carga fiscal ao longo do tempo de duração da obra.
A possibilidade de opção entre os dois métodos identificados (método do encerramento da obra ou método da percentagem de acabamento) é muito restringida pelo legislador (cfr. art. 19.º, n.º 2, do C.I.R.C.), o qual impõe a utilização do método da percentagem de acabamento nas obras públicas ou privadas em que haja lugar a facturações parciais do preço estabelecido e as obras realizadas tenham atingido o grau de acabamento correspondente aos montantes facturados e, igualmente, nas obras efectuadas por conta própria e vendidas fraccionadamente.
Estamos perante métodos que pretendem dar tradução à correlação temporal entre proveitos e custos, tendo como pano de fundo o citado princípio da especialização dos exercidos e que suscitam relevantes dificuldades de aplicação (cfr. Maria dos Prazeres Lousa, A determinação dos resultados nas obras de carácter plurianual, Revista Fisco, n.º 8, Maio de 1989, pág. 3 e seg.; Rui Duarte Morais, Apontamentos ao IRC, Almedina, 2009, pág. 71 e seg.).
(...)
Dispõe o mencionado art. 19.º, n.º 5, do C.I.R.C., que no apuramento de resultados de obras em que ainda não tenham sido suportados os custos totais necessários para o seu acabamento, se aceita o diferimento dos proveitos correspondentes ao custos estimados a suportar. Saliente-se, todavia, que do ponto de vista contabilístico, quando a obra estiver substancialmente concluída (grau de acabamento superior a 95%), os custos que faltarem para o seu fecho devem ser estimados e considerados como acréscimo de custo, conforme estatui o ponto 7 da Directriz Contabilística 3/91, a qual consagra o tratamento contabilístico dos contratos de construção (cfr. n.ºs 5 e 7, da Circular n.º 5/90, de emitida pela D.G.C.I.; F. Pinto Fernandes e Nuno Pinto Fernandes, Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, anotado e comentado, Rei dos Livros, 59. edição, 1996, pag. 183 e seg.).
Recorde-se, por outro lado, que a citada Directriz Contabilística 3/91, no seu ponto 6, estatui que o método da percentagem de acabamento não deve ser aplicado se não houver possibilidade de estabelecer estimativas fiáveis (cfr. F. Pinto Fernandes e Nuno Pinto Fernandes, Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, anotado e comentado, Rei dos Livros, 5.ª edição, 1996, pag. 171)”.

VIII. Assim, contrariamente ao decidido, dever-se-ia ter em conta que, in casu, os réditos respeitantes aos contratos de construção foram calculados com base no respectivo grau de acabamento através da fórmula Grau de Acabamento = Custos Estimados/Custos Incorridos.

IX. Isto posto, as operações contabilísticas executadas estão de acordo com os parágrafos 11.º a 25.º e 30.º da Norma Contabilística e de Relato Financeiro n.º 19, com especial relevância para a norma de reporte financeiro, em específico, os pontos 16 a 19.

X. Assim, em face da aplicação do regime fixado na referida Norma, fossem quais fossem os custos em que o sujeito passivo incorresse nos exercícios seguintes, esses mesmos cursos devem ser tidos em conta no cálculo do grau de acabamento.

XI. Isto posto, é errada a aplicação da Norma levada a efeito pela Recorrida e confirmada pela decisão arbitral que aqui se recorre, segundo a qual os custos posteriores ao contrato são referentes ao período de garantia das obras em apreço.

XII. Ademais, erradamente, não foi considerado o valor facturado com base no autos de medição emitidos nem a existência de trabalhos a mais ou a menos – e nem se diga que tais factos são irrelevantes para efeitos de tributação porquanto que vigora um princípio de verdade material que deve presidir e ser observado nas operações de tributação.

XIII. Ainda a este propósito, e por ter relevo para a presente questão, invoca-se a Norma Contabilística e de Relato Financeiro n.º 19.

XIV. Em face do exposto, sempre se terá de concluir que para se dar por assente que uma obra se encontra concluída mais nenhum custo deverá verificar-se relacionado com a execução da obra, o que inclui a emissão de facturação.

XV. Não se poderá dar por concluídas obras que efectivamente não o estão e tributar réditos que não correspondem à realidade material, porquanto que tal é o contrário ao princípio da tributação das empresas pelo rendimento real, constitucionalmente consagrado no artigo 104.º, n.º 2.

XVI. Ademais, não é justa a consideração de valores como rédito de contratos quando estes nunca tenham sido recebidos ou que se encontram em litígio.

XVII. Assim, quando estejam em causa custos de contrato cuja recuperação não seja provável estes devem ser reconhecidos como um gasto nos termos do parágrafo 34 da Norma Contabilística e de Relato Financeiro 19.

XVIII. Isto posto, a decisão proferida pelo tribunal arbitral viola de forma clara, frontal e evidente a jurisprudência do TCA Sul.

XIX. Pelo que, não resta, senão concluir que a decisão arbitral recorrida incorreu em manifesto erro de julgamento e encontra-se em manifesta contradição com o Acórdão Fundamento.

XX. Mercê disso, deve o Acórdão Arbitral ser alterado e substituído por novo que julgue procedente o pedido de anulação formulado pela Requerente/Recorrente das liquidações adicionais promovidas pela AT supra identificadas.

Termos em que deve o presente Recurso para Uniformização de Jurisprudência:

i) Ser aceite e posteriormente julgado procedente, por provado, sendo em consequência e nos termos e com os fundamentos acima indicados, revogada a decisão arbitral recorrida, sendo substituída por outro acórdão consentâneo com o quadro jurídico vigente;

ii) Em virtude de o valor da causa ser superior a € 275.000,00 desde já se requer a V.as Ex.as que, nos termos do n.º 7, do artigo 6.º, do Regulamento das Custas Processuais, determinem a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça».

1.3 A Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) apresentou contra-alegações, com conclusões do seguinte teor:

«I. Em causa no presente recurso está a decisão arbitral proferida no processo n.º 24/2020-T que correu termos no Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), com vista à apreciação da legalidade das liquidações adicionais de IRC n.º 20198310000494, do exercício de 2015 e n.º 2019 8310000514 do exercício de 2016, na parte em que se encontram influenciadas pelas correcções efectuadas pela Inspecção Tributária relativas ao apuramento dos rendimentos, por aplicação do critério da percentagem de acabamento das obras, decidindo o Tribunal a quo pela improcedência total do pedido arbitral.

