Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02106/14.0BESNT
Data do Acordão:05/30/2019
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:TERESA DE SOUSA
Descritores:ADMINISTRADOR DA INSOLVENCIA
ADVOGADO
APOSENTADO
PENSÃO
REMUNERAÇÃO
ACUMULAÇÃO
Sumário:I - No desempenho da actividade e funções disciplinadas na Lei nº 32/2004, à data vigente e aqui aplicável, os administradores de insolvência/administradores judiciais aposentados ou reformados constantes das listas oficiais não estão abrangidos pelo regime de incompatibilidade e de cumulação de pensão e remuneração previstos, respectivamente, nos arts. 78º e 79º do Estatuto da Aposentação na redacção que lhes foi introduzida pelo DL nº 137/2010, de 28/12.
II - Igualmente o exercício das funções como advogado no âmbito do “Sistema de Acesso ao Direito e aos Tribunais, regulado na Lei nº 34/2004, de 29/7, alterada pela Lei nº 47/2007, de 28/8 e na Portaria nº 10/2008, de 3/1, não se inserem no âmbito do exercício de “funções públicas remuneradas” sujeitas à previsão dos indicados preceitos.
Nº Convencional:JSTA000P24618
Nº do Documento:SA12019053002106/14
Data de Entrada:02/15/2019
Recorrente:A......
Recorrido 1:CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES (CGA)
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo

1. Relatório

A………… interpõe recurso de revista do acórdão do TCAS de 11.07.2018, que confirmou, apenas, parcialmente a sentença do TAF de Sintra, de 31.01.2017, decidindo absolver a Ré Caixa Geral de Aposentações, I.P. (doravante CGA) de todos os pedidos.
O Autor, aqui recorrente, nas suas alegações de recurso, formulou conclusões do seguinte teor:
“A- Na medida em que são inúmeros os profissionais do foro que, em situação de reforma do exercício de funções públicas, auferem pensão de aposentação e, simultaneamente, são retribuídos pelo exercício do patrocínio forense oficioso no âmbito do Sistema de Acesso ao Direito e aos Tribunais, apurar se essa cumulação é, ou não, vedada por Lei reveste-se de importância fundamental em termos de relevância jurídica e, sobretudo, social, dado que é essencial que fique, devida e definitivamente esclarecida essa questão da possibilidade ou proibição de cumulação de ambas as referidas atribuições pecuniárias suportadas por dinheiros públicos, para além do que semelhante decisão permitirá uma melhor aplicação do Direito, esclarecendo os respectivos regimes jurídicos e ditará o procedimento a doravante observar pela Caixa Geral de Aposentações neste domínio.
B- Estão, pois, reunidos os requisitos e os pressupostos legalmente necessários para que seja recebido o presente recurso excepcional de revista.
C- Tendo-se em conta os regimes jurídicos estabelecidos pelo Estatuto da Ordem dos Advogados, a Lei n° 49/2004 de 29 de Julho e a Portaria n° 10/2008 de 3 de Janeiro, os profissionais forenses que exerçam oficiosamente o mandato judicial no âmbito do sistema de Acesso ao Direito e aos Tribunais prestam, única e exclusivamente, esses seus serviços aos beneficiários desse Sistema, com o objectivo de defenderem os correspondentes direitos e interesses próprios de natureza privada.
D- Deste modo, os referidos profissionais não prestam quaisquer serviços da referida natureza para qualquer instituto ou pessoa colectiva pública, dado que semelhantes serviços não se integram nas atribuições e funções prosseguidas pelo IGFEJ e pela Ordem dos Advogados, designadamente, relativamente às quais inexiste qualquer aproveitamento/beneficio do trabalho por aqueles realizado no domínio da representação oficiosa dos cidadãos abrangidos pelos invocado Sistema, donde só há que concluir que os advogados oficiosos não prestam funções públicas e, por conseguinte, essa actividade não se enquadra nas previsões, dos arts. 78° e 79° do EA.
