Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0107/10
Data do Acordão:06/23/2010
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PIMENTA DO VALE
Descritores:IVA
CONSELHO TÉCNICO ADUANEIRO
DECISÃO
ACTO DESTACÁVEL
RECURSO CONTENCIOSO
IMPUGNAÇÃO AUTÓNOMA
Sumário:I – As decisões do Conselho Técnico Aduaneiro, nos termos do disposto nos artºs 6º e 22º, al. b) do decreto-lei nº 281/91 de 9/8, são válidas até que sejam anuladas por decisão, transitada em julgado, proferida em recurso contencioso (hoje acção administrativa especial).
II – Embora preparatórios do acto final de liquidação, enquanto actos destacáveis, porque lesivos, essas decisões são susceptíveis de impugnação contenciosa autónoma e própria, sob pena de, à míngua desta, se firmarem na ordem jurídica como caso resolvido ou decidido.
III – Todavia, a falta de dedução de recurso contencioso dessas decisões não preclude o direito de impugnação judicial do acto de liquidação com fundamento em vícios próprios e autónomos, que nada tenham a ver com o conteúdo ou objecto das mesmas, que estiveram na origem desse mesmo acto, como sejam a falta de audiência prévia e a falta de fundamentação.
IV – Com efeito, as disposições legais supra referidas, respeitam apenas à impugnação contenciosa dessas decisões. É o conteúdo ou objecto desses actos e não mais do que isso, cuja impugnabilidade directa a lei autoriza ou impõe, já por ser ele o resultado final do procedimento da liquidação e importar que a questão se esgote no campo administrativo antes de ser colocada nos tribunais.
Nº Convencional:JSTA000P11953
Nº do Documento:SA2201006230107
Recorrente:A... E OUTRO
Recorrido 1:DIRREG DE CONTENCIOSO E CONTROLO ADUANEIRO DO PORTO - ALFÂNDEGA DO AEROPORTO DO PORTO
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1 – A…, melhor identificada nos autos, não se conformando com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou improcedente a impugnação judicial que deduziu contra os actos de liquidação adicional de IVA, relativos ao ano de 1994, dela vem interpor o presente recurso, formulando as seguintes conclusões:
1. A questão relativa natureza das mercadorias não é uma questão técnica-alfandegária e como tal, não está sujeita à prévia sindicância do Conselho Técnico-Aduaneiro.
2. Nada existe na lei que impeça os Recorrentes de suscitar a natureza das mercadorias em sede de Impugnação Judicial, independentemente de qualquer “recurso contencioso” prévio (cfr. Ac. do STA, de 23/02/200, proferido no processo 024229).
3. A decisão tomada pelo Conselho Técnica Aduaneiro apenas é vinculativa para efeitos de liquidação de direitos aduaneiros.
4. O IVA das importações, embora Liquidado pela Administração Alfandegária, não constitui um direito aduaneiro (aliás, nem sequer uma receita aduaneira), não estando consequentemente sujeito às regras específicas do direito aduaneiro.
5. A determinação da taxa aplicar a uma determinada operação em sede de IVA, faz-se por referência, não à Pauta Aduaneira e às suas regras interpretativas, mas sim tendo em atenção as regras dispostas no CIVA, isto é considerando em primeiro lugar a natureza do bem (ou serviço) em causa, e posteriormente o teor das Listas previstas no artigo 18° do CIVA.
6. Não tendo as decisões do Conselho Técnico Aduaneiro efeitos em sede de IVA, a sua não impugnação de modo algum constituí impedimento legal, para que os aqui Recorrentes possam deduzir impugnação judicial das liquidações adicionais de IVA, com fundamento, entre outros, na errada avaliação quanto à natureza dos produtos e consequentemente na sua errada classificação pautal (cfr. STA de 04/04/2001, proferido no processo 025637).
7. O disposto nos artigos 6°, e 22°, alínea b) do DL 281/91, de 09 de Agosto, não contêm uma excepção ao princípio da impugnação unitária previsto no artigo 86° da LGT, nos termos do qual só o acto final de liquidação de IVA é contenciosamente recorrível, porquanto, pelas razões já expostas esse regime legal só é aplicável aos direitos aduaneiros.