II. A Recorrente indica como valor do presente recurso o montante de € 7.110.973,00, o qual se impugna, porquanto não foi aduzida qualquer justificação para alteração do valor da causa atribuído pelo Tribunal arbitral, que se cifra em € 5.960.262,93 e que corresponde ao valor indicado pela Requerente no pedido de pronúncia arbitral (adiante PPA).

III. A Recorrente defende que o Acórdão arbitral recorrido entra em contradição com «jurisprudência dos tribunais superiores a respeito destas matérias, mais concretamente com o acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul (doravante designado por Acórdão Fundamento), datado de 19.12.2018, no âmbito do processo n.º 909/09.6BESNT».

IV. Constitui entendimento reiterado pela jurisprudência desse douto STA que, para que se tenha por verificada a oposição de acórdãos é necessário que (i) as situações de facto sejam substancialmente idênticas, (ii) haja identidade na questão fundamental de direito, (iii) se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta e (iv) que a oposição decorra de decisões expressas e não implícitas, requisitos que, manifestamente, não se encontram reunidos no caso vertente.

V. O Acórdão recorrido pronunciou-se sobre as correcções efectuadas pela Inspecção Tributária respeitantes a acréscimos aos resultados apurados pela ora Recorrente, subjacentes às irregularidades observadas na determinação dos rendimentos a imputar a resultados, em razão do grau de acabamento de várias obras.

VI. Foi, pois, apurada pelos SIT factualidade respeitante a obras em curso, por forma a proceder ao cálculo dos réditos dos respectivos contratos de construção, procedendo à determinação das correcções relativas ao apuramento dos rendimentos, por aplicação do critério da percentagem de acabamento das obras.

VII. Sendo que, o quadro legal, contabilístico e fiscal, aplicado à factualidade em causa consiste nos artigos 17.º, 18.º e 19.º do CIRC, o § 22 da Estrutura Conceptual, e a NCRF 4 e 19, conforme referem o RIT e o Acórdão recorrido.

VIII. O Acórdão fundamento teve como objecto uma sentença proferida numa acção de impugnação judicial onde se apreciou, entre outras, a legalidade das correcções efectuadas pela Inspecção Tributária respeitantes a «Acréscimo de custos (parque urbano e realojamento das colectividades)».

IX. A questão apreciada pelo TCA no Acórdão fundamento prende-se com a desconsideração de custos contabilizados, em virtude de os mesmos não estarem devidamente comprovados e não serem indispensáveis para a realização dos proveitos, bem como com a prova da indispensabilidade dos custos, à luz do disposto no artigo 23.º do CIRC.

X. A decisão fundamento explana o regime constante do artigo 19.º do CIRC, bem como indica as diferenças entre os métodos passíveis de serem adoptados pelas «empresas que realizam obras de carácter plurianual», designadamente o método do encerramento da obra ou o método da percentagem de acabamento, porém, como lapidarmente esclarece o Acórdão: «Ora, apesar de tudo o acabado de referir quanto ao regime a aplicar às obras de carácter plurianual (regime este que, eventualmente, se poderia aplicar ao caso dos autos), certo é que a correcção sob exame e estruturada pela A. Fiscal se baseia num enfoque prévio ao dito regime e que passa pelo crivo do art. 23.º, do C.I.R.C., supra devidamente estudado. Conforme se retira do probatório (cfr. n.ºs 2 e 5 da factualidade provada), o acréscimo de custos em resultado do realojamento de colectividades e no montante de € 589.478,81, carece de prova, nomeadamente documental, que o comprove. Prova essa que incumbia à sociedade impugnante produzir (cfr. art. 74.º, n.º 1, da L.G.T.)».

XI. Pelo que, não há qualquer identidade nas situações de facto apreciadas em ambos os Acórdãos, nem foi apreciada a mesma questão fundamental de direito, inexistindo qualquer oposição de soluções jurídicas.

XII. A Recorrente reconhece a necessidade de cumprir o pressuposto do recurso atinente à identidade nas situações de facto, contudo não faz qualquer referência aos factos apurados no Acórdão fundamento, por forma a demostrar a alegada similitude, limitando-se a transcrever a parte do Acórdão fundamento onde se explana o regime a aplicar às obras de carácter plurianual, que, como supra exposto, não constitui a questão fundamental de direito apreciada pelo TCA.

XIII. Não há, pois, identidade ou sequer semelhança no que concerne à questão fundamental de direito apreciada no Acórdão arbitral e no Acórdão fundamento susceptível de sustentar a alegada oposição de acórdãos.

XIV. Ora, a argumentação desenvolvida pela Recorrente consiste em imputar ao julgado arbitral erro de julgamento quanto à matéria de facto (cfr. pontos VIII, IX, X, XI, XII, XIII, XIV e XV das Conclusões das Alegações de recurso);

XV. Mas o erro de julgamento quanto à matéria de facto não pode ser analisado à luz do recurso para uniformização de jurisprudência, sem que se demostre, como exige o n.º 2 do artigo 152.º do CPTA “de forma precisa e circunstanciada, os aspectos de identidade que determinam a contradição alegada”, como se consignou no recente Acórdão proferido pelo Pleno do STA, em 30-01-2019, no âmbito do processo n.º 0417/18.4BALSB.

XVI. Resulta, assim, demonstrado que não se encontram preenchidos os requisitos do artigo 152.º do CPTA, porquanto o Acórdão recorrido e o Acórdão fundamento não adoptaram, sobre a mesma questão de direito, soluções juridicamente divergentes em idênticas situações de facto.

XVII. No entanto, por mera hipótese e sem conceder, caso entenda esse douto STA conhecer do mérito da decisão, cumpre salientar que a AT mantém o entendimento propugnado na Resposta ao pedido de pronúncia arbitral, no sentido da legalidade da correcção efectuada pela Inspecção Tributária, nos termos melhor explicitados na decisão arbitral ora impugnada, a cujo teor se adere na totalidade.

XVIII. O Acórdão recorrido deve, por tudo o exposto, manter-se na ordem jurídica.

Nestes termos e com o mui douto suprimento de V. Exas. deve o presente Recurso ser rejeitado ou ser julgado improcedente, mantendo-se a Decisão Arbitral na ordem jurídica, assim se fazendo Justiça».

