Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0352/11
Data do Acordão:09/07/2011
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:EXECUÇÃO DE JULGADO
JUROS DE MORA
TAXA DE JUROS
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
Sumário:I - Os juros de mora destinam-se a reparar os prejuízos presumivelmente sofridos pelo credor de uma obrigação pecuniária, derivados da indisponibilidade de uma quantia não paga pontualmente, sendo também devidos, mesmo em situações não abrangidas por aquele art. 102.º (da LGT) e pelas normas que prevêem dever de pagamento de juros indemnizatórios, (…), nem que seja por aplicação directa da própria norma constitucional que prevê o direito de indemnização, se não existirem normas da lei ordinária que a prevejam, pois que seria intolerável, em face do artigo 22.º da Constituição da República Portuguesa, que a Administração Tributária, colocada em situação em que deve efectuar a entrega de uma quantia, em prazo determinado na lei, pudesse cumprir atempadamente ou não, conforme entendesse, sem qualquer consequência a nível patrimonial e sem qualquer possibilidade de compensação para o particular que vê ilegalmente protelado o período de tempo em que se encontra privado da quantia a que tem direito.
II - A taxa de juro de mora aplicável aos casos em que estes são devidos pelo Estado aos particulares não é a prevista no artigo 3.º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 73/99, de 16 de Março, antes a taxa de juro de juro legal supletiva a que se refere o artigo 559.º do Código Civil (subsidiariamente aplicável às obrigações tributárias ex vi do artigo 2.º da LGT), ao tempo fixada em 4% ao ano pela Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.
III - A diversidade de tratamento quanto à taxa de juro de mora aplicável das situações em que o Estado é credor e aquela em que é devedor de juros de mora encontra fundamento material bastante no interesse público que está subjacente à cobrança dos créditos do Estado e outros entes públicos, que justifica que se preveja um regime especialmente oneroso em matéria de sanções pela mora, sendo este regime mais favorável de algum modo contrabalançado pelo facto de os juros de mora a favor da Fazenda Nacional terem como limite, salvo no caso de pagamento em prestações, o período de três anos (artigo 44.º, n.º 2 da LGT), enquanto para os juros de mora a favor do contribuinte não vigora esse limite, tendo ele direito à totalidade da indemnização por mora.
Nº Convencional:JSTA00067120
Nº do Documento:SA2201109070352
Data de Entrada:04/07/2011
Recorrente:DG DOS IMPOSTOS
Recorrido 1:A..., S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF COIMBRA DE 2010/11/12 PER SALTUM
Decisão:PROVIMENTO PARCIAL
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC JULGADO
Legislação Nacional:DL 73/99 DE 1999/03/16 ART3
LGT98 ART102 N2 ART2 D ART44 N2
CONST76 ART22
CCIV66 ART559
PORT 291/2003 DE 2003/04/08
Referência a Doutrina:JORGE DE SOUSA SOBRE A RESPONSABILIDADE CIVIL DA ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA POR ACTOS ILEGAIS 2010 PAG93 PAG108-109
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório-
1 – O Director-Geral dos Impostos recorre para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, de 12 de Novembro de 2010, que em apenso para execução de julgado ao processo de impugnação que correu termos naquele tribunal sob o n.º 174/2003 (ao qual foram apensados os processos n.ºs 193/2003, 194/2003 e 207/2003) e em que era impugnante A…, S.A., julgou procedente o pedido de juros e ordenou ao Estado que proceda, no prazo de dez dias, ao pagamento à exequente dos juros moratórios, contabilizados sobre a quantia paga, no período compreendido entre 05/05/2008 a 7/11/2008, à taxa legal prevista no artigo 3.º do DL 73/99 de 16 de Março (e extinta por inutilidade superveniente da lide, em razão do pagamento, a parte do pedido correspondente ao valor dos encargos suportados com a prestação das garantias).
O recorrente termina as suas alegações de recurso apresentando as seguintes conclusões:
A) A, aliás, douta sentença recorrida, ao ter condenado a AT ao pagamento de juros de mora, à taxa de 1% ao mês, nos termos do art. 3º do DL 73/99, de 16 de Março, no período compreendido entre 05/05/2008 a 07/11/2008, fez uma incorrecta interpretação e aplicação dos artigos 102º e 44º nº3 da LGT e art. 3º do DL 73/99, de 16 de Março, aos factos, motivo pela qual não deve ser mantida.