E- De harmonia com o regime jurídico estabelecido pela Lei n° 34/2004 de 29 de Julho e pela Portaria n° 10/2008 de 3 de Janeiro, só uma ínfima parte dos cidadãos beneficiam de apoio judiciário excepcionalmente disponibilizado pelo Estado no âmbito do Sistema de Acesso ao Direito e aos Tribunais, porquanto os critérios de rendimentos e de insuficiência económica legalmente estabelecidos para semelhante finalidade são muito exclusivos e restritivos, para além de se encontrarem previstas inúmeras situações em que os beneficiários de tal sistema poderão ter de restituir os custos inerentes ao processo judicial em que se encontrem envolvidos, ou mesmo de suportá-los em exclusivo, por vezes com acréscimo de penalizações pecuniárias.
F- É, pois, de concluir que só em casos marginais é que dinheiros públicos são chamados a contribuir para o pagamento dos custos decorrentes de semelhantes procedimentos judiciais e accionado que seja com sucesso o Sistema de Apoio Judiciário.
G- Também por este prisma inexiste a incompatibilidade prevista nos arts. 78° e 79° do E.A., pelo que, nos apontados casos é acumulável o recebimento da pensão de aposentação com a compensação pecuniária devida pelo patrocínio oficioso dos referidos processos judiciais.
H- Ao se ter diversamente decidido no acórdão recorrido, não só se verifica uma flagrante e censurável contradição com o que aí se decidiu a propósito da inexistência de incompatibilidade nos casos dos Administradores Judiciais, como violados foram os comandos ínsitos nos arts. 66° n° 1, 67° n° 1 a), 81° n° 1, 82° n°2 b), 89° e 100° do E.O.A., art. 1° e 2° da Lei n°49/2004 de 24 de Agosto, art. 8°, 8° D, 25° e 28° n° 1 a 3 da Portaria n° 10/2008 de 3 de Janeiro, art. 1° n° 1, 2° n° 1, 6° n° 1 e 2, 70 n° 1, 8°, 8°A n° 1 a) e b) e n°5, 10° n° 1, 11º n° 1 a), 13° n° 1 e 9, 17° n° 1, 19°, 29° n° 4, 31°n° 1, 32°n° 1, 34°n° 1, 39° n°7 a 9 da Lei n°34/2004 de 29 de Julho, art. 3°n°2 da Lei n° 47/2007 de 28 de Agosto, art. 64° n° 1 e 4 e 66° n° 5 do Cód. Proc. Penal e art. 78° e 79° do E.A., pelo que com esse vício de violação de Lei deve semelhante decisão ser revogada e substituída por outra que conceda a pretendida revista, com a consequente condenação da Recorrida CGA no pedido.
Nestes termos e nos melhores de Direito ao caso aplicáveis que os Srs. Juízes Conselheiros devida e adequadamente suprirão, deve conceder-se a pretendida revista, revogando-se o acórdão recorrido com os apontados fundamentos e substituindo-se por outra decisão que condene a Recorrida Caixa Geral de Aposentações nos pedidos oportunamente formulados pelo Recorrente na correspondente petição inicial, assim se fazendo a devida JUSTIÇA.”

A Recorrida CGA apresentar contra-alegações com as seguintes conclusões:
“1. O douto Acórdão recorrido fez correta interpretação e aplicação da lei, pelo que não merece a censura que lhe é dirigida pelo ora Recorrente.
2. Na presente situação, não se vislumbra nenhuma questão de relevância social fundamental ou particularmente complexa do ponto de vista jurídico, nem tão pouco existe erro manifesto ou grosseiro na decisão do acórdão recorrido, que justifique a admissão do presente recurso de revista.
3. O recurso de revista previsto no artigo 150.º do CPTA é excecional, pois não corresponde à introdução generalizada de uma nova instância de recurso, só sendo de admitir quando esteja em causa uma questão de grande importância jurídica ou social ou quando o imponha uma evidente melhor aplicação do direito, o que, no caso, não se verifica.
Nestes termos, e com o douto suprimento de V. Exas, deverá improceder a presente revista, mantendo-se integralmente a douta decisão recorrida, com as legais consequências.”

O recurso de revista foi admitido pelo acórdão de 25.01.2017, da Formação de Apreciação Preliminar deste Supremo Tribunal Administrativo, prevista no nº 6 do art. 150º do CPTA.

