Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0960/16
Data do Acordão:09/14/2016
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:ALBERTO AUGUSTO OLIVEIRA
Descritores:ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA PARA A DEFESA DO CONSUMIDOR
ACESSO
DOCUMENTO ADMINISTRATIVO
SEGREDO INDUSTRIAL
PROPORCIONALIDADE
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
REVISTA
Sumário:Não é de admitir revista se o principal da questão reside em diferentes ilações de facto.
Nº Convencional:JSTA000P20889
Nº do Documento:SA1201609140960
Data de Entrada:08/02/2016
Recorrente:ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA PARA A DEFESA DO CONSUMIDOR
Recorrido 1:AUTORIDADE NACIONAL DE COMUNICAÇÕES - ANACOM
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Formação de Apreciação Preliminar da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

1.

1.1. A Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor – DECO intentou intimação para a prestação de informações contra o ICP - Autoridade Nacional de Comunicações (ICP - ANACOM), peticionando:
«1. Ordenar a citação do Requerido ICP-ANACOM, nos termos e para os efeitos do art.º 107º do CPTA, determinando, em consequência do provimento, a fixação de um prazo não superior a 10 dias para que seja cumprida pelo Requerido a intimação a fim que a Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor – Deco aceda:
a) À informação relativa à identificação do número de pedidos que foram efectuados relativamente aos kits DTH.
b) Aos anexos suprimidos nos documentos 5 a 9;
2. Determinar, nos termos do art.º 169º do CPTA, para caso tal intimação não ser cumprida pelo Requerido, a aplicação de uma sanção pecuniária diária no valor de 10% do salário mínimo nacional, atenta a condição financeira do Requerido e a gravidade da recusa e falta de resposta quanto ao acesso solicitado».

1.2. O Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, por sentença de 03/02/2016, julgou:
«Nestes termos declaro a extinção parcial da lide, por inutilidade superveniente da mesma, no que se refere ao pedido de identificação do número de pedidos que foram efectuados relativamente aos kits DTH, com a consequente absolvição da entidade requerida desse pedido e intimo a entidade requerida a facultar cópia dos relatórios anexos aos documentos nos 5 a 9 juntos à p.i., expurgados dos diagramas de radiação (desenhos), no prazo de 15 dias, sob pena de lhe ser aplicada sanção pecuniária compulsória».

1.3. Em recurso do requerido, o Tribunal Central Administrativo Sul, por acórdão de 16/06/2016, julgou-o procedente, «revogando a sentença recorrida na parte em que intimou a entidade e assim absolvendo a demandada do 2.º pedido formulado».

1.4. É desse acórdão que a requerente vem apresentar pedido de admissão de recurso de revista, ao abrigo do artigo 150.º do CPTA, por se estar perante «uma questão que pela sua relevância social se reveste de uma importância fundamental, dado o elevado número de cidadãos que são afectados com a decisão da presente acção» (ponto 18), tendo concluído:
«a) A Requerente socorreu-se da presente acção de intimação para a prestação de informações para ter acesso a documentos, que estão na posse da Requerida e que a Requerente entende conterem informação de interesse geral.
(…).
d) Foi demonstrado que os documentos aos quais a Requerente pretendia ter acesso reportam-se, maioritariamente, a dados estatísticos e opiniões dos consumidores afectados pela implementação da TDT, não a dados de tecnologia sensível e secreta que possa em alguma medida afectar a A………… ou prejudicá-la;
e) O fundamento da decisão objecto do presente recurso é uma necessidade de protecção do segredo comercial/industrial da A…………, que o Tribunal a quo decidiu ser mais importante e carente de maior protecção do que o interesse geral, representado pela Requerente;
f) Esqueceu-se o douto Tribunal de considerar que, não estamos perante um interesse de uma entidade mas, outrossim, um interesse difuso, que sendo um interesse de toda a comunidade, deve existir a possibilidade de esse ser protegido quer pela pessoa singular, quer pelas associações legalmente incumbidas de o fazer;
g) Não deveria o douto Tribunal a quo considerar o interesse da DECO como um interesse de per si, mas antes como um interesse representativo do interesse geral;
h) A violação do direito à informação da Requerente, enquanto entidade com um especial dever de protecção dos consumidores e com uma interpretação excessivamente restritiva do art. 6º n.º 6 da LADA, consubstancia-se numa violação que afecta todos os consumidores».
l) Não colhe provimento a recusa do acesso aos documentos, através da invocação do n.º 6 do art. 6° da LADA, porque, a Requerente conseguiu demonstrar ter interesse directo, pessoal e legítimo nessa consulta e que este [direito] é suficientemente relevante de acordo com o princípio da proporcionalidade, nas três vertentes em que este se pode desdobrar: a da necessidade, a da exigibilidade das medidas e a da proporcionalidade em sentido estrito, ou da “justa medida”;
m) Não se aceita a alegação que a divulgação de matéria técnica e de engenharia da A………… poderá ter uma gravidade superior ao desconhecimento, por parte da Requerente e dos consumidores em geral, da qualidade do serviço de TDT que é fornecido a nível nacional e que tem sido reportado como deficiente;
n) A mera referência ao potencial prejuízo que poderá ser causado pela divulgação dos documentos, sem especificar como e em que medida isso acontece, não basta para preencher o requisito da demonstração do prejuízo causado;».
(…)
«q) Sem esquecer que estabelece o art. 318º do Código da Propriedade Industrial, que é acto ilícito a divulgação, a aquisição ou a utilização de segredos de negócios de um concorrente sem o consentimento do mesmo, mas a Requerente não pode ser considerada concorrente nem esta tem interesse na utilização ou divulgação de segredos industriais;
r) Concomitante, não podemos olvidar que a implementação da TDT foi adjudicada à A………… há alguns anos atrás, pelo que, não parece que aquela possa estar preocupada com a possibilidade de informações tecnologicamente importantes serem divulgadas para empresas concorrentes porque o contrato já está em execução;
s) Decorre do exposto que a Requerida entendeu recusar o acesso a documentos por considerar que a respectiva divulgação é susceptível de pôr em causa matérias abrangidas pelos “segredo” e o “dever de reserva” e fê-lo sem indicar o “porquê” dessa decisão, que o mesmo é dizer que haverá que apontar os motivos pelos quais a revelação se for feita afectaria esses valores;».

