Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0203/15
Data do Acordão:10/01/2015
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:ANA PAULA PORTELA
Descritores:AQUISIÇÃO DA NACIONALIDADE PORTUGUESA
ÓNUS DE PROVA
Sumário:Na ação a propor ao abrigo do disposto nos art.ºs 9º al. a) e 10.º da Lei Orgânica 2/2006 de 17/10 e 56.º do DL 237-A/2006 cabe ao MP a prova dos fundamentos da inexistência de ligação efetiva à comunidade nacional.
Nº Convencional:JSTA00069351
Nº do Documento:SA1201510010203
Data de Entrada:04/16/2015
Recorrente:MINISTÉRIO PÚBLICO
Recorrido 1:A..., REPRESENTADO PELOS PAIS B... E OUTRA
Votação:UNANIMIDADE COM 1 DEC VOT
Meio Processual:REC REVISTA EXCEPC
Objecto:AC TCAS
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR ADM CONT - REC REVISTA EXCEPC.
Legislação Nacional:L 37/81 DE 10/03 ART2 ART9 ART10.
L 25/94 DE 1994/08/19.
LO 2/2006 DE 2006/04/17 ART9 N1 A.
DL 237-A/2006 ART56 N2 A.
CCIV66 ART342 N2.
Jurisprudência Nacional:AC STJ PROC06B4329 DE 2006/12/14.; AC STJ PROC076033 DE 1988/03/17.; AC STJ PROC97B039 DE 1997/04/30.; AC STJ PROC76254 DE 1988/06/15.; AC STJ PROC98A1271 DE 1999/03/02.; AC STA PROC01053/14 DE 2015/06/18.
Aditamento:
Texto Integral: 1. A Magistrada do MP junto do TCAS vem interpor recurso de revista para este STA do Acórdão proferido a fls. 79 e seguintes dos autos, nos termos do art.º 150.º do CPTA.
Para tanto alega, em conclusão:
“1 - Os presentes autos respeitam a ação com processo especial de Oposição à Aquisição da Nacionalidade instaurada pelo MºPº, na sequência de participação da Conservatória, contra A…………., nascida a 23.06.2000, na Gâmbia e residente no Luxemburgo, representada por seus pais B……….. e C…………., que apresentara requerimento a declarar a vontade de aquisição da nacionalidade portuguesa, ao abrigo do artº 2º da Lei 37/81, por ser filha de indivíduos que adquiriram a nacionalidade portuguesa;
2 - O MºPº invocou na Petição Inicial factos que entendeu demonstrativos da inexistência de ligação efetiva à comunidade nacional, porquanto dos elementos documentais juntos aos autos apenas resultava ter a menor A…….. nascido na Gâmbia, residir no Luxemburgo com os seus pais, também originários da Gâmbia mas, que haviam adquirido a nacionalidade portuguesa, e frequentar no Luxemburgo curso de aprendizagem da língua portuguesa ;
3 - A sentença proferida em 1ª instância declarou improcedente a oposição à aquisição da nacionalidade contra a A………. por ter concluído pela existência de ligação à comunidade nacional com base no facto de se ter apurado que os pais da menor têm ambos a nacionalidade portuguesa, a menor estar a aprender a língua portuguesa, o que por si só revela preocupação e esforço de criar elos com Portugal e, para além de tudo o mais, por o “ principio da unidade familiar” e a defesa da família, imporem no caso “ sub judice” a atribuição da nacionalidade portuguesa;
4 - O douto Acórdão do TCA Sul proferido a 20.11.2014, negou provimento ao recurso que o MºPº interpusera da sentença supra referida, que manteve, com o fundamento de que a “ inexistência de ligação efetiva” tinha quer ser provada pelo MºPº, conforme decorre da nova redação dada ao artigo 9º da Lei 37/81 e, por outro lado, no caso dos autos importava a consideração relevante da proteção do interesse da unidade da nacionalidade familiar;
5 - Ora, não só o artigo 9º, al a) da Lei da nacionalidade nada prevê quanto ao ónus da prova de tal facto que terá que ser encontrado por aplicação das regras gerais - artigo 343, nº1 do CC - uma vez que está em causa uma ação de simples apreciação, como não resulta da Lei da Nacionalidade Portuguesa, para os casos de pretensão de aquisição da cidadania portuguesa por filho menor de quem a adquiriu, a desvinculação de alguma das suas exigências ou a relevância do princípio da unidade da nacionalidade familiar ou, até da defesa da família;
