Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01273/08.6BELRS 01364/17
Data do Acordão:10/14/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANABELA RUSSO
Descritores:PRINCÍPIO DO PRIMADO DO DIREITO COMUNITÁRIO
CONVENÇÃO PARA EVITAR A DUPLA TRIBUTAÇÃO
RETENÇÃO NA FONTE
TRIBUTAÇÃO DE SUJEITOS PASSIVOS NÃO RESIDENTES
JUROS INDEMNIZATÓRIOS
Sumário:I – Embora da conjugação dos n.ºs 4 e 5 do artigo 19.º da LGT (antes da entrada em vigor da Lei n.º 64-B/2011, de 30-12 e do aditamento efectuado ao referido artigo pela norma substanciada no seu n.º 9), resultasse que o legislador nacional condicionava o exercício de determinados direitos pelos contribuintes não residentes, incluindo os de reclamação, recurso ou impugnação, à nomeação de um representante em território nacional, a doutrina e a jurisprudência entenderam sempre que os princípios constitucionais, previstos nos artigos 20.º e 268.º da CRP, e a conformidade daquele regime com o Direito da União Europeia, especialmente com o preceituado no artigo 18.º do Tratado, impunha que essas disposições fossem interpretadas no sentido de que a exigível representação ficava assegurada através de procuração em que fossem conferidos expressamente poderes para o exercício de tais direitos.
II – O regime consagrado no artigo 58.º do Tratado CEE (actual artigo 62.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia) impõe uma distinção entre “tratamentos desiguais” (n.º 1 do referido artigo) e “tratamentos discriminatórios” (n.º 3 do mesmo preceito).
III – À luz dessa distinção, a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) vem sublinhando que uma regulamentação fiscal nacional só é compatível com as disposições do Tratado relativas à livre circulação de capitais se a diferença de tratamento respeitar a situações objectivamente não comparáveis ou justificáveis por razões imperiosas de interesse geral.
IV – Se do regime de retenção na fonte efectuado a entidade não residente resulta uma tributação superior à que é aplicada a entidade residente e aquela acrescida tributação não é neutralizada por via de Convenção celebrada entre o Estado membro e o país da entidade tributada para evitar a dupla tributação, o acto de retenção deve ser anulado por violação do princípio de livre circulação de capitais consagrado no Direito da União Europeia.
V Resultando a ilegalidade do acto anulado da desconformidade do mesmo com normas de direito da União Europeia, para além da restituição da quantia ilegalmente retida, são devidos juros indemnizatórios, por tal ilegalidade não ser imputável ao contribuinte.
Nº Convencional:JSTA000P26498
Nº do Documento:SA22020101401273/08
Data de Entrada:04/06/2017
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A........., S.L.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
ACÓRDÃO

1. RELATÓRIO

1.1. “A…………, S.L., Unipessoal”, deduziu no Tribunal Tributário de Lisboa, Impugnação Judicial contra o indeferimento tácito da reclamação graciosa referente a acto de retenção na fonte de IRC, operado pelo Banco Comercial Português (Millennium BCP) que incidiu sobre os lucros colocados à disposição pela Brisa – Auto Estradas de Portugal, S.A. em 27 de Abril de 2005 e 7 de Abril de 2006, nos valores, respectivamente, de 143.978,88€ e de 115.183,19€.

1.2. Por sentença de 20 de Dezembro de 2016, o Tribunal Tributário de Lisboa julgando a impugnação integralmente procedente, anulou os actos de retenção na fonte sindicados e condenou a Administração Tributária a “proceder à devolução das respectivas importâncias à impugnante e no pagamento de juros indemnizatórios, desde a data dos respectivos pagamentos até à data da emissão da respectiva nota de crédito».

1.3. Inconformada com o decidido, interpôs a Autoridade Tributária e Aduaneira recurso jurisdicional para o Tribunal Central Administrativo Sul, tendo formulado nas alegações de recurso as seguintes conclusões:

«1. In casu, com o devido respeito, que é muito, deveria ter sido dada uma maior acuidade ao escopo do vertido nos arts. 56.º do TCE, arts. 90.º a 96.º do TCE; art. 61.º do CPPT e 43.º da LGT; arts. 6 do CPPT; art. 6.º do ETAF; art. 90.º, n.º 1, al. c), 46.º, n.º 1, 80.º, n.º 2, al. c) e art. 14.º, n.º 3, todos do CIRC, assim como ao documento de fls. 51 a 72 (Procuração),

2. Tudo, devidamente condimentado com o princípio da legalidade (art. 103.º da nossa mater legis),

3. Para que, se pudesse aquilatar pela IMPROCEDÊNCIA DA IMPUGNAÇÃO aduzida pelo Recorrido, maxime, para que melhor se pudesse inferir pela não verificação de um qualquer vício de violação de lei atinente às retenções na fonte impugnadas no caso sub judice, violação de lei, aquela, consubstanciada na violação de norma comunitária, concretamente, o princípio da livre circulação de capitais previsto no art. 56.º do TCE (cfr. art. 8.º, n.º 4 da CRP).

A) DA FALTA DE REPRESENTANTE DA IMPUGNANTE COM RESIDÊNCIA EM TERRITÓRIO NACIONAL:

4. Contrariamente ao asseverado pelo respeitoso Tribunal a quo, considera a aqui Recorrente que o n.º 4 do art. 19.º da LGT estabelece que “os sujeitos passivos residentes no estrangeiro, (…) devem, para efeitos tributários, designar um, representante legal com residência em território nacional”.

5. Indica o n.º 5 do citado normativo que, depende da designação de representante, nos termos do número anterior, o exercício dos direitos dos sujeitos passivos nele referido perante a Administração tributária, incluindo os de reclamação, recurso ou impugnação, contudo da consulta ao cadastro da administração tributária constata-se que a ora impugnante não nomeou qualquer representante legal, nos termos da lei tributária

6. não obstante designar como mandatários o Dr. ………… e o Dr. ………… da ………… – Sociedade de Advogados, os mesmos não constam no cadastro do contribuinte como representantes fiscais.

7. Ora, a falta de representante legal relativa a um não residente terá como consequência a restrição no exercício dos seus direitos, quer em sede de contencioso administrativo, quer em sede de contencioso judicial.

8. Pelo que, salvo o devido respeito, não se poderá confundir ou equiparar a existência de procuração forense, cujo escopo é conferir poderes de representação judicial, nada tendo que ver com a figura de representante legal que é exigida no preceituado do n.º 5 do art. 19.º da Lei Geral Tributária.

9. No caso vertente, temos uma petição inicial que foi subscrita por mandatário judicial, nos termos do disposto no art. 6.º do CPPT, conjugado com o art. 6.º do ETAF, aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro, encontrando-se a procuração forense a fls. 51 a 72 dos autos.

C) DA VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA LIVRE CIRCULAÇÃO DE CAPITAIS:

10. Com arrimo no preceituado no art. 23.º, n.º 1, al. a), da Convenção celebrada entre a República Portuguesa e o Reino de Espanha para evitar a Dupla Tributação em Matéria de Impostos sobre o Rendimento, refere o douto aresto a quo:

“…Importa, assim concluir que, as retenções na fonte Impugnadas enfermam de violação de lei, consubstanciada na violação de norma comunitária, concretamente, o princípio da livre circulação de capitais previsto no art. 56.º do TCE (cfr. art. 8.º, n.º 4 da CRP), pelo que as liquidações de IRC, por retenção na fonte dos anos de 2005 e 2006 devem ser anuladas. – (vide fls. 20 da douta sentença recorrida).

DISCORDANDO DO SUPRA ASSEVERADO,

11. A impugnante invoca que a legislação portuguesa será violadora da livre circulação de capitais, nos termos do art.º 56.º do TCE, na medida em que consubstancia uma restrição à livre circulação de capitais, que se traduz num tratamento fiscal manifestamente discriminatório.

12. Não existe qualquer dúvida que o direito comunitário é aplicável na ordem interna por força do primado da legislação comunitária sobre o direito interno, conforme resulta da consagração constitucional bem como da jurisprudência aceite pelo Tribunal e Justiça das Comunidades Europeias.

13. Constituiu um pilar basilar aceite pela jurisprudência comunitária que a fiscalidade directa, onde se inclui a tributação dos lucros das sociedades, é da competência dos Estado Membros que a devem exercer no respeito do direito comunitário e abster-se de qualquer discriminação em razão da nacionalidade. – vide Ac. de 14/02/1995, Schumacker, C-279/93, Colect., 9.I-225, n.º 21 a 26; de 11/08/1995, Wielock, C-80/84, Colect., p.I-2493, n.º 16; de 27/06/1996, Asscher, C-107/94, Colect., p.I-3089, n.º 36; de 15/05/1997, Futura Participations e Singer, C-250/95., p.I-02651. n.º 19 e ss..

14. A posição do receptor dos dividendos não é idêntica, quer seja residente quer seja não residente, atendendo ao modo como esse rendimento vai integrar ou não o seu lucro tributável.

15. Nestes termos, a situação não colide com o disposto no art.º 58.º n.º 3 do TCE, porque não existe qualquer discriminação arbitrária, nem restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamento.

16. Assim, constatamos que é possível adoptar disposições pertinentes do ordenamento fiscal que estabeleçam entre contribuintes que não se encontrem em idênticas situações.

17. Na verdade, compete averiguar se o diferente tratamento respeita a situações não compatíveis objectivamente ou se a medida nacional prossegue objectivos legítimos (razões imperiosas de interesses geral ou “rule of season”) compatíveis com o tratado.

18. A impugnante alega o contrário, mas não existe a comparabilidade imediata entre tributação de um sujeito passivo através de uma norma de incidência subjectiva, princípio da universalidade, ou através de uma norma de incidência objectiva, princípio da territorialidade.

19. Já foi mencionado que é dado assente que a matéria fiscal constitui competência dos Estados Membros, nos termos do art.º 90.º a 95.º do TCE e, que apenas existe alguma uniformização de legislação em matérias pontuais.

20. Nem mesmo mediante a aplicação do art.º 307.º do Tratado CE, uma vez que a fiscalidade directa consiste numa área não de integração de legislação mas sim de harmonização legislativa.

21. Na verdade, não nos podemos olvidar que existe de facto uma diferença substancial entre tributação de um sujeito passivo através de uma norma de incidência subjectiva, princípio da universalidade, ou através de uma norma de incidência objectiva (princípio da territorialidade).

22. E, da mesma forma que o Estado português estabeleceu uma norma para eliminar a dupla tributação, nas situações em que a base tributável consiste no lucro da sociedade, em razão da universalidade dos rendimentos auferidos, também o Estado da residência da impugnante, Espanha, poderia optar pela consagração de normas para eliminar a dupla tributação.

23. O Estado português já o fez quanto à determinação do lucro tributável para residentes e não residentes com estabelecimento estável através do art.º 46.º do CIRC, e para os não residentes sem estabelecimento estável mos termos do art.º 14.º do CIRC.

24. Assim sendo, o que está em causa é que uma sociedade residente em território português, no ano de 2007 coloca lucros à disposição de uma entidade residente noutro Estado membro, aplicando-se-lhe o art.º 14.º n.º 3 do CIRC, isentando os lucros desde que, ambas as entidades estivessem nas condições estabelecidas no art.º 2.º da Directiva 90/435/CFEE, do Conselho, de 23/07, a entidade residente noutro Estado membro detivesse directamente uma participação no capital da primeira não inferior a 20% e esta tivesse permanecido ininterruptamente na sua titularidade, durante 2 anos.

25. Do modo como temos exposto, a Fazenda Pública dirá que a entidade distribuidora dos dividendos efectuou a retenção na fonte, nos termos da legislação nacional e que os art.ºs 90.º n.º 1 al. c), 46.º n.º 1, 80.º n.º 2 al. c), 14.º n.º 3 e 89.º n.º 1, todos do CIRC não são incompatíveis com o principio da liberdade de capitais consagrado nos princípios comunitários.

