Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0739/11
Data do Acordão:06/06/2012
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:CASIMIRO GONÇALVES
Descritores:RECURSO POR OPOSIÇÃO DE JULGADOS
PRESSUPOSTOS
IDENTIDADE DE SITUAÇÃO DE FACTO
Sumário:Se não se verifica, no recurso por oposição de julgados, identidade substancial das situações fácticas em confronto, nem divergência de soluções quanto à mesma questão de direito, deve o mesmo ser julgado findo, por falta de um dos pressupostos desse recurso de oposição de julgados, nos termos do disposto no nº 5 do art. 284º do CPPT.
Nº Convencional:JSTA000P14272
Nº do Documento:SAP201206060739
Data de Entrada:09/07/2011
Recorrente:A...... E OUTRA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

RELATÓRIO
1.1. A……… e B………, com os demais sinais dos autos, recorrem, por oposição de acórdãos, do aresto do Tribunal Central Administrativo Sul que negou provimento ao recurso que interpuseram da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, a qual, por sua vez, julgara improcedente a impugnação deduzida contra a liquidação de IRS referente ao exercício de 2003, no montante de 2.675,86 Euros.

1.2. Admitido o recurso, os recorrentes apresentaram, nos termos do disposto no nº 3 do art. 284º do CPPT, alegações tendentes a demonstrar a alegada oposição de julgados (fls. 132 a 136).

1.3. Por despacho do Exmo. Relator no Tribunal Central Administrativo Sul (fls. 142 a 144), considerou-se existir a invocada oposição de acórdãos e foi ordenada a notificação das partes para apresentarem alegações, nos termos do disposto nos arts. 284º, nº 5 e 282, nº 3, ambos do CPPT.