6 - Por outro lado, o conceito de ligação efetiva à comunidade nacional tem sido considerado pela jurisprudência como aferido através de elementos reveladores de um sentimento de pertença à comunidade portuguesa em Portugal ou no estrangeiro, relevando para tanto, todos os fatores suscetíveis de revelar a efetiva inserção do interessado na cultura e no meio social nacional, circunstância que a materialidade assente, no caso em análise, não parece ser suficiente para preencher;
7 - Mas, o certo é que estamos perante manifestação de vontade em adquirir a nacionalidade portuguesa de menor de 18 anos de idade que, embora tenha nascido na Gâmbia e resida no estrangeiro, vive com os pais que adquiriram a nacionalidade portuguesa pelo que será, ou não, de considerar relevantes princípios que não resultam da Lei da Nacionalidade Portuguesa, como o fez a douta sentença e também o douto Acórdão do TCA Sul e/ou até direitos consignados noutros diplomas e aferir de outro modo o que se deve considerar a ligação efetiva à comunidade portuguesa, em casos como o dos autos;
8 - Afigura-se-nos estarem preenchidos os requisitos exigíveis pelo nº1 do artº 150º do CPTA porque, desde logo, estamos perante o contencioso da nacionalidade, cujo procedimento e ações de oposição à aquisição da nacionalidade são muito frequentes e com implicações de grande relevância na vida familiar, social e comunitária, matéria que assume relevância fundamental;
9 - Por outro lado, a solução envolverá a concatenação da Lei da Nacionalidade Portuguesa e respetivo Regulamento com princípios consignados noutros institutos jurídicos como, por exemplo, o da consideração do superior interesse da criança estabelecido no artº 3º da Convenção dos Direitos da Criança e o do respeito pela vida familiar consignado no artº 8º da Convenção para a Salvaguarda do Homem e das Liberdades Fundamentais, configurando-se questão jurídica suscetível de elevada complexidade;
10 - Quanto à questão do ónus da prova, no que concerne ao requisito estabelecido no artº 9º, al a) da Lei da Nacionalidade, recair sobre o Ministério Público, subsistem dúvidas no tratamento de tal questão processual, bem patentes na falta de unanimidade dos juízes que intervieram no acórdão recorrido, conforme resulta do voto de vencido lavrado e também, entre outros, no entendimento vertido no recente douto Ac. do TCA Sul de 6.11.2014, 11025/14;
11 - Estamos, pois, perante assunto de relevância fundamental cuja solução será um paradigma para se apreciarem outros casos, de pedidos de menores que manifestam a vontade de adquirir a nacionalidade portuguesa e se encontrem nas mesmas circunstâncias (cujos pedidos são frequentes);
12 - Em face do exposto, deverá ser admitido o presente recurso de revista.”

2. O recorrido não contra-alegou.

3. Foi proferido Acórdão deste STA a admitir o recurso de revista nos seguintes termos:
“ (...) As instâncias julgaram no mesmo sentido, embora com fundamentação algo diversa. O TAC radicou em que se mostrava preenchido o ónus da demonstração da ligação efectiva, atendendo aos elementos colhidos nos autos. Já o TCA concluiu, em linha com o acórdão deste Supremo Tribunal, de 19.6.2014, processo 103/14, que para a procedência da acção cabia ao Ministério Público provar que o requerente da nacionalidade não tinha ligação efectiva à comunidade portuguesa. Não estando efectuada essa prova, a acção teria de decair.

Há, portanto, um problema jurídico de alcance geral: saber se para a procedência de acção de oposição à aquisição de nacionalidade é necessário estar demonstrada a inexistência de ligação efectiva, o que se correlaciona com o respectivo ónus de prova.
Embora o acórdão recorrido tenha invocado uma decisão deste Supremo, os litígios em matéria de aquisição de nacionalidade por efeito da vontade são frequentes, versam sobre matéria de relevância comunitária e ainda não existe, a propósito da questão discutida no recurso, jurisprudência consolidada deste Supremo Tribunal, que possa servir de orientação para os envolvidos.
Assim, é de considerar-se que estamos perante matéria de importância fundamental (como também se considerou, ainda, no Proc. 1053/14, ac. 21.10.2014 e no Proc. 1548/14, ac. de 3/2/2015).”