26. Por outro lado, para ser accionada a Convenção para evitar a dupla tributação celebrada entre Portugal e Espanha, deveria a impugnante ter provado, através dos formulários que era residente em Espanha, o que não o fez, pelo que a redução de taxa não lhe foi aplicada.

27. Pelo exposto, a entidade distribuidora dos dividendos efectuou retenção na fonte, nos termos da lei interna portuguesa, consagrado nos art.ºs 90.º n.º 1 al. C), 46.º n.º 1, 80.º n.º 2 al. c), 14.º n.º 3 e 89.º n.º 1, todos do CIRC, não viola o princípio da liberdade de capitais consagrado nos princípios comunitários.

28. Concluindo, e se não for por mais, inexistem, por esse motivo, os pressupostos para a concessão de juros indemnizatórios uma vez que não existe erro imputável aos serviços, nos termos do art.º 43.º n.º 1 da LGT.

29. Decidindo como decidiu, o respeitoso Tribunal a quo laborou em errada aplicação das normas legais supra vazadas, não procedendo a uma correcta subsunção da factualidade apurada à matéria de direito que lhe deverá ser aplicável.

30. Por conseguinte, salvo o devido respeito, que é muito, o Tribunal a quo lavrou em erro de julgamento.

1.4. A Recorrida, em contra-alegações, defendeu o não provimento do recurso, em síntese, por:

«a) Resulta da análise das Alegações apresentadas pela Fazenda Pública que a mesma não questiona a matéria de facto que foi dada como provada, não tendo identifìcado os pontos concretos que considera incorretamente julgados, nem identifìcado os meios probatórios que impunham decisão diversa, tal como estabelece o n.° 1 do artigo 685.°- B, do Código de Processo Civil, ex vi artigo 2.º, alínea e), do Código de Procedimento e de Processo Tributário;

b) Assim sendo, entende a ora RECORRIDA que o tribunal competente para a apreciação do presente Recurso é o Supremo Tribunal Administrativo, uma vez que a Fazenda Pública não contesta a matéria de facto dada como provada, mas, somente, a solução jurídica adotada pelo Tribunal a quo (cf. Decisão de 14 de julho de 2016, proferida pelo Tribunal Central Administrativo Sul no âmbito do Recurso n.° 06513/13, em que se discutia questão idêntica e em que as partes eram as mesmas, apenas diferindo os valores e os dividendos recebidos pela RECORRIDA - cf. DOC. 1);

c) Nos presentes Autos discute-se a legalidade dos atos de retenção na fonte de IRC praticados pelo Banco Comercial Português, S.A. (MILLENNIUM BCP), aquando do pagamento dos lucros que foram colocados à disposição da RECORRIDA pela BRISA-AUTO-ESTRADAS DE PORTUGAL, S.A. Os referidos atos de retenção na fonte, nos valores de € 143.978,98 e de € 115.183,19, respetivamente, foram praticados em 27 de abril de 2005 e em 7 de abril de 2006.

d) Na sua p.i., a RECORRIDA invocou, entre outros fundamentos, que os atos de liquidação (retenção na fonte) acima indicados são ilegais, na medida em que a tributação efetivada através da prática dos indicados atos de retenção na fonte de IRC consubstancia uma tributação discriminatória de entidades não residentes, e, como tal, ilegal por violação dos princípios da não discriminação e da liberdade de circulação de capitais, previsto nos artigos 56.° e 58.° CE (atuais artigos 63.° e 65.° do TFUE).

e) Depois de estabelecer os factos considerados como provados, o Tribunal a quo pronunciou-se sobre as exceções invocadas pela Fazenda Pública, tendo concluído que as mesmas eram manifestamente improcedentes e que deveria conhecer-se do mérito da causa.

f) Já a propósito dos vícios invocados pela RECORRIDA o Tribunal a quo, concluiu que «as retenções na fonte impugnadas enfermam de vício de violação de lei, consubstanciada na violação de norma comunitária, concretamente o princípio da livre circulação de capitais previsto no artigo 56.° do TCE (cfr. Artigo 8.º, n.º 4, da CRP), pelo que as liquidações de IRC, por retenção na fonte dos anos de 2005 e 2006, devem ser anuladas» (cf. p. 20 da sentença recorrida).

g) Atendendo ao teor das Alegações do Recurso e apesar da sua quase ininteligibilidade, é manifesto que não assiste qualquer razão à Fazenda Pública. De resto, a falta de razão - e até de razoabilidade - das Alegações em apreço, é, desde logo, evidenciada pela ausência de invocação de qualquer doutrina ou jurisprudência que sustente as posições adotadas nas Alegações, sendo certo que a Fazenda Pública não desconhece, nem a doutrina existente quanto a esta matéria, nem, tão-pouco, as múltiplas decisões dos tribunais superiores que infirmam o seu entendimento e que foram proferidas em processos em que a Administração tributária é parte, bem como as decisões e Acórdãos do TJUE sobre a violação do princípio da liberdade de circulação de capitais.

h) Com efeito, no que se refere ao erro de julgamento invocado pela Fazenda Pública a propósito da improcedência da exceção de ilegitimidade que a mesma invocou no decurso do processo, importa salientar que, como bem apontou o Tribunal a quo, a interpretação apresentada pela Fazenda Pública - segundo a qual o n.º 5 do artigo 19.° da Lei Geral Tributária constitui uma restrição ou limitação ao exercício dos direitos de defesa - viola os princípios constitucionais do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva e da proporcionalidade, previstos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 18.° e no artigo 20.° da Constituição da República Portuguesa, sendo, portanto inadmissível. Isso mesmo tem sido, de resto, reiteradamente afirmado pela doutrina;

i) Acresce que, tendo a RECORRIDA sede em Estado-Membro da União Europeia (em, concreto em Espanha), a obrigatoriedade de nomear um representante fiscal, prevista na lei interna, constituiria sempre um obstáculo à livre circulação capitais, sendo, nessa medida, ofensiva do disposto no artigo 63.° do TFUE (ex. artigo 56.º) (neste sentido, vide Acórdão do TJUE, de 5 de maio de 2011, proferido na ação intentada pela Comissão Europeia contra a República Portuguesa - Processo C-267/09, igualmente invocados pelo Tribunal a quo).

j) Salienta-se, inclusivamente a esse propósito que a «Lei n.° 64-B/2011, de 30 de Dezembro, aditou o n.º 7 ao artigo 19.º da LGT, que excluiu a exigência de designação de representante a residentes em Estados membros da União Europeia», sendo que, como é público e não pode ser desconhecido da Fazenda Pública, a referida alteração legislativa teve justamente o propósito de conformar a legislação interna com o Direito da União Europeia, dando cumprimento ao deliberado no referido Acórdão do TJUE.

k) Não pode, igualmente, merecer provimento a alegação de que a legislação nacional aplicável no caso em apreço não violava o princípio da liberdade de circulação de capitais, porquanto, como bem apontou a douta sentença recorrida, tal violação já foi, por inúmeras vezes apontada pelo Supremo Tribunal Administrativo e existem diversos Acórdãos do TJUE que sustentam tal entendimento.

l) Independentemente do mecanismo estabelecido nos artigos 14.º, n.º 3, e 46.º do Código do IRC, na redação em vigor em 2005 e em 2006 - isenção ou exclusão de tributação - , conclui-se da análise dos preceitos em questão que a legislação nacional consagrava dois mecanismos equivalentes com vista à não tributação efetiva dos rendimentos decorrentes de lucros distribuídos por sociedades portuguesas, consoante o beneficiário fosse uma entidade com sede em qualquer Estado-Membro da União Europeia ou com sede no território nacional.

m) Previa-se, assim, um regime de isenção para as entidades residentes em outros Estados-Membros da União Europeia e um regime de exclusão da base tributável para as entidades com sede em território nacional. Em qualquer dos casos, o efeito de ambos os regimes traduzia-se na não tributação efetiva destes rendimentos em território português.

n) O Tribunal a quo deu como provado - e a Fazenda Pública não colocou em causa – que a RECORRIDA cumpria todos os requisitos acima indicados, com exceção da residência em Portugal, já que, como se viu, é uma sociedade com sede em Espanha. Com efeito, a RECORRIDA (i) não estava submetida ao regime da transparência fiscal (ii) detinha no momento em que lhe foram colocados à disposição os referidos lucros, uma participação sobre a BRISA - AUTO-ESTRADAS DE PORTUGAL, S.A., que foi adquirida por um valor superior a € 20.000.000,00 (posto que ascendia a € 24.918.266,22) e (iii) a participação em apreço era detida, em ambos os casos, de forma ininterrupta há mais de um ano (uma vez que tal participação permaneceu ininterruptamente na esfera da RECORRIDA desde Abril de 2004 até - no que aqui interessa - os dias 27 de abril de 2005 e 07 de maio de 2006).

o) O que significa que, no momento da ocorrência dos factos tributários que deram origem à prática dos atos objeto dos Autos, se encontravam verificados, com exceção da residência em território português da entidade beneficiária dos dividendos, todos os requisitos de que dependia a aplicação dos artigos 46.º, n.° 1, e 90.º, n.° 1, alínea c), do Código do IRC. Assim, se a RECORRIDA fosse, à data dos referidos factos, residente em território português, não teria sido tributada nos anos de 2005 e de 2006 nos valores de € 143.978,98 e de € 115.183,19, como efetivamente sucedeu.

p) Relativamente à aplicação do princípio da liberdade de circulação de capitais, o TJUE esclareceu no célebre Acórdão Amurta que «os artigos 56.° CE e 58.° CE se opõem à legislação de um Estado-Membro que, quando não é ultrapassado o nível mínimo das participações da sociedade mãe no capital da filial previsto no artigo 5.º, n.º 1, da Diretiva 90/435, prevê uma retenção na fonte sobre os dividendos distribuídos por uma sociedade estabelecida nesse Estado-Membro a uma sociedade beneficiária estabelecida noutro Estado-Membro, isentando dessa retenção os dividendos pagos a uma sociedade beneficiária que esteja sujeita, no primeiro Estado-Membro, ao imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas ou disponha, nesse mesmo Estado-Membro, de um estabelecimento estável a que pertençam as ações detidas pela sociedade que procede à distribuição» (cf. Acórdão de 8 de novembro de 2007, proferido no processo C-379/05) (o sublinhado é da RECORRIDA).

q) E precisamente a propósito de uma situação similar à dos presentes Autos, em que se discutia a eventual violação do artigo 56.° CE relativamente a retenções na fonte sofridas por uma sociedade residente em Espanha aquando da distribuição de dividendos por uma sociedade com residência em Portugal, o TJUE, decidindo por despacho fundamentado, indicou que «Os artigos 56.° CE e 58.° CE devem ser interpretados no sentido de que se opõem a um regime fiscal resultante de uma convenção para evitar a dupla tributação celebrada entre dois Estados Membros que prevê uma retenção na fonte de 15% sobre os dividendos distribuídos por uma sociedade com sede num Estado Membro a uma sociedade beneficiária com sede noutro Estado Membro, quando a regulamentação nacional do primeiro Estado Membro isenta desta retenção os dividendos pagos a uma sociedade benefìciária residente. Só assim não será se o imposto retido na fonte puder ser imputado no imposto devido no segundo Estado Membro até ao montante da diferença de tratamento» (cf. Despacho do TJUE, quinta secção, de 22 de novembro de 2010, proferido no processo C- 199/10).

r) Salienta o TJUE que «[n]o que respeita a participações não abrangidas pela Directiva 90/435, compete aos Estados-Membros determinar se, e em que medida, deve ser evitada a dupla tributação económica dos lucros distribuídos e introduzir, para esse efeito, de modo unilateral ou através de convenções celebradas com outros Estados-Membros, mecanismos destinados a evitar ou a atenuar essa dupla tributação económica. Contudo, este simples facto não lhes permite aplicar medidas contrárias às liberdades de circulação garantidas pelo Tratado (v., neste sentido, acórdão de 12 de Dezembro de 2006, Test Claimants in Class IV of the ACT Group Litigation, C-374/04, Colect., p.I-11673, n.°54)».