1.4. Os recorrentes terminam as alegações do recurso formulando as conclusões seguintes:
36. A 27 de Fevereiro de 2006, foi notificado A………, pelo ofício nº 2377 de 21 de Fevereiro, para remeter à Direcção de Finanças de Santarém, os elementos ou esclarecimentos solicitados no âmbito do dever de colaboração, estabelecido pelo nº 4 do artigo 59º da Lei Gerai Tributária (LGT).
37. Um dos elementos/esclarecimentos solicitados, tem exactamente a ver com uma autorização, cuja declaração devia o notificado devolver assinada, autorizando a administração tributária a aceder a informações e documentos bancários em seu nome.
38. Pelo ofício nº 5705 datado de 18 de Maio de 2006, foi o recorrente, A……… notificado, para no prazo de 10 dias, exercer o direito de audição.
39. Pelo ofício n° 7872 de 14 de Julho de 2006, é notificado A……… da decisão do Director Geral dos Impostos, de 11 de Julho de 2006, que autoriza a derrogação do dever de sigilo bancário.
40. Pela ordem de serviço n° OI200700830 de 7 de Maio de 2007, foi determinado procedimento inspectivo interno aos aqui recorrentes.
41. A 26 de Julho de 2007, são notificados do relatório definitivo, sendo as correcções levadas a efeito motivadas nos elementos obtidos à custa da derrogação do sigilo bancário e não por via da acção inspectiva.
42. A decisão de derrogação do dever de sigilo bancário proferida fora e à revelia de qualquer procedimento inspectivo, independentemente de se verificarem ou os pressupostos de que a lei substantiva faz depender a derrogação do sigilo bancário, não pode servir de mote à correcção da matéria colectável em sede de IRS aos recorrentes.
43. O que a Inspecção Tributária fez, foi utilizar a derrogação do sigilo bancário como forma de preparar o procedimento de inspecção aos recorrentes.
44. Constituindo o procedimento inspectivo pressuposto da derrogação do sigilo bancário, não integrando a derrogação do sigilo bancário, que ocorre em 2006, qualquer procedimento inspectivo, está impedida a Inspecção Tributária, de, a partir dos elementos obtidos pela derrogação do sigilo bancário corrigir a matéria colectável.
45. A derrogação do sigilo bancário não é um meio ao dispor da Direcção Geral dos Impostos para proceder a correcções da matéria colectável dos contribuintes.
46. A Inspecção Tributária não logrou demonstrar, como obteve os elementos necessários às correcções que leva a efeito, a não ser, por via de terceiros e da derrogação do sigilo bancário.
47. Fica documentalmente demonstrado, que a ordem de serviço que determina o procedimento inspectivo aos contribuintes data de 2007, sensivelmente um ano depois de se ter dado início à derrogação do sigilo bancário.
48. O procedimento está classificado de interno e, não consta dos elementos que compõem o relatório, no período que medeia entre o início e o fim da acção inspectiva, que tivesse a Inspecção Tributária iniciado qualquer contacto, com vista a obter alguma confirmação de valores.
49. O douto Acórdão do TCA Sul, de que se recorre, deixa expresso, folhas 7, que “ao tempo a AT detinha já elementos de prova acerca do recebimento dos valores prevenientes da alienação de imóveis (...)”.
50. Ora se já detinha elementos de prova, para mais obtidos de terceiros, só os pode ter recolhido no âmbito de um procedimento inspectivo externo.
51. E esse, como de resto fica demonstrado, nunca existiu.
52. O único procedimento inspectivo que existiu, interno, foi o iniciado no ano de 2007, já na posse dos elementos recolhidos pela Inspecção Tributária de terceiros e no âmbito da derrogação do dever do sigilo bancário.
53. Como diz e bem no douto acórdão do TCA sul, “(...) o procedimento de derrogação do sigilo bancário não é o procedimento adequado para operar as correcções à matéria tributável dos sujeitos passivos”.
54. Prossegue o douto Acórdão, “Todavia, uma vez autorizado pelo Director-Geral dos Impostos o acesso a informação bancária, foi emitida Ordem de Serviço para efeitos de credenciação do técnico da inspecção e início da acção inspectíva, havendo as correcções à matéria colectável do impugnante e que originaram a liquidação impugnada ocorrido no âmbito de um procedimento inspectivo no qual foi analisada a situação tributária do impugnante mediante o confronto entre o teor da declaração de rendimentos do impugnante os depósitos da suas contas bancárias”.
55. Com todo o respeito pelo vertido no douto Acórdão não é verdade. Houve derrogação do sigilo bancário e recolha de elementos de terceiros no ano de 2006.
56. Um ano depois, em 2007, foi então emitida ordem de serviço. Da inspecção não resulta um único dado, que tivesse a Inspecção Tributária recolhido, entre o período que medeia o início e o fim do procedimento inspectivo. No decurso do procedimento não há um único acto de inspecção praticado.