O Exmo Procurador-Geral Adjunto junto deste Supremo Tribunal Administrativo emitiu parecer, vem o mesmo dizer em conclusão o seguinte:[…]
“…Nos termos expostos, e seguindo de perto as pautas interpretativas fixadas já por este STA nos seus supra aludidos Acórdãos de 13/12/2017, de 18/1/2018 e de 14/2/2019, somos de parecer que o presente recurso de revista merecerá provimento, no entendimento de que a actividade de advogado no âmbito do “Sistema de Acesso ao Direito e aos Tribunais (SADT)” exercida por aposentado, não está abrangida - tal como os peritos avaliadores ou os administradores de insolvência/judiciais - pela incompatibilidade prevista nos arts. 78° e 79° do Estatuto da Aposentação, na redacção conferida pelo DL n°137/2010, de 28/12.”

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

2. Os Factos
Com interesse para a decisão foi fixada a seguinte matéria de facto:
A) O Autor encontra-se inscrito na Ordem dos Advogados e está inscrito no Sistema de Acesso ao Direito dos Tribunais (SADT) desde 1998 - acordo (art. 3º da p.i / 1º da contestação);
B) É administrador judicial integrando a lista oficial dos Administradores Judiciais, desde 1999 - acordo (art. 4º e 5º da p.i / 1º da contestação);
C) O Autor encontra-se aposentado pela CGA desde 01.10.2000, auferindo a respetiva pensão conforme despacho de 2000.09.12, da Direção da CGA - cf. fls. 7 do processo administrativo apenso;
D) Pelo ofício, datado de 13.03.2014 com a referência “EAC 322GL467 834-00 a CGA comunicou ao Autor o seguinte:
Assunto: Novo regime de incompatibilidade de remuneração e pensão
A Caixa Geral de Aposentações tomou conhecimento de que V. Exª exerceu funções no IGFEJ o que configura uma situação de acumulação prevista no artigo 78º do Estatuto da Aposentação, impondo-se o dever de optar entre a suspensão do pagamento da pensão e a suspensão da remuneração, nos termos do artigo 79º do mesmo Estatuto, na redação dada pelo Decreto-Lei nº 137/2010, de 28 de dezembro.
Ora, dado que a Caixa não recebeu, até à presente data qualquer comunicação sobre o assunto, e não podendo deixar de dar cumprimento à lei, informo V. Exª de que, até que efetue aquela opção ou preste a devida informação, a pensão que lhe está a ser abonada ficará suspensa a partir do próximo mês de março, sem prejuízo da regularização do passado - cf. fls. 64 do processo administrativo apenso;
E) O Autor pronunciou-se por carta datada de 26.03.2014, nos termos constantes de fls. 66/67 do processo administrativo apenso, cujo teor aqui de dá por integralmente reproduzido;
F) Por ofício de 10.07.2014 e 22.07.2014, a CGA enviou comunicação ao Autor, nos seguintes termos:
“Assunto: Novo regime de incompatibilidade de remuneração e pensão, Reposição à CGA
A Caixa Geral de Aposentações (CGA) perfilha o entendimento que a perceção de remuneração paga pelo IGFEJ – Instituto de Gestão Financeira e Equipamento de Justiça, cumulativamente com a pensão de aposentação, é vedada pelos artigos 78º e 79º do Estatuto da Aposentação (EA), na redação do Decreto-Lei nº 137/2010, de 28 de dezembro, com efeitos a partir de 1 de janeiro de 2011. Assim, face à omissão, por parte de V. Exª de opção expressa por qual das prestações pretende abdicar, referida no nº 2 do supracitado artigo 79º do EA., informo V. Exª, de que por decisão de 2014-07-03, da Direção da CGA (...) urge promover o reembolso das pensões que recebeu nos anos de 2011 e 2012, no montante de €47.140,42, para o que se junta a correspondente guia (...).
Considerando que V. Exª já se pronunciou sobre a referida questão pela carta de 2014.03.26, não há lugar à audiência prévia, nos termos do disposto no artigo 103º/02/a, do CM. (...)] - cf. fls. 73 do processo administrativo apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.