4. Foi considerada a seguinte factualidade pelo tribunal a quo, corrigindo-se o facto nº 1 relativamente à data de nascimento da requerida como resulta dos autos:
1. A requerida A……….., nacional da República da Gâmbia, nasceu a 23.06.2000 , em Julangel, República da Gâmbia, filha de B………… e C…………., ambos ao tempo do seu nascimento nacionais da República da Gâmbia (cfr. docºs. de fls. 12 e 12-verso, 15 a 19 dos autos).
2.O pai da requerida B…………., adquiriu a nacionalidade portuguesa, nos termos e ao abrigo do art°.7°/Lei n°.37/81, de 3.10., conforme averbamento n°.1, de 30.04.2008, ao assento de nascimento n°. 18196/2008, da Conservatória dos Registos Centrais (cfr. doc°s. de fls.20 e 20-verso dos autos).
3.A mãe da requerida C……………., adquiriu a nacionalidade portuguesa nos termos do art°. 3°/Lei n° 37/81 de 3.10, conforme averbamento n°.2, de 28.07.2009, ao assento de nascimento n°.65119/2009, da Conservatória dos Registos Centrais (cfr. docº. de fls. 25 e 26 dos autos).
4. A menor requerida, representada pelos seus progenitores na qualidade de seus representantes legais, apresentou requerimento, no qual declarou a vontade de aquisição da nacionalidade portuguesa, pelo menor, ao abrigo do art°. 27 Lei 37/81, por ser filho de indivíduo que adquiriu a nacionalidade portuguesa, e com base em tal declaração foi instaurado na Conservatória dos Registos Centrais, o processo n°. 21389/12 (cfr. doc°s. de fls. 8 e segs. dos autos).
5. A requerida reside com os seus progenitores no Luxemburgo (admissão por acordo).
6. A requerida frequenta curso, no Luxemburgo, para aprendizagem da língua portuguesa (cfr. doc°. de fls. 32 e admissão por acordo).

O DIREITO
5. As questões que vêm suscitadas neste recurso são as seguintes:
1_ Saber se resultam dos autos factos demonstrativos da inexistência de ligação efetiva à comunidade nacional da menor A………………
2_ Caso tal não resulte provado nos autos, a quem incumbe o ónus da prova dos mesmos.

5.1. Pretende o MºPº que provou factos demonstrativos da inexistência de ligação efetiva à comunidade nacional, já que dos elementos documentais juntos aos autos apenas resulta que a menor A………… nascida na Gâmbia, reside no Luxemburgo com os seus pais, também originários da Gâmbia, que haviam adquirido a nacionalidade portuguesa, e frequenta no Luxemburgo curso de aprendizagem da língua portuguesa.
E que, de qualquer forma, o artigo 9º, al a) da Lei da nacionalidade nada prevê quanto ao ónus da prova deste facto que terá que ser encontrado por aplicação das regras gerais – artigo 343, nº1 do CC - uma vez que está em causa uma ação de simples apreciação negativa.
Entendeu-se na decisão proferida em 1ª instância que:
“… Em face da prova produzida, nos presentes autos apura-se que os pais da menor, requerida, ambos têm nacionalidade portuguesa, bem como a menor está a aprender a língua portuguesa, o que por si só revela preocupação e esforço de criar elos com Portugal, apesar de não residir em Portugal, e por isso, no caso vertente é de concluir pela existência de ligação à comunidade nacional, já que a menor reside com os seus pais ambos já portugueses, e além de tudo o mais, o “principio da unidade familiar” e a defesa da família impõe no caso sub-judice a atribuição da nacionalidade portuguesa.”
Na decisão recorrida, por sua vez, com fundamentos não inteiramente coincidentes refere - se :
“É, pois, claro que à data em que a Recorrente manifestou a sua vontade de adquirir a nacionalidade portuguesa vigorava a nova redacção daquele art.º 9.º da Lei 37/81 e que, por força do que nela se dispunha, era ao M.P. que cabia provar que ela não tinha qualquer ligação efectiva à comunidade portuguesa. (..)”
