Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0210/12
Data do Acordão:11/21/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO DELGADO
Descritores:RECLAMAÇÃO GRACIOSA
IMPUGNAÇÃO
TEMPESTIVIDADE
NULIDADE
DIREITO DE AUDIÇÃO
Sumário:I - A falta de audição do interessado em procedimento administrativo não sancionatório, não implica nulidade, podendo apenas gerar mera anulabilidade da respectiva decisão.
II - Se o recorrente invoca preterição do direito de audiência prévia no âmbito do processo de reclamação graciosa, o vício assim imputado ao acto tributário é gerador de mera anulabilidade, por não estar em causa a ofensa ao conteúdo essencial de um direito fundamental, mas apenas ao princípio da legalidade tributária.
III - Deste modo, a impugnação judicial do referido acto tributário terá de ser deduzida no prazo referido no artº 102º, nº 2 do CPPT, e não a todo o tempo, tal como a lei prevê para o caso da nulidade do acto.
IV- A intempestividade de meio impugnatório usado pelo interessado implica a não pronúncia do tribunal no tocante às questões que tenham sido suscitadas na petição inicial, ainda que de conhecimento oficioso, na exacta medida em que a lide impugnatória não chega a ter o seu início.
Nº Convencional:JSTA000P14874
Nº do Documento:SA2201211210210
Data de Entrada:02/24/2012
Recorrente:A..., S.A.
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1 – A……, S.A., melhor identificada nos autos, vem recorrer para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto de 27 de Setembro de 2011, que julgou improcedente por extemporaneidade a impugnação judicial por si deduzida contra a liquidação adicional de Imposto Municipal de Sisa, no montante de € 61.878,37.

Termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
« lº Alicerça o Tribunal a sua decisão no facto de considerar que a impugnação foi proposta intempestivamente.
2º O prazo de interposição da impugnação apenas correria após o final de férias judiciais que se encontrava em curso.
3º O serviço de finanças não apresentou resposta quanto à não realização de audiência prévia (preterição de formalidade essencial).
4º Com a consequente suspensão do prazo para apresentação da impugnação.
5º O prazo de caducidade não foi contado nos termos do art. 332° do CC.
6º A notificação da decisão da reclamação graciosa foi efectuada a procurador e não a mandatário judicial.
7º A notificação em causa deveria ter sido efectuada ao mandatário judicial, não sendo suficiente para a produção de efeitos a notificação a mero procurador ou ao próprio contribuinte.
8º O que determina que o prazo para interposição de impugnação nunca se chegou a iniciar.
9º O acto em causa é nulo por preterição de formalidade essencial que contende com direito fundamentar do contribuinte que é o de participação na formação do acto tributário.
10º Podendo, assim não se entendendo, considerar-se pelo menos a anulabilidade do mesmo.
11º O Tribunal a quo não conheceu do aludido vício de tal acto, conforme era sua obrigação.
12° A douta decisão recorrida viola os arts. 2°, 20º, 37°, 40°, 102° do CPPT, 279°, 332° n°1 2ª parte do CC, 3° n°3, 143° do CPC, 133° do CCA e 55°, 56° e 60° da LGT.
13º Por tudo quanto até aqui se expôs entende-se, salvo melhor opinião, que deverá o presente recurso obter merecimento, sem desprimor pela douta sentença proferida pelo Tribunal a quo.»

2 – A Fazenda Publica não apresentou contra alegações.

