Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0577/16.9BELSB
Data do Acordão:05/05/2022
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:TERESA DE SOUSA
Descritores:APRECIAÇÃO PRELIMINAR
REVISTA
RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
DECISÃO
PRAZO RAZOÁVEL
DANO INDEMNIZÁVEL
Sumário:Não é de admitir revista perante a aparente exactidão do acórdão recorrido no que se refere à apreciação da questão da demora na justiça e aos danos indemnizáveis, uma vez que não se colocam questões de excepcional relevância jurídica ou social nessa concreta matéria.
Nº Convencional:JSTA000P29376
Nº do Documento:SA1202205050577/16
Data de Entrada:04/26/2022
Recorrente:A.........
Recorrido 1:ESTADO PORTUGUÊS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Formação de Apreciação Preliminar

Acordam no Supremo Tribunal Administrativo

1. Relatório
A…………., vem interpor revista do acórdão do TCA Sul de 17.02.2022, que negou parcial provimento ao recurso que interpusera da sentença do TAC de Lisboa que julgou parcialmente procedente a acção administrativa, de responsabilidade extracontratual com fundamento em atraso na administração da justiça, que intentou, contra o Estado Português, pedindo a condenação do réu a indemnizá-lo por esse atraso.
Na revista invocou a necessidade de uma melhor aplicação do direito.

Por sentença de 10.09.2019 o TAC de Lisboa julgou parcialmente procedente a acção condenando o Estado a pagar ao A. a quantia de €4.000,00, acrescida de juros de mora desde a citação até integral pagamento, a título de danos não patrimoniais.

Inconformado com esta sentença interpôs o A. recurso de apelação para o TCA Sul que, pelo acórdão recorrido negou provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.

Em contra-alegações o Recorrido pugna pela inadmissibilidade do recurso ou pela sua improcedência.

2. Os Factos
Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

3. O Direito
O art. 150º, nº 1 do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo “quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de uma importância fundamental” ou “quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”.
Como resulta do próprio texto legal, e a jurisprudência deste STA tem repetidamente sublinhado, trata-se de um recurso excepcional, como, aliás, o legislador sublinhou na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nºs 92/VIII e 93/VIII, considerando o preceito como uma “válvula de segurança do sistema”, que só deve ter lugar, naqueles precisos termos.

Na presente acção intentada contra o Estado Português visando exigir responsabilidade civil extracontratual do Réu por danos decorrentes do exercício da função jurisdicional, e, em concreto, por violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável, o A. formulou os seguintes pedidos (que em seu entender decorrem do acto ilícito): “a) Vencimentos que deixou de auferir apurados e aos quais foram subtraídos os rendimentos, provenientes de Bolsa da FCT que deteve no mesmo período, únicos rendimentos auferidos pelo ora A. (e que não poderia auferir, cumulativamente ao vencimento, caso tivesse sido, atempadamente integrado), como se demonstrou pelas declarações de IRS respetivas referentes aos anos apontados, no valor de €103.765,45; b) Indemnização que se arbitra em um vencimento bruto por ano de atraso na prolação da decisão final transitada em julgado, a contar de 30 de Janeiro de 2008, e assim, em € 15.876,95 (€3.175,39x5): c) € 5.000, contabilizando-se em €1.000 por cada ano de vigência da lei até ao trânsito em julgado da sentença, para indemnização da insegurança e a angústia causadas pela situação, que não necessitam de ser provadas pois resultam do senso comum e do conceito de bonus pater familiae, seja, qualquer pessoa os sentiria em situação idêntica; d) O pagamento do valor de €6.292, a título de indemnização pela possível diferença no cálculo da pensão face aos vencimentos que deveria ter auferido nos cinco anos em causa; e) Verbas que totalizam o montante, que agora se corrige, de €130.934,40”.

O TAC de Lisboa em relação aos danos patrimoniais considerou, em síntese, que: “Não pode o autor confundir um dano que foi produzido através de um ato ilegal, que foi anulado, por via judicial, e cujo regime legal de execução lhe permitiria a recuperação integral dos vencimentos que devia ter ganho e deixou de ganhar por via daquele ato, bem como os respetivos juros, com o facto relacionado com o atraso na justiça.
Quanto aos danos não patrimoniais que julgou indemnizáveis, isto é, os que resultam do atraso na justiça, teve em atenção os pressupostos materiais e parâmetros indemnizatórios seguidos pela jurisprudência nacional no tocante à responsabilidade por omissão de decisão judicial em prazo razoável [indicando vários acórdãos deste STA, v.g., o de 11.05.2017; proc nº 1004/16 que cita].
Concluiu que: “Tudo visto, ao abrigo do regime do artº 12º da Lei 67/2007, de 31.12, considera-se adequado arbitrar a indemnização a título de danos não patrimoniais causados pelo funcionamento anormal dos serviços de administração da justiça, no valor de 4.000,00€ (quatro mil euros), acrescidos de juros de mora desde a citação até integral pagamento, a título de danos não patrimoniais causados pelo funcionamento anormal dos serviços de administração da justiça.”. No mais, absolveu o Réu do peticionado.