Frisou, ainda, o TJUE no mesmo Aresto que «o artigo 56.° CE não prejudica o direito de os Estados-Membros "aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência" (acórdão de 8 de Novembro de 2007, Amurta, C-379/05, Colect., p. 1-9569, n.º 30)».

s) No que à comparabilidade diz respeito, recordou-se nesse despacho fundamentado que «o Tribunal de Justiça já declarou que, relativamente às medidas previstas por um Estado-Membro a fim de evitar ou atenuar a tributação em cadeia ou a dupla tributação económica dos lucros distribuídos por uma sociedade residente, os accionistas beneficiários residentes não se encontram necessariamente numa situação comparável à dos accionistas beneficiários residentes de outro Estado-Membro (acórdão de 14 de Dezembro de 2006, Denkavit Internationaal e Denkavit France, C-170/05, Colect., p. I-11949, n.º 34, e acórdão Amurta, já referido, n.° 37). (...) Todavia, a partir do momento em que um Estado-Membro, de modo unilateral ou por via convencional, sujeita ao imposto sobre o rendimento não só os accionistas residentes mas também os accionistas não residentes, relativamente aos dividendos que recebam de uma sociedade residente, a situação dos referidos accionistas não residentes assemelha-se à dos accionistas residentes (acórdãos, já referidos, Test Claimants in Class IV of the ACT Group Litigation, n.°68, Denkavit Internationaal e Denkavit France, n.°35, e Amurta, n.° 38)».

t) Num segundo Despacho Fundamentado emitido pelo TJUE nesta matéria (o Despacho Fundamentado de 18 de junho de 2012, proferido no âmbito do processo C-38/11), foi, ainda, esclarecido que a neutralização da discriminação por meio da aplicação de uma convenção de eliminação da dupla tributação só pode ocorrer «se os dividendos provenientes do Estado-Membro de residência da sociedade que procede à distribuição forem suficientemente tributados no outro Estado-Membro. Ora, se esses dividendos não forem tributados ou não o forem num montante suficiente, não é possível imputar o montante de imposto cobrado no Estado-Membro de residência da sociedade que procede à distribuição, ou uma fração dele».

u) Esta jurisprudência repete-se, aliás, nos Acórdãos de 3 de junho de 2010, proferido no processo C-487/08 (Comissão c. Espanha) e de 19 de novembro de 2009, proferido no processo C-540/07 (Comissão c. Itália). O TJUE não considera neutralizada, portanto, a discriminação resultante da aplicação do direito de um Estado-Membro pelo simples facto de o resultado dessa discriminação poder, em abstrato, ser eliminado através de mecanismos convencionais. Diferentemente, considera que é preciso analisar, casuisticamente, se a discriminação é efetivamente anulada através daqueles mecanismos. Tem sido esse também o entendimento que tem vindo a ser seguido pelo Tribunal Central Administrativo Sul e pelo Supremo Tribunal Administrativo em situações similares, tal como assinalou a douta sentença do Tribunal a quo.

v) É evidente que na situação dos Autos se está perante uma situação em que as disposições legais internas contrariam o princípio da liberdade de circulação de capitais, não sendo, sequer, tal efeito discriminatório neutralizado pela aplicação da CDT com Espanha.

w) De facto, importa salientar que, como foi considerado como provado nos Autos, a RECORRIDA encontrava-se isenta de imposto em Espanha relativamente aos dividendos que lhe foram distribuídos pela BRISA - AUTO-ESTRADAS DE PORTUGAL, S.A., nos termos previstos nos artigos 21.º, 116.º, 117.° e 119.° do Real Decreto Legislativo n. ° 4/2004, de 5 de março. Assim, as retenções na fonte sofridas pela RECORRIDA não eram suscetíveis de ser recuperadas em Espanha, uma vez que os rendimentos provenientes dos dividendos que lhe foram distribuídos não são (e não foram) tributados naquele Estado-Membro, não lhe sendo, por conseguinte, possível, deduzir à coleta de imposto o valor do imposto suportado em Portugal.

x) Aliás, tal conclusão foi já alcançada pelo próprio Supremo Tribunal Administrativo no Acórdão de 9 de abril de 2014, proferido no processo n.° 1318/13, em que a RECORRIDA também era parte e em que se discutia uma situação em tudo idêntica à dos Autos, mas em que estava em causa a retenção na fonte que a RECORRIDA suportou por referência a dividendos que lhe foram distribuídos por outra sociedade com sede em Portugal no ano de 2007.

y) Nesse Aresto, igualmente citado pelo Tribunal a quo na sentença recorrida, o Supremo Tribunal Administrativo concluiu que «o imposto pago em Portugal pela recorrida no ano de 2007 não foi, nem era, susceptível de ser recuperado em Espanha, já que os rendimentos provenientes de dividendos que lhe foram distribuídos não foram tributados naquele Estado-Membro, não sendo, por conseguinte, possível, deduzir à colecta de imposto o valor do imposto suportado em Portugal, sendo portanto, claro que as disposições legais internas contrariam o princípio da liberdade de circulação de capitais e não sendo, sequer, tal efeito discriminatório neutralizado pela aplicação da CDT com Espanha". (...) E assim é, na realidade, visto que (...) as normas convencionais previstas na CDT com Espanha não são susceptíveis de garantir, em todas as situações, a neutralização do efeito produzido pelas normas previstas no CIRC, já que o mecanismo previsto na mesma CDT (possibilidade de dedução do imposto retido na fonte ao imposto a pagar em Espanha, ficando essa dedução limitada à "fracção do imposto, calculado antes da dedução, correspondente aos rendimentos que podem ser tributados em Portugal" (cfr. art. 23° da Convenção), o que significa que a neutralização da tributação ocorrida em Portugal – construída convencionalmente como dedução à colecta de imposto -- está dependente de vários factores cumulativos:

(i) que o rendimento em causa seja tributado em Espanha, ou seja, que seja incluído na base tributável, (ii) que a sociedade beneficiária tenha uma base tributável positiva (ou seja, que exista matéria tributável), e que (iii) a taxa de imposto em Espanha seja, pelo menos, igual, à da retenção na fonte sofrida em Portugal» .

z) Importa, igualmente, sublinhar que o tratamento discriminatório provocado pelos artigos 14. º, n.° 3, 88.º, 46.º, n.° 1, e 80.º, n.° 2, do Código do IRC (ou 80.°, n.° 2, alínea c) consoante se trate da redação de 2005 ou de 2006) com a consequente restrição ao exercício da livre circulação de capitais do artigo 56.° do CE não é justificável à luz do artigo 58.° CE. É que, a distribuição de dividendos por parte de uma sociedade portuguesa a uma acionista portuguesa é objetivamente comparável à situação na qual essa acionista é, como sucede no caso, uma sociedade residente em Espanha. E essa comparabilidade não é suscetível de ser afastada pelos distintos regimes de liquidação e pagamento de IRC aplicáveis a residentes e não residentes. Isso mesmo foi também afirmado pelo Supremo Tribunal Administrativo no Acórdão de 14 de maio de 2014, proferido no Processo n.° 01319/13.

aa) Atenta a abundante e convergente jurisprudência já existente quanto a este assunto, bem como a matéria de facto que foi considerada provada nos Autos é manifesto que a sentença proferida pelo Tribunal a quo não merece qualquer reparo, devendo, portanto, ser negado provimento ao Recurso e confirmada a sentença neste segmento.

bb) Não tem igualmente razão a Fazenda Pública quanto ao alegado erro de julgamento quanto ao segmento da decisão que se refere aos juros indemnizatórios.

cc) Com efeito, traduzindo os atos de liquidação impugnados, como se demonstrou, a aplicação de tais normas contrárias ao Direito da União Europeia, a anulação dos mesmos impõe também o pagamento de juros indemnizatórios sobre as quantias indevidamente retidas, na medida em que o erro na retenção na fonte não pode, in casu, deixar de ser imputável aos Serviços.

dd) A este propósito, o Supremo Tribunal Administrativo esclareceu, no Acórdão de 22 de março de 2011, proferido no processo n.º 0100910, que «O "erro imputável aos serviços» concretiza qualquer ilegalidade, não imputável ao contribuinte mas à Administração"(...)É o que este STA tem uniforme e reiteradamente afirmado, a propósito do art. 43° da LGT. (...) Como se refere no Ac. de 12/12/2001, rec. 26.233: "havendo erro de direito na liquidação, por aplicação de normas nacionais que violem o direito comunitário e sendo ela efectuada pelos serviços, é à administração tributária que é imputável esse erro, sempre que a errada aplicação da lei não tenha por base qualquer informação do contribuinte. Por outro lado, esta imputabilidade aos serviços é independente da culpa de qualquer dos seus funcionários ao efectuar liquidação afectada por erro" já que "a administração tributária está genericamente obrigada a actuar em conformidade com a lei (arts. 266º, n.º 1 da CRP e 55.º da LGT), pelo que, independentemente da prova da culpa de qualquer das pessoas ou entidades que a integram, qualquer ilegalidade não resultante de uma actuação do sujeito passivo será imputável a culpa dos próprios serviços". Cfr., no mesmo sentido e por todos, os Acds. de 06/02/2002 rec. 26.690, 05/06/2002 rec. 392/02, 12/12/2001 rec. 26.233, 16/01/2002 rec. 26.391, 30/01/2002 rec. 26.231, 20/03/2002 rec. 26.580, 10/07/2002 rec. 26.668» (o sublinhado é da RECORRIDA).

ee) Ora, estabelecendo o artigo 43.º, n.° 1, da Lei Geral Tributária que «São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido», e tendo a presente Impugnação judicial sido precedida de reclamação graciosa, é evidente que a procedência da Impugnação Judicial constitui o reconhecimento de que o erro de direito acima apontado é imputável aos Serviços para efeitos de aplicação do referido preceito legal. Esse mesmo entendimento foi, de resto, expressamente vertido no recente Acórdão de 8 de fevereiro de 2017, do Supremo Tribunal Administrativo, onde também se discutia a legalidade de atos de retenção na fonte por violação do princípio da livre circulação de capitais, bem como nos Acórdãos de 9 de abril de 2014, proferido no processo n.º 1318/13 e de 14 de maio de 2014, proferido no processo n.º 01319/13.

ff) Em face do exposto, é evidente que o Recurso apresentado pela Fazenda Pública carece de qualquer sustentação atendível, devendo ser negado provimento ao mesmo e ser confirmada a sentença recorrida, por ausência de qualquer erro de julgamento».

1.5. Distribuídos os autos no Tribunal Central Administrativo Sul foi, por despacho da relatora de 27 de Outubro de 2019, declarada a incompetência hierárquica desse Tribunal para apreciar as questões suscitadas e ordenada a remessa dos autos, nos termos solicitados pelas partes, para o Supremo Tribunal Administrativo julgado o Tribunal competente para apreciar das questões de mérito suscitadas nos autos.

1.6. Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, na sequência da sua apresentação com “termo de vista”, foi emitido parecer pela Procuradora-Geral-Adjunta no sentido de ser negado provimento ao recurso.

1.6. Colhidos os “vistos” dos Exmos. Senhores Conselheiros Adjuntos, importa, impõe-se, agora, decidir.

2. OBJECTO DO RECURSO

2.1 Como é sabido, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é o teor das conclusões com que a Recorrente finaliza as suas alegações que determina o âmbito de intervenção do tribunal de recurso [artigo 635.º do Código de Processo Civil (CPC)].