B) Na verdade, por força da caducidade da garantia bancária, a Administração Tributária apenas deve pagar ao sujeito passivo os encargos suportados com a prestação de garantia e que estejam devidamente documentados.
C) E o pagamento das despesas suportadas com a prestação da garantia bancária já corresponde à medida da indemnização devida pelo facto de o contribuinte ter suportado aquelas despesas.
D) Deste modo, não há lugar ao pagamento de uma QUALQUER OUTRA INDEMNIZAÇÃO.
E) Os casos em que pode existir atribuição de júris indemnizatórios, assim como de juros de mora, estão taxativamente previstos na lei e têm a ver com o pagamento indevido de impostos.
F) Nestes termos, não tem a ora recorrida direito aos juros indemnizatórios, referidos no art. 100.º da LGT, a partir do termo do prazo de execução da decisão.
G) E nem a juros de mora, cuja obrigação de pagamento se encontra prevista no art. 102º nº2 da LGT, uma vez que, não estamos perante a situação aí indicada, da restituição de tributo já pago.
H) Mesmo que assim não se entenda, sem conceder, nunca a taxa de juros de mora devidos à então exequente seria de 1% ao mês, como a, aliás, douta sentença recorrida invoca.
I) É que, os artigos 44º nº3 da LGT e 3º do DL 73/99, de 16 de Março reportam-se, unicamente, aos casos em que são devidos juros de mora, por parte do sujeito passivo, ao Estado. Pelo contrário, quando é o Estado o devedor de juros de mora e, uma vez que tal situação não está contemplada quer no n.º 3 do art. 44.º da LGT quer no art. 3º do DL 73/99, os juros devidos são os legais, nos termos do art. 559.º n.º 1 do CC, aplicando-se o disposto no nº 10 do art. 35º, ex vi, nº4 do art. 43º, ambos da LGT.
J) É que o dever fundamental de pagar impostos justifica tratamento diferenciado quanto aos juros devidos pelo sujeito passivo ao estado e aos juros devidos, pelo estado, ao sujeito passivo e quanto à taxa de juros de mora devidos, pelo Estado, ao sujeito passivo e a taxa dos juros devidos, por este, ao Estado.
Termos pelos quais e, com o douto suprimento de V. Exa., deve ser concedido provimento ao recurso, revogando-se a sentença recorrida, na parte em que condenou a AT ao pagamento de juros de mora, à taxa de 1% ao mês, com todas as legais consequências.
2 – Contra-alegou a recorrida, nos termos de fls. 59 a 63 dos autos, defendendo a improcedência do recurso e a confirmação do julgado recorrido.
3 – Tendo vista dos autos, o Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal veio dizer (fls. 171) que: «(…) a) a eventual intervenção do Ministério Público pressupõe prévia notificação (artigo 146º nº1 CPTA); b) no caso concreto o Ministério Público não emite pronúncia sobre o mérito do recurso jurisdicional, considerando que não estão em causa direitos fundamentais dos cidadãos, interesses públicos especialmente relevantes ou algum dos bens e valores referidos no art. 9º nº 2 CPTA (art. 146º nº 1 in fine CPTA)».
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
- Fundamentação -
4 – Questões a decidir
São as de saber se são devidos juros pelo incumprimento atempado do dever de pagamento da indemnização fixada por garantia indevida e, caso se decida em sentido afirmativo, qual a taxa de juro aplicável.
5 – Matéria de facto
Na sentença do objecto do presente recurso foram dados como provados os seguintes factos:
1 – Por sentença, transitada em julgado e proferida no âmbito do processo de Impugnação, que correu os seus termos neste Tribunal sob o n.º 174/2003 (ao qual foram apensados os processos n.ºs 193/2003, 194/2003 e 207/2003), foi declarada a caducidade das garantias bancárias, nos valores de € 3.292.305,00 e de € 12.385.010,00 e reconhecido o direito da ora exequente a ser indemnizada pelos encargos tidos com a prestação dessas garantias, no período compreendido entre 16/02/2004 a 12/11/2006 – sentença proferida no processo de impugnação n.º 174/2003, ora apenso aos presentes autos.