3 - O Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no seguinte sentido:
«A recorrente “A……” põe em causa o decidido fundamentalmente com base em dois tipos de considerandos: base legal e circunstancialismo contrário à aplicação que foi efectuada do art. 102º n.º 2 do C.P.P.T. e o que resulta da preterição do direito de audição que conforme alegado se entendeu ter sido violado.
Assim, começa por se alegar no sentido de ser de aplicar o disposto no “art. 332º do CC”.
Ora, a referida disposição legal do C.C. parece não ser de aplicar, sendo correcta a aplicação que foi efectuada do especialmente disposto no art. 102.º n.º 2 do C.P.P.T..
Por outro lado, alega-se a notificação insuficiente por não ter sido notificada ao próprio contribuinte, nem efectuada a mandatário constituído nessa qualidade, mas apenas a procurador.
Quer parecer que a notificação em causa, a indeferir reclamação graciosa, que foi efectuada a procurador do contribuinte é susceptível de produzir todos os efeitos exigidos pelo art. 36.° n.º 1 do C.P.P.T., conforme resulta ainda do disposto no art. 258º a 260º do C.C., que regula os actos praticados por procurador como sendo susceptíveis de se repercutir na esfera jurídica do representado, e mostrando-se já junta procuração bastante para “recurso contencioso”, semelhante a que foi junta na presente impugnação.
Assim, e a menos que se entenda ocorrer qualquer razão para não validar tal, era o prazo de 15 dias - aliás, conforme foi indicado - que era o o aplicável (Em tal sentido parece pronunciar-se o Exmº Consº Jorge de Sousa em CPPT Vol. IV, p. 151, em face, do de 30 dias semelhantemente previsto no artº 131º nº 2 do CPPT, para o caso de autoliquidação, mas acaba por afastar tal considerando do mesmo não ser excessivamente exíguo ainda que incongruente) bem se tendo julgado estar o direito de impugnação abrangido pela excepção de caducidade.
Com efeito, à violação do direito de audição parece não ser de reconhecer o efeito da nulidade, com a possibilidade de arguição a todo o tempo, mas apenas o da anulabilidade, conforme entendimento há muito firmado na jurisprudência (Por todos, ac. do pleno do S.T.A. de 17-12-97 proferido no proc. nº 36100).
Aliás, conforme anterior parecer produzido pelo M.° P.°, tal seria apenas susceptível de provocar a anulabilidade do acto.
Tal seria de entender em face do disposto no art. 135º do C.P.A., subsidiariamente aplicável, e com base em não se tratar de um direito absoluto, nem de caso em cumprisse ainda conhecer oficiosamente, como ocorre na prescrição ou na duplicação de colecta propriamente dita - art. 175.° do C.P.P.T..
O direito de audição, ainda que decorra de um direito constitucionalmente consagrado como é direito de participação dos administrados, é de reconhecer relativamente a um conjunto de casos, comportando ainda excepções.
Sobre o mesmo rege directamente o disposto nos arts. 60º, 63º B e 23º n.º 4 da L.G.T., sendo aplicável, salvo prescrições da lei “em sentido diverso”.
Tendo-se defendido no caso que o mesmo devia ter sido observado de acordo com o previsto na al. a) do nº 1 do dito art. 60º nº 1) da L.G.T., é de constatar mesmo tinha sido efectuada antes declaração pelo próprio contribuinte nos termos do art. 11.º n.º 3 do CIMSSD.
Ora, melhor seria de entender mesmo o seu exercício como dispensável, de acordo com o disposto no art. 60º n.º 2 da L.G.T..
Certo é que a sua apreciação pressupunha um oportuno e adequado exercício do direito que, conforme se sustenta não sentença recorrida, não foi oportunamente exercido, de acordo com o disposto no art. 102º n.º 2 do C.P.P.T..
Concluindo, parece ser de julgar o recurso como não provido.»

4 – Colhidos os vistos legais, cabe decidir.