***
O fundamento nuclear trazido a recurso em sede de conclusões consiste em que “tratando-se de uma acção de simples apreciação negativa, impunha-se que a Ré trouxesse ao processo os elementos que pudessem fundar o direito à aquisição de nacionalidade portuguesa, afirmado nas declarações prestadas na Conservatória dos Registos Centrais”, sendo que, pelas razões referidas em sede de transcrição dos fundamentos exarados em Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo prolatado em 19.06.2014 no procº nº 103/14, na acção para oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa, incumbe ao Ministério Público o ónus da prova da existência dos factos impeditivos do direito [aquisição da nacionalidade] que o interessado quis fazer valer [artºs. 9º a) Lei 37/81, 3.10, 342° n° 2 e 343º do Cod. Civil].
. Por outro lado, na circunstância importa atender à expressão da vontade manifestada pela interessada em adquirir a nacionalidade portuguesa, representada pelos seus pais, também cidadãos portugueses, no quadro da solução legal que se inspira na protecção do interesse da unidade da nacionalidade familiar, pois, embora o legislador não imponha este princípio, trata-se de uma realidade em que se encontra interessado e que promove ou facilita sempre que ela seja igualmente querida pelos interessados, como é o caso dos autos...”
Então vejamos.
Nos termos do art. 2º nº1 da Lei 37/81 de 3/10 na redação aqui aplicável (após a entrada em vigor da Lei Orgânica n°2/2006, de 17 de Abril :
“Artigo 2.º
Aquisição por filhos menores ou incapazes
Os filhos menores ou incapazes de pai ou mãe que adquira a nacionalidade portuguesa podem também adquiri-la, mediante declaração.”
E, nos termos do nº9 e 10º do mesmo e a propósito da oposição à aquisição da nacionalidade por efeito da vontade ou da adopção:
“ Artigo 9.º
(Fundamentos)
Constituem fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa:
a) A manifesta inexistência de qualquer ligação efectiva à comunidade nacional;
b) A prática de crime punível com pena maior, segundo a lei portuguesa;
c) O exercício de funções públicas ou a prestação de serviço militar não obrigatório a Estado estrangeiro.
Artigo 10.º
(Processo)
1 - A oposição é deduzida pelo Ministério Público no prazo de um ano, a contar da data do facto de que dependa a aquisição da nacionalidade, em processo instaurado no Tribunal da Relação de Lisboa.
2 - É obrigatória para todas as autoridades a participação ao Ministério Público dos factos a que se refere o artigo anterior.”
Por sua vez o referido artigo 56.º nº2 al. a) do Dec.Lei n°237-A/2006, de 14 de Dezembro, que aprovou o novo Regulamento da Nacionalidade Portuguesa dispõe:
“Fundamento legitimidade e prazo
1 – (…).
2 – Constituem fundamento de oposição à aquisição de nacionalidade portuguesa, por efeito da vontade ou da adopção:
a) A inexistência de ligação efectiva à comunidade nacional».
Comecemos por atentar se, efetivamente, podemos dizer que apenas pelo facto de a menor ter estado em 2013 a aprender a língua portuguesa e ter pais que adquiriram a nacionalidade portuguesa, não tem uma ligação à comunidade portuguesa.
Para tal há que encontrar o conceito de “ligação efetiva à comunidade portuguesa”.
Ora, e como se diz no Ac. do STJ de 14.12.2006, proc°. n° 06B4329, a lei não define o que deve entender-se por ligação efetiva à comunidade nacional.
Por outro lado também não dispensa para os casos de pretensão de aquisição da cidadania portuguesa por filho menor de quem a adquiriu, a desvinculação das exigências legais não obstante o interesse na unidade de nacionalidade de pais e filhos.
Donde que, e como se refere no citado Ac. do STJ ,“a ligação efectiva à comunidade nacional portuguesa envolve, naturalmente, factores vários, designadamente o domicilio, a língua falada e escrita, os aspectos culturais, sociais, familiares, económicos, profissionais e outros, reveladores de um sentimento de pertença à comunidade portuguesa, em Portugal ou no estrangeiro.”
Ora, a interpretação do que se deve entender por ligação efetiva à comunidade nacional e portanto a consideração pelo tribunal recorrido de a mesma ocorre e, assim, se situação é ou não suscetível de fazer funcionar as regras do ónus da prova, pertence ao âmbito da matéria de facto, pelo que está fora do conhecimento deste STA face ao disposto nos nºs 2, 3 e 4 do art. 150º do CPTA.