3. O Direito
A presente revista foi interposta pelo Autor, aqui Recorrente, do acórdão do TCAS de 11.07.2018, o qual, confirmou, ainda que parcialmente, a sentença do TAF de Sintra de 31.01.2017, decidindo absolver a Ré CGA de todos os pedidos.
O Recorrente identifica a divergência com a decisão recorrida “na caracterização do exercício da advocacia em sede de patrocínio judiciário oficioso no âmbito do Sistema de Acesso ao Direito e aos Tribunais da Ordem dos Advogados, como sendo ou não uma actividade prestada pelo Estado em sentido amplo”, com vista a determinar se os aposentados podem, ou não, acumular o recebimento das respectivas pensões com o exercício desse patrocínio judiciário.
Questão jurídica, esta, que se prende com a interpretação dos arts. 78º e 79º do Estatuto da Aposentação (EA), na dada pelo DL nº 137/2010, de 28/12.
A sentença de 1ª instância havia julgado improcedente a acção intentada pelo A., considerando que, tanto o exercício das funções pelo mesmo como administrador judicial, como as exercidas como advogado no âmbito do “Sistema de Acesso ao Direito e aos Tribunais(doravante SADT), se inserem no âmbito do exercício de “funções públicas remuneradas” sujeitas à previsão dos indicados preceitos.
O TCAS no acórdão recorrido, quanto às funções de administrador judicial, seguiu o entendimento que este STA vinha acolhendo nos Acórdãos de 13.02.2017, P. nº 01456/16 e de 18.01.2018, os quais concluíram que as funções de perito avaliador (o primeiro) e de administrador judicial (o segundo) não se inserem na previsão das incompatibilidades previstas nos arts. 78º e 79º do EA, entendimento que foi, entretanto, consolidado nos Acórdãos deste Supremo Tribunal de 14.02.2019, P. nº 02499/14.9BELSB e de 09.05.2019, P. nº 0878/14.0BEVIS.
Quanto às funções de advogado no âmbito do SADT, o acórdão recorrido confirmou a sentença do TAF de Sintra, julgando que, contrariamente ao caso dos administradores judiciais, os advogados em funções no âmbito do SADT desempenham “uma actividade paga por dinheiros públicos, prestado ao Estado em sentido amplo, onde se incluem os institutos públicos, como o IGFEJ e as associações profissionais como a O.A. (pessoas colectivas públicas)”, como tal se integrando “nas normas jurídicas proibitivas resultantes dos artigos 78º e 79º do EA”. Pelo que, embora a actividade do autor como administrador judicial não fosse incompatível com o seu estatuto de aposentado, titular de uma pensão paga pela CGA, a sua actividade de advogado, no âmbito do SADT, é incompatível com tal estatuto, o que determina, só por si, a suspensão da pensão e a ordem de reposição das pensões referentes aos anos de 2011 e 2012, o que fez com que a acção fosse julgada improcedente, determinando a interposição da presente revista.

Vejamos o que prevê o art. 78º do EA:
1 – Os aposentados não podem exercer funções públicas remuneradas para quaisquer serviços da administração central, regional e autárquica, empresas públicas, entidades públicas empresariais, entidades que integram o setor empresarial regional e municipal e demais pessoas coletivas públicas, exceto quando haja lei especial que o permita ou quando, por razões de interesse público excecional, sejam autorizados pelos membros do governo responsáveis pelas áreas das finanças e da Administração Pública.
2 – Não podem exercer funções públicas nos termos do número anterior:
(…)
a) Os aposentados que se tenham aposentado com fundamento em incapacidade;
b) Os aposentados por força de aplicação da pena disciplinar de aposentação compulsiva.
3 – Consideram-se abrangidos pelo conceito de exercício de funções:
a) Todos os tipos de atividades e de serviços, independentemente da sua duração, regularidade e forma de remuneração;
b) Todas as modalidades de contratos, independentemente da respetiva natureza, pública ou privada, laboral ou de aquisição de serviços.
(…)”.
E no art. 79º, sob a epígrafe de Cumulação de pensão e remuneração, preceitua-se o seguinte:
1 – Os aposentados (…), autorizados a exercer funções públicas não podem cumular o recebimento da pensão com qualquer remuneração correspondente àquelas funções.