2 – Esgotado o prazo de execução espontânea de tal sentença, que terminou em 05/05/2008, a impugnante requereu, em 03/11/2008, a execução de julgado, ao abrigo do disposto nos artigos 173.º e seguintes do CPTA, requerendo ainda o pagamento de juros vencidos desde o termo do prazo para a execução espontânea da decisão e os vincendos a partir de 03/11/2008 (carimbo de entrada do requerimento de execução e leitura do mesmo, sendo que o termo do prazo para execução espontânea se encontra admitido por acordo das partes).
3 – Em 07/11/2008 a exequente recepcionou o cheque destinado ao pagamento da quantia de 204.640,06 referente à soma do valor dos encargos suportados com a prestação das garantias – docs. de fls. 10 a 12 dos autos que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
6 – Apreciando.
6.1 Da condenação no pagamento de juros de mora e respectiva taxa aplicável
A sentença recorrida, a fls. 35 a 41 dos autos, julgou parcialmente extinta a instância por inutilidade superveniente da lide no respeitante ao pagamento da quantia correspondente ao valor dos encargos suportados com a prestação de garantia e, no respeitante ao também peticionado pagamento de juros, qualificou-os como moratórios, pois que são estes juros os devidos a partir do termo do prazo de execução espontânea da sentença até efectivo e integral pagamento, nos termos do artigo 102.º, n.º 2 da LGT, e condenou o Estado ao pagamento à exequente dos juros moratórios, contabilizados sobre a quantia paga, no período compreendido entre 05/05/2008 e 07/11/2008, à taxa legal prevista no artigo 3.º do DL 73/99 de 16 de Março.
Discorda do decidido quanto aos juros o Director-Geral dos Impostos, alegando, em síntese, não serem devidos juros, compensatórios ou moratórios, pois que a lei tributária os não prevê para situação como a dos autos (em que não está em causa a restituição de tributo já pago). Mais alega que, caso assim se não entenda, a taxa de juro aplicável nunca poderia ser a prevista no artigo 3.º do DL 73/99, de 16 de Março, exclusivamente aplicável nos casos em que os juros são devidos pelo sujeito passivo ao Estado, antes a taxa de juro legal, pois que o tratamento desigual do Estado e do sujeito passivo quanto à taxa de juro aplicável se justifica em razão do dever fundamental de pagar impostos (cfr. as conclusões das alegações de recurso supra transcritas).
Vejamos.
Discorda o recorrente do julgado recorrido na parte em que condenou o Estado ao pagamento de juros moratórios desde o termo do prazo de execução espontânea do julgado até ao momento do efectivo pagamento da quantia por entender que a lei tributária não prevê o pagamento de tais juros, pois que, em seu entender, apenas são devidos juros moratórios, nos termos do n.º 2 do artigo 102.º da Lei Geral Tributária (LGT), em caso de a sentença implicar a restituição de tributo já pago, e não no caso de a sentença implicar a restituição de quaisquer outras quantias devidas ao sujeito passivo.
Não lhe assiste, contudo, razão.
Como explica JORGE LOPES DE SOUSA (Sobre a Responsabilidade Civil da Administração Tributária por actos ilegais, Lisboa, Áreas Editora, 2010, pp. 93 e seguintes) os juros de mora destinam-se a reparar os prejuízos presumivelmente sofridos pelo credor de uma obrigação pecuniária, derivados da indisponibilidade de uma quantia não paga pontualmente, sendo estes também devidos, mesmo em situações não abrangidas por aquele art. 102.º e pelas normas que prevêem dever de pagamento de juros indemnizatórios, (…), nem que seja por aplicação directa da própria norma constitucional que prevê o direito de indemnização, se não existirem normas da lei ordinária que a prevejam, pois que seria intolerável, em face do artigo 22.º da Constituição da República Portuguesa, que a Administração Tributária, colocada em situação em que deve efectuar a entrega de uma quantia, em prazo determinado na lei, pudesse cumprir atempadamente ou não, conforme entendesse, sem qualquer consequência a nível patrimonial e sem qualquer possibilidade de compensação para o particular que vê ilegalmente protelado o período de tempo em que se encontra privado da quantia a que tem direito, daí que, na falta de lei ordinária que concretize a responsabilidade civil nele prevista, caberá aos tribunais «criar uma “norma de decisão (aplicação dos princípios gerais da responsabilidade, da administração, observância dos critérios gerais da indemnização e reparação de danos) tendente a assegurar a reparação dos danos resultantes de actos lesivos de direitos, liberdades e garantias ou dos interesses juridicamente protegidos dos cidadãos». (op. cit. pp. 93 a 95).