57. Donde, “(...) se na senda do doutrinado naquele douto aresto, é ilegal a liquidação operada à revelia de um procedimento inspectivo que, formal e materialmente, é muito mais garantístico dos direitos dos contribuintes do que tão só o procedimento de derrogação do sigilo bancário, (...)”, como bem refere o douto Acórdão do TCA Sul de que se recorre.
58. Da mesma forma é ilegal a liquidação adicional do IRS do exercício de 2003, justamente porque resulta também ela dos elementos recolhidos no âmbito de um procedimento de derrogação do sigilo bancário e não como subtilmente se pretende, de um procedimento inspectivo que materialmente não existiu.
59. Resulta do Acórdão do TCA Sul n° 1187/06 de 11 de Julho de 2006, desde logo, que foi acrescido ao probatório (matéria de facto dada como provada em 1ª Instância), uma nova alínea, contendo, a seguinte factualidade: No caso vertente toda a actuação da AT foi levada a cabo à revelia de qualquer procedimento inspectivo, nos termos definidos no RCPIT (...).
60. O recorrido entende que AT não lançou mão de qualquer procedimento de inspecção externa, nem tinha de o fazer, como pretende o recorrente, na medida em que a sua actuação se inscreve no âmbito do disposto nos artigos 44° n° 1 alínea a) do CPPT e 44° nº 1 e 2 do RCPIT, consubstanciando por isso, uma acção preparatória.
61. Entendeu o douto Acórdão do TCA Sul, que a apreciação desta questão, a título prévio, afigurava-se de primordial importância, na medida em que, na eventualidade de se concluir que a razão assiste ao recorrente, i. é, que a derrogação do sigilo bancário e a consequente análise dos documentos e informações bancárias, devem ser levados a cabo no âmbito de um procedimento de inspecção, como tal definido pelo RCPIT.
62. Não pude ser utilizada como instrumento de preparação de um procedimento inspectivo e estar dessa forma sujeito a critérios de discricionariedade e oportunismo por parte da administração fiscal.
63. Mais do que a preterição de qualquer formalidade no âmbito de tal procedimento, encontramo-nos perante uma total ausência desse mesmo procedimento, impondo-se por isso concluir pela eliminação da decisão do Director-Geral dos impostos, independentemente de, no caso, se verificarem ou não, os pressupostos de que a lei substantiva faz depender a derrogação do sigilo bancário.
64. O conflito que aqui opõe o recorrente à Direcção Geral dos Impostos, é justamente ter havido um procedimento de derrogação do sigilo bancário, desapoiado do prévio procedimento inspectivo externo.
65. Não pode, de forma alguma, como veio a ficar decidido, servir a derrogação do sigilo bancário de instrumento de preparação de um procedimento inspectivo.
66. Se a derrogação do sigilo bancário não pode servir de instrumento de preparação de um procedimento inspectivo, não poderá servir a derrogação do sigilo bancário para preparar o procedimento inspectivo, ainda que no desiderato de indagar se foram declarados os efectivos e reais rendimentos.
67. A Inspecção Tributária, não logrou em momento algum provar, que tivesse praticado actos de inspecção, com vista à obtenção de elementos necessários à correcção que leva a efeito, por forma, a contrariar a motivação aduzida na p. i. de impugnação judicial.
68. Designadamente, que a derrogação do sigilo bancário, foi utilizada como acto preparatório de uma acção inspectiva facto desde logo evidenciado na própria fundamentação do pedido de derrogação do sigilo bancário.
69. Não tendo havido essa prova por parte da Inspecção Tributária, como fica demonstrado, serviu a derrogação do sigilo bancário, de instrumento preparatório ao procedimento inspectivo levado a efeito aos recorrentes.
70. A utilização desses elementos obtidos à custa da derrogação do sigilo bancário, está vedada, porque desapoiado esse procedimento de qualquer procedimento inspectivo externo.
71. Ademais, porque qualifica a Inspecção Tributária, in casu, o procedimento que leva a efeito, de interno, constituindo também esta mais uma prova, de que não houve qualquer acto de inspecção praticado, já que todos os elementos de que dispunha a inspecção, necessariamente que haviam de ter sido recolhidos no âmbito de um procedimento externo.
72. É incontornável, que foi a partir desses elementos, ilegalmente obtidos, que corrige a Inspecção Tributária a matéria colectável dos recorrentes e não como se pretende fazer crer, no âmbito de um procedimento inspectivo, que simplesmente, materialmente, não existiu.
Terminam pedindo o provimento do recurso e a revogação do douto acórdão proferido pelo TCA Sul, a substituir por outro que declare nula a liquidação de IRS emitida para o exercício de 2003.