O facto principal que integra a causa de pedir e fundamenta o pedido é a questão da inexistência de ligação à comunidade portuguesa.
E, são factos instrumentais todos aqueles que não preenchem as pretensões jurídico-materiais do autor mas da sua prova pode inferir-se a prova dos factos principais, que são os factos considerados provados na matéria de facto.
Assim, o autor tem que invocar os factos instrumentais e os principais assim como a aplicação do direito aos factos.
Estando nós no âmbito da matéria de facto, não obstante o facto principal resultar de uma série de factos instrumentais resulta dos preceitos supra referidos que o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de revista, salvo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.
Assim, temos de partir do pressuposto de que não foi provado pelo MP a inexistência de ligação à comunidade portuguesa, e de que há que fazer apelo às regras do ónus da prova.
Pelo que, o cerne da questão será o de saber se na ação a propor pelo MP nos termos dos artigos 9º al. a) e 10º da Lei Orgânica 2/2006 e 56º do DL 237-A/2006 com o fundamento de oposição (“ inexistência de qualquer ligação efectiva à comunidade nacional”) à aquisição da nacionalidade portuguesa nos termos do art. 2º da mesma (“Os filhos menores ou incapazes de pai ou mãe que adquira a nacionalidade portuguesa podem também adquiri-la, mediante declaração”) o ónus da prova cabe ao MP que interpõe a ação, por estar em causa um facto impeditivo da constituição de um direito, ou ao interessado por estar em causa uma ação de simples apreciação.
As duas posições são claras e resultam das alegações do recorrente e decisão recorrida e estão ambas sustentadas por jurisprudência recente.
Comecemos por interpretar os preceitos em causa.
Antes, porém, e no sentido de uma interpretação sistemática, histórica e lógica atenhamo-nos à evolução do instituto aqui em causa.
Nos termos do art. 2º nº1 da Lei 37/81 de 3/10:
“ Artigo 2.º
Aquisição por filhos menores ou incapazes
Os filhos menores ou incapazes de pai ou mãe que adquira a nacionalidade portuguesa podem também adquiri-la, mediante declaração.
E, nos termos do nº9 e 10º do mesmo e a propósito da oposição à aquisição da nacionalidade por efeito da vontade ou da adopção:
“ Artigo 9.º
(Fundamentos)
Constituem fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa:
a) A manifesta inexistência de qualquer ligação efectiva à comunidade nacional;
b) A prática de crime punível com pena maior, segundo a lei portuguesa;
c) O exercício de funções públicas ou a prestação de serviço militar não obrigatório a Estado estrangeiro.
Artigo 10.º
(Processo)
1 - A oposição é deduzida pelo Ministério Público no prazo de um ano, a contar da data do facto de que dependa a aquisição da nacionalidade, em processo instaurado no Tribunal da Relação de Lisboa.
2 - É obrigatória para todas as autoridades a participação ao Ministério Público dos factos a que se refere o artigo anterior.”
E, a jurisprudência do STJ, jurisdição competente ao tempo, era claramente uniforme no sentido de que, na oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa com fundamento na "manifesta inexistência de ligação efetiva a comunidade nacional" por parte do requerente, por se tratar de facto impeditivo de um direito de que este pretende prevalecer, compete ao Estado, representado pelo Ministério Público, o ónus da prova de tal fundamento (neste sentido, entre outros, os Acs. do STJ 076033 de 17/03/1988, 97B039 de 30/4/97 e 76254 de 15/6/88).
E, apenas com a alteração da Lei 37/81 de 3 de Outubro pela Lei 25/94, de 19 de Agosto, se entendeu que a dúvida sobre a ligação efetiva à comunidade nacional passou a ser um obstáculo à aquisição da nacionalidade, cabendo ao candidato a nacional português o ónus da prova da efetiva ligação à mesma comunidade (neste sentido ver o acórdão 98A1271 de 02/03/1999 entre outra jurisprudência).
E, assim era porque a redação do citado art. 9º nº1 al. a) passou a estabelecer como fundamento da oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa:
“a) A não comprovação, pelo interessado, de ligação efectiva à comunidade nacional”.
Por outro lado, e como resulta da Exposição de Motivos da Proposta de Lei nº 32/X (a qual esteve na origem da aprovação da Lei Orgânica 2/2006, de 17/4): “As profundas transformações demográficas ocorridas em Portugal ao longo dos últimos anos exigem uma adequação da Lei da Nacionalidade. (...)