5- Em sede factual apurou-se na primeira instância a seguinte matéria de facto com relevo para a decisão da causa:
a) A impugnante foi notificada da liquidação relativa a Imposto Municipal de SISA e juros compensatórios no montante de € 53.602,77 e € 8,257,60 respectivamente, através do ofício nº 10135, recebido em 04/12/2003 (cf. fls. 49 e 50 do processo administrativo apenso aos autos, doravante apenas PA):
b) Por não concordar com a liquidação a impugnante deduziu em 11/12/2003, reclamação graciosa nº 3581-03/400041.2 que veio a ser indeferida por despacho de Chefe de Finanças de 23/07/2004, sendo-lhe a decisão notificada em 26/07/2004, (cf.12 a 15 do PA).
c) A presente impugnação foi apresentada no dia 30/09/2004 (cf. doc. de fls. 5 dos autos).

6. Do mérito do recurso

6.1 São duas as questões trazidas à apreciação deste Tribunal:
- A primeira é a de saber se a sentença recorrida fez um correcto julgamento ao julgar procedente a excepção de caducidade do direito de deduzir a impugnação judicial do acto de liquidação do imposto municipal de sisa (tempestividade da impugnação).
- A segunda é a da nulidade ou anulabilidade do acto impugnado e a circunstância de a sentença recorrida não se ter pronunciado sobre tal questão, o que, no entender da recorrente, conduziria a omissão de pronúncia.

A sentença recorrida, conhecendo desde logo da questão da intempestividade da impugnação conclui que a impugnação judicial apresentada pela recorrente em 30/9/2004 ultrapassou o prazo de 15 dias, após a notificação da decisão do indeferimento de reclamação graciosa, nos termos do nº 2 do artº 102º do Código de Procedimento e Processo Tributário, prazo esse que terminava e, 10.08.2004, portanto em férias judiciais, e que por isso transitava para o primeiro dia útil imediato, ou seja, 15.09.2004 (À data dos factos, de acordo com o art. 12º da Lei nº 3/99, de 13 de Janeiro (na redacção anterior à Lei nº 42/2005, de 29 de Agosto) o período de férias judiciais decorria entre 16 de Julho de 2004 e 14 de Setembro de 2004.).
E prosseguindo neste discurso argumentativo julgou que, sendo a caducidade um excepção peremptória de conhecimento oficioso, a verificação da mesma determinava, nos termos dos arts. 493º, nº 1 e 3 e 496º do Código de Processo Civil a absolvição da Fazenda Pública do pedido, não tendo conhecido das demais questões suscitadas.
Inconformada com o sentido da decisão vem a recorrente alegar que a impugnação judicial é tempestiva, pois “… o prazo em causa deveria ser observado como sendo de dois meses e não de quinze dias…” conforme a 2ª parte do artº 332º C.Civil, e que, por outro lado, a notificação em causa deveria ter sido efectuada ao mandatário judicial, não sendo suficiente para a produção de efeitos a notificação a mero procurador ou ao próprio contribuinte, sustentando que, por isso, o prazo para interposição de impugnação nunca se chegou a iniciar.

E, finalmente, invoca o vício de forma por preterição de formalidade essencial (audiência prévia), acarretando a nulidade do acto impugnado, nos termos da alínea d) do nº2 do artº 133º do CPA ex vi artº 2º alínea d) do CPPT.

Esta argumentação da recorrente não pode, no entanto, obter provimento, como abaixo se demonstrará.