1.5. A recorrida defende a não admissão do recurso.

Cumpre apreciar e decidir.

2.

2.1. Tem-se em atenção a matéria de facto considerada no acórdão recorrido.

2.2. O artigo 150.º, n.º 1, do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2.ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».
A jurisprudência deste STA, interpretando o comando legal, tem reiteradamente sublinhado a excepcionalidade deste recurso, referindo que o mesmo só pode ser admitido nos estritos limites fixados neste preceito. Trata-se, efectivamente, não de um recurso ordinário de revista, mas antes, como de resto o legislador cuidou de sublinhar na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nºs 92/VIII e 93/VIII, de uma «válvula de segurança do sistema» que apenas deve ser accionada naqueles precisos termos.

2.3. A questão dos autos emerge de pedido da ora recorrente em aceder a documentos relativos ao lançamento da Televisão Digital Terrestre (TDT), e inerente processo de transição.
Nesse contexto, tem sido variada, como resulta dos autos, a intervenção do recorrido, nomeadamente em sede de acesso a documentos.
O que presentemente se discute é uma fracção dessa intervenção.

Está sob controvérsia o acesso aos documentos indicados na petição inicial como os «anexos suprimidos nos documentos 5 a 9». Correspondem eles aos Anexos identificados em 5 da matéria de facto:
«O Anexo 1, intitulado “ações de otimização da rede TDT-Ponto da situação: 18-06- 2012” e o Anexo 2, intitulado “Reclamações de clientes TDT-situações exemplificativas” anexos à carta da B………… à ANACOM, de 20.06.2012 com o assunto “Decisão “TDT-licenciamento temporário da rede” (cf. documento 5 junto à p.i.);
-O Anexo intitulado “ações de otimização da rede TDT-Ponto da situação: 27-07-2012” anexo à carta da B………… à ANACOM, de 30.07.2012 com o assunto “Decisão “TDT-licenciamento temporário da rede” (cf. documento 6 junto à p.i.);
-O Anexo intitulado “ações de otimização da rede TDT-Ponto da situação: 29-08-2012” anexo à carta da B………… à ANACOM, de 30.08.2012 com o assunto “Decisão “TDT-licenciamento temporário da rede” (cf. documento 7 junto à p.i.);
- O Anexo inominado da carta da B………… à ANACOM, de 01.10.2012 com o assunto “Decisão “TDT-licenciamento temporário da rede” — e que corresponderá às ações realizadas entre 25-08-2012 e 25-09-2012 (cf. documento 8 junto à p.i);
-O Anexo inominado da carta da B………… à ANACOM, de 31.10.2012 com o assunto “Decisão “TDT-licenciamento temporário da rede” — e que corresponderá às ações realizadas entre 28-09-2012 e 25-10-2012 (cf. documento 9 junto à p.i.)».

As instâncias divergiram.
A 1.ª instância intimou «a entidade requerida a facultar cópia dos relatórios anexos aos documentos nos 5 a 9 juntos à p.i., expurgados dos diagramas de radiação (desenhos)»; já o acórdão recorrido revogou essa intimação.