Essa delimitação do objecto do recurso jurisdicional, na sua vertente negativa, permite concluir se o recurso abrange tudo o que na sentença foi desfavorável ao Recorrente ou, se este, expressa ou tacitamente, se conformou com parte das decisões de mérito proferidas quanto a questões por si suscitadas (artigos 635.º, n.º 3 e 4 do CPC), situação em que não podem ser reapreciadas pelo Tribunal ad quem. Na sua vertente positiva, a delimitação do objecto do recurso, especialmente nas situações de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo como é o caso, constitui ainda o suporte necessário à fixação da sua própria competência, nos termos em que esta surge definida pelos artigos 26.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) e 280.º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

2.2. No caso sub judice, do teor das conclusões conclui-se que são três as questões postas para nossa análise e decisão:

(i) Saber se, como sustenta a Fazenda Pública (no ponto A - A1 a A9 das conclusões de recurso), o exercício dos direitos dos sujeitos passivos não residentes perante a Administração tributária, incluindo os de reclamação, recurso ou impugnação, está absolutamente dependente da nomeação do representante legal imposto pelo n.º 5 do artigo 19.º da Lei Geral tributária (LGT), por força do n.º 5 do mesmo preceito e diploma legal, e, em caso afirmativo, se tal dispositivo afronta o direito fundamental de acesso ao direito e aos tribunais e o Direito da União;

(ii) Saber se, como defende a Recorrente (no ponto C - conclusões C. 10 a C. 27. das alegações do recurso) a retenção na fonte de que foram objecto os dividendos distribuídos à Impugnante, suportados no regime constante nos artigos 90.º n.º 1 al. c), 46.º n.º 1, 80.º n.º 2 al. c), 14.º n.º 3 e 89.º n.º 1, todos do CIRC, não viola, contrariamente ao que entendeu o Tribunal a quo, o princípio da livre circulação de capitais previsto no artigo 56.º do Tratado da União Europeia e, consequentemente, deve este Supremo Tribunal manter esses actos na ordem jurídica;

(iii) Saber se, como afirma a Recorrente (conclusões 28. a 30. das alegações do recurso) da resposta afirmativa às questões antecedentes também não resulta a verificação dos pressupostos necessários ao reconhecimento do direito a juros indemnizatórios, nos termos em que estes se encontram previstos no artigo 43.º da LGT, devendo nesse segmento a sentença recorrida ser revogada.

3. FUNDAMENTAÇÃO

3.1. Fundamentação de facto

Os factos que em 1ª instância foram julgados como provados e com relevo para boa decisão da causa são os seguintes:

1) A Impugnante é uma sociedade comercial, constituída de acordo com o direito espanhol, com sede em Espanha, qualificada como “Entidade de Tenencia de Valores Extranjeros” (ETVE) e sem estabelecimento estável em território português (cfr. documentos n.ºs 4 e 5 da petição inicial, fls. 157 a 159);

2) Em Abril de 2004, a impugnante adquiriu um total de 4.266.055 acções emitidas pela “Brisa-Auto Estradas de Portugal, S.A.”, que correspondeu a um investimento global de € 24.918.266,22 (cfr. documento n.º 6 da petição inicial, fls. 160 a 165);

3) A Impugnante manteve as referidas 4.266.044 acções, representativas do capital social da “Brisa-Auto Estradas de Portugal, S.A.”, desde o dia 21-4-2004 a 31-12-2006 (cfr. documento nº 6 da petição inicial, fls. 167 dos autos);

4) Em 27-4-2005 o Banco Comercial Português, S.A. (Millennium BCP) colocou à disposição da Impugnante, a título de lucros distribuídos da Brisa-Auto Estradas de Portugal, S.A., o montante de € 1.151.831,88, relativos ao exercício de 2004, correspondendo a um dividendo unitário bruto de € 0,27 (cfr. documentos n.ºs 2 e 8 da petição inicial, fls. 136 a 139 e 168 a 170);

5) Os dividendos distribuídos pela “Brisa-Auto Estradas de Portugal, S.A.” e colocados à disposição da Impugnante em 27-4-2005, foram sujeitos a retenção na fonte em Portugal, a título de IRC, à taxa de 25%, no total de € 143.978,98 (cfr. documentos n.ºs 2 e 8 da petição inicial, fls. 136 a 139 e 168 a 170);

6) Em 7-4-2006 o “Banco Comercial Português, S.A”. (Millennium BCP) colocou à disposição da impugnante, a título de lucros distribuídos da “Brisa-Auto Estradas de Portugal, S.A.”, o montante de € 1.151.831,88, relativos ao exercício de 2005, correspondendo a um dividendo unitário bruto de € 0,27 (cfr. documentos n.ºs 3 e 9 da petição inicial, fls. 140 e 171 a 172);

7) Os dividendos distribuídos pela “Brisa-Auto Estradas de Portugal, S.A.” e colocados à disposição da Impugnante em 07/04/2006, foram sujeitos a retenção na fonte em Portugal, a título de IRC, à taxa de 20%, no total de € 115.183,19 (cfr. documentos n.ºs 3 e 9 da petição inicial, fls. 140 e 171 a 172);

8) Os rendimentos referidos nos pontos 4) e 6) supra não foram objecto de tributação em Espanha por a Impugnante se tratar de uma entidade ETVE isenta de imposto sobre sociedades relativamente a dividendos (cfr. fls. 159 e artigos 21.º, 116.º, 117.º e 119.º do Real Decreto Legislativo n.º 4/2004, de 5 de Março);

9) Em 28-12-2007 a Impugnante deduziu reclamação graciosa da retenção na fonte de IRC que lhe foi efectuada em virtude da distribuição de dividendos da “Brisa Auto Estradas de Portugal, S.A.”, com fundamento na violação de normas de Direito Comunitário e por erro nos pressupostos do cálculo subjacente à retenção na fonte (cfr. documento n.º 1 da petição inicial, fls. 73 a 148 e procedimento de reclamação graciosa apenso);

10) Em 28-7-2008 foi deduzida a presente impugnação (cfr. carimbo aposto a fls. 2);

11) Em 8-10-2007 a Impugnante, representada pelo Presidente do Conselho de Administração, B…………, atribuiu poderes de representação gerais e especiais, aos Senhores Drs. ………… e …………, Sócios da Sociedade ………… – Sociedade de Advogados, R.L., bem como aos Senhores Drs. …………, ………… e …………, Advogados, e ainda ao Senhor Dr. …………, advogado estagiário (conforme procuração de fls. 50 a 71, que aqui se dá por integralmente reproduzida).

4. Fundamentação de direito

4.1. Exposta a pretensão apresentada em juízo e os fundamentos nucleares em que a mesma se suporta, os factos apurados, que as partes não discutem, e a interpretação e juízo que sobre eles foi feito pelo Tribunal recorrido e que determinou a total procedência dos pedidos formulados, importa, agora, enfrentar as questões que nos foram colocadas pela Recorrente.

Relembramos que a questão que de forma relevante foi suscitada pela ora Recorrida na petição inicial foi a do vício de violação de lei de que, no entender da Impugnante, padecem os actos de retenção por violação do Direito da União Europeia, acolhido pela nossa Lei fundamental, tendo aí sido salientado, de forma impressiva, que a doutrina e jurisprudências nacionais e europeias vêm fazendo prevalecer aquele direito europeu sobre o quadro jurídico definido pela legislação nacional.

Como se constata da leitura da contestação, a Fazenda Pública, antes de exteriorizar as razões de facto e de direito pelas quais se opunha à tese da Impugnante, suscitou duas questões prévias: a falta de um representante legal da Impugnante com sede em território nacional e a caducidade do direito de acção.

Foi, bem, sobre a apreciação destas questões que recaiu antes de mais a apreciação do Tribunal a quo, já que da sua eventual procedência resultaria prejudicada a apreciação de qualquer outra.

No caso, ambas as questões obtiveram resposta negativa. Ou seja, o Tribunal Tributário de Lisboa nem entendeu que a falta de representante legal nos termos do preceituado no artigo 19.º, n.º 4 e 5 da LGT deve ser interpretada como obstando ao exercício pela Impugnante de direitos que julgue assistirem-lhe, nem concordou que estivéssemos perante situação capaz de sustentar um juízo de caducidade do direito de acção.

Como ressalta das questões enunciadas no ponto 2.2. deste acórdão, a Recorrente não se conforma com o julgamento da primeira das questões prévias identificadas, insistindo que não tendo a Impugnante observado o preceituado no artigo 19.º, n.º 4 da LGT, está-lhe vedado, por força do preceituado no n.º 5 do mesmo artigo e Lei, apresentar-se perante a Administração Fiscal e perante o Tribunal a requerer a apreciação de qualquer pretensão, sob qualquer um dos meios processuais aí identificados.

4.2. Assumindo o mesmo critério que a Meritíssima Juíza de 1ª instância, isto é, tendo por referência que a apreciação das demais questões de mérito ficará prejudicada caso seja reconhecida razão à Recorrente quanto à questão da falta de representação, é por esta que iniciaremos o conhecimento do recurso.

Nesse sentido, e recuperando o julgamento sindicado, entendeu-se, em síntese nossa, que pese embora se devesse reconhecer razão à Administração Tributária na interpretação que realizou do preceituado nos n.ºs 4 e 5 do artigo 19.º da LGT, certo é que, atenta a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia e dos nossos Tribunais Superiores que a este propósito vêm sendo emanada, o entendimento que se devia firmar é o de que a representação imposta pelos citados normativos também pode ser concretizada através do mandato constituído nos termos do artigo 40º do CPC, especialmente quando na outorga de poderes aos mandatários, com escritório em Portugal, se confiram poderes especiais para deduzir quaisquer petições, reclamações ou exposições perante a Administração Tributária.

E assim é.

Na verdade, o que importa relevar, salvo o devido respeito, não é, como defende a Recorrida, se há ou não razões que justifiquem no caso concreto a necessidade de nomeação de um representante com residência em território nacional para que a Impugnante possa exercer os seus direitos de reclamação ou impugnação, quer directamente, quer através de mandato forense.

A questão é, como relevou a Administração Tributária, que o legislador nacional condicionou o exercício de determinados direitos pelos contribuintes não residentes, incluindo os de reclamação, recurso ou impugnação, à nomeação de um representante em território nacional (artigo 19.º, n.ºs 4 e 5 da LGT).

Acontece, porém, como bem se disse na sentença recorrida, e os nossos Tribunais Superiores sempre decidiram enquanto vigorou este regime legal (hoje, como sabemos, por força do aditamento do n.º 9 ao artigo 19.º da LGT, introduzido pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, esta exigência de representação já não vale para os não residentes em Portugal desde que residentes em Estados membros), tal imposição legal e restrição de exercício de direitos não é compatível com o direito fundamental de acesso ao direito e aos tribunais, contende frontalmente com a garantia dos contribuintes a uma tutela jurisdicional, um e outra consagrados na nossa Constituição, respectivamente nos artigos 20.º e 268.º, n.º 4, e configura uma discriminação injustificável dos não residentes relativamente aos residentes no território português, proibida pelo artigo 18.º do Tratado da União Europeia.