6.2 Vejamos a primeira questão relativa à intempestividade da impugnação.
De harmonia com o disposto no artº 102º, nº 2 do Código de Procedimento e Processo Tributário em caso de indeferimento de reclamação graciosa, o prazo de impugnação será de 15 dias após a notificação.
Dispõe ainda o nº 3 do mesmo normativo que se o fundamento for a nulidade, a impugnação pode ser deduzida a todo o tempo.
Portanto na sequência de acto expresso de indeferimento de reclamação graciosa, e no regime do Código de Procedimento e Processo Tributário, o contribuinte tem 15 dias para deduzir impugnação.
No caso em apreço, como claramente se evidencia na sentença recorrida, terminando tal prazo no dia 15.09.2004, primeiro dia útil a seguir às férias judiciais, quando foi intentada a impugnação (30.09.2004) há muito que se encontrava esgotado aquele prazo de 15 dias.
Alega, porém, o recorrente que o prazo em causa deveria ser observado como sendo de dois meses e não de quinze dias, conforme a 2ª parte do artº 332º C.Civil.
Como é óbvio esta alegação não pode proceder.
Em primeiro lugar porque o regime do Código de Procedimento e Processo Tributário prevalece sobre as normas gerais contidas no Código Civil, precisamente em razão da especialidade do seu objecto e da disciplina especial que consagra.
E depois porque os prazos dos arts. 327º e 332º do Cód. Civil se reportam a situações de absolvição e interrupção de instância, e têm como pressuposto que a acção tenha sido tempestivamente proposta, sendo o seu fim evitar a perda do direito quando, exercido ele a tempo, os efeitos deste exercício tenham sido afectados pela absolvição da instância, devido a motivo processual não imputável ao titular do direito (Cf. Vaz Serra, RLJ, 102º- 64.).
Ora, como também é manifesto, a situação de facto vazada nos autos não se subsume àquela previsão legal.

De igual modo improcederá a alegação de que a notificação em causa deveria ter sido efectuada ao mandatário judicial, não sendo suficiente para a produção de efeitos a notificação a mero procurador ou ao próprio contribuinte.
Diga-se a este respeito, em primeiro lugar, que trata de questão nova que não foi apreciada pelo tribunal recorrido, por lá não ter sido suscitada.
E bem se compreende que a decisão recorrida não se tenha pronunciado sobre tal questão, pois não só a recorrente não a suscitou, como não pôs minimamente em causa a matéria factual vertida no probatório.

Ora, como é sabido, e é jurisprudência uniforme, os recursos são específicos meios de impugnação de decisões judiciais, que visam modificar as decisões recorridas, e não criar decisões sobre matéria nova (Cf. entre outros, os Acórdãos deste Supremo Tribunal Administrativo de 04.12.2008, rec. 840/08 e de 30.10.08, rec.112/07, e do Supremo Tribunal de Justiça, recurso 259/06.0TBMAC.E1.S1, todos in www.dgsi.pt.)
Por isso, e em princípio, não se pode neles tratar de questões que não tenham sido apreciadas pela decisão impugnada, salvo questões de conhecimento oficioso.
Admitindo, porém, que a falta de notificação da decisão de indeferimento expresso da reclamação graciosa ao mandatário constituído no procedimento poderá ter consequências no que respeita à tempestividade da impugnação deduzida na sequência de tal indeferimento (artº 40º do Código de Procedimento e Processo Tributário) abordaremos esta vertente no âmbito do presente recurso.
E fazendo-o, diremos que não assiste qualquer razão à recorrente.
Na verdade a recorrente alega que a notificação da decisão da reclamação graciosa foi efectuada a procurador e não a mandatário judicial.
Mas, de facto, não é assim.
Como se constata dos autos apensos (cf. fls.9) a A……. fez juntar aos autos de reclamação graciosa uma procuração forense em que constituiu seu bastante procurador o Senhor Doutor B……., advogado com escritório na Rua ……, ……, freguesia de Valbom, concelho de Gondomar, a quem conferiu os mais amplos poderes em direito permitidos, incluindo o de substabelecer, para que apresentasse reclamação, recurso hierárquico e recurso contencioso sobre qualquer decisão proferida em sede e relativamente a pedidos de registo de qualquer tipo e natureza referentes a prédios rústicos ou urbanos propriedade da mandante.
Foi por isso, e na sequência dessa mesma procuração forense que a Administração Fiscal notificou aquele mandatário de que, relativamente ao processo de reclamação supra referido, havia sido proferida a decisão de indeferimento, dando-lhe, ademais, conhecimento dos meios processuais adequados para reagir contra aquele acto (cf. fls. 14 dos autos apensos).
A notificação há-de ter-se, pois, como válida, e em cumprimento do disposto no artº 40 do Código de Procedimento e Processo Tributário, pelo que improcede, pois, a arguida irregularidade.