O TAC de Lisboa considerou, essencialmente:
«Importa aferir se os relatórios em causa contêm informação protegida por qualquer dos segredos alegados ou por direitos de propriedade intelectual. Da sua leitura e análise, resulta que não contêm qualquer informação confidencial protegida por segredo. Porém, tendo presentes as indicações dos técnicos prestadas na audiência de esclarecimentos, acerca da necessidade de proteção das soluções técnicas da B…………, apenas não poderão ser divulgados os diagramas de radiação (desenhos) constantes dos relatórios em apreço, não obstante não terem sido indicados os concretos direitos de propriedade intelectual que os protegem. Ou seja, o tribunal entende que a informação técnica constante dos desenhos extravasa o pedido da Requerente, pois que esta diz necessitar de “meros” dados estatísticos necessários à prestação dos seus serviços. […]. Nestes termos […] intimo a entidade requerida a facultar cópia dos relatórios anexos aos documentos nos 5 a 9 juntos à p.i., expurgados dos diagramas de radiação (desenhos), no prazo de 15 dias, sob pena de lhe ser aplicada sanção pecuniária compulsória».

Já o acórdão recorrido ponderou, entre o mais:
«- O interesse da DECO: acesso à informação estatística relativa à identificação do número de pedidos que foram efetuados relativamente aos kits DTH, no âmbito da TDT em Portugal, para efeitos de defesa dos consumidores de TDT; ora, a afetação deste interesse pela não publicidade dos dados informativos constantes de todos os citados 5 relatórios tem um peso que nos parece ser médio ou mediano, já que é frágil a relação entre aquele concreto acesso e a diminuição efetiva das zonas de auto interferência na rede TDT (com carácter prioritário nas zonas não abrangidas pela rede overlay temporariamente licenciada);
- O interesse da A…………: segredo comercial e industrial da empresa, pois que os documentos aqui em causa dizem respeito a matéria técnica e de engenharia exclusiva da B…………/A…………, que merece ser reservada ou escondida do público, isto é, da concorrência à A…………; estamos em sede das técnicas utilizadas pela B…………/A………… para obter a exigida diminuição efetiva das zonas de auto interferência (com carácter prioritário nas zonas não abrangidas pela rede overlay temporariamente licenciada); ora, a afetação deste interesse pela não publicidade dos dados informativos constantes de todos os citados 5 relatórios tem um peso que nos parece ser grave ou sério, já que se tratam de dados ou informações que, publicitadas, podem afetar uma empresa de âmbito nacional como a A…………, consabidamente uma das maiores empresas do setor, talvez a maior, e portanto com grandes riscos de prejuízos financeiros e de concorrência.
Dali concluímos que prevalece o interesse da B…………/A………… e que o artigo 6 cit. impõe a recusa da pretensão da DECO» (fls.16).

Observa-se que ao TAC, face à ilação que tirou sobre os dados em causa, nem sequer se suscitou qualquer problema de ponderação, no quadro do artigo 6.º, 6, da Lei n.º 46/2007, de 24.8; diversamente, o acórdão recorrido, atenta ilação diferente [«São, todos (com ou sem gráficos e desenhos) partes de um todo técnico e de engenharia (…), sendo por isso confidenciais para uma empresa como a B…………/A…………; respeitam a procedimentos, estratégias, metodologias e dados de operação da rede TDT, da responsabilidade da B…………, as quais respeitam inequivocamente à criatividade e ao interesse comercial e empresarial da B…………./ Há, portanto, segredo comercial e industrial da A…………, a cujo acesso esta não deu a sua necessária autorização à DECO], apreciou a pretensão fazendo entrar na equação aquele dispositivo.
Ora, quanto às diferentes ilações, que estão na base das soluções alcançadas, incidem sobre dados muito específicos e são nuclearmente factuais; e mesmo onde fossem juridicamente problematizáveis em revista (pois que a revista não respeita a discussão de facto), não se apresentam capazes de revestir fundamental importância.
Já quanto ao que foi expresso pelo acórdão em sede de aplicação do princípio da proporcionalidade, que previamente explicitara, no seu desenho geral, de modo sustentado, não mostra o acórdão que tenha fugido dos cânones. Por exemplo, não se descortina o alegado erro ou esquecimento do real interesse representado pela recorrente: «Não deveria o douto Tribunal a quo considerar o interesse da DECO como um interesse de per si, mas antes como um interesse representativo do interesse geral». Na verdade, o acórdão indicou-o expressamente: «o interesse da DECO: […] para efeitos de defesa dos consumidores».
Assim, não se revela, no que a esta revista interessa, nem problemática de importância fundamental, nem que a sua admissão seja claramente necessária para a melhor aplicação do direito.

3. Pelo exposto, não se admite a revista.
Custas pela recorrente restritas aos encargos e aos reembolsos a título de custas de parte, por isenta no demais - artigo 4.º, 1, f), 6 e 7 do Regulamento das Custas Processuais.
Lisboa, 14 de Setembro de 2016. – Alberto Augusto Oliveira (relator) - Vítor GomesSão Pedro.