1.4 Foi dada vista ao Ministério Público, e a Procuradora-Geral-Adjunta neste Supremo Tribunal Administrativo emitiu parecer no sentido de «[…] não dever o STA conhecer do recurso por falta dos pressupostos de que depende o conhecimento do recurso».
Isto, em síntese, porque considerou que a questão fundamental de direito identificada pela Recorrente – que se refere à interpretação concatenada do preceito normativo vertido no art. 19.º do CIRC com as respectivas normas contabilísticas aplicáveis aos contratos de construção – apenas foi tratada no acórdão arbitral recorrido e já não no acórdão fundamento, onde a questão tratada foi outra, qual seja a da comprovação dos custos à luz do disposto no art. 23.º do CIRC, que é prévia ao tratamento do regime aplicável às obras (no caso plurianuais).

1.5 Cumpre apreciar e decidir, em conferência, no Pleno desta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.
Antes do mais, há que verificar se estão reunidos os requisitos da admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência.
Só se concluirmos pela verificação desses requisitos, passaremos a conhecer do mérito do recurso, ou seja, saber se a decisão recorrida padece do erro de julgamento que lhe vem imputado quanto à questão enunciada pela Recorrente.


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

2.1.1 A decisão arbitral recorrida deu como provados os seguintes factos:

«a) As liquidações impugnadas resultaram de acção inspectiva promovida pela AT.

b) A Requerente exerceu o direito de audição, o qual teve como consequência a AT ter alterado algumas das correcções constantes do projecto do RIT, no sentido propugnado pela Requerente, nomeadamente – no que aqui releva – aceitado ter havido uma alteração (significativa) para menos do valor de adjudicação da obra AMPLIAÇÃO DO SISTEMA E... em razão da documentação que lhe foi apresentada, comprovativa da cessão de parte da posição contratual da Requerente a outra sociedade.

c) A Requerente apresentou reclamação graciosa das liquidações que ora impugna, a qual foi indeferida, tendo a respectiva notificação ocorrido em 23.10.2019.

d) A Requerente efectuou ajustamentos correlativos, decorrentes das correcções que ora impugna, nas declarações modelo 22 de 2017 e 2018.

II- Relativamente à obra F...:

a) No respectivo “livro de obra”, assinado por representante da Requerente, consta que a mesma foi concluída em 2015.11.16.
b) No site da Requerente consta notícia, datada de 2015.04.23, com o título Ministro do Ambiente inaugura F... .
c) No decurso do processo inspectivo, a Requerente informou que a obra ainda não se encontrava concluída em 2017, estimando concluí-la em 2018.
d) Notificada para discriminar os trabalhos a realizar, a Requerente referiu diversos custos internos, máquinas e pessoal, instalações electromecânicas, remetendo, para documentar tal afirmação, contratos respeitantes a fornecimento e execução de gás e fornecimento e execução de infra-estruturas eléctricas de iluminação, assinados em 2013.10.11 e 2014.01.09, e que têm um valor estimado de, respectivamente, 66.004,02 (sem IVA incluído) e 341.424,59 (sem IVA incluído);
e) Dos mapas de “Grau de Acabamento”, elaborados pela Requerente, relativos a tal obra, retira-se a seguinte informação:

[IMAGEM]

f) A AT concluiu que a obra foi efectivamente terminada em 2015.

III– Relativamente à obra REMODELAÇÃO ETAR L...

a) No respectivo “livro de obra”, assinado pela Requerente, consta que a mesma foi concluída em 2016.03.18.
b) Segundo notícias na imprensa, a obra estaria concluída em 2015.
c) No decurso do processo inspectivo, a Requerente informou que a obra foi concluída em 2017.
d) Notificada para discriminar os trabalhos realizados em 2017, a A... referiu tratar-se de diversos custos internos de estaleiro tais como tempos de pessoal e máquinas.
e) Dos mapas de “Grau de Acabamento”, elaborados pela Requerente, relativos a tal obra retira-se a seguinte informação:

[IMAGEM]

f) Do mapa “Resultados de Gestão por Obra” de 2017, elaborado pela Requerente, resulta que, em 2017, esta não contabilizou rendimentos e contabilizou gastos no valor de 4.043.92.
g) A AT concluiu que a obra foi efectivamente terminada em 2016.

IV – Relativamente à obra PARQUE ESTACIONAMENTO G...

a) Segundo notícia na imprensa, a obra foi inaugurada em 10 de Julho de 2014.
b) No site da Requerente consta notícia da conclusão da obra em 2014.
c) No decurso do processo inspectivo, a Requerente informou que a obra foi concluída em 2017.
d) Notificada para discriminar os trabalhos realizados em 2017, a A... referiu tratar-se de colocação de estruturas metálicas, ligações eléctricas e telecomunicações, custos internos de estaleiro
e) Dos mapas de “Grau de Acabamento”, elaborados pela Requerente, relativos a tal obra retira-se a seguinte informação:

[IMAGEM]


f) Do mapa “Resultados de Gestão por Obra” de 2017 consta que a Requerente não contabilizou, em 2017, rendimentos e contabilizou gastos no valor de 10.272.10
g) A AT concluiu que a obra foi efectivamente terminada em 2014.

V – Relativamente à obra B...

a) A licença ambiental foi concedida em 2016.01.12.
b) No site da B... consta a informação de que a D... foi inaugurada a 19 de Fevereiro de 2016.
c) No Relatório e Contas de 2016 da B... consta um ano especialmente marcado pela entrada em funcionamento da D... .
d) No decurso do processo inspectivo, a Requerente informou que a obra não se encontrava concluída em 2017.
e) Notificada para discriminar os trabalhos realizados em 2017, a A... referiu tratar-se de instalações electromecânicas, rede de águas e esgotos, diversos custos internos de tempos de máquinas e pessoal.
f) Dos mapas de “Grau de Acabamento”, elaborados pela Requerente, relativos a tal obra retira-se a seguinte informação:

[IMAGEM]

g) A AT concluiu que a obra foi efectivamente terminada em 2016.

VI – Relativamente à obra AMPLIAÇÃO DO SISTEMA REGIONAL E...

a) No respectivo “livro de obra”, assinado pela Requerente, consta que a mesma foi concluída em 2016.02.22
b) No decurso do processo inspectivo, a Requerente informou que a obra foi concluída em 2017.
c) Notificada para discriminar os trabalhos realizados em 2017, a A... referiu tratar-se de custos internos de estaleiro tais como tempos de pessoal e máquinas.
d) Dos mapas de “Grau de Acabamento”, elaborados pela Requerente, relativos a tal obra retira-se a seguinte informação:

[IMAGEM]


e) A AT concluiu que a obra foi efectivamente terminada em 2016.