O equilíbrio na atribuição da nacionalidade passa, contudo, por uma previsão de regras que, garantindo o factor de inclusão que a nacionalidade deve hoje representar em Portugal, não comprometam o rigor e a coerência do sistema, bem como os objectivos gerais da política nacional de imigração, devidamente articulada com os nossos compromissos internacionais e europeus, designadamente os que resultam da Convenção Europeia sobre a Nacionalidade, que Portugal ratificou em 2000.
Assim, na presente proposta de lei asseguram-se os seguintes objectivos: (...)
e) Alteração do procedimento de oposição do Estado Português à aquisição da nacionalidade por efeito da vontade, invertendo-se o ónus da prova quanto ao requisito estabelecido na alínea a) do artº 9º que passa a caber ao Ministério Público.
Regressa-se desse modo ao regime inicial da Lei nº 37/81 de 3 de Outubro. (...)”
Houve, pois, uma clara intenção de regressar ao regime inicial da Lei 37/81 de 3/10 usando expressões semelhantes às aí utilizadas apenas com a ausência do “manifesto” na oposição a fazer pelo MP à inexistência da ligação efetiva à comunidade nacional.
A nova lei regressa à anterior para a aquisição da nacionalidade.
É, pois, em todo este contexto que tem de ser interpretada a nova Lei Orgânica de 2/2006 e a falta de referência a qualquer ónus da prova por parte do MP nos seus preceitos.
Não é, pois, por acaso que na exposição dos motivos se refere que: Assim, na presente proposta de lei asseguram-se os seguintes objectivos: (...)
e) Alteração do procedimento de oposição do Estado Português à aquisição da nacionalidade por efeito da vontade, invertendo-se o ónus da prova quanto ao requisito estabelecido na alínea a) do artº 9º que passa a caber ao Ministério Público.
Regressa-se desse modo ao regime inicial da Lei nº 37/81 de 3 de Outubro (..)” e depois não se verte este ónus da prova para a redação da lei.
Efetivamente tal não era necessário já que na Lei 37/81 de 3/10 não havia qualquer referência a ónus por parte do MP e nem por isso a jurisprudência do STJ deixou se ser uniforme no sentido de que assim era.
Aliás, não teria sentido a alteração da redação nos termos em que foi feita se não fosse precisamente para inverter o ónus da prova do adquirente da nacionalidade para o MP.
A lei aqui em causa ao estabelecer no artigo 2.º nº1 a propósito da aquisição da nacionalidade por filhos menores efeito da vontade que “Os filhos menores ou incapazes de pai ou mãe que adquira a nacionalidade portuguesa podem também adquiri-la, mediante declaração” pretende, de certa forma proteger, a unidade familiar e embora não estabeleça nenhuma presunção expressa de que tendo os pais adquirido a nacionalidade portuguesa, os filhos detêm essa ligação à comunidade portuguesa, não deixa de estabelecer mecanismos que facilitam essa aquisição.
É certo que as coisas mudam de figura se se entender que estamos perante uma ação de simples apreciação negativa, a qual, e nos termos do art. 343º nº1 do CC faz inverter as regras do ónus da prova atenta a dificuldade de prova dos factos neste tipo de ações.
Mas, não parece que seja essa a situação.
Estamos antes perante dois pressupostos de facto, um que é o ser filho de pais que adquiriram a nacionalidade portuguesa, e outro haver manifestação de vontade na aquisição de nacionalidade, que são suficientes para desencadear o processo de aquisição de nacionalidade o qual pode, contudo, ser obstaculizado caso haja impedimento concreto, impedimento esse que é a inexistência de ligação à comunidade portuguesa.
Como se diz no Ac. 1053/14 de 06/18/2015 deste STA: “Efectivamente, não estamos perante um “tipo de acções [,] destinadas a definir uma situação tornada incerta, [em que] o autor visa apenas obter a simples declaração (munida da força especial que compete às decisões judiciais) da existência ou inexistência dum direito (próprio ou de outrem, respectivamente) ou dum facto jurídico”. Antes estamos perante uma acção constitutiva, “em que o requerente pretende obter a produção dum novo efeito jurídico material, que tanto pode consistir na constituição duma nova relação jurídica, como na modificação ou na extinção duma relação preexistente. É o tipo de acções especialmente ajustado aos chamados direitos potestativos (…), quando para a produção do efeito jurídico visado importa recorrer a uma decisão judicial” (cfr. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra, 1976, pp. 6-7).”