1.5 A Recorrida Fazenda Pública apresentou contra-alegações, sustentando que inexiste a invocada oposição de acórdãos e que, caso assim não se entenda, o acórdão recorrido é de confirmar, visto ter feito uma correcta aplicação do direito aos factos.

1.6. O MP não emitiu Parecer (cfr. fls. 185 verso).

1.7. Corridos os Vistos dos Exmos. Adjuntos, cabe decidir.

FUNDAMENTOS
2. No acórdão recorrido julgaram-se provados os factos seguintes:
1. Mediante ofício n° 2377, de 21 de Fevereiro de 2006, a administração fiscal notificou o impugnante A………, solicitando-lhe esclarecimentos sobre rendimentos sujeitos a IRS e autorização de acesso a informação bancária, nos termos e fundamentos constantes de fls. 19, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
2. Desse ofício consta, designadamente o seguinte: «1.Consta nos nossos Registos que V. Exa. exerce funções de administrador da sociedade "C………, Lda."...»; «2. Havendo necessidade da ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA ser convenientemente esclarecida sobre as relações entre V. Exa. e a citada Sociedade (...) fica V. Exa. notificado para (...) remeter (...) esclarecimentos (...) Se, no período que decorreu entre 1 de Janeiro de 2002 e 31 de Dezembro de 2005, recepcionou em seu nome pessoal importâncias referentes à actividade da citada sociedade»...;
3. O ora impugnante não respondeu;
4.Em 21 de Abril de 2006 foi instaurado procedimento de derrogação do sigilo bancário contra A………, com os fundamentos que constam de fls. 32, do P.A. em anexo, cujo conteúdo se dá por reproduzido;
5. Nos fundamentos do pedido, menciona-se a existência de indícios de o visado ter auferido em nome pessoal pelo menos um total de € 260.892,55, respeitantes à transacção de 8 fracções de um imóvel alienado pela sociedade da qual era gerente;
6. Mais ali se refere que foi notificado o SP com o intuito de esclarecer os factos e que este não cumpriu o solicitado;
7. Finalmente, ali se refere que a confirmarem-se tais indícios existem omissões de âmbito tributário e eventualmente criminal na sociedade e no SP (...);
8. Em 30 de Junho de 2006 foi remetida ao SF de Santarém uma declaração da sociedade "C………" de autorização de acesso à informação bancária daquela sociedade - cfr. fls. 62, do P.A., em anexo, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
9. Por despacho do Exmo. Sr. Director Geral dos Impostos de 11 de Julho de 2006, foi autorizada a derrogação do dever do sigilo bancário do contribuinte A……… - cfr. fls 65, do P.A. em anexo, cujo conteúdo se dá por reproduzido;
10. Mediante ordem de serviço n° 200700830 foi efectuado procedimento interno de inspecção ao SP ora impugnante, A………, iniciada em 7 de Maio de 2007 - cfr. fls. 18, do P.A. em anexo cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
11. No âmbito dessa inspecção foi elaborado o relatório da inspecção, junto a fls. 16, do P.A. em anexo, cujo conteúdo se dá por reproduzido;
12. No relatório mencionam-se duas fases para apuramento do lucro tributável do impugnante. A primeira fase, iniciou-se com a comparação do que se apurou em sede da inspecção efectuada à sociedade na qual foram detectadas situações em que o valor inscrito na escritura de compra e venda celebrada foi diferente do valor real do negócio celebrado; a segunda fase, inclui o procedimento de derrogação do sigilo bancário dos sócios gerentes (cfr. fls. 19, do P.A. em anexo, cujo conteúdo se dá por reproduzido);
13. Do relatório consta ainda que, no âmbito desta referida segunda fase, foi detectado o depósito na conta do impugnante de dois cheques emitidos por dois adquirentes de imóveis à sociedade "C………", que foram emitidos em nome do impugnante e não da sociedade, bem como cheques emitidos pela própria sociedade ao impugnante - cfr. fls. 19, do P.A. em anexo, cujo conteúdo se dá por reproduzido;
14. Em consequência, foram efectuadas correcções ao lucro tributável, de que resultou a liquidação adicional, referente ao exercício de 2003.

3.1. O presente recurso vem interposto do acórdão proferido no TCAS, em 12/10/2010 (fls. 110/121), invocando os recorrentes que o mesmo está em oposição com o acórdão proferido no TCAS, em 11/6/2006, no processo nº 1187/06.
Nos autos foi proferido despacho (cfr. fls. 142 e ss) no qual o Exmo. relator julgou verificada a oposição.
Mas porque tal decisão não faz, nesse âmbito, caso julgado, nem impede ou desobriga o Tribunal de recurso de a apreciar - cfr. art. 685º-C, nº 5 do CPC – podendo, se for caso disso, ser julgado findo o respectivo recurso; (Cfr. o ac. deste STA, de 7/5/2003, proc. nº 1149/02: «o eventual reconhecimento judicial da alegada oposição de julgados pelo tribunal recorrido, ao abrigo, nos termos e para os efeitos do disposto no referido art. 284° nº 5 do CPPT não só não faz, sobre o ponto, caso julgado, pois apenas releva em sede de tramitação/instrução do respectivo recurso, como, por isso, não obsta a que o Tribunal Superior, ao proceder à reapreciação da necessária verificação dos pressupostos processuais de admissibilidade, prosseguimento e decisão daquele recurso jurisdicional, considere antes que aquela oposição se não verifica e, em consequência, julgue findo o recurso».) - cfr. também neste sentido Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário: Anotado e Comentado, volume II, 5ª ed., Lisboa, Áreas Editora, 2007, p. 814 (nota 15 ao art. 284º), importa, então, averiguar se a alegada oposição de acórdãos se verifica.