8. Assim, e ao contrário do disposto na decisão recorrida os Recorrentes poderiam ter deduzido Impugnação Judicial dos actos de liquidação, nos termos do disposto nos artigos 97° e 99° do CPPT e ainda 97° do CIVA,
9. Sem prejuízo, ainda que se entenda que a decisão da Administração Alfandegária é também vinculativa para efeitos de IVA e que o processo de impugnação judicial não obedece à forma processualmente correcta, então o processo de impugnação judicial, deveria nos termos do disposto nos artigos 97°, n° 3 da LGT, 98°, n° 4 do CPPT e 7° do CPTA, ser convolado numa acção administrativa especial, porquanto:
(i) Por um Lado a causa de pedir constante na petição inicial - ilegalidade da decisão tomada pelo Conselho Técnico Aduaneiro - é consentânea com a Acção Administrativa Especial;
(ii) Por outro lado, a formulação de um pedido de anulação dos actos tributários com fundamento na ilegal decisão do Conselho Técnico Aduaneiro, tem implícita uma pretensão de eliminação jurídica dessa decisão.
10. Não há razões legais que impeçam a convolação, sendo certo que a eventual necessidade de fazer uma correcção ao pedido não constitui impedimento legal à convolação, como já foi decidido pelo STA, através dos Acórdãos, 0688/08, de 21/01/2009, 0924/08, de 11/02/2009, 051/08, de 16/04.
11. Mais uma vez, sem prescindir do supra exposto, e ainda que se entenda que o acto lesivo e impugnável é a decisão do Conselho Técnico Aduaneiro, o que só por mera hipótese se coloca, tal não impede que os Recorrentes apresentem Impugnação Judicial com fundamento em vícios próprios e autónomos, como é o caso da falta de fundamentação e ausência do direito de audição.
12. Vícios esses que o Tribunal não se poderia abster de os conhecer, (cfr. Ac. do STA n° 0924/08, de 11/02/2009), sendo por isso, a Sentença recorrida nula, nos termos do disposto no artigo no artigo 668°, n° 1, alínea e) do CPC.
Destarte, podemos e devemos concluir que a Sentença recorrida violou o disposto nos artigos 86º e 97°, n° 3 da LGT, 97º, 98°, n° 4, e 99° do CPPT, 18° e 97° do CIVA, artigo 6° e 22°, alínea b) do DL 281/91, de 09 de Agosto, 7° do CPTA e 668°, nº 1, alínea e) do CPC.
A Fazenda Pública não contra-alegou.
O Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao presente recurso.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
2 – A sentença recorrida considerou provada a seguinte matéria de facto:
─ No acto de desalfandegamento, o técnico verificador responsável pela classificação pautal não concordou com a classificação efectuada pelo despachante oficial, tendo procedido à reclassificação da mercadoria importada pela impugnante para a posição 2106 90 92 80, denominada na pauta aduaneira de “outras operações alimentícias não especificadas nem compreendidas noutras posições”.
─ A Impugnante não concordou com tal classificação e apresentou a respectiva contestação para o Conselho Técnico Aduaneiro — cfr. documento nº 2 junto com a petição inicial, cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido.
─ O Conselho Técnico Aduaneiro manteve a classificação atribuída inicialmente pelo técnico verificador — cfr. documento nº 1 junto com a petição inicial, cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido.
─ Na sequência de tais decisões, a Alfândega do Aeroporto do Porto notificou o despachante oficial, ora impugnante, para proceder ao pagamento das quantias liquidadas, referentes a direitos aduaneiros e a IVA — cfr. documento nº 1 junto com a petição inicial.
─ As decisões do Conselho Técnico Aduaneiro, em causa, sobre as contestações apresentadas de carácter técnico, relacionadas com a classificação pautal das mercadorias, não foram anuladas por decisão proferida em recurso contencioso/acção administrativa especial.
─ Posteriormente às notificações das decisões do Conselho Técnico Aduaneiro, não foi apresentada judicialmente qualquer acção administrativa especial com vista à impugnação desses actos.
─ A presente impugnação judicial foi apresentada em 02/02/2004 — cfr. carimbo aposto no rosto da petição inicial e registo no sistema informático (SITAF).
3 – Comecemos pela apreciação dos vícios formais alegados, por que prejudiciais.