VII- Relativamente à obra H.../ I.../ J…

a) No respectivo “livro de obra”, assinado pela Requerente, consta que a mesma foi concluída em 2015.05.29.
b) No decurso do processo inspectivo, a Requerente informou que a obra foi concluída em 2017.
c) Notificada para discriminar os trabalhos realizados em 2017, a Requerente referiu tratar-se de diversos custos internos de estaleiro tais como tempos de pessoal e máquinas.
d) Dos mapas de “Grau de Acabamento”, elaborados pela Requerente, relativos a tal obra retira-se a seguinte informação:

[IMAGEM]

e) Do mapa “Resultados de Gestão por Obra” de 2017 consta que a Requerente não contabilizou rendimentos e contabilizou gastos no valor de 4.009,61.
f) A AT concluiu que a obra foi efectivamente terminada em 2015.

VIII – Relativamente à obra CONDUTA ELEVATÓRIA K...

a) No respectivo “livro de obra”, assinado pela Requerente, consta que a mesma foi concluída em 2015.09.28.
b) No decurso do processo inspectivo, a Requerente informou que a obra foi concluída em 2017.
c) Notificada para discriminar os trabalhos realizados em 2017, a A... referiu tratar-se de serviços de betonagem, ligações eléctricas, diversos custos internos de estaleiro.
d) Dos mapas de “Grau de Acabamento”, elaborados pela Requerente, relativos a tal obra retira-se a seguinte informação:

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e) Do mapa “Resultados de Gestão por Obra” de 2017 consta que a Requerente não contabilizou rendimentos e contabilizou gastos no valor de 4.493,52.
f) A AT concluiu que a obra foi efectivamente terminada em 2015.

IX – Relativamente à obra HOSPITAL C...:

a) No respectivo “livro de obra”, assinado pela Requerente, consta que a mesma foi concluída em 2016.04.04.
b) O Hospital Privado C..., na qualidade de arrendatário, remeteu a seguinte informação:
• Contrato de arrendamento referente ao imóvel objecto da obra, constatando-se que o contrato teve início em 1 de Janeiro de 2017 e que, em 14 de Dezembro de 2016, o edifício se encontrava em condições de licenciamento junto da Entidade Reguladora da Saúde para a actividade de Hospital com actividade cirúrgica, internamento, ambulatório e meios complementares de diagnóstico;
• A data de início efectivo de utilização das instalações (edifício) ocorreu em 4 de Maio de 2015, sendo que o Hospital utilizou parcialmente as instalações pois não se encontravam reunidas as condições para dar início ao contrato de arrendamento, tendo o proprietário continuado a realizar correcções e trabalhos adicionais.
• O Hospital não tem conhecimento de obras relevantes efectuadas pelo proprietário nos anos de 2016, 2017 e 2018.
c) No decurso do processo inspectivo, a Requerente informou que a obra foi concluída em 2017.
d) Notificada para discriminar os trabalhos realizados em 2017, a A... referiu tratar-se de aplicação de materiais de revestimento e fachadas, custos internos de estaleiro.
e) Dos mapas de “Grau de Acabamento”, elaborados pela Requerente, relativos a tal obra retira-se a seguinte informação:

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f) Do mapa “Resultados de Gestão por Obra” de 2017 consta que a Requerente não contabilizou rendimentos e contabilizou gastos no valor de 44.695,80.
g) A AT concluiu que a obra foi efectivamente terminada em 2016.

X – Relativamente à obra L...

a) No respectivo “livro de obra”, assinado pela Requerente, consta que a mesma foi concluída em 2016.09.26.
b) Notícia online de 2016.09.29 dá conta da inauguração da loja em causa.
c) No site da Requerente consta a informação de que a obra foi concluída em 2016.
d) No decurso do processo inspectivo, a Requerente informou que a obra foi concluída em 2017.
e) Notificada para discriminar os trabalhos realizados em 2017, a A... referiu tratar-se de sistemas de águas e esgotos, materiais de serralharia, pinturas, andaimes, diversos custos internos estaleiro.
f) Dos mapas de “Grau de Acabamento”, elaborados pela Requerente, relativos a tal obra retira-se a seguinte informação:

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g) Do mapa “Resultados de Gestão por Obra” de 2017 consta que a Requerente não contabilizou rendimentos e contabilizou gastos no valor de 40.708,52
h) A AT concluiu que a obra foi efectivamente terminada em 2016.

XI – Correcções efectuadas

A AT considerou que o rédito total da obra corresponde ao valor adjudicado da mesma. O valor a reconhecer seria o resultado da diferença entre o valor adjudicado e aquilo que foi facturado mais aquilo que está diferido e não deveria estar.

As correcções efectuadas ao lucro tributável de 2014, 2015 e 2016 foram, em resumo, as seguintes:

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XII - Divergências entre os valores de adjudicação e valores facturados

Resulta dos dados constantes dos mapas de “Grau de acabamento” acima transcritos as seguintes divergências, relativamente aos exercícios de 2015 e 2016:

a) Relativamente à obra F..., o valor da adjudicação excede em 35.554,98 o valor acumulado da facturação feita pela Requerente.

b) Relativamente à obra ETAR de L..., o valor da adjudicação coincide com o valor acumulado da facturação feita pela Requerente.

c) Relativamente à obra PARQUE de ESTACIONAMENTO G..., o valor da adjudicação excede em 352.654,05 o valor acumulado da facturação feita pela Requerente.

d) Relativamente à obra B..., o valor da adjudicação excede em 218.026,29 o valor acumulado da facturação feita pela Requerente.

e) Relativamente à obra SISTEMA REGIONAL E..., o valor da adjudicação excede em 2.212.002,90 o valor acumulado da facturação feita pela Requerente.

f) Relativamente à obra H.../I... /J..., o valor da adjudicação excede em 38.448,54 o valor acumulado da facturação feita pela Requerente.

g) Relativamente à obra CONDUTA ELEVATÓRIA K..., o valor da adjudicação excede em 9.842,22 o valor acumulado da facturação feita pela Requerente.

h) Relativamente à obra HOSPITAL C..., o valor da adjudicação excede em 108.088,76 o valor acumulado da facturação feita pela Requerente.

i) Relativamente à obra L..., o valor da adjudicação excede em 6.465,76 o valor acumulado da facturação feita pela Requerente.