Note-se que para esta questão e no sentido de que devia ser este o entendimento a propugnar cedo nos alertou a nossa doutrina, pela pena de Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa (cfr. anotação 6. ao preceito em apreciação, Lei Geral Tributária, anotada e comentada, 4.ª edição, 2012, página 199). E que, como já salientado, também no mesmo sentido se pronunciou o Tribunal de Justiça da União Europeia, em aresto igualmente convocado de forma pertinentemente na sentença recorrida - acórdão Comissão vs Portugal C-267/09, de 5 de Maio de 2011 (integralmente disponível em https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=CELEX%3A62009CJ0267, ainda que aí a questão se centrasse em discussão jurídica acerca de IRS), onde se exarou de forma assaz peremptória que “é incontestável que, ao abrigar os contribuintes em causa a designar um representante fiscal, o artigo 130.º do CIRS impõe-lhes a obrigação de efectuar diligências e de, na prática, suportar o custo da remuneração deste representante. Tais obrigações são um incómodo para estes contribuintes, susceptível de os dissuadir de investirem capitais em Portugal e, nomeadamente, de aí fazerem investimentos imobiliários. Daqui decorre que a referida obrigação deve ser vista como uma restrição à livre circulação de capitais, proibida, em princípio, pelos artigos 56.º, n.º 1, CE e 40.º do Acordo EEE (sublinhado de nossa autoria).

Neste contexto, e considerando que resultou provado que a Impugnante juntou ao procedimento e ao processo judicial procuração a conferir poderes de representação aos mandatários identificados nesse instrumento notarial, entende-se que uma interpretação conforme da lei ordinária com a nossa Lei Fundamental e o Direito da União, especialmente do artigo 18.º do Tratado, bem como face ao primado deste direito sobre a legislação nacional, há que concluir que o artigo 19.º n.ºs 4 e 5 da LGT deve ser interpretado no sentido de que a representação conferida nos termos mencionados é suficiente para legitimar o recurso pela Recorrida aos meios graciosos e contenciosos em questão.

Em conclusão, por esta via ou com este fundamento não pode o presente recurso ser julgado procedente.

4.3. A segunda das questões enunciadas no ponto 2., prende-se com a legalidade das retenções na fonte efectuadas à Recorrida aquando da distribuição de dividendos nos anos de 2005 e 2006 com fundamento no preceituado nos artigos 90.º n.º 1 al. c), 46.º n.º 1, 80.º n.º 2 al. c), 14.º n.º 3 e 89.º n.º 1, todos do CIRC.

Esta questão implica, como as próprias alegações, contra-alegações e a sentença sob escrutínio revelam, que façamos um juízo sobre a conformidade legal e constitucional dos actos sindicados, muito especialmente, sobre a sua conformidade com o Direito da União Europeia e, bem assim, com as implicações que para a apreciação desta questão decorrem dos termos do acordo celebrado entre Portugal e Espanha para evitar a dupla tributação e garantir a não violação do Direito da União Europeia.

Considerando que este Supremo Tribunal Administrativo já se pronunciou várias vezes sobre a questão que ora nos cumpre decidir e que os julgamentos realizados foram sempre no sentido de julgar verificada a ilegalidade dos actos de retenção, com os mesmos fundamentos, isto é, com fundamento em que “Atendendo ao primado do direito comunitário e resultando da jurisprudência do TJUE (i) que os tratamentos desiguais permitidos pela al. a) do nº 1 do art. 58º do Tratado CEE devem ser distinguidos das discriminações proibidas pelo nº 3 deste mesmo artigo e (ii) que para que uma regulamentação fiscal possa ser considerada compatível com as disposições do Tratado relativas à livre circulação de capitais, é necessário que a diferença de tratamento diga respeito a situações não comparáveis objectivamente ou se justifique por razões imperiosas de interesse geral, é de anular a retenção na fonte efectuada pelo substituto tributário a entidade não residente, se ficou provado que aquela restrição, substanciada em maior tributação de entidade não residente, não pode ser neutralizada, em concreto, por via da Convenção celebrada entre os Estados para evitar a dupla tributação”, é com reporte a essa jurisprudência que fundamentaremos a questão em apreciação, assim assegurando a uniformidade da jurisprudência no âmbito interno dos tribunais tão necessárias à segurança e estabilidade das relações jurídicas que o legislador privilegiou, como expressamente resulta do artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil.

Neste contexto, limitamo-nos a transcrever, na parte pertinente, o acórdão de 9-4-2014, processo n.º 1318/13, integralmente disponível em www.dgsi.pt, que recaiu sobre idêntica questão (ainda que reportada a dividendos postos à disposição por entidade distinta), que envolveu as mesmas partes e proferido por recurso ao mesmo quadro jurídico aplicável ao litígio que ora nos cumpre decidir:

“(…) apreciando em primeiro lugar esta segunda questão (…) a sentença ponderou o seguinte:

─ No momento da ocorrência dos factos tributários estavam verificados, com excepção da residência em território português da entidade beneficiária dos dividendos, todos os demais requisitos de que dependia a aplicação do disposto no nº 1 do art. 46º e na al. c) do nº 1 do art. 90º, ambos do CIRC, pelo que, se a impugnante fosse, nessa data, residente em território português, não teria sido tributada nos anos de 2005 e de 2006, nos valores aqui em questão.

─ Considerando que a jurisprudência do TJUE ter carácter vinculativo em matéria de direito comunitário e considerando quer a jurisprudência vertida no acórdão do STA, de 29/2/2012 (no proc. nº 1017/11), quer a jurisprudência do TJUE, vertida nos processos C-379/05 e C-199/10, designadamente o despacho de 22/11/2010 exarado neste último processo, «só será de concluir que não haverá violação do direito comunitário se o imposto retido na fonte em Portugal puder ser deduzido no imposto cobrado em Espanha e, em caso positivo, se o imposto pago em Portugal pode ser recuperado através de dedução no imposto devido em Espanha».

─ No caso, como decorre da matéria de facto dada como assente, os rendimentos auferidos pela impugnante não estão sujeitos a imposto em Espanha, pelo que o imposto pago em Portugal não pode ser recuperado através de dedução no imposto devido em Espanha, sendo que isso mesmo resulta das declarações de rendimentos apresentadas pela impugnante por referência ao ano de 2007, que não mereceu qualquer tipo de apreciação por banda da administração tributária. E decorre do disposto nos artigos 116º, 117º e 21º da “Ley del Impuesto sobre Sociedades”, na redacção do Real Decreto Legislativo nº 4/2004, de 5 de Março.

─ Nesta medida, é de concluir pela verificação de uma restrição não justificada à livre circulação de capitais, assim contendendo com o direito comunitário e impondo-se, por isso, a anulação dos actos de retenção na fonte impugnados.

3.3. Do assim decidido discorda a recorrente Fazenda Pública, sustentando, no essencial, que a sentença sofre de erro de julgamento, pois que a retenção na fonte a que se procedeu relativamente aos rendimentos aqui em causa não viola o direito comunitário.

A recorrente louva-se, para tanto, na fundamentação do acórdão do STA de 20/2/2013 (proc. nº 01435/12),

Esta é, portanto, a única questão submetida à apreciação do Tribunal, já que a questão relacionada com a caducidade da impugnação, apenas aflorada nas alegações, nem sequer foi levada às Conclusões do recurso, sendo certo que, como é sabido, estas delimitam os respectivos objecto e âmbito, nos termos estabelecidos nos actuais arts. 635º, nº 3 e 639º, nº 1 (correspondentes aos anteriores arts. 684º e 685º-A) ambos do CPCivil.

Vejamos, pois.

4. Como acima se disse, a sentença, no âmbito da apreciação da questão de saber se a retenção na fonte a que se procedeu relativamente aos rendimentos aqui em causa viola o direito comunitário, ponderou que no momento da ocorrência dos factos tributários estavam verificados, com excepção da residência em território português da entidade beneficiária dos dividendos, todos os demais requisitos de que dependia a aplicação do disposto no nº 1 do art. 46º e na al. c) do nº 1 do art. 90º, ambos do CIRC, pelo que, se a impugnante fosse, nessa data, residente em território português, não teria sido tributada nos anos de 2005 e de 2006, nos questionados valores.

E considerando que a jurisprudência do TJUE ter carácter vinculativo em matéria de direito comunitário; considerando quer a jurisprudência vertida no acórdão do STA, de 29/2/2012 (no proc. nº 1017/11), quer a jurisprudência do TJUE, vertida nos processos C-379/05 e C-199/10, designadamente o despacho de 22/11/2010 exarado neste último processo; e considerando que decorre da matéria de facto provada que os rendimentos auferidos pela impugnante não estão sujeitos a imposto em Espanha, a sentença concluiu, então, que o imposto pago em Portugal não pode ser recuperado através de dedução no imposto devido em Espanha, e que, por isso, se verifica uma restrição não justificada à livre circulação de capitais, em violação do direito comunitário.

Assim, em face desta fundamentação, o que importa apreciar é se a retenção de IRC [operada a título definitivo, à taxa liberatória de 20%, (nos termos conjugados da al. c) do nº 1 do art. 90º, do nº 1 do art. 46º, da al. c) do nº 2 do art. 85º, do nº 3 do art. 14º e do nº 1 do art. 89º, todos do CIRC) em virtude de a sede da impugnante se localizar em Espanha] feita pelo substituto “X………, SUCURSAL EM PORTUGAL” sobre os dividendos distribuídos à impugnante e relativos ao exercício de 2006, viola os princípios comunitários da não discriminação, liberdade de estabelecimento e livre circulação de capitais, previstos nos arts. 12º, 43º, 48º e 56º do Tratado CE.

Vejamos.

4.1. Em termos de legislação relevante,

▬ O art. 14º do CIRC (na redacção da Lei nº 30-G/2000, de 29/12), dispunha o seguinte, no que ora releva:

«3 - Estão isentos os lucros que uma entidade residente em território português, nas condições estabelecidas no artigo 2º da Directiva nº 90/435/CEE, de 23 de Julho, coloque à disposição de entidade residente noutro Estado membro da União Europeia que esteja nas mesmas condições e que detenha directamente uma participação no capital da primeira não inferior a 25% e desde que esta tenha permanecido na sua titularidade, de modo ininterrupto, durante dois anos.

4 - Para que seja imediatamente aplicável o disposto no número anterior, deve ser feita prova perante a entidade devedora dos rendimentos, anteriormente à data da sua colocação à disposição do respectivo titular, de que este se encontra nas condições de que depende a isenção aí estabelecida, através de declaração confirmada e autenticada pelas autoridades fiscais competentes do Estado membro da União Europeia de que é residente a entidade beneficiária dos rendimentos, sendo ainda de observar as exigências previstas no artigo 114º-A do Código do IRS.

5 - Para efeitos do disposto no nº 3, a definição de entidade residente é a que resulta da legislação fiscal do Estado membro em causa, sem prejuízo do que se achar estabelecido nas convenções destinadas a evitar a dupla tributação.»

▬ De acordo com o artigo 2º da Directiva nº 90/435/CEE, do Conselho, de 23/7:

«Para efeitos de aplicação da presente directiva, a expressão «sociedade de um Estado-membro» designa qualquer sociedade:

a) Que revista uma das formas enumeradas no anexo;

b) Que, de acordo com a legislação fiscal de um Estado-membro, seja considerada como tendo nele o seu domicílio fiscal e que, nos termos de uma convenção em matéria de dupla tributação celebrada com um Estado terceiro, não seja considerada como tendo domicílio fora da Comunidade;

c) Que, além disso, esteja sujeita, sem possibilidade de opção e sem deles se encontrar isenta, a um dos seguintes impostos:

(…)

- impuesto sobre sociedades, em Espanha,

(…)

- imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas, em Portugal,

(…)

ou a qualquer outro imposto que possa vir a substituir um destes impostos, coloque à disposição de entidade residente noutro Estado membro da União Europeia que esteja nas mesmas condições e que detenha directamente uma participação no capital da primeira não inferior a 20% e desde que esta tenha permanecido na sua titularidade, de modo ininterrupto, durante dois anos».