3.2. Sendo ao caso aplicável o regime legal resultante do ETAF de 2002, nos termos dos arts. 2º, nº 1, e 4º, nº 2, da Lei nº 13/2002, de 19/2, na redacção da Lei nº 107-D/2003, de 31/12, (já que a presente impugnação deu entrada em 10/10/2007 – cfr. carimbo aposto na respectiva petição inicial, a fls. 2), a admissibilidade do recurso por oposição de acórdãos, tendo em conta o regime previsto nos artigos 27º, al. b) do ETAF e 152º do CPTA, depende, como se deixou expresso no ac. de 26/9/2007, do Pleno da Secção do Contencioso Tributário deste STA, no processo nº 0452/07, da satisfação dos seguintes requisitos:
«– existir contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão invocado como fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito;
– a decisão impugnada não estar em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo.
Como já entendeu o Pleno da Secção do Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal Administrativo (( ) Acórdão de 29-3-2006, recurso nº 1065/05), relativamente à caracterização da questão fundamental sobre a qual deve existir contradição de julgados, devem adoptar-se os critérios já firmados no domínio do ETAF de 1984 e da LPTA, para detectar a existência de uma contradição:
– identidade da questão de direito sobre que recaíram os acórdãos em confronto, que supõe estar-se perante uma situação de facto substancialmente idêntica;
– que não tenha havido alteração substancial na regulamentação jurídica;
– que se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta;
– a oposição deverá decorrer de decisões expressas e não apenas implícitas (( ) Neste sentido, podem ver-se os seguintes acórdãos da SCA:
– de 29-3-2006, recurso n.º 1065/05;
– de 17-1-2007, recurso n.º 48/06;
– de 6-3-2007, recurso n.º 762/05;
– de 29-3-2007, recurso n.º 1233/06.
No mesmo sentido, pode ver-se MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS CADILHA, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2ª edição, páginas 765-766.)».
Por um lado, portanto, a oposição deverá decorrer de decisões expressas, não bastando a pronúncia implícita ou a mera consideração colateral, tecida no âmbito da apreciação de questão distinta e, por outro lado, a oposição de soluções jurídicas pressupõe identidade substancial das situações fácticas, entendida esta não como uma total identidade dos factos mas apenas como a sua subsunção às mesmas normas legais.

3.3. Neste contexto, importa, então, apreciar se se verifica, ou não, a suscitada oposição que, segundo os recorrentes, consiste em ter o acórdão recorrido admitido o procedimento de derrogação do sigilo bancário como instrumento de preparação de um procedimento inspectivo, perfilhando o entendimento de que, no caso de a AT ser já detentora informações susceptíveis de ajudar ao apuramento da situação tributária dos sujeitos passivos se deve abster de os incomodar, independentemente da forma como os adquiriu, no caso concreto, por via da derrogação do sigilo bancário,
ao passo que no acórdão fundamento se entende que a derrogação do sigilo bancário não pode ser utilizada como instrumento de preparação de um procedimento inspectivo e dessa forma estar sujeito a critérios de discricionariedade e oportunidade por parte da AT, ainda que com o fim de indagar se o sujeito passivo declarou os seus efectivos e reais rendimentos.
E a interpretação decorrente do acórdão recorrido é, no entendimento dos recorrentes, ilegal dado que:
- a decisão de derrogação do sigilo bancário proferida fora e à revelia de qualquer procedimento inspectivo, independentemente de se verificarem ou os pressupostos de que a lei substantiva faz depender tal derrogação, não pode servir para corrigir a matéria colectável em sede de IRS aos recorrentes, já que o que a Inspecção Tributária fez foi utilizar a derrogação do sigilo bancário como forma de preparar o procedimento de inspecção, apesar de este procedimento constituir pressuposto daquela derrogação e não logrando demonstrar como é que obteve os elementos necessários às correcções que levou a efeito, sendo que, no caso, o único procedimento inspectivo que existiu, interno, foi o iniciado no ano de 2007, quando a AT já estava na posse dos elementos recolhidos pela Inspecção Tributária de terceiros e no âmbito da derrogação do dever do sigilo bancário.
- a derrogação do sigilo bancário foi utilizada como acto e instrumento preparatório de uma acção inspectiva levado a efeito relativamente recorrentes, pelo que a utilização dos elementos obtidos à custa da derrogação do sigilo bancário, está vedada, porque desapoiado esse procedimento de qualquer procedimento inspectivo externo.
Vejamos, pois.