XIII – Outros factos

a) O RIT contém dados relativos ao exercício de 2014 e a exercícios posteriores a 2016 relevantes para a boa decisão da causa.

b) A Requerente procedeu aos ajustamentos correlativos decorrentes das correcções operadas pela AT, relativamente aos exercícios de 2015 e 2016, entregando declarações de substituição referentes aos exercícios seguintes (2017 e 2018).

c) Está pendente, no TAF de Aveiro, um processo que opõe a Associação dos Municípios do ... –... e a Requerente (e outra sociedade com ela consorciada) relativo à obra AMPLIAÇÃO DO SISTEMA REGIONAL E... . Está em causa a obrigação da dona da obra de proceder ao pagamento de uma parcela do valor da adjudicação, tendo as partes acordado em fixar em 700.000 o valor da causa.

d) Em razão deste litígio, a Requerente não facturou tal valor.

Todos estes factos constam do RIT e não foram impugnados pois, como atrás explicitado, a causa de pedir formulada pela Requerente é a sua insuficiência para fundamentar o decidido pela AT quanto às datas em que se deve ser considerada concluída cada uma das obras em causa e a ilegalidade de ter sido considerado o valor de adjudicação e não o valor total facturado».

Mais reproduziu a decisão arbitral recorrida o que consta do Relatório da Inspecção Tributária e que serviu de fundamentação das correcções operadas pela AT, que aqui também damos por reproduzido.

2.1.2 O acórdão fundamento teve em consideração os seguintes factos:

«1-No âmbito de uma acção de fiscalização efectuada à sociedade “A…. - Planeamento, Desenvolvimento Urbano e Construções, S.A.”, com o n.i.p.c. 504 ……., foram efectuadas correcções ao lucro tributável do exercício de 2004, e procedeu-se a liquidação adicional de IRC para aquele ano, com o n.º 2009 83100…., tendo-se apurado um imposto a pagar no valor de € 546.044,39, o qual compreende juros compensatórios e de mora (cfr. cópia de demonstração de liquidação e de acerto de contas junta a fls.34 e 35 dos presentes autos);

2- A liquidação mencionada supra, resultou das correcções constantes das “conclusões do relatório” e encontram-se fundamentadas no Relatório elaborado pelos serviços de inspecção, cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido e do qual consta, designadamente, que foram efectuadas correcções ao lucro tributável no montante de € 1.717.692,97 dos quais (cfr. cópia de relatório de inspecção, datado de 3/04/2009, junta a fls. 51 a 73-verso, e anexos de fls.74 a 156, tudo do processo administrativo apenso):

“(…)
III-2.2. Correcções dos custos contabilizados, referentes ao exercício de 2003.
…Analisados os elementos contabilísticos verificou-se a existência dos seguintes documentos respeitantes a 2003 e contabilizados em 2004 (Anexo IV)… “Conta 622…. – Despesas de Condomínio… Conta 631…- Selo Letra… Conta 681…- Descontos de Títulos… não foi respeitado o princípio da especialização dos exercícios não sendo os custos imprevisíveis ou desconhecidos no exercício sobre análise.
III-2.3. Provisões do exercício: Conta 672…-Processos Judiciais em Curso.
… Face aos lançamentos aí descriminados, os três primeiros processos referem-se a provisões relativas a processos judiciais relacionados com o Parque Urbano de N… …não foram apresentados quaisquer elementos para além da relação dos referidos processos.. . não tendo sido apresentado quaisquer documentos comprovativos dos montantes contabilizados relativamente aos referidos processos, corrige-se o montante das respectivas provisões… quanto aos restantes lançamentos… processos de impugnação judicial deduzidos contra liquidações de Sisa… para além dos montantes de Sisa que são considerados na correcção daquelas provisões… foram considerados na sua determinação outros montantes relativos a juros compensatórios e multas e demais encargos pela prática de infracções... os quais não são dedutíveis... não sendo de aceitar o montante em excesso…
III-2.4. Acréscimo de Custos (Parque Urbano e Realojamento de Colectividades).
… Foi contabilizado o custo a suportar de futuro com o realojamento de colectividades… cuja imputação foi efectuada aos vários lotes... verifica-se que as taxas pagas relativamente às infra-estruturas foram no montante de … deduzido da importância correspondente aos custos estimados para o referido realojamento… está a considerar como custos do exercício despesas que não ocorreram… nem a data provável para a sua realização, procede-se à sua correcção… na parte proporcional às vendas ocorridas…
Parque Urbano…
Foi contabilizado uma estimativa de custos referente ao parque urbano do N… … cuja imputação foi efectuada aos diversos lotes… baseada numa estimativa orçamental elaborada em 2001… resultante de verbas provisionadas para os prováveis trabalhos a realizar no mesmo que será de suportar pela empresa… do Alvará de loteamento n.º …/2001, nas condicionantes do mesmo não consta qualquer custo a ser suportado pelo titular relativamente ao parque urbano... sendo que o mesmo se encontra no Plano de Pormenor do Parque Urbano do N… … cujas operações de execução serão realizadas através do sistema de compensação… custeadas pelo titular de alvará de loteamento na zona envolvente... cujo valor será apurado mediante a aprovação do projecto de execução ( do Plano de Pormenor) e à data da mesma… dado tratar-se de estimativas, não se poderá considerar que os custos estejam devidamente comprovados…quanto à sua indispensabilidade, uma vez que o alvará de loteamento não prevê quaisquer custos a incorrer com a construção das infra-estruturas do parque como condição para a aprovação do mesmo, os custos não poderão ser considerados como imputáveis aos lotes, por não existir um nexo causal entre os mesmos e os proveitos relativo à venda dos lotes…
III-2.5. Correcções ao valor de transmissão de direitos reais sobre bens imóveis – art. 58.º-A, do C.I.R.C.
… Relativamente aos imóveis alienados durante o exercício de 2004, atento ao valor da escritura de compra e venda e face aos valores patrimoniais tributários definitivos para eles fixado, sem que tenha sido efectuado o pedido de prova do preço efectivo por parte do sujeito passivo... tendo apresentado pedido de revisão do acto tributário quanto aos artigos matriciais n.ºs 1677.º e 1719.º, tendo em atenção a apresentação de declaração de substituição a que se refere a alínea a), do n.º 3, do art. 58.º-A, pelo que deduzido do valores declarados, a correcção a efectuar é de €….
IX- Direito de Audição-Fundamentação
(…)
II-D)- Correcções ao valor de transmissão de direitos reais sobre imóveis.
A correcção de valores de venda em declarações de rendimentos referentes a exercícios posteriores a 2004… deveria ter procedido à correcção mediante a entrega de declaração de substituição com referência ao exercício de 2004 e não de 2005…pelo que será a situação tida em conta no procedimento deste último ano…

(…);

3- Dão-se aqui por reproduzidos os documentos internos e as deliberações da Câmara Municipal de Amadora relativas às operações de loteamento e de aprovação do projecto de Parque Urbano de N… , assim como o protocolo estabelecido pelo município com a sociedade impugnante em cumprimento do Regulamento do Plano de Pormenor do mesmo parque urbano (cfr. documentos juntos a fls.411 a 509, aviso n.º 901/2008, da C.M. Amadora, publicado na II Série do D.R. n.º 7, de 10.01.08, junto a fls.510 a 513, e protocolo junto a fls.514 a 519, tudo dos presentes autos);

4- As operações de concretização do parque urbano referido supra e respectivos custos a suportar pela impugnante ainda não se encontram realizados até à presente data (cfr. depoimento das testemunhas arroladas pela impugnante, tudo conforme acta junta a fls. 594 a 597 dos presentes autos; documento junto a fls. 116 a 120 do processo administrativo apenso).