▬ E segundo o nº 1 do então art. 46º do CIRC, «Na determinação do lucro tributável das sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, cooperativas e empresas públicas, com sede ou direcção efectiva em território português, são deduzidos os rendimentos, incluídos na base tributável, correspondentes a lucros distribuídos, desde que sejam verificados os seguintes requisitos:

a) A sociedade que distribui os lucros tenha a sede ou direcção efectiva no mesmo território e esteja sujeita e não isenta de IRC ou esteja sujeita ao imposto referido no artigo 7º;

b) A entidade beneficiária não seja abrangida pelo regime da transparência fiscal previsto no artigo 6º;

c) A entidade beneficiária detenha directamente uma participação no capital da sociedade que distribui os lucros não inferior a 10% ou com um custo de aquisição não inferior a € 20.000.000 e esta tenha permanecido na sua titularidade, de modo ininterrupto, durante o ano anterior à data da colocação à disposição dos lucros ou, se detida há menos tempo, desde que a participação seja mantida durante o tempo necessário para completar aquele período.»

▬ E à data também a al. c) do nº 1 do art. 90º, do CIRC, estabelecia o seguinte:

«Não existe obrigação de efectuar a retenção na fonte de IRC, quando este tenha a natureza de imposto por conta, nos seguintes casos:

(...)

c) Lucros obtidos por entidades a que seja aplicável o regime estabelecido no nº 1 do artigo 46º, desde que a participação financeira tenha permanecido na titularidade da mesma entidade, de modo ininterrupto, durante o ano anterior à data da sua colocação à disposição».

▬ Já nos actuais arts. 63º e 65º do TFUE (normativos correspondentes aos anteriores arts. 56º e 58º do Tratado CEE) dispõe-se:

Artigo 63º (ex-artigo 56º TCE)

«1. No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros.

2. No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos pagamentos entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros.»

Artigo 65º (ex-artigo 58º TCE)

«1. O disposto no artigo 63º não prejudica o direito de os Estados-Membros:

a) Aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido;

b) Tomarem todas as medidas indispensáveis para impedir infracções às suas leis e regulamentos, nomeadamente em matéria fiscal e de supervisão prudencial das instituições financeiras, preverem processos de declaração dos movimentos de capitais para efeitos de informação administrativa ou estatística, ou tomarem medidas justificadas por razões de ordem pública ou de segurança pública.

2. O disposto no presente capítulo não prejudica a possibilidade de aplicação de restrições ao direito de estabelecimento que sejam compatíveis com os Tratados.

3. As medidas e procedimentos a que se referem os n.ºs 1 e 2 não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 63º.

4. Na ausência de medidas ao abrigo do nº 3 do artigo 64º, a Comissão, ou, na ausência de decisão da Comissão no prazo de três meses a contar da data do pedido do Estado-Membro em causa, o Conselho, pode adoptar uma decisão segundo a qual as medidas fiscais restritivas tomadas por um Estado-Membro em relação a um ou mais países terceiros são consideradas compatíveis com os Tratados, desde que sejam justificadas por um dos objectivos da União e compatíveis com o bom funcionamento do mercado interno. O Conselho delibera por unanimidade, a pedido de um Estado-Membro.»

4.2. Sendo certo que na falta de medidas de unificação ou de harmonização na União Europeia, os Estados-membros podem ainda definir, por via convencional ou unilateral, os critérios de repartição do seu poder de tributação, com vista, designadamente, a eliminar a dupla tributação, o que resulta da conjugação dos normativos supra transcritos é que, em termos nacionais, para evitar a tributação efectiva dos rendimentos auferidos, a legislação nacional considerava, ao tempo (em 2007), para os dividendos distribuídos por sociedades nacionais, dois mecanismos (equivalentes), consoante o beneficiário fosse uma entidade com sede em território português ou fosse uma entidade com sede em qualquer outro Estado-Membro da União Europeia: previa-se um regime de exclusão da base tributável, para as entidades com sede em território nacional e previa-se uma isenção para as entidades residentes em outros Estados-Membros da União Europeia. Ou seja, o efeito era equivalente em ambos os regimes: não ocorria tributação efectiva destes rendimentos em território português.

Todavia, as sociedades de outros Estados-Membros estavam, ao tempo, obrigadas ao cumprimento dos seguintes requisitos:

─ detenção de uma participação de 20% no capital da entidade distribuidora dos dividendos (ao invés da participação de 10% ou superior a € 20.000.000,00 exigida para entidades residentes);

─ a manutenção ininterrupta da participação por mais de 2 anos (ao invés de 1 ano exigido para as entidades beneficiárias residentes).

No caso, a impugnante detinha acções representativas de 4,03% do capital social da “V…….., S.A.”, tendo mantido essa participação por mais de um ano. Portanto, como bem refere a sentença recorrida, no momento da ocorrência dos factos tributários que originaram os actos impugnados, estavam verificados (com excepção da residência em território português da entidade beneficiária dos dividendos), todos os requisitos de que dependia a aplicação do regime então constante dos arts. 46º, nº 1, e 90º, nº 1, al. c), do CIRC. Ou seja, se fosse, nessa data, residente em território português, não teria, no ano de 2007, sido tributada (através da falada retenção na fonte), pelo valor da liquidação impugnada.

4.3. Será que o regime em concreto aplicado ao caso, afronta, como conclui a sentença, as apontadas disposições comunitárias?

A questão, na vertente essencial que aqui releva, foi apreciada (embora reportando a situações nem sempre idênticas) por esta Secção do STA, nomeadamente nos acórdãos proferidos em 29/2/2012, no proc. nº 1017/11; em 28/11/2012, nos processos nº 482/10 e nº 694/12; em 29/2/2013, no proc. nº 1435/12; em 29/5/2013, no proc. nº 0322/13; em 27/11/2013, no proc. nº 654/13; e em 18/12/2013, no proc. nº 568/13.

Nestes arestos, afirma-se, por um lado, o primado do direito comunitário, mas, por outro lado, também se acentua que o disposto na al. a) do nº 1 do art. 58º do Tratado CEE deve ser interpretado no sentido de que embora aí se preveja que os Estados-membros podem estabelecer uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência, (Referenciando-se, aliás, o acórdão do TJUE, de 8/11/2007, Amurta, C-379/05, Colect., p. I-9569, nº 30.) a jurisprudência do TJUE entende que a derrogação prevista nesta disposição é ela própria logo limitada pelo nº 3 do art. 58º CE, sendo que as disposições nacionais referidas no nº 1 desse artigo «não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 56º [CE]».

Ou seja, acentua-se que os tratamentos desiguais permitidos pela referida al. c) do nº 1 do então art. 58º, do Tratado CEE, devem ser distinguidos das discriminações proibidas pelo nº 3 do mesmo artigo e para que uma regulamentação fiscal possa ser considerada compatível com as disposições do Tratado relativas à livre circulação de capitais, é necessário que a diferença de tratamento diga respeito a situações não comparáveis objectivamente ou se justifique por razões imperiosas de interesse geral.

E tal é o que se encontra claramente afirmado também no despacho do Tribunal de Justiça (Quinta Secção), de 22/11/2010, proferido no processo nº C-199/10 (Tratava-se de pedido de decisão prejudicial formulado por este Supremo Tribunal Administrativo, no caso Secilpar - Sociedade Unipessoal SL vs. Fazenda Pública, sendo o objecto do pedido de decisão prejudicial o seguinte: «Compatibilidade com os artigos 12º CE, 43º CE, 56º CE, 58º, nº 3, CE (actuais artigos 18º, 49º, 63º e 65º, nº 3, TFUE) e com o artigo 5º, nº 1, da Directiva 90/435/CEE do Conselho, de 23 de Julho de 1990, relativa ao regime fiscal comum aplicável às sociedades-mães e sociedades afiliadas de Estados-Membros diferentes (JO L 225, p. 6), de um diploma legislativo nacional relativo à tributação dos dividendos distribuídos por uma sociedade residente a uma sociedade beneficiária não residente que detém uma participação inferior a 25 % no capital social da sociedade que distribui os dividendos — Tributação por retenção na fonte à taxa de 15% prevista pela convenção sobre a dupla tributação celebrada entre os dois Estados em causa — Isenção dos dividendos pagos às sociedades residentes».) em que se considerou que «Os artigos 56º CE e 58º CE devem ser interpretados no sentido de que se opõem a um regime fiscal resultante de uma convenção para evitar a dupla tributação celebrada entre dois Estados-Membros que prevê uma retenção na fonte de 15% sobre os dividendos distribuídos por uma sociedade com sede num Estado-Membro a uma sociedade beneficiária com sede noutro Estado-Membro, quando a regulamentação nacional do primeiro Estado-Membro isenta desta retenção os dividendos pagos a uma sociedade beneficiária residente. Só assim não será se o imposto retido na fonte puder ser imputado no imposto devido no segundo Estado-Membro até ao montante da diferença de tratamento. Compete ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se essa neutralização da diferença de tratamento é realizada pela aplicação do conjunto das estipulações da Convenção para evitar a dupla tributação e prevenir a evasão fiscal no domínio dos impostos sobre o rendimento, celebrada em 26 de Outubro de 1993 entre a República Portuguesa e o Reino de Espanha»,

Ali se considerando, igualmente, o seguinte:

«29 (…) no que respeita à interpretação dos artigos 56º CE e 58º CE, é de notar que, no processo principal, a taxa normal da retenção na fonte, de 25% sobre os dividendos distribuídos por uma sociedade com sede em Portugal a uma sociedade beneficiária com sede em Espanha, foi fixada em 15% nos termos da convenção para evitar a dupla tributação.

30 A este respeito, há que recordar que, embora a fiscalidade directa seja da competência dos Estados-Membros, estes devem exercer essa competência no respeito do direito da União (v., designadamente, acórdão de 13 de Dezembro de 2005, Marks & Spencer, C-446/03, Colect., p. I-10837, nº 29).

31. Assim, na falta de medidas de unificação ou de harmonização na União, os Estados-Membros continuam a ser competentes para definir, por via convencional ou unilateral, os critérios de repartição do seu poder de tributação, com vista, designadamente, a eliminar as duplas tributações (acórdãos de 12 de Maio de 1998, Gilly, C-336/96, Colect., p. I-2793, nºs. 24 e 30, e de 7 de Setembro de 2006, N, C-470/04, Colect., p. I-7409, nº 44).

32. No que respeita a participações não abrangidas pela Directiva 90/435, compete aos Estados-Membros determinar se, e em que medida, deve ser evitada a dupla tributação económica dos lucros distribuídos e introduzir, para esse efeito, de modo unilateral ou através de convenções celebradas com outros Estados-Membros, mecanismos destinados a evitar ou a atenuar essa dupla tributação económica. Contudo, este simples facto não lhes permite aplicar medidas contrárias às liberdades de circulação garantidas pelo Tratado (v., neste sentido, acórdão de 12 de Dezembro de 2006, Test Claimants in Class IV of the ACT Group Litigation, C-374/04, Colect., p. I-11673, nº 54).

(…)

35 Os tratamentos desiguais permitidos pelo artigo 58º, nº 1, alínea a), CE devem, por isso, ser distinguidos das discriminações proibidas pelo nº 3 deste mesmo artigo. Ora, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, para que uma regulamentação fiscal possa ser considerada compatível com as disposições do Tratado relativas à livre circulação de capitais, é necessário que a diferença de tratamento diga respeito a situações não comparáveis objectivamente ou se justifique por razões imperiosas de interesse geral (v. acórdão Amurta, já referido, nº 32 e jurisprudência referida).

36 O Tribunal de Justiça já declarou que, relativamente às medidas previstas por um Estado-Membro a fim de evitar ou atenuar a tributação em cadeia ou a dupla tributação económica dos lucros distribuídos por uma sociedade residente, os accionistas beneficiários residentes não se encontram necessariamente numa situação comparável à dos accionistas beneficiários residentes de outro Estado-Membro (acórdão de 14 de Dezembro de 2006, Denkavit Internationaal e Denkavit France, C-170/05, Colect., p. I-11949, nº 34, e acórdão Amurta, já referido, nº 37).