4.1. Enunciando como questão a decidir a de saber se a circunstância de a AT se ter servido de elementos coligidos em sede de procedimento de derrogação do sigilo bancário do impugnante, para proceder à correcção dos rendimentos por este declarados em sede de IRS e, nessa sequência, ter procedido ao acto tributário impugnado, padece de ilegalidade que inquine esse mesmo acto tributário, na medida em que, no entendimento da impugnante, não houve processo inspectivo, o acórdão recorrido veio a confirmar a sentença da 1ª instância que julgara improcedente a impugnação, com a fundamentação que, em síntese, é a seguinte:
face ao quadro fáctico apurado, resulta que foi levado a efeito um procedimento de derrogação do sigilo bancário ao sujeito passivo A………, no âmbito das competências definidas para a inspecção tributária nos art. 54° n° 1 al. a) e 63° n° 1 al. d) da LGT e art. 44° do RCPIT, sendo através dele confirmadas situações referentes a pagamentos de valores relacionados com a alienação de imóveis pela sociedade de que o impugnante era gerente, directamente a este;
sucede que a AT estava já na posse de cópias de cheques emitidos ao impugnante e pagamentos de sisa adicional respeitantes às diferenças entre os valores constantes das escrituras de compra e venda e registados na contabilidade da sociedade e os valores reais das transmissões dos imóveis e foi porque existiam na posse da DGCI elementos acerca de negócios de compra e venda de imóveis cujo pagamento terá sido efectuado por meio de cheque a favor do citado A……… que foi ordenado o levantamento do sigilo bancário a fim de se aquilatar da indiciada omissão de proveitos, destinando-se o procedimento de derrogação do sigilo bancário tão só a comprovar os indícios do recebimento pelo impugnante de adiantamentos por conta de lucros;
embora o procedimento de derrogação do sigilo bancário não seja o procedimento adequado para operar as correcções à matéria tributável dos sujeitos passivos, no caso, uma vez autorizado pelo Director-Geral dos Impostos o acesso a informação bancária, foi todavia emitida Ordem de Serviço para efeitos de credenciação do técnico da inspecção e início da acção inspectiva, havendo as correcções à matéria colectável do impugnante e que originaram a liquidação impugnada ocorrido no âmbito de um procedimento inspectivo no qual foi analisada a situação tributária do impugnante mediante o confronto entre o teor da declaração de rendimentos do impugnante e os depósitos nas suas contas bancárias;
e através dessa exegese, foram detectados depósitos de cheques provenientes de compradores de imóveis à sociedade de que era gerente mas também de cheques emitidos pela própria sociedade, o que vale por dizer que se confirmou naquele procedimento que os cheques emitidos à ordem do impugnante foram efectivamente depositados na sua conta bancária e que os seus valores não foram declarados pelo impugnante na sua declaração de rendimentos;
apesar de os impugnantes invocarem a favor da sua tese a doutrina que dimana do acórdão do TCAS, de 11/7/2006, proferido no processo nº 01187/06, fazem-no erradamente, já que nesse aresto o que está em causa é um procedimento de derrogação do sigilo bancário a um sujeito passivo que é o mesmo sobre o qual se produziu a liquidação objecto da impugnação, vendo-se que na situação ali versada a liquidação não teve na sua génese qualquer procedimento inspectivo mas unicamente o procedimento de derrogação do sigilo bancário, sendo por isso que se entendeu que, dadas as consequências que aquele procedimento acarretou para o seu sujeito, no caso a liquidação de imposto, deveria ter sido integrado num procedimento inspectivo, e, não o tendo sido, o Tribunal considerou inquinado o acto anulando-o por força da procedência da impugnação;
assim e como se refere na sentença recorrida, a factualidade tratada naquele aresto é distinta da questionada nestes autos fundamentalmente porque não foi o procedimento de derrogação do sigilo bancário que, por si só, esteve na base da liquidação de imposto ora em crise. Ou seja, segundo aquele aresto, é ilegal a liquidação operada à revelia de um procedimento inspectivo que, formal e materialmente, é muito mais garantístico dos direitos dos contribuintes do que tão só o procedimento de derrogação do sigilo bancário, quanto mais não seja pela extensão à análise de outros factos e elementos e à notificação para o exercício da audição pelo contribuinte. No entanto, no caso vertente, o procedimento de derrogação teve por sujeito o impugnante A……… e a liquidação que aqui é impugnada resultou de uma acção de fiscalização realizada ao abrigo de uma Ordem de Serviço e na qual foram cumpridos todos os formalismos legais, sendo certo que no caso de a AT ser já detentora de informações susceptíveis de ajudar ao apuramento da situação tributária dos sujeitos passivos se deve abster de os incomodar requerendo-lhe cooperação e elementos de que já é possuidora e informações que já conhece, princípio que está ínsito no n° 3 do art. 63° da LGT e no art. 7° do RCPIT e cujo sentido e alcance é o de reduzir o incómodo provocado aos sujeitos passivos inspeccionados, sendo o mesmo vector e transversal a toda a actuação da AT;
o citado acórdão do TCAS teve por objecto a análise de procedimento de derrogação do sigilo bancário, por referência a procedimento inspectivo onde se devia inserir, na consideração daquele que é visado com aquele procedimento de derrogação do sigilo bancário e que, em última análise, se encontra concretizado no despacho da AT que o autoriza, não tendo aqui aplicação;
em suma: enquanto no acórdão do TCAS invocado pelos impugnantes em favor da sua tese estava em causa a legalidade da decisão de derrogação do sigilo bancário e não de uma decisão acerca da legalidade da liquidação, no caso vertente existiu um procedimento inspectivo que deu lugar à liquidação impugnada nele se utilizando elementos de prova colhidos não apenas no âmbito do procedimento de derrogação do sigilo bancário mas outros elementos, como a declaração de rendimentos do contribuinte e cópias de cheques, já do conhecimento da AT, concluindo-se, por isso, que a actuação da AT foi legal, inexistindo fundamentos de facto e de direito, para anular acto tributário impugnado.