6.3 Cumpre agora apreciar a última questão ventilada nas alegações de recurso, que é a de saber se não caducou o direito de impugnação em virtude do acto estar ferido de nulidade e não de anulabilidade, o que possibilitaria a dedução de impugnação a todo o tempo.
Alega o recorrente que o acto em causa é nulo por preterição de formalidade essencial que contende com direito fundamental do contribuinte que é o de participação na formação do acto tributário.
Podendo, assim não se entendendo, considerar-se pelo menos a anulabilidade do mesmo.
E que o Tribunal a quo não conheceu do aludido vício de preterição do direito de audiência, conforme era sua obrigação.

Esta argumentação, não pode, no entanto, proceder.
Vejamos, pois.
Dispõe o artº 99º do Código de Procedimento e Processo Tributário que constitui fundamento de impugnação qualquer ilegalidade.
Constitui ilegalidade e, consequentemente vício do acto administrativo ou acto tributário, qualquer ofensa dos princípios ou normas jurídicas aplicáveis, que poderá envolver a anulabilidade, a nulidade ou a inexistência.
A jurisprudência desta Secção vem afirmando de forma reiterada e uniforme que no domínio do contencioso tributário, por regra os vícios dos actos tributários são fundamento da sua anulabilidade, só implicando a sua nulidade quando se verifique a falta de qualquer dos elementos essenciais do acto ou quando houver lei que expressamente preveja esta forma de invalidade (artigos 133.º e 135.º do CPA) – cf. neste sentido, entre muitos outros, os Acórdãos deste Supremo Tribunal de 23.11.2005, recurso 612/05, de 13.02.2008, recurso 886/07, de 21.05.2008, recurso 220/08, de 25.05.2011, recurso 91/11, de 21.09.2011, recurso 63/11 e de 16.05.2012, recurso 275/12, todos in www.dgsi.pt.
Também Mário de Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha referem no seu Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, vol. I, pag. 247, «a nulidade constitui o regime de excepção, ao passo que a anulabilidade é o regime regra. É o que se depreende do disposto no artigo 135.° do CPA, segundo o qual são anuláveis os "actos administrativos praticados com ofensa dos princípios ou normas jurídicas aplicáveis para cuja violação se não preveja outra sanção."
Dispõe, por sua vez art. 133º nºs 1 e 2 al. d) do Código de Processo Administrativo são nulos os actos a que falte qualquer dos elementos essenciais ou para os quais a lei comine expressamente essa forma de invalidade, nomeadamente os actos que ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental.
Porém, esses actos hão-de ser aqueles que contendem com os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.
Mas não aqueles que contendem com o princípio da legalidade, como sucede no caso dos autos.
Com efeito, por via de regra, a falta de audiência dos interessados antes da decisão final do procedimento constitui vício gerador de mera anulabilidade dessa decisão (art. 135 CPA).
Sendo geradora de nulidade da decisão, com a qual está instrumentalmente conexionada, apenas nos casos em que ponha em causa o conteúdo essencial de um direito fundamental (art. 133, nº 2, al. d) CPA), ou no âmbito do procedimento administrativo sancionatório.
Este tem sido o entendimento, que acolhemos, da jurisprudência deste Supremo Tribunal - vd. acórdãos de 11.1.94, recurso 32 182, de 8.6.99, recurso 44565, de 12.10.99, recurso 44503, de 16.10.02, recurso 941/02, de 24.10.02, recurso 44052, de 22.01.2004, recurso 429/02, e de 25.06.2009, recurso 151/09, todos in www.dgsi.pt.
Como se disse no supracitado Acórdão 151/09 «a preterição do exercício do direito de audição só em matéria sancionatória assume a natureza de direito fundamental (art. 32.º, n.º 10, da CRP) e, por isso, tal vício, nos procedimentos sancionatórios, ofende o conteúdo essencial de um direito fundamental, gerando nulidade do acto de decisão do procedimento, por força do disposto naquela norma constitucional e no art. 133.º, n.º 2, alínea d), do CPA. Fora do âmbito dos procedimentos administrativos sancionatórios, a CRP nem prevê especialmente o direito de audição como direito fundamental a assegurar nos procedimentos administrativos, relegando para a lei ordinária o estabelecimento dos termos em deve ser assegurada «a participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações que lhes disserem respeito» (art. 267.º, n.º 5, da CRP), participação essa que nem tem de ser assegurada necessariamente através do direito de audição, nos termos em que está previsto no art. 60.º da LGT, 45.º do CPPT e 100.º a 102.º do CPA, pois poderá assumir outras formas, designadamente participação em actos procedimentais».
Também o Tribunal Constitucional, no acórdão n.º 594/2008, de 10-12-2008, publicado no Diário da República, II Série, de 26-1-2009, não julgou inconstitucional a interpretação dos arts. 100º e 133º, nº 1, do Código de Procedimento Administrativo, no sentido de não ser a audiência prévia elemento essencial do acto administrativo, gerando a sua falta a nulidade deste acto.
Em suma, fora do âmbito do direito sancionatório, não pode entender-se que a preterição do direito de audição ofenda o conteúdo essencial de um direito fundamental.
Daí que se entenda que, no caso, estamos perante a alegação de vício gerador de mera anulabilidade (Também neste sentido, cf. Diogo Leite de Campos, Benjamim da Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária Anotada, 4ª edição, pag. 515.), não sendo, consequentemente, aplicável o disposto no artº 102º, nº 3 do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
Deste modo, sendo o acto anulável, que não nulo, a sentença recorrida não merece, neste ponto, qualquer censura.