X

A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Dos factos com interesse para a decisão da causa e constantes da impugnação, todos objecto de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade supra descrita …”.

X

Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “… A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados, que dos autos constam, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório, sendo que do depoimento das testemunhas que merecem credibilidade em razão do exercício de funções naquela edilidade à data dos factos…”.

X

Levando em consideração que a decisão da matéria de facto em 1ª. Instância se baseou, além do mais, em prova documental constante dos presentes autos e apenso, este Tribunal julga provada a seguinte factualidade que se reputa igualmente relevante para a decisão do recurso e aditando-se, por isso, ao probatório nos termos do art.º 662.º, n.º 1, do C.P.Civil (“ex vi” do art. 281.º, do C.P.P.Tributário):

5- Do relatório de inspecção tributária identificado no n.º 2 supra igualmente consta o seguinte (cfr. cópia de relatório de inspecção, datado de 3/04/2009, junta a fls.51 a 73-verso do processo administrativo apenso):
(…)
Consequentemente se os custos em análise – Realojamento de Colectividades – tem subjacente uma previsão de custos a ocorrer no futuro, que contabilisticamente, apenas tem como suporte uma estimativa de valores, já que não consta da referida contabilidade, nem foi disponibilizado à administração fiscal, quer no decurso dos actos de inspecção, quer quando do exercício de direito de audição, documento comprovativo do mesmo, nomeadamente, recibo das colectividades de que receberam o(s) montante(s) em causa ou, facturas ou documentos equivalentes que suportem e comprovem a efectiva ocorrência dos custos de realojamento das colectividades, confirma-se, desde logo a ausência de um dos requisitos para que o custo seja aceite fiscalmente nos termos do disposto no art. 23.º do CIRC e, como tal, deverá o mesmo ser acrescido ao resultado contabilístico para apuramento do lucro tributável do exercício, em cumprimento do disposto no art. 17.º do CIRC. (…)».


*

2.2 DE DIREITO

2.2.1 AS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR

A Recorrente entende que a decisão arbitral recorrida decidiu em sentido contrário ao do acórdão fundamento a questão fundamental de direito que identificou como sendo a da «consideração da interpretação concatenada do preceito normativo vertido no artigo 19.º do Código de Imposto dos Rendimentos das Pessoas Colectivas […] e com as respectivas normas contabilísticas aplicáveis aos contratos de construção» (cf. art. 7 das alegações e conclusão III) e que densificou como sendo as de saber «[p]or um lado, em que momento deverá ser relevado o rendimento final de uma obra, designadamente, se o mesmo devera ser relevado no exercício de conclusão de uma obra ou em outro momento» e «[p]or outro lado, qual a relevância dos circunstancialismos verificados no âmbito de um contrato de construção, reflectidos na facturação emitida no cálculo dos réditos dos contrato de construção» (cf. art. 16.º das alegações). Vejamos:
Nos termos do n.º 2 do art. 25.º do RJAT, «[a] decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida que ponha termo ao processo arbitral é […] susceptível de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com outra decisão arbitral ou com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo»; dispõe o n.º 3 do mesmo artigo que a esse recurso «é aplicável, com as necessárias adaptações, o regime do recurso para uniformização de jurisprudência regulado no art. 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, contando-se o prazo para o recurso a partir da notificação da decisão arbitral».
Assim, o regime de interposição do recurso da decisão arbitral para o Supremo Tribunal Administrativo difere do regime do recurso previsto no art. 152.º do CPTA, na medida em que aquele tem de ser apresentado no prazo de 30 dias contado da notificação da decisão arbitral, enquanto neste o prazo se conta do trânsito em julgado do acórdão recorrido, como decorre da alínea a) do n.º 2 do referido art. 152.º (Cf. JORGE LOPES DE SOUSA, Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, Guia da Arbitragem Tributária, Almedina, pág. 230. ).
Já quanto ao acórdão fundamento, o recurso para uniformização de jurisprudência pressupõe o seu trânsito em julgado, como tem vindo a afirmar este Supremo Tribunal Administrativo, condição verificada no caso sub judice.
Não havendo dúvidas quanto aos demais requisitos formais (legitimidade da Recorrente e tempestividade do recurso), há que passar a averiguar se estão verificados os requisitos substanciais da admissibilidade do recurso.
Só depois, se for caso disso, passaremos a conhecer do mérito do recurso.

2.2.2 DOS REQUISITOS SUBSTANCIAIS DE ADMISSIBILIDADE DO RECURSO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA

2.2.2.1 Nos termos do art. 25.º, n.º 2, do RJAT, que remete, com as devidas adaptações, para o art. 152.º do CPTA, os requisitos de admissibilidade do recurso para o Supremo Tribunal Administrativo da decisão arbitral que tenha conhecido do mérito da pretensão deduzida para uniformização de jurisprudência são os seguintes: i) que exista contradição entre essa decisão e uma outra decisão arbitral ou um acórdão proferido por algum dos tribunais centrais administrativos ou pelo Supremo Tribunal Administrativo, relativamente à mesma questão fundamental de direito, ii) que a orientação perfilhada pela decisão recorrida não esteja de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo.
No que ao primeiro requisito respeita, como tem sido inúmeras vezes explicitado pelo Pleno desta Secção, para detectar a existência de contradição de decisões relativamente à mesma questão fundamental de direito, devem verificar-se as seguintes condições:

i. identidade da questão de direito sobre que recaíram as decisões judiciais em confronto, o que pressupõe uma identidade substancial das situações fácticas, entendida esta não como uma total identidade dos factos mas apenas como a sua subsunção às mesmas normas legais;
ii. que não tenha havido alteração substancial na regulamentação jurídica, a qual se verifica sempre que as eventuais modificações legislativas possam servir de base diferentes argumentos que possam ser valorados para determinação da solução jurídica;
iii. que se tenha perfilhado, nas decisões em confronto, solução oposta e esta oposição decorra de decisões expressas, não bastando a simples oposição entre razões ou argumentos enformadores das decisões finais ou a invocação de decisões implícitas ou a pronúncia implícita ou consideração colateral tecida no âmbito da apreciação de questão distinta.