37 Todavia, a partir do momento em que um Estado-Membro, de modo unilateral ou por via convencional, sujeita ao imposto sobre o rendimento não só os accionistas residentes mas também os accionistas não residentes, relativamente aos dividendos que recebam de uma sociedade residente, a situação dos referidos accionistas não residentes assemelha-se à dos accionistas residentes (acórdãos, já referidos, Test Claimants in Class IV of the ACT Group Litigation, nº 68, Denkavit Internationaal e Denkavit France, nº 35, e Amurta, nº 38).

38 Com efeito, é o mero exercício, por esse mesmo Estado, da sua competência fiscal que, independentemente de qualquer tributação noutro Estado-Membro, cria o risco de tributação em cadeia ou da dupla tributação económica. Nesse caso, para que as sociedades beneficiárias não residentes não sejam confrontadas com uma restrição à livre circulação da capitais, proibida, em princípio, pelo artigo 56º CE, o Estado de residência da sociedade que procede à distribuição deve certificar-se que, em relação ao mecanismo previsto pela sua legislação nacional para prevenir ou atenuar a tributação em cadeia ou a dupla tributação económica, as sociedades accionistas não residentes sejam submetidas a um tratamento equivalente ao tratamento de que beneficiam as sociedades accionistas residentes (v. acórdãos, já referidos, Test Claimants in Class IV of the ACT Group Litigation, nº 70, e Amurta, nº 39).

39 É certo que não se pode excluir que um Estado-Membro consiga garantir o cumprimento das suas obrigações resultantes do Tratado, celebrando uma convenção destinada a evitar a dupla tributação com outro Estado-Membro (v., neste sentido, acórdãos, já referidos, Test Claimants in Class IV of the ACT Group Litigation, nº 71, e Amurta, nº 79).

40 Contudo, é necessário, para esse efeito, que a aplicação da convenção para evitar a dupla tributação permita compensar os efeitos da diferença de tratamento decorrente da legislação nacional. Assim, só no caso de o imposto retido na fonte poder ser imputado no imposto devido noutro Estado-Membro até ao montante dessa diferença de tratamento é que a diferença de tratamento entre os dividendos distribuídos a sociedades estabelecidas noutros Estados-Membros e os dividendos distribuídos às sociedades residentes desaparece totalmente (v., neste sentido, acórdão de 19 de Novembro de 2009, Comissão/Itália, C-540/07, Colect., p. I-10983, nº 37, e de 3 de Junho de 2010, Comissão/Espanha, C-487/08, ainda não publicado na Colectânea, nº 59).

41 Compete ao órgão jurisdicional de reenvio examinar se, no processo principal, se verifica a hipótese referida no número anterior.

42 Se assim não for, a diferença de tratamento é ainda susceptível, eventualmente, de ser justificada por razões imperiosas de interesse geral (v., neste sentido, designadamente, acórdão Comissão/Itália, já referido, nº 55 e jurisprudência referida). Importa, contudo, observar que o órgão jurisdicional de reenvio não refere razões desse tipo.

43 Tendo em conta o que antecede, é de responder à questão submetida que os artigos 56º CE e 58º CE devem ser interpretados no sentido de que se opõem a um regime fiscal resultante de uma convenção para evitar a dupla tributação celebrada entre dois Estados-Membros que prevê uma retenção na fonte de 15% sobre os dividendos distribuídos por uma sociedade com sede num Estado-Membro a uma sociedade beneficiária com sede noutro Estado-Membro, quando a regulamentação nacional do primeiro Estado-Membro isenta desta retenção os dividendos pagos a uma sociedade beneficiária residente. Só assim não será se o imposto retido na fonte puder ser imputado no imposto devido no segundo Estado-Membro até ao montante da diferença de tratamento. Compete ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se essa neutralização da diferença de tratamento é realizada pela aplicação do conjunto das estipulações da convenção para evitar a dupla tributação.»

4.4. Esta doutrina manteve-se no Despacho emitido pelo TJUE, em 18/6/2012, proferido no âmbito do processo C-38/11 (relativo a pedido de decisão prejudicial tendo por objecto a interpretação dos arts. 63º TFUE e 65º TFUE, no âmbito de um litígio que opôs a sociedade T........ ao Ministério das Finanças e da Administração Pública, atinente a reembolso da retenção na fonte aplicada aos dividendos que lhe foram distribuídos pela S ……., SA., em que se afirma que a neutralização da discriminação por meio da aplicação de uma convenção de eliminação da dupla tributação só pode ocorrer “se os dividendos provenientes do Estado-Membro de residência da sociedade que procede à distribuição forem suficientemente tributados no outro Estado-Membro. Ora, se esses dividendos não forem tributados ou não o forem num montante suficiente, não é possível imputar o montante de imposto cobrado no Estado-Membro de residência da sociedade que procede à distribuição, ou uma fracção dele”.

Mantendo-se, igualmente, tal doutrina, também no Acórdão do TJUE, de 20/10/2011, proferido no processo C-284/09 (Comissão Europeia contra a República Federal da Alemanha, por «Incumprimento de Estado – Livre circulação de capitais – Artigos 56º CE e 40º do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu – Tributação dos dividendos – Dividendos pagos às sociedades com sede no território nacional e às sociedades estabelecidas noutro EstadoMembro ou num Estado do Espaço Económico Europeu – Diferença de tratamento») em que se afirma que «70. A República Federal da Alemanha não pode, por isso, alegar que a dedução do imposto retido na Alemanha ao imposto devido no outro Estado-Membro, em aplicação das convenções destinadas a evitar a dupla tributação, permite em todos os casos neutralizar a diferença de tratamento decorrente da aplicação do disposto na legislação fiscal nacional ou nas convenções que têm por efeito reduzir a taxa da retenção na fonte (v., igualmente, acórdãos, já referidos, Comissão/Itália, nº 39, e Comissão/Espanha, nº 64).» e que «71. Por último, quanto ao argumento da República Federal da Alemanha, baseado no facto de que as sociedades beneficiárias de dividendos estabelecidas noutro Estado-Membro não estão obrigadas a pagar o imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas, ao qual estão sujeitas as sociedades beneficiárias de dividendos estabelecidas na Alemanha, basta recordar que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, um tratamento fiscal desfavorável contrário a uma liberdade fundamental não pode ser considerado compatível com o direito da União pelo facto de existirem outras vantagens, mesmo supondo que essas vantagens existam (v., neste sentido, acórdãos de 6 de Junho de 2000, Verkooijen, C-35/98, Colect., p. I-4071, nº 61; Amurta, já referido, nº 75; e de 1 de Julho de 2010, Dijkman e Dijkman-Lavaleije, C-233/09, Colect., p. I-0000, nº 41).»

Em suma, como alega a recorrida, o TJUE não considera neutralizada a discriminação resultante da aplicação do direito de um Estado-Membro, pelo simples facto de o resultado dessa discriminação poder, em abstracto, ser eliminado através de mecanismos convencionais - diferentemente, considera que é preciso analisar, casuisticamente, se a discriminação é efectivamente anulada através daqueles mecanismos, sendo que, a diferença de tratamento decorrente da retenção na fonte no Estado de residência da sociedade que procede à distribuição dos dividendos só pode ser neutralizada através deste método de imputação se os dividendos provenientes do Estado-Membro de residência da sociedade que procede à distribuição forem suficientemente tributados no outro Estado-Membro. E se esses dividendos não forem tributados ou não o forem num montante suficiente, não é possível imputar o montante de imposto cobrado no Estado-Membro de residência da sociedade que procede à distribuição, ou uma fracção dele (v. acórdãos, já referidos, Comissão/Itália, nº 38; Comissão/Espanha, nº 62; e Comissão/Alemanha, nº 68, bem como o citado despacho do TFUE, de 18/6/2012, quinta secção, proferido no Processo C-38/11).

4.5. Foi, aliás, com base em algumas destas decisões do TJUE que os supra indicados acórdãos deste STA, de 29/2/2012, no proc. nº 1017/11; de 28/11/2012, no processo nº 482/10; de 29/5/2013, no proc. nº 0322/13; de 27/11/2013, no proc. nº 654/13; e de 18/12/2013, no proc. nº 568/13, se ocuparam da questão de saber se os rendimentos estão ou não sujeitos a imposto em Espanha e se o imposto pago em Portugal pode ser recuperado através da dedução ao imposto devido naquele país.

Sendo que, ao invés, nos acórdãos proferidos em 28/11/2012 e em 20/2/2013, nos procs. nº 694/12 e 1435/12, respectivamente, (O ora relator subscreveu, como adjunto, tais acórdãos, mas, no acórdão de 27/11/2013, considerou rever a posição anteriormente assumida, nomeadamente quanto à apreciação da neutralização, em concreto, da eventual maior tributação da entidade não residente.) se entendeu (i) que nem o TFUE nem em geral a legislação da EU impõem qualquer regra ou princípio relativo à aplicação da cláusula da nação mais favorecida às Convenções sobre dupla tributação (CDT) celebradas pelos Estados-Membros, sendo que em termos genéricos, o uso da residência como elemento de conexão, bem como a diferenciação fiscal entre sujeitos passivos residentes e não residentes, tanto na legislação interna dos Estados como nas CDT’s, é aceitável e não contaria as liberdades de circulação, nem consubstancia uma discriminação contrária aos Tratados Europeus, em virtude de os residentes e os não residentes não se encontrarem, em geral, em situações comparáveis, porque assentes numa diferença objectiva relevante entre os sujeitos passivos; (ii) que constituindo jurisprudência do TJUE que os direitos e obrigações recíprocos previstos numa CDT são aplicáveis apenas aos residentes num dos Estados contratantes da mesma, sendo isto uma consequência inerente às CDT, o direito comunitário não se opõe a que a eventual vantagem em questão não se encontra numa situação comparável à dos residentes abrangidos pela convenção; (iii) que a tributação de dividendos através da retenção na fonte à taxa constante da CDT não implica, em princípio, qualquer ilegalidade, pois que a referida retenção será neutralizada por aplicação de um crédito de imposto no Estado da residência, sendo que se pela via do direito desse Estado de residência não é possível efectivar-se o crédito de imposto conferido pela CDT, tal argumento não pode ser oponível ao País da fonte, que se limita a fazer aplicação do quadro legal vigente na sua ordem jurídica.

E é neste entendimento que, aliás, se apoia a presente alegação da Fazenda Pública.

Que, todavia, é de afastar, considerando a uniformidade e a constância da referida argumentação do TJUE, no sentido de que, por regra, residentes e não residentes não se encontram em situação comparável, devendo ter-se em conta o regime normativo tributário interno concretamente aplicável a cada situação, e considerando que, à data (cfr, o então art. 46º do CIRC), a lei portuguesa trata de modo diferente e menos favorável as entidades não residentes (só os residentes beneficiavam da dispensa de retenção na fonte).

Acresce que este entendimento veio a ser posteriormente reafirmado no acórdão de 18/12/2013, no proc. nº 568/13, deste STA, e já o anterior aresto de 29/5/2013, no proc. nº 0322/13, havia sido objecto de comentário crítico concordante por parte da doutrina (João Félix Pinto Nogueira, NEUTRALIZAÇÃO NA DISTRIBUIÇÃO DE DIVIDENDOS A SOCIEDADES NÃO RESIDENTES, Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, Ano VI, nº 3 – Outono, pp. 300 a 347.) que, considerando a questão de saber «se basta a previsão de um qualquer método de crédito na convenção (bastando assim a "possibilidade jurídica" do sujeito passivo obter a neutralização) ou se se exige que os efeitos provocados pela retenção no Estado da fonte sejam efetivamente e totalmente "anulados" no Estado da residência», conclui que, tal como entende o TJUE, «é necessária uma neutralização efetiva, isto é, que o sujeito passivo seja efetivamente capaz de imputar toda retenção sofrida na fonte em imposto a suportar no Estado da residência» e para que tal aconteça, «é necessário que os dividendos distribuídos sejam efetivamente tributados no Estado da residência. Se não o forem, ou não o forem a um nível suficiente, então não se produz a total a anulação dos efeitos discriminatórios (provocados pela originária retenção na fonte) não se verifica e não há neutralização».