2 – Durante o exercício daquelas funções é suspenso o pagamento da pensão ou da remuneração, consoante a opção do aposentado.
3 – Caso seja escolhida a suspensão da pensão, o pagamento da mesma é retomado, sendo esta atualizada nos termos gerais, findo o período de suspensão.
(…)”.
Como já se disse, quanto às funções de administrador judicial o acórdão recorrido seguiu a jurisprudência deste STA expressa nos acórdãos acima mencionados.
No recentíssimo acórdão de 09.05.2019 (acima indicado), citando-se o acórdão de 18.01.2018, refere-se o seguinte:
«(…), com as alterações produzidas pelo DL n.º 137/2010, no «EA», em concreto, nos normativos em referência, as quais gozam de natureza imperativa e prevalecem sobre quaisquer outras normas em contrário [sejam elas gerais ou excecionais], e da extensão de tal regime operada pela referida Lei n.º 55/2010, os aposentados e os reformados, salvo lei especial que o permita (…) ou decisão autorizativa da autoria de membro do Governo responsável pelas áreas das finanças e da Administração Pública fundada em razões de “interesse público excecional” não podem exercer “funções públicas remuneradas” para quaisquer serviços da administração central, regional e autárquica, empresas públicas, entidades públicas empresariais, entidades que integram o setor empresarial regional e municipal e demais pessoas coletivas públicas, considerando-se abrangidos pelo conceito de “exercício funções” remuneradas, aludido no n.º 1 do art. 78.º do «EA», todos os tipos de atividade e de serviços, independentemente da sua duração, regularidade e forma de remuneração, bem como todas as modalidades de contratos, independentemente da respetiva natureza, pública ou privada, laboral ou de aquisição de serviços [cfr. n.º 3 do mesmo artigo].
(…)
Discute-se nos autos, em termos de ilegalidade material, da validade da inclusão e aplicação aos então denominados «administradores de insolvência»/«administradores judiciais» aposentados/reformados inscritos numa das listas oficiais previstas, nomeadamente nos arts. 52.º do «CIRE», 02.º e 05.º do «EAI», do regime constante dos arts. 78.º e 79.º do «EA» que foi feita através do ato impugnado, cabendo aferir e determinar, por um lado, se as funções pelos mesmos desempenhadas naquela atividade/qualidade correspondem ou se mostram abrangidas pelo conceito de “funções públicas remuneradas” previsto no n.º 1 do art. 78.º e se são prestados serviços da administração central, regional e autárquica, empresas públicas, entidades públicas empresariais, entidades que integram o setor empresarial regional e municipal e demais pessoas coletivas públicas e, por outro lado, caso tal tenha sido determinado pelo legislador, se o regime normativo instituído se mostra ou não conforme com a nossa Lei Fundamental, nomeadamente, com o direito ao trabalho e à retribuição em articulação também com os princípios da igualdade, da boa fé e confiança e da proporcionalidade (...), e, bem assim com a regra de reserva relativa de competência legislativa (…)
47. Refira-se, desde logo, que a determinação do alcance ou âmbito daquele conceito mereceu já decisão deste Supremo no seu recente Acórdão de 13.12.2017 [Proc. n.º 01456/16…], posicionamento que aqui se reitera e se irá acompanhar de perto.
48. Assim, a alusão naquele preceito a exercício de “funções públicas” não constitui ou se mostra como um sinónimo de função pública, não se reconduzindo o seu âmbito tão só àquilo que concetualmente se define, comummente, ou como função pública em sentido estrito, enquanto designando o conjunto de trabalhadores da Administração Pública cujas relações de emprego, de natureza estatutária, se mostram regidas por um regime específico de Direito administrativo, ou ainda a um sentido mais amplo de função pública, abarcando todas as relações/vínculos de emprego estabelecidas entre uma pessoa física com uma pessoa coletiva pública e cuja disciplina jurídica, podendo ser “juslaboralísticas” ou jusadministrativistas”, tenha, todavia, na base e enquanto denominador comum, um regime “juspublicista”.