A lei basta-se com a ocorrência de determinados factos para a aquisição da nacionalidade mas permite que se impeça essa aquisição da nacionalidade por efeito da vontade, pela instituição de um mecanismo de oposição a ser deduzido pelo MP com os seguintes fundamentos:
“_A inexistência de qualquer ligação efetiva à comunidade nacional;
_A prática de crime punível com pena maior, segundo a lei portuguesa;
_O exercício de funções públicas ou a prestação de serviço militar não obrigatório a Estado estrangeiro.”
Por outro lado não estamos perante qualquer prova diabólica, já que a alegação e prova é a da “inexistência de qualquer ligação efetiva à comunidade nacional”, ou seja, alegação e prova que se exige não tem a ver com quaisquer factos pessoais cuja prova dependa do fornecimento de elementos por parte do adquirente da nacionalidade, mas antes com factos públicos e notórios acessíveis a todos donde resulte precisamente que a falta dessa ligação existe.
Não está, pois, aqui em causa, a nosso ver, uma maior onerabilidade de alegação e prova ao MP no objetivo da lei, e que resulta de todo o contexto da mesma em que aquele tem de provar a “inexistência de qualquer ligação efetiva à comunidade nacional”.
Isso aconteceria se fosse precisamente o contrário, se pertencesse ao MP a prova de ligação do visado à comunidade nacional mas não quando estão em causa factos públicos e notórios acessíveis a todos donde resulte precisamente que a falta dessa ligação existe.
Aliás, na primeira redação deste art. 9º na Lei 37/81 exigia-se o “manifesto” que não está vertido na atual redação porque esse, sim, implicava uma maior onerosidade para o MP e basta-se, agora, com a prova da inexistência dessa ligação, sem mais.
Tendo em conta os princípios gerais do ónus da prova inscritos no art.º 342.º do CC e tratando-se de factos impeditivos de um direito, e na senda do que este STA tem vindo a entender, cabe ao M.P. na ação a propor a coberto do disposto nos art.ºs 9º al. a) e 10.º daquela Lei e 56.º do DL 237-A/2006 a prova dos fundamentos da inexistência de ligação efetiva à comunidade nacional.
Não está, pois, em causa uma ação de simples apreciação negativa nos termos da qual compete ao réu a prova dos factos constitutivos do direito que se arroga, por inversão do ónus da prova mas, antes, perante um incidente, sob a forma de oposição, ao processo de aquisição de nacionalidade.
Pelo que, estando em causa a prova de factos impeditivos, esta compete a quem os invoca, nos termos do artigo 342º nº 2 do CC.
Assim, para a procedência da ação de oposição deduzida com fundamento na alínea a) do artigo 9º da Lei da Nacionalidade na redação da Lei Orgânica 2/2006 é necessário estar demonstrada a «inexistência de ligação da comunidade nacional», não bastando «não estar demonstrada a ligação efetiva» já que não altera a natureza da oposição nem a posição relativa das partes e respetivos ónus, o facto de aquele fundamento da oposição integrar uma circunstância negativa.
Ora, no caso sub judice está em causa uma situação à qual é aplicável a Lei Orgânica 2/2006 de 17/10 e não resulta da matéria de facto supra fixada nos autos que a menor adquirente da nacionalidade não tenha qualquer ligação efetiva à comunidade nacional.
Sendo assim, e porque o ónus da prova cabia ao M.P. e não tendo este provado os factos que conduziriam à procedência da ação, é de negar provimento ao recurso.
*
Em face de todo o exposto acordam os juízes deste STA em negar provimento ao recurso e manter o acórdão recorrido.
Sem custas.
R. e N.

Lisboa, 1 de Outubro de 2015. – Ana Paula Soares Leite Martins Portela (relatora) – António Bento São Pedro – Alberto Acácio de Sá Costa Reis (votei apenas a decisão por não estar convencido – tal como se afirma na fundamentação do Acórdão - que se situe no âmbito da matéria de facto declarar-se, perante a matéria de facto, que se verifica, ou não, a ligação à comunidade portuguesa.