O acórdão recorrido confirmou esta decisão, negando provimentos aos recursos interpostos pelo A. e pelo Réu.
Quanto à alegação do A. sobre os danos patrimoniais reclamados entendeu ser patente que este “não recebeu os vencimentos que decorreriam do sentido das decisões judiciais proferidas, tal terá resultado da sua inércia, só se podendo queixar de si próprio, não sendo imputáveis aos Tribunais e ao Estado, enquanto dano patrimonial decorrente de atraso da Justiça.
Com efeito, mercê de decisão favorável ao aqui Recorrente, transitada em julgado em 19 de abril de 2013, foi o mesmo integrado a partir desse dia como Professor Auxiliar do Departamento de Engenharia Informática do IST, pelo que, sendo caso disso, quaisquer remunerações devidas face ao período anterior, teriam de ser assumidas pelo referido Instituto, e não “cobradas” ao Estado a título de atraso na Justiça.
Quanto ao atraso na justiça considerou que: “(…) em decorrência do declarado atraso de perto de 9 anos, como afirmado em 1ª instância, o que se ratificará, o Estado não adotou as medidas suficientes para garantir uma justiça em “prazo razoável”.
O certo é que no caso vertente ficou provado uma atuação da administração da justiça do Estado ilícita e culposa, porque a morosidade processual verificada foi, em boa medida, decorrente da sua atuação, pelo menos, a título de culpa leve.
Aqui chegados, mostra-se equilibrado e ajustado à realidade fática dada como provada, o valor indemnizatório a título de danos não patrimoniais, fixado pelo tribunal a quo, tanto mais que o Autor não terá contribuído para os atrasos verificados, sendo que foram convocados os padrões fixados na jurisprudência nacional e do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.”

Na sua revista o Recorrente reafirma o já alegado na apelação, de que existe nexo de causalidade adequada entre os danos patrimoniais que invocou e que pretende ver ressarcidos, correndo por conta do Estado o atraso e as suas consequências que não são imputáveis ao então R. (IST), quer porque derivam directamente do atraso, quer porque não existe norma que permitisse fazer essa imputação.

Diremos, desde já, que a argumentação do recorrente não convence, no erro de julgamento que imputa ao acórdão recorrido.
Com efeito, conforme se disse no acórdão recorrido (e anteriormente na sentença de 1ª instância) na presente acção está em causa a responsabilidade civil extracontratual do Estado Português decorrente da demora irrazoável de um processo judicial que demorou cerca de 9 anos a ser decidido.

Como já se viu as instâncias entenderam que na presente acção apenas estão em causa os danos causalmente provocados pelo facto ilícito, resultante da violação do direito a uma decisão em prazo razoável, pelo que os danos patrimoniais invocados não podem ser assacados ao R. Estado, devendo ter sido pedidos em execução de sentença no processo 368/04.0BELRS, no qual se pediu a anulação do acto administrativo ali impugnado [da autoria do Presidente do IST], cuja anulação o aqui Recorrente pediu, bem como a condenação na prática do acto devido, nos termos constantes das alíneas a) e b) do probatório (cfr. art. 173º do CPTA).
Afigura-se-nos, assim, que a questão objecto da presente revista terá sido decidida pelo acórdão recorrido com acerto, parecendo, na apreciação perfunctória e sumária que cabe fazer nesta apreciação preliminar, que o tribunal a quo aplicou a jurisprudência deste STA sobre a matéria em apreço, que cita, estando juridicamente fundamentada através de um discurso plausível e coerente, sendo que não se vislumbra que o acórdão tenha incorrido no erro de julgamento invocado pelo recorrente, pelo que não se justifica a reapreciação por este STA.
Assim, perante a aparente exactidão do acórdão recorrido no que se refere à apreciação da questão da demora na justiça e, uma vez que não se colocam questões de excepcional relevância jurídica ou social nessa concreta matéria, não deve ser admitido o recurso, por não se justificar postergar a regra da excepcionalidade da revista.

4. Decisão
Pelo exposto, acordam em não admitir a revista.
Custas pelo Recorrente.

Lisboa, 5 de Maio de 2022. – Teresa de Sousa (relatora) – Carlos Carvalho – José Veloso.