2.2.2.2 Começaremos por apreciar se estão verificados os requisitos da alegada contradição de julgados à luz dos supra referidos princípios, tanto mais que a Fazenda Pública e a Procuradora-Geral-Adjunta sustentam a inexistência dessa contradição, que, a verificar-se, obstará, lógica e necessariamente, ao conhecimento do mérito do recurso.
Vejamos, pois, o que decidiram a decisão arbitral, ora sob recurso, e o acórdão fundamento.

2.2.2.2.1 A ora Recorrente apresentou no CAAD pedido de declaração de ilegalidade (anulação) das liquidações de IRC dos anos de 2015 e 2016 na parte em que tiveram origem em correcções à matéria colectável que se referem a rendimentos não relevados respeitantes a contratos de construção por a AT ter considerado que o sujeito passivo – a ora Recorrente –, relativamente a várias obras com carácter plurianual, tinha considerado um grau de acabamento inferior ao efectivamente verificado, adiando a ocasião em que considerou concluídas as obras, ou seja, diferindo o momento da tributação dos ganhos com as mesmas, bem como na consideração de que no apuramento da matéria colectável é de relevar o valor contratualmente estabelecido para as obras, ainda que o valor facturado seja inferior.
Na verdade, após uma inspecção à ora Recorrente, a AT considerou que diversas obras realizadas pela ora Recorrente deveriam ter-se como encerradas em exercício anterior ao constante da contabilidade, por haver indícios bastantes nesse sentido, e que o montante do lucro apurado não pode relevar o valor total facturado quando este seja inferior ao valor adjudicado.
A decisão arbitral recorrida elegeu as questões a apreciar e decidir que enunciou nos seguintes termos: «As questões a decidir são duas: – se se encontram devidamente fundamentadas as correcções efectuadas pela AT relativas aos exercícios em que cada uma das obras deve ser considerada concluída; – a consideração, nas correcções efectuadas, dos valores das adjudicações (“valor do contrato”) e não dos valores facturados (havendo aqui que considerar o caso particular da obra do E...)».
Apreciando essas questões, considerou, em síntese, o seguinte:
a) quanto à primeira,
- que a AT tinha logrado afastar a presunção de veracidade da escrita, referindo, um por um, os motivos por que entende que ficou abalada a credibilidade da escrita e concluindo que a ora Recorrente «adiou o momento (exercício) em que considera concluídas cada uma das obras ora em causa, ou seja, o momento em que sujeitou a tributação os ganhos que, em resultado do antes exposto, vinha diferindo», devendo ter-se por fundamentadas as correcções operadas pela AT e a fixação dos exercício em que tais obras devem ter-se por concluídas;
b) quanto à segunda,
- começou por salientar que «a lei fiscal – artigos 17.º, 18.º e 19.º do CIRC – e a normalização contabilística – Estrutura Conceptual, NCRF 19 e NCRF 4 – não prevêem a consideração da facturação emitida no cálculo dos réditos deste tipo de contratos»;
- que dos factos provados resulta que, na maioria das obras, os valores totais facturados são inferiores aos valores das respectivas adjudicações, sendo por isso que a ora Recorrente entende que não pode ser tributada com base nos valores das adjudicações, porque superiores aos que efectivamente recebeu;
- no entanto, para efeitos de apuramento dos resultados contabilísticos e fiscais é irrelevante a facturação emitida, pois, nos termos da lei fiscal e contabilística, para efeitos do apuramento do rédito desses contratos «apenas relevam o valor de adjudicação da obra (inicial ou revisto) – o valor do contrato de construção – os custos estimados para a conclusão da obra (iniciais ou revistos) e os custos efectivamente suportados com a realização da obra»;
- «a questão é, assim, outra: a ter havido alterações aos valores de adjudicação das obras cujo valor do rédito está em causa, a Requerente [ora Recorrente] podia – devia –, nas diversas oportunidades de que para tal dispôs, provar que o valor final do contrato não era aquele que consta da sua contabilidade, o que não o fez, salvo quanto a um caso (obra do E...)»;
- mas a ora Recorrente nunca fez tal prova, nem em sede do exercício do direito de audiência prévia, nem na reclamação graciosa, nem quando fez o pedido de pronúncia arbitral, antes se limitou a alegar que os valores não facturados são referentes a trabalhos a menos, mas «não apresentando provas de um acordo ou outro documento comprovativo da redução do valor da adjudicação», o que não permitiu ao Tribunal arbitral «reconhecer relevância a outros valores que não os da adjudicação contratualizada, constantes da contabilidade do sujeito passivo», tanto mais que «[é] efectivamente estranho que a Requerente [ora Recorrente] não tenha diligenciado com os donos das obras no sentido da formalização da redução do valor de adjudicação, que alega ter existido»;
- assim, e porque «não cumpre à AT (e muito menos ao Tribunal) suprir a falta de diligência da Requerente, alterar uma contabilidade cuja organização cabe a esta, de forma a esta coincidir com o que ela alega (mas não prova documentalmente)», o pedido não pode proceder.
Ou seja, em síntese e no que ora interessa, a decisão arbitral recorrida fez assentar o julgamento de improcedência do pedido de pronúncia arbitral, por um lado, no entendimento de que a AT logrou afastar a presunção de veracidade da escrita da ora Recorrente e, por outro lado, que, devendo a tributação ser feita, não em função da facturação, mas em função dos valores dos contratos, a ora Recorrente não logrou demonstrar, como deveria, que os valores contratualmente estabelecidos foram alterados.