(…)
57. Da análise do regime normativo disciplinar das condições de exercício de funções de «administradores de insolvência»/«administradores judiciais» aposentados/reformados constantes do referido «EAI» (…), não resulta que, da inclusão numa das listas oficiais como «administradores de insolvência»/«administradores judiciais», (…), derivasse ou derive para aquele a constituição de um qualquer vínculo de trabalho subordinado de natureza administrativa, de algum vínculo de emprego público, porquanto, presente o próprio princípio da tipicidade dos vínculos jurídicos constitutivos das relações de emprego na Administração pública, aquele ato nomeação não figura entre o leque dos atos jurídicos que, legalmente, conferiam tal vínculo, [nomeação, comissão de serviço, ou contrato de trabalho em funções públicas], nem a relação que por efeito dele se estabelece envolve uma qualquer relação jurídica ou estatuto funcional de emprego público.
58. É que se inexiste, in casu, uma atividade de prestação de trabalho subordinado, uma relação de dependência desenvolvida no quadro ou integrada numa estrutura organizacional e sujeita a uma direção e autoridade disciplinar, na certeza que da celebração de contrato de prestação de serviços, mormente, nas modalidades de avença e de tarefa, não envolvendo uma situação de subordinação ou de dependência jurídica, não deriva também dela a constituição de um vínculo de emprego público [cfr., atualmente, o disposto no art. 10.º, n.ºs 3 e 4 da «LTFP»].
(…), não envolvendo a constituição de um qualquer vínculo de subordinação jurídica e hierárquica no quadro de relação de emprego [público ou privado], deverá entender-se como um exercício por conta própria, enquanto sujeito privado/particular, de funções no quadro de uma prestação dum serviço, que se estabelece em termos ocasionais, através de atos de indicação e de nomeação proferido pelo juiz do processo [cfr., arts. 32.º, 36.º, e 52.º do «CIRE»], sem qualquer regularidade, e que está sujeita a regime privado de responsabilidade civil pelos danos causados ao devedor e aos credores da insolvência e da massa insolvente pela inobservância culposa dos deveres que lhe incumbem definido pelo art. 59.º do «CIRE».
(…)
64. Tal atividade e exercício de funções no âmbito de processo judicial corresponde ao «desempenho de uma função jurisdicional por particulares», de auxiliares dos tribunais na realização da justiça já que «a esses particulares não está de facto entregue um poder decisório, mas apenas o encargo de coadjuvar ou auxiliar as autoridades judiciais no exercício da sua função», sendo que «[e]mbora conexas com o exercício da função jurisdicional, as tarefas dos auxiliares ou colaboradores não são jurisdicionais» [cfr. Pedro Costa Gonçalves in: “Entidades privadas com poderes públicos”, págs. 560/561, 578 e segs.].
65. Assim, no contexto de tudo o atrás exposto afigura-se-nos como dado adquirido o de que a atividade dos «administradores de insolvência»/«administradores judiciais» constantes de uma das listas oficiais, exercendo essas funções no âmbito de processos de revitalização e de insolvência, não corresponde ao exercício de um qualquer cargo público, nem envolve a constituição de um qualquer vínculo subordinado de emprego []público/privado] que os faça integrar num qualquer conceito de função pública nalgum dos sentidos a que supra se fez referência.»
Mas, mais se entendeu que tal actividade não representa o exercício de um cargo público, expendendo-se que:
«70. Temos, desde logo que, na atividade que tais «administradores de insolvência»/«administradores judiciais» desempenham, os mesmos não desenvolvem a sua função no âmbito ou enquanto sujeitos integrados em qualquer dos sujeitos ou entes previstos no n.º 1 do art. 78.º do «EA» ou que os mesmos prestem um qualquer serviço que, concretamente, os beneficie ou se destine aos mesmos na prossecução das suas atribuições e funções, pois, inexiste no caso uma prestação de função para qualquer daqueles sujeitos ou entes.
(…)
73. Assim, ainda que a atividade de «administrador de insolvência»/«administrador judicial» se mostre desenvolvida por particulares e seja feita no quadro de tarefa ou incumbência que é também pública, já que finalizada ou revertível à prossecução de interesses gerais da coletividade, temos, todavia, que tal atividade não resulta integrada na previsão do n.º 1 do art. 78.º do «EA», porquanto não estamos em face de exercício de uma função remunerada para algum dos sujeitos ou entes elencados no preceito e no desenvolvimento, quadro e funções por estes prosseguidas.