Assim, como bem decidido na sentença recorrida, são devidos ao recorrido juros de mora, calculados sobre o montante a cujo pagamento foi o Estado condenado por decisão judicial e pelo período de tempo que mediou entre 5 de Maio de 2008 (data em que terminou o prazo para execução espontânea da sentença – cfr. o n.º 2 do probatório) e 7 de Novembro de 2008 (data em que recebeu o cheque destinado ao pagamento da quantia que o Estado foi condenado a pagar-lhe – cfr. o n.º 3 do probatório).
A taxa de juro de mora aplicável não é, porém, ao contrário do decidido, a prevista no artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 73/99, de 16 de Março, antes a taxa de juro legal a que se refere o artigo 559.º do Código Civil (aplicável subsidiariamente às obrigações tributárias ex vi do disposto no artigo 2.º alínea d) da LGT), e que, no período a considerar fora fixada em 4% ao ano (cfr. a Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril).
É que a taxa de juro de mora prevista no n.º 1 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 73/99, de 16 de Março apenas é aplicável, conforme decorre expressa e inequivocamente do n.º 1 do artigo 1.º do mesmo diploma, às dívidas ao Estado e a outras pessoas colectivas públicas que não tenham forma, natureza ou denominação de empresa pública, (…), provenientes de: a) Contribuições, impostos, taxas e outros rendimentos quando pagos depois do prazo de pagamento voluntário; b) Alcance, desvios de dinheiros ou outros valores; c) Quantias autorizadas e despendidas fora das disposições legais; d) Custas contadas em processos de qualquer natureza, incluindo os de qualquer tribunais ou de serviços da Administração Pública, quando não pagas nos prazos estabelecidos para o seu pagamento, não se subsumindo o caso dos autos a qualquer destas situações, nem pela natureza da entidade devedora dos juros, nem pela da quantia sobre a qual devem estes ser calculados.
É certo que, como contra-alegado, da inaplicabilidade da taxa de juro prevista no artigo 3.º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 73/99, de 16 de Março aos juros de mora devidos pelo Estado aos particulares e a aplicabilidade nestes casos da taxa de juro supletiva prevista para as obrigações civis, substancialmente mais baixa, resulta uma diversidade de tratamento das situações em que o Estado é credor e aquela em que é devedor de juros de mora, favorecendo-o sensivelmente nas situações em que é credor de juros desta natureza.
Esta diversidade de tratamento não é, porém, injustificada, antes encontra fundamento material bastante, razão pela qual não se afigura violadora do princípio da igualdade, no interesse público que está subjacente à cobrança dos créditos do Estado e outros entes públicos, que justifica que se preveja um regime especialmente oneroso em matéria de sanções pela mora, sendo este regime mais favorável de algum modo contrabalançado pelo facto de os juros de mora a favor da Fazenda Nacional terem como limite, salvo no caso de pagamento em prestações, o período de três anos (artigo 44.º, n.º 2 da LGT), enquanto para os juros de mora a favor do contribuinte não vigora esse limite, tendo ele direito à totalidade da indemnização por mora (cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, op. cit., pp. 108/109).
Pelo exposto, há-de concluir-se que o recurso merece, nesta parte, provimento, havendo nesta medida que revogar a sentença recorrida na parte em que condenou o Estado ao pagamento de juros de mora à taxa de 1% ao mês prevista no artigo 3.º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 73/99, de 16 de Março, devendo os juros de mora devidos ser calculados à taxa de 4% ao ano, correspondente à taxa de juro supletiva prevista para as obrigações civis então vigente (fixada pela portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril).
O recurso merece, pois, parcial provimento.
- Decisão –
7 - Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, em conceder parcial provimento ao recurso, revogando a sentença recorrida na parte em que julgou aplicável ao cálculo dos juros de mora devidos a taxa de juro prevista no n.º 1 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 73/99, de 16 de Março, mantendo-a no demais, e julgando, ao invés, aplicável ao cálculo dos juros de mora devidos a taxa de juro de 4% ao ano, prevista para as obrigações civis no período de tempo em causa, em conformidade com a portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.
Custas neste Supremo Tribunal pelo recorrente e a recorrida, que contra-alegou, na proporção do vencido.
Lisboa, 7 de Setembro de 2011. - Isabel Marques da Silva (relatora) - Francisco Rothes - Dulce Neto.