Cabe realçar que o que está em causa nestes autos é a questão de saber se é possível deduzir impugnação judicial dos actos de liquidação adicional de IVA sem que tivesse sido accionado “recurso contencioso” da decisão tomada pelo Conselho Técnico Aduaneiro.
Com efeito, resulta da matéria de facto apurada que, na sequência da notificação das decisões daquele Conselho, no sentido de manter a classificação pautal atribuída pelo técnico verificador, a impugnante não sindicou contenciosamente estas decisões, tendo-se limitado a apresentar o presente processo de impugnação judicial.
Na sentença recorrida decidiu-se, em suma, que, constituindo as decisões daquele Conselho actos destacáveis, só é possível, nos termos do disposto nos artºs 6º e 22º, al. b) do Decreto-lei nº 281/91 de 9/8, anular essas decisões, em sede de impugnação judicial, depois de aquelas terem sido atacadas na competente acção administrativa especial.
É contra o assim decidido que se insurge agora a recorrente, nos termos que constam das conclusões da sua motivação do recurso, supra transcritas.
Vejamos se lhe assiste razão.
4 – Não se questiona que as decisões do Conselho Técnico Aduaneiro constituem actos destacáveis, tal como se refere na sentença recorrida e que só podem ser impugnados por forma autónoma, principalmente, nos casos em que sejam praticados por entidades distintas da que deve proferir a decisão final e quando esteja previsto na lei, de forma expressa, como é o caso (vide Jorge Sousa, in CPPT anotado, 5ª ed., Vol. I, pág. 424).
Dispõe, porém, o artº 99º, nº 1 do CPPT (artº 120º do CPT) “que constitui fundamento de impugnação qualquer ilegalidade, designadamente:…Errónea qualificação e quantificação dos rendimentos, lucros, valores patrimoniais e outros factos tributários;...Incompetência;…Ausência ou vício da fundamentação legalmente exigida;…Preterição de outras formalidades legais”.
Temos, assim, que constitui fundamento de impugnação judicial qualquer ilegalidade do acto tributário.
Tal é postulado pela garantia constitucional de acesso à justiça tributária para a tutela plena, efectiva e em tempo útil de todos os direitos ou interesses legalmente protegidos (cfr. artº 268º, nº 4 da CRP).
E razão não tem o tribunal recorrido quando a tal opõe preclusão processual impeditiva do conhecimento do mérito da causa, decorrente da existência de “caso decidido ou resolvido”, por ausência de “recurso contencioso” (acção administrativa especial) das decisões do Conselho Técnico Aduaneiro, em relação à classificação pautal em causa.
Com efeito, as disposições legais referidas e que constam do predito Decreto-lei nº 281/91, respeitam apenas à impugnação contenciosa dessas decisões. É o conteúdo ou objecto desses actos e não mais do que isso, cuja impugnabilidade directa a lei autoriza e impõe, já por ser ele o resultado final do procedimento da liquidação e importar que a questão se esgote no campo administrativo antes de ser colocada nos tribunais.
Sendo assim, é de admitir a impugnação autónoma do acto de liquidação quando sejam arguidas ilegalidades que não tenham a ver com o acto administrativo que deu origem a esse mesmo acto de liquidação, ou seja, quando são arguidas ilegalidades do próprio acto de liquidação, já que estas questões não estão precludidas.
Ora, no caso dos autos e da análise da petição inicial, resulta que a recorrente impugna actos de liquidação adicional de IVA, imputando-lhes vícios próprios e autónomos, que nada têm a ver com os actos administrativos que estiveram na origem desse mesmo acto, como sejam a falta de audiência prévia e a falta de fundamentação, pedindo a sua anulação.
E, nessa medida, estamos perante situação em que será admissível a impugnação autónoma dos actos de liquidação em causa, já que não se perfila, seguramente, “caso decidido ou resolvido” impeditivo do conhecimento do mérito da causa.
5 – Nestes termos e com estes fundamentos, acorda-se em conceder provimento ao presente recurso, revogar a sentença recorrida e ordenar a baixa dos autos à 1ª instância a fim de se pronunciar sobre as questões suscitadas na impugnação judicial proposta, se a tal outra causa não obstar, ficando, assim, prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas na motivação do recurso.
Sem custas.
Lisboa, 23 de Junho de 2010. - Pimenta do Vale (relator) – Jorge LinoCasimiro Gonçalves.