4.2. Por sua vez, no acórdão fundamento (do TCAS, de 11/7/2006, rec. nº 01187/06) estava em causa a apreciação do recurso interposto por sujeito passivo de IRS, de sentença proferida em recurso interposto de decisão do Director-Geral dos Impostos autorizando o acesso da IT a todas as contas bancárias e documentos bancários existentes em instituições bancárias portuguesas da titularidade daquele sujeito passivo, ao abrigo do disposto no art. 63°-B, n° 2, al. c) da LGT, tendo o dito acórdão dado provimento ao recurso com fundamento em ilegalidade decorrente de tal despacho não ter sido proferido no âmbito de um procedimento inspectivo, nos termos delimitados pelo RCPIT.
Para tanto, julgando provada a factualidade que especificou na al. V [que aditou ao Probatório («V - No caso vertente toda a actuação da AT foi levada a cabo à revelia de qualquer procedimento inspectivo, nos termos definidos no RCPIT»)], o acórdão veio a considerar que, independentemente da verificação, ou não, no caso concreto, dos pressupostos legais plasmados no art. 63°-B da LGT para a derrogação do sigilo bancário do recorrente, se tem de concluir que o despacho ali em questão, porque não proferido no âmbito de um procedimento inspectivo, nos termos delimitados pelo RCPIT, era ilegal pois que a derrogação do sigilo bancário, pelas implicações que é susceptível de acarretar para o inspeccionado, não constitui um procedimento que esteja sujeito a meros critérios de oportunidade da AT (ainda que no desiderato de indagar se aquele declarou os seus efectivos e reais rendimentos), antes supondo a verificação de um quadro legal apertado e exigente (v.g., de indiciação da prática de crime fiscal doloso) que possa, simultaneamente, e ao abrigo de uma norma de natureza meramente adjectiva, ser alcançável à margem do procedimento inspectivo, tal como delimitado pelo RCPIT e, nessa medida, das inerentes garantias que o mesmo confere.

4.3. Retornando, então, à questão da admissibilidade do presente recurso por oposição de acórdãos, julgamos que, atento o acima exposto, não se verifica, entre os acórdãos em confronto, efectiva divergência de soluções quanto à questão de direito em análise nos dois recursos, já que, desde logo, as situações de facto subjacentes às questões jurídicas equacionadas e resolvidas nos acórdãos em confronto são manifestamente distintas (conforme resulta, aliás, dos respectivos Probatórios), determinando, assim, a inexistência de questão jurídica fundamental com soluções antagónicas.
Como decorre do segmento final das alegações de fls. 132 a 136, os recorrentes sustentam que se verifica a invocada oposição de acórdãos, na medida em que o acórdão recorrido admite o procedimento de derrogação do sigilo bancário como instrumento de preparação de um procedimento inspectivo, perfilhando o entendimento de que, no caso de a AT ser já detentora de informações susceptíveis de ajudar ao apuramento da situação tributária dos sujeitos passivos se deve abster de os incomodar, independentemente da forma como os adquiriu, in casu, por via da derrogação do sigilo bancário, enquanto que o acórdão fundamento, expressamente entende que a derrogação do sigilo bancário não pode ser utilizada como instrumento de preparação de um procedimento inspectivo e dessa forma estar sujeito a critérios de discricionariedade e oportunismo por parte da administração fiscal, ainda que no desiderato de indagar se aquele declarou os seus efectivos e reais rendimentos.