E mais conclui o seguinte:

«Por outras palavras, é incorreto assumir que o método do crédito do imposto retido na fonte no Estado da residência é sempre capaz de assegurar a neutralização. Há sempre que verificar o impacto efetivo do tratado, o verdadeiro efeito a que este, a final, conduz.»

(…)

Em conclusão, em sede de tributação de dividendos recebidos, as sociedades residentes e não residentes encontram-se situação comparável; apesar dessa comparabilidade, as não residentes são tratadas, pela nossa lei interna, de modo diferente e menos favorável; mesmo tendo em conta o quadro convencional, a neutralização dessa diferença de tratamento não ocorreu, no caso concreto, porque o Estado da residência do sujeito passivo isenta os dividendos recebidos. Assim, mais não há a fazer do que anular as liquidações de imposto baseadas nessa norma.»

Mas, ainda assim, o autor não deixa de apontar dúvidas e preocupações quanto a estas questões da neutralização, considerando, nomeadamente, que, uma vez que as obrigações que do Tratado decorrem para cada um dos Estados-Membros são obrigações autónomas e independentes, substanciadas em comandos ou proibições que estes têm de cumprir independentemente do que faça ou ocorra num outro EM, então, existindo comparabilidade, a diferenciação pela lei interna simplesmente não deveria ser admitida e a norma doméstica portuguesa deveria ser imediatamente desaplicada por incompatível, não parecendo apropriado deixar a eliminação da discriminação para o sistema convencional. «O funcionamento da CDT prende-se já e sobretudo com a eliminação da dupla tributação jurídica internacional. Nesse quadro, e dado que o direito da UE não obriga ao Estado da residência a eliminar a dupla tributação jurídica internacional (…) a possibilidade de verificação de um crédito efetivo na residência prende-se com escolhas que devem pertencer unicamente àquele Estado.

Caso se quisesse admitir a neutralização, então a mesma apenas deveria ser possível quando as CDT's incluíssem um crédito integral. De facto, só nesses casos é possível ao Estado da fonte (que introduz a retenção prima facie discriminatória) assegurar ele mesmo a anulação dos efeitos negativos desse tipo de tributação. Em todos os outros casos, a anulação dos efeitos vai sempre depender de elementos que não estão na sua esfera de domínio e que, consequentemente, não pode controlar.

(…)

A administração tributária, confrontada com pedidos de reembolso de imposto, vai ter de verificar, caso a caso, qual a possibilidade efectiva de o imposto retido ser creditado no Estado da residência – verificando, caso a caso, se a retenção é compatível com o ordenamento da União. Sendo a retenção um tratamento prima facie discriminatório provocado pelo Estado da fonte, pode alegar-se que caberia à administração tributária da fonte a determinação (prova) da neutralização efectiva do imposto, que permita salvaguardar in casu a norma tributária interna. Ou seja, caber-lhe-ia provar que o sujeito passivo beneficiou de neutralização na residência, algo que, mesmo com os renovados sistemas de troca de informação, parece de extrema dificuldade. (…) Cremos, no entanto, que nada obstaria a que o EM da fonte possa deslocar o ónus da prova para o sujeito passivo, uma vez que este se encontra mais próximo da informação e dado (que) o TJUE tem vindo a admitir certos ónus procedimentais em casos transnacionais.»

Revertendo ao caso concreto dos nossos autos, constatamos que também no caso ficou firmado na sentença recorrida, com base em factualidade não discutida, que o imposto pago em Portugal pela Recorrida nos anos de 2005 e 2006 não foi nem era susceptível de ser recuperado em Espanha, uma vez que os rendimentos provenientes dos dividendos que lhe foram distribuídos, por não serem tributados naquele Estado-Membro não eram susceptíveis de aí ser deduzidos à colecta. E, nessa medida, é evidente que, nestas situações, não há como não concluir que as disposições legais internas contrariam o princípio da liberdade de circulação de capitais e que esse efeito discriminatório não é neutralizado pela aplicação da Convenção sobe Dupla Tributação celebrada entre Portugal e Espanha.

Tal como ficou lapidarmente firmado no acórdão que vimos acompanhando e transcrevendo, “decorre da matéria de facto julgada provada, que os rendimentos auferidos pela impugnante não estão sujeitos a imposto em Espanha, pelo que o imposto pago em Portugal não pode ser recuperado através de dedução no imposto devido em Espanha. Sendo que tal resulta da declaração de rendimentos apresentada pela impugnante por referência ao ano de 2007 (que não mereceu qualquer tipo de apreciação por parte da AT) e sendo que decorre do disposto nos arts. 116º, 117º e 21º da Ley del Impuesto sobre Sociedades, na redacção do Real Decreto Legislativo nº 4/2004, de 5/3, a isenção destes rendimentos das sociedades detentoras de participações estrangeiras (entidades de tenencia de valores extranjeros), para evitar a dupla tributação económica internacional sobre dividendos e rendas de fonte estrangeira derivadas da transmissão de valores representativos de fundos próprios de entidades não residentes em território espanhol. Tendo, pois, os rendimentos aqui em questão sido declarados (na declaração de rendimentos relativa ao ano de 2007) em conformidade com aqueles normativos e não estando controvertido que os rendimentos auferidos pela impugnante não estão sujeitos a imposto em Espanha, nem que o imposto pago em Portugal não pode ser recuperado através de dedução no imposto ali devido, sempre haveria de se concluir que o acto de retenção na fonte objecto de impugnação configura uma restrição não justificada à livre circulação de capitais, assim contendendo com o direito comunitário.

E assim é, na realidade, visto que, como bem refere a recorrida, as normas convencionais previstas na CDT com Espanha não são susceptíveis de garantir, em todas as situações, a neutralização do efeito produzido pelas normas previstas no CIRC, já que o mecanismo previsto na mesma CDT (possibilidade de dedução do imposto retido na fonte ao imposto a pagar em Espanha, ficando essa dedução limitada à “fracção do imposto, calculado antes da dedução, correspondente aos rendimentos que podem ser tributados em Portugal” (cfr. art. 23º da Convenção), o que significa que a neutralização da tributação ocorrida em Portugal - construída convencionalmente como dedução à colecta de imposto – está dependente de vários factores cumulativos: (i) que o rendimento em causa seja tributado em Espanha, ou seja, que seja incluído na base tributável, (ii) que a sociedade beneficiária tenha uma base tributável positiva (ou seja, que exista matéria tributável), e que (iii) a taxa de imposto em Espanha seja, pelo menos, igual, à da retenção na fonte sofrida em Portugal;

Sendo que, por outro lado, a Fazenda Pública também não logrou demonstrar a falada diferenciação objectiva para que se pudesse considerar diferente tratamento em virtude da não residência.

Em suma, a sentença recorrida não padece do vício de ilegalidade que a recorrente Fazenda Pública lhe imputa, tendo feito, à luz do disposto no art. 8º da CRP, correcta interpretação e aplicação do direito comunitário, bem como do direito nacional, ao considerar que o regime previsto nos arts. 14º e 89º do CIRC (na redacção anterior à dada pela Lei nº 67-A/2007, de 31/12, consubstanciava, no caso concreto, um tratamento fiscal diferenciado dos rendimentos auferidos por entidades residentes em outros Estados da União Europeia, intolerável à luz dos princípios da não discriminação (art. 12º CE) e da livre circulação de capitais (art. 56º CE).».

Diga-se, por fim, para que nenhum argumento fique por analisar, que, face ao que ficou exposto, é absolutamente indiferente o que ficou alegado na conclusão 26. Relativamente à alegada e imprescindível prova, por parte da Requerente, “através dos formulários” que era residente em Espanha.

Desde logo, porque está provado nos autos que a Recorrida é “residente” em Espanha (cfr. factualidade vertida em 1. do probatório – ponto 3. deste acórdão). Depois, porque mesmo que assim não fosse, a decisão alcançada nunca seria susceptível de ser alterada já que a conclusão a que chegamos foi a de que a lei nacional viola o Direito da União e que a Convenção celebrada entre Portugal e Espanha não permitia neutralizar esta violação. Ou seja, a questão, a ser relevante, apenas se colocaria se a Convenção em questão tivesse a virtualidade de neutralizar o tratamento potencialmente discriminatório, podendo, então, discutir-se se devia ou não ser aplicada por falta de prova de residência em Espanha da Requerente "através de formulários”. Não sendo o caso, insista-se, é irrelevante a alegação vertida na conclusão 26. das alegações de recurso.

Impõe-se, pois, com os fundamentos expostos, julgar, também nesta parte, improcedente a argumentação invocada pela Recorrente, em especial o que deixou vertido nas conclusões 10. a 27. das suas alegações de recurso.

4.4. Invoca por fim a Recorrente que a sentença recorrida tem que ser revogada na parte em que reconhecendo à Recorrida o direito a juros indemnizatórios, a condenou ao seu pagamento.

Das conclusões que a este propósito formulou, nada é adiantado que concretamente permita a este Tribunal compreender a posição que advoga.

E, compulsadas as alegações, parece-nos justo concluir que também aí nada mais é adiantado, parecendo, outrossim, legítimo concluir que seria na eventual procedência de qualquer um dos fundamentos de recurso que a Recorrente almejaria afastar o julgamento recorrido neste segmento.

Do que vimos dizendo, pode, desde logo, afirmar-se que tendo sido julgadas improcedentes tais fundamentos, é igualmente de julgar improcedente a pretensão da Recorrente quanto à revogação de condenação em juros indemnizatórios.

De todo o modo, sempre se deixa expresso que, como a Recorrente bem sabe, nos termos dos artigos 61.º do CPPT e 43.º da LGT, são devidos juros indemnizatórios quando, anulados os actos por vício de violação de lei, se apure que a culpa do erro subjacente à anulação do acto é imputável aos serviços da Administração Tributária. Ou, em bom rigor, não é imputável ao contribuinte.

Ora, no caso concreto, verificado o erro e ordenada judicialmente a sua anulação, é manifesto que, para além da devolução dos montantes ilegalmente retidos, a Recorrida tem direito a que lhe sejam pagos os juros vencidos sobre esses valores (ilegalmente retidos) até integral restituição, sendo indiferente, ao reconhecimento desse direito, que o erro decorra especialmente da violação de normas comunitárias e não apenas de normas nacionais. Ou seja, não é o facto do erro de violação de lei resultar da desconformidade do ordenamento nacional com o Direito da União que sustenta o afastamento do direito a juros indemnizatórios uma vez que o que releva é a imputabilidade do seu cometimento à Administração Fiscal, como é o caso. As normas de direito comunitário porque vigoram directamente na ordem jurídica interna, prevalecem sobre as normas do direito interno, não podendo ser afastadas pelos Estados Membros através de imposição de normas de direito interno, que, como se viu, foram aplicadas pela Administração Fiscal.

Em suma, na improcedência de todos os fundamentos invocados como suporte da revogação da sentença, há, sem mais, que julgar improcedente o recurso jurisdicional, ao que, no dispositivo, se proverá.

5. Decisão

Atento todo o exposto, acordam os Juízes que integram a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, em negar provimento ao recurso jurisdicional, mantendo, em conformidade, na ordem jurídica a douta sentença recorrida.

Custas pela Recorrente.

Registe e notifique.

Lisboa, 14 de Outubro de 2020. - Anabela Russo (relatora) – José Gomes Correia – Aníbal Ferraz.