2.2.2.2.2 No acórdão fundamento apreciaram-se e decidiram-se dois recursos: um da AT e o outro da Impugnante, sendo aquele que nos cumpre ter em conta.
No que ora interessa considerar, a AT insurgiu-se contra a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, na parte em que nesta se julgou procedente a impugnação judicial relativamente às «correcções relativas a acréscimos de custos em resultado do realojamento de colectividades». Isto, em síntese, por entender que os custos declarados respeitantes ao “realojamento de colectividades” não podem ser aceites, uma vez que não se encontram comprovados.
Conhecendo do recurso, o Tribunal Central Administrativo Sul, após diversos considerandos em torno dos custos para efeitos fiscais, referiu que a sentença, «apesar de reconhecer que estamos perante montante de custos estimados e a suportar no futuro, concluiu que na contabilização dos mesmos se devia considerar o regime das obras de carácter plurianual, nos termos do disposto no art.º 19, n.º 5, do C.I.R.C., e no n.º 7, da Directriz Contabilística n.º 3/91».
Depois, procurou explicar o regime constante do art. 19.º do CIRC, distinguindo os métodos susceptíveis de serem aplicados pelos sujeitos passivos que realizam obras de construção de carácter plurianual, designadamente, os métodos do encerramento da obra e da percentagem do acabamento. É o que resulta do acórdão, designadamente, do seu segmento que a Recorrente transcreveu na conclusão VII.
Mas não foi a questão do regime constante do art. 19.º do CIRC ou da aplicação de algum dos métodos que nele estão previstos que esteve na base da decisão ou determinou o sentido decisório do acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul. Como neste ficou expressamente referido, «[…] apesar de tudo o acabado de referir quanto ao regime a aplicar às obras de carácter plurianual (regime este que, eventualmente, se poderia aplicar ao caso dos autos), certo é que a correcção sob exame e estruturada pela A. Fiscal se baseia num enfoque prévio ao dito regime e que passa pelo crivo do art. 23.º, do C.I.R.C., supra devidamente estudado. Conforme se retira do probatório (cfr. n.ºs 2 e 5 da factualidade provada), o acréscimo de custos em resultado do realojamento de colectividades e no montante de € 589.478,81, carece de prova, nomeadamente documental, que o comprove. Prova essa que incumbia à sociedade impugnante produzir (cfr. art. 74.º, n.º 1, da L.G.T.).
Por outras palavras, a sociedade impugnante não produziu prova que permitisse a comprovação do acréscimo de despesas em resultado do realojamento de colectividades e no montante de € 589.478,81, assim devendo tal montante ser adicionado ao resultado contabilístico» (sublinhados nossos).
Ou seja, como o próprio acórdão entendeu registar, a questão que nele se discutiu não foi a do regime fiscal aplicável às obras de carácter plurianual (A Recorrente parece admiti-lo ao referir na conclusão VII que o acórdão fundamento “discorre” a “respeito destas matérias”, do regime fiscal aplicável às obras plurianuais, e nunca afirmando que nesse acórdão se decidiu com base na solução dada à respectiva questão.), apesar de o acórdão reconhecer que esse regime, «eventualmente, se poderia aplicar ao caso dos autos»; o que nele se discutiu foi uma questão de desconsideração de custos contabilizados, em virtude de os mesmos não estarem devidamente comprovados e de essa comprovação competir à Impugnante (cf. art. 74.º, n.º 1, da LGT), que não se desincumbiu do respectivo ónus.

2.2.2.3 Tendo presente o que ficou decidido nas decisões recorrida e fundamento, afigura-se-nos que não pode afirmar-se que exista contradição entre elas, relativamente à mesma questão fundamental de direito, pois não se verifica a identidade da questão de direito sobre que recaíram essas decisões judiciais, ora em confronto.
Aliás, a Recorrente, apesar de invocar a existência de «uma contradição patente» (cf. conclusão III) entre as decisões em confronto, nunca delimitou precisamente os termos dessa contradição, nem envidou esforço no sentido de indicar precisamente onde residia; ao invés, limitou-se a transcrever longos trechos da fundamentação dos acórdãos em confronto, após o que afirmou, conclusivamente e sem qualquer motivação, que «a decisão proferida pelo tribunal arbitral viola de forma clara, frontal e evidente a jurisprudência do TCA Sul» (cf. conclusão XVIII); de seguida, sem mais, passou a alegar no sentido da demonstração do erro de julgamento que assaca à decisão arbitral recorrida.
Ora, como acima deixámos dito, a admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência exige que as decisões em confronto tenham decidido a mesma questão fundamental de direito em sentido divergente. Condição que, no caso, não se mostra verificada.
Assim, porque a decisão arbitral recorrida e o acórdão fundamento, em alegada oposição, não se pronunciaram efectivamente em termos contrários acerca de uma mesma questão jurídica, não se mostram reunidos os pressupostos legais para que este Supremo Tribunal possa conhecer deste recurso, interposto ao abrigo do n.º 2 do art. 25.º do RJAT.

2.2.3 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:

I - O recurso para o Supremo Tribunal Administrativo de decisão arbitral pressupõe que se verifique, entre a decisão arbitral recorrida e o acórdão invocado como fundamento, oposição quanto à mesma questão fundamental de direito (cf. o n.º 2 do art. 25.º RJAT).

II - Não pode considerar-se que questão fundamental de direito é a mesma quando, apesar de a questão decidida no acórdão recorrido – respeitante ao regime do art. 19.º do CIRC, ou seja, ao regime fiscal a aplicar aos contratos de construção em relação a obras de carácter plurianual – também ter sido aflorada no acórdão fundamento, neste foi expressamente referido que, apesar de que esse «regime a aplicar às obras de carácter plurianual […] eventualmente, se poderia aplicar ao caso dos autos», «a correcção sob exame e estruturada pela A. Fiscal [que deu origem à liquidação] se baseia num enfoque prévio ao dito regime e que passa pelo crivo do art. 23.º, do C.I.R.C., supra devidamente estudado».


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3. DECISÃO

Em face do exposto, os juízes do Pleno da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam em não tomar conhecimento do mérito do recurso.

Custas pela Recorrente, com dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, uma vez que a conduta processual das partes não é merecedora de censura e o recurso se ficou pela fase da verificação da oposição entre a decisão arbitral recorrida e o acórdão fundamento, o que configura a menor complexidade da causa para este efeito [cf. art. 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi da do art. 281.º do CPPT, e art. 6.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais], sendo o valor a considerar o que foi fixado pelo CAAD no pedido de pronúncia arbitral, ou seja, € 5.960.262,93 (art. 11.º do RCP).

Comunique-se ao CAAD.


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Lisboa, 24 de Novembro de 2021. – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes (relator) – Isabel Cristina Mota Marques da Silva – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia – José Gomes Correia – Joaquim Manuel Charneca Condesso – Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos – Aníbal Augusto Ruivo Ferraz – Gustavo André Simões Lopes Courinha – Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro – Pedro Nuno Pinto Ribeiro – Anabela Ferreira Alves e Russo.