74. É que, se à luz do nº 3 do art. 78.º do «EA» se mostram irrelevantes a duração, regularidade e forma de remuneração da atividade e serviço ou a natureza pública ou privada, laboral ou de aquisição de serviço desenvolvido pelos «administradores de insolvência»/«administradores judiciais» terá de se integrar ou de aproveitar/beneficiar os entes/sujeitos públicos previstos no n.º 1 do citado preceito, naquilo que sejam as concretas atribuições e funções pelas mesmas prosseguidas ou desenvolvidas.
75. Inexistindo uma tal integração ou aproveitamento/benefício não poderemos falar num exercício de funções para qualquer daqueles entes/sujeitos públicos, mas, no fundo, para assegurar nos processos de revitalização e de insolvência da promoção ou realização da função jurisdicional efetuada através dos tribunais (…)».
Tendo como assente que a actividade de administrador judicial não é incompatível com a situação de aposentado, por não estar abrangida pelos artigos 78º e 79º do EA, conforme vimos, cumpre agora ponderar se os argumentos e conclusões acabados de transcrever devem ser aplicados à situação dos advogados aposentados em actividade no âmbito do SADT ou se, tal como considerou o acórdão recorrido, faz sentido considerá-las abrangidas por aquelas incompatibilidades.

Entendemos que tal diferenciação estabelecida no acórdão recorrido não se justifica, por lhes ser perfeitamente aplicável a argumentação dos arestos deste Supremo acima indicados.

Com efeito, para a actividade de defensor oficioso, no âmbito do SADT, assume relevância a Lei nº 34/2004, de 29/7, alterada pela Lei nº 47/2007, de 28/8, que estabelece o regime de acesso ao direito e aos tribunais e a Portaria nº 10/2008, de 3/1.
De acordo com o disposto nos arts. 1º, nº 1 e 2º, nºs 1 e 2 daquela Lei, o SADT tem por objectivo assegurar que a ninguém seja dificultado ou impedido, em razão da sua condição social ou cultural, ou por insuficiência de meios económicos, o conhecimento, o exercício ou a defesa dos seus direitos. Constituindo uma responsabilidade do Estado o acesso ao direito e aos tribunais, a promover, designadamente, através de mecanismos de cooperação com as instituições representativas das profissões forenses.
A protecção jurídica compreende as modalidades de consulta jurídica e de apoio judiciário, sendo concedida para questões ou causas judiciais concretas ou susceptíveis de concretização em que o utente tenha um interesse próprio e que versem sobre direitos directamente lesados ou ameaçados de lesão, podendo gozar dessa protecção os cidadãos nacionais e da União Europeia, bem como estrangeiros e apátridas que demonstrem estar em situação de insuficiência económica (cfr. arts. 6º, nºs 1 e 2, 7º, 8, 14º, 15º e 16º da Lei nº 34/2004)
Nos termos do art. 36º da referida Lei, sempre que haja um processo judicial, os encargos decorrentes da concessão de protecção jurídica, em qualquer das suas modalidades, são levados a regra de custas a final (cfr. nº 1); e os encargos decorrentes de apoio judiciário nas modalidades previstas nas alíneas b), c) e) e f) do nº 1 do art. 16º [nomeação e pagamento de compensação de patrono; pagamento da compensação de defensor oficioso; nomeação e pagamento faseado da compensação de patrono; pagamento faseado da compensação de defensor oficioso] são determinados nos termos de portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça (cfr. nº 2).
De acordo com o art. 2º, nº 1 da Portaria 10/2008 (que regulamentou a Lei nº 34/2004), a nomeação de patrono ou de defensor é efectuada pela Ordem dos Advogados (OA), devendo ser solicitada a esta pelos tribunais, as secretarias ou serviços do Ministério Público, os órgãos de polícia criminal e os serviços de segurança social sempre que tal nomeação se mostre necessária, nos termos legais (cfr. nº 2 respectivo).