4.4. Mas, com o devido respeito, não concordamos com esta proposição.
Com efeito, como se disse e resulta do acima exposto, não de vê que o acórdão recorrido afirme, “tout court”, que o procedimento de derrogação do sigilo bancário pode ser utilizado como instrumento de preparação de um procedimento inspectivo. O que ali se considera é que, no caso, não foi o procedimento de derrogação de sigilo bancário que, por si só, esteve na base da liquidação de imposto ora impugnada, antes tendo a mesma resultado de elementos apurados não apenas no âmbito do procedimento de derrogação de sigilo bancário mas também outros elementos (como a declaração de rendimentos do contribuinte e cópias de cheques, já do conhecimento da AT) apurados em acção de fiscalização realizada ao abrigo de uma Ordem de Serviço e na qual foram cumpridos todos os formalismos legais. Vindo a confirmar-se a decisão de improcedência da impugnação, por não se verificar a apontada ilegalidade alegadamente consubstanciada na efectivação dessa liquidação com base nos elementos coligidos apenas em sede de procedimento de derrogação do sigilo bancário, relativamente ao impugnante.
Por sua vez, no acórdão fundamento, estando em causa a legalidade da própria decisão do Director-Geral dos Impostos que autorizou a derrogação do sigilo bancário (e não a legalidade de qualquer liquidação), veio a concluir-se pela ilegalidade desse despacho, por, em síntese, não haver sido proferido no âmbito de um procedimento inspectivo, nos termos delimitados pelo RCPIT.
Disso mesmo dando conta, aliás, o próprio acórdão recorrido, que expressamente refere, (i) por um lado, que apesar de os impugnantes invocarem a favor da sua tese a doutrina que dimana do acórdão do TCAS, de 11/7/2006, proferido no processo nº 01187/06 (é que o acórdão ora invocado como acórdão fundamento já havia sido invocado anteriormente – na PI da impugnação - em apoio da posição sufragada pelos impugnantes), fazem-no erradamente, já que nesse aresto o que está em causa é um procedimento de derrogação do sigilo bancário a um sujeito passivo que é o mesmo sobre o qual se produziu a liquidação objecto da impugnação, vendo-se que na situação ali versada a liquidação não teve na sua génese qualquer procedimento inspectivo mas unicamente o procedimento de derrogação do sigilo bancário, sendo por isso que se entendeu que, dadas as consequências que aquele procedimento acarretou para o seu sujeito, no caso a liquidação de imposto, deveria ter sido integrado num procedimento inspectivo, e, não o tendo sido, o Tribunal considerou inquinado o acto anulando-o por força da procedência do recurso e igualmente refere, (ii) por outro lado, que a factualidade tratada naquele aresto é distinta da questionada nestes autos fundamentalmente porque não foi o procedimento de derrogação do sigilo bancário que, por si só, esteve na base da liquidação de imposto ora em crise.
Assim, independentemente de quaisquer outras vicissitudes, o que resulta claro da análise do julgamento feito no acórdão recorrido e no acórdão fundamento é que não existe entre eles divergência e incompatibilidade que justifiquem e sirvam de fundamento ao presente recurso por oposição de acórdãos.

5. Em suma, porque, por um lado, apenas é relevante para fundamentar o recurso por oposição de julgados, a oposição entre soluções expressas, sendo que a oposição deverá existir relativamente às decisões propriamente ditas e não em relação aos seus fundamentos (não bastando a pronúncia implícita ou a mera consideração colateral, tecida no âmbito da apreciação de questão distinta) - cfr. Jorge de Sousa e Simas Santos, Recursos Jurisdicionais em Contencioso Fiscal, p. 424, acs. do Plenário deste STA, de 15/11/2006, rec. nº 387/05, bem como os acs. do Pleno desta Secção do STA, de 15/9/2010, recs. nºs. 344/2009 e 881/2009 - e, porque, por outro lado, a oposição de soluções jurídicas pressupõe identidade substancial das situações fácticas, embora esta deva ser entendida não como uma total identidade dos factos mas apenas como a sua subsunção às mesmas normas legais, concluímos que, no caso presente e no contexto factual e jurídico acima referenciado, a diversidade de soluções a que o Tribunal chegou nos dois casos em confronto não determina qualquer oposição de julgados, na medida em que não se verificam nem a alegada identidade substancial das situações fácticas em confronto nem divergência de soluções quanto à mesma questão de direito.
E, assim sendo, por falta dos pressupostos do recurso de oposição de julgados, este deve ser considerado findo, atento o disposto no nº 5 do art. 284º do CPPT.


DECISÃO
Termos em que, face ao exposto, acordam os Juízes do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA em julgar findo o recurso.
Custas pelos recorrentes.
Lisboa, 6 de Junho de 2012. – Joaquim Casimiro Gonçalves (relator) - Isabel Cristina Mota Marques da Silva - Dulce Manuel da Conceição Neto – José da Ascensão Nunes Lopes – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes – Lino José Batista Rodrigues Ribeiro – Pedro Manuel Dias Delgado – João António Valente Torrão – Maria Fernanda dos Santos Maçãs – Alfredo Aníbal Bravo Coelho Madureira.