6.4 Importa finalmente referir que a circunstância de a sentença recorrida não se ter debruçado sobre a questão da eventual nulidade por preterição do direito de audiência não conduz a omissão de pronúncia, ao contrario do que se parece depreender da conclusão 11ª das alegações de recurso.
Em primeiro lugar porque, como se pode constatar da petição inicial – cf. arts. 16º e 17º - a recorrente configurou ali a questão da preterição do direito de audição prévia como mera irregularidade, e não como nulidade, em clara dissonância com o que vem agora alegar em sede de recurso.
E depois porque concluindo a decisão recorrida pela intempestividade da impugnação, nada mais haveria que apreciar, não cabendo na lógica da sentença o conhecimento sobre qualquer questão de mérito que tivesse sido suscitada na petição, ainda que de conhecimento oficioso
No sentido, que também perfilhamos, de que a intempestividade de meio impugnatório usado pelo interessado implica a não pronúncia do tribunal no tocante às questões que tenham sido suscitadas na petição inicial, ainda que de conhecimento oficioso, na exacta medida em que a lide impugnatória não chega a ter o seu início, se pronunciaram entre outros, os Acórdãos desta secção de 03.12.2008, recurso nº 803/08, de 21.05.2008, recurso 293/08, de 21.09.2011, recurso 63/11, e de 12.10.2011, recurso 449/11, todos in www.dgsi.pt.

Desta sorte não cabia ao Tribunal a quo debruçar-se sobre a natureza do vício, mas apenas tomar em conta o alegado pela recorrente para fundamentar a sua decisão de intempestividade, ficando prejudicado o conhecimento das questões colocadas a jusante desta última.
Do exposto se infere que não se pode falar, a este respeito, da existência de dever de pronúncia.

Improcedem, pois, todas as conclusões do recurso.

7. Decisão:
Termos em que, face ao exposto, acordam o juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas pela recorrente.
Lisboa, 21 de Novembro de 2012. – Pedro Delgado (relator) – Casimiro Gonçalves – Francisco Rothes.