Nos termos do art. 10º, nº 1 da Portaria nº 10/2008, a candidatura para participar no sistema de acesso ao direito é voluntária. A selecção dos profissionais forenses para participar no SADT é efectuada nos termos a definir pela OA, devendo a selecção procurar assegurar a qualidade dos serviços prestados aos beneficiários de protecção jurídica no âmbito do sistema de acesso ao direito (cfr. nºs 2 e 3 do mesmo preceito).
E, nos termos do art. 28º da Portaria nº 10/2008 o pagamento das compensações devidas aos profissionais forenses é processado pelo IGFEJ, IP.
Quanto à questão da remuneração concluiu-se nos acórdãos referidos deste STA que os administradores judiciais aposentados não estavam abrangidos pelo regime de incompatibilidades dos arts. 78º e 79º do EA, por os custos dos serviços por aqueles prestados não terem de ser necessariamente suportados por dinheiros públicos.
Ora, o mesmo pode acontecer com os custos atinentes às compensações aos defensores já que são levados a regra de custas a final, podendo ser suportados pelo vencido se não for o beneficiário da protecção jurídica (cfr. ainda as regras especiais sobre o processo penal do art. 39º da Lei nº 34/200), como o próprio acórdão recorrido reconhece. Ao que acresce que os acórdãos deste STA também não concluíram que a actividade dos administradores judiciais geradoras da sua remuneração e do pagamento dos encargos inerentes nunca seja paga com dinheiros públicos, mas apenas que normalmente o não é.
No entanto, mesmo que possa maioritariamente a remuneração/ compensação do advogado ser suportada por dinheiros públicos tal não é suficiente para incluir o exercício de funções no âmbito do SADT por parte de um aposentado como integrando as incompatibilidades dos arts. 78º e 79º do EA.
Com efeito, os acórdãos citados julgaram também exigível que, cumulativamente, a actividade em causa seja desenvolvida em benefício directo ou proveito de um dos entes ou sujeitos públicos referidos no art. 78º do EA (cfr. pontos 70, e 73 a 75 do acórdão citado).
Ora, a mesma ordem de razões é de aplicar à situação dos advogados no âmbito do SADT, já que também estes não exercem funções remuneradas para algum dos sujeitos ou entes indicados no nº 3 do art. 78º do EA, como também não existe qualquer integração ou aproveitamento/benefício directo daqueles com a actividade exercida pelo advogado nomeado defensor oficioso.
Efectivamente, não existe uma integração dos serviços prestados pelos patronos judiciários oficiosos, no âmbito do SADT, nas concretas atribuições prosseguidas pelo IGFEJ e pela OA ou aproveitamento/benefício por qualquer destas instituições do trabalho por aqueles realizado, antes se estando “num quadro de atividade ou serviço prestado à e na realização da função jurisdicional”, como entenderam ao acórdãos deste STA referidos.
Como bem refere o Recorrente ao participar nos termos dos diplomas referidos no sistema de protecção jurídica o advogado não estabelece qualquer relação contratual estável e duradoura com a OA, apenas devendo estar disponível para, casuisticamente, ser indicado e nomeado como patrono oficioso do beneficiário da protecção jurídica. Podendo este, em qualquer processo, requerer fundamentadamente a substituição do patrono nomeado e, este também fundamentadamente pedir escusa (cfr. arts. 32º, nº 1 e 34º, nº 1 da Lei nº 34/2004).
Assim, também no caso dos advogados, no âmbito do SADT, não se pode considerar que a remuneração devida pela actividade ou serviço prestado em tal âmbito possa integrar-se nas normas proibitivas dos arts. 78º e 79º do EA, contrariamente ao que entendeu o acórdão recorrido, o qual deve ser revogado, sendo de anular os actos impugnados (cfr. art. 135º do CPA 91), e de julgar procedente a acção.

Pelo exposto, acordam em conceder procedente o recurso, revogar o acórdão recorrido e julgar procedente a acção nos termos sobreditos.
Custas pela Recorrida nas instâncias e neste STA.

Lisboa, 30 de Maio de 2019. – Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa (relatora) – José Francisco Fonseca da Paz – Maria do Céu Dias Rosa das Neves.