Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0277/12
Data do Acordão:10/10/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:LINO RIBEIRO
Descritores:IMPOSTO MUNICIPAL SOBRE IMÓVEIS
VALOR PATRIMONIAL
ACTUALIZAÇÃO
DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO
Sumário:I - Padece de erro de julgamento a sentença que ao fiscalizar o cumprimento do dever de fundamentação atende exclusivamente aos elementos do acto reclamado e não aos que constam do acto que decidiu a reclamação da actualização do valor patrimonial tributável de um prédio urbano, deduzida ao abrigo do artigo 20º do DL nº 287/2003 de 12 de Novembro, e que constitui o objecto de impugnação judicial.
II - Apesar das implicações que a declaração de fundamentação possa eventualmente ter na substância da decisão, há que distinguir a vertente formal, aquela que interessa no cumprimento do imperativo da fundamentação, da vertente material, que na estrutura do acto respeita sobretudo à existência dos pressupostos reais que suportam a decisão de fundo.
Nº Convencional:JSTA00067818
Nº do Documento:SA2201210100277
Data de Entrada:03/15/2012
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A......
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF PORTO PER SALTUM.
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR FISC - IMI.
Legislação Nacional:DL 287/2003 DE 2003/11/12 ART20 ART16 N4 N5 ART17.
LGT98 ART77.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1.1. A Fazenda Pública, interpõe recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou procedente a impugnação deduzida por A………, identificada nos autos, anulando a liquidação do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) referente ao ano de 2003, por falta de fundamentação.
Nas respectivas alegações, conclui o seguinte:
A. Julgou a douta Sentença recorrida procedente a impugnação deduzida contra a liquidação de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) referente ao ano de 2003 e ao imóvel - prédio urbano -, inscrito na matriz predial da freguesia da ………, concelho do Porto, sob o artigo n.º 00313, na quantia de € 1.325,05, de que é comproprietária - na proporção de 1/3.
B. O decidido, louva-se na consideração de que a notificação da liquidação não permite determinar em que moldes se determinou o valor patrimonial tributário do imóvel em apreço, que a liquidação padece de falta de fundamentação, conduzindo à “procedência do invocado vício de forma”.
C. Com a ressalva do sempre devido respeito, que é muito, não pode a Fazenda Pública conformar-se com o assim doutamente decidido, porquanto considera existir erro de julgamento - de facto e de direito, atendendo às razões que se passam a expender.
D. Em causa nos autos encontra-se o acto de liquidação de IMI, relativo ao ano de 2003.
E. A Impugnante/Recorrida aduz, e percebe-se do Relatório do douto decisório, que a liquidação padece de falta de fundamentação, dado que no Documento de Cobrança n.º 2003300975903, se não observam os requisitos estabelecidos no artigo 77°, n.º 2 da LGT. Considerando que daquele documento não consta a razão pela qual o valor patrimonial tributário é o que vem indicado, a liquidação padece de erro no lançamento e liquidação do imposto, uma vez que o tributo foi lançado e liquidado com base no artigo 16°, n.º 5 do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro, quando devia tê-lo sido com base no art. 16°, n.º 4 do mesmo diploma. Que o prédio não deixou de estar arrendado até 31 de Dezembro de 1988, continuando, alias, nessa situação, conforme contrato de arrendamento ainda em vigor - assim, o valor patrimonial a ter em consideração seria o do ano da sua inscrição na matriz, ou seja, o ano de 1984.
F. E discordando da referida fixação do valor patrimonial tributário, a Impetrante, por via dos presentes autos, questiona a legalidade da liquidação controvertida por falta de fundamentação, erro nos pressupostos de direito e no lançamento do imposto.
G. A convicção do Tribunal a quo baseou-se “nos documentos juntos aos autos que não foram alvo de impugnação”. Não obstante, de molde a subsumir a situação real respigada dos autos à boa decisão da causa, o probatório deverá ser corrigido, ao abrigo do disposto no art. 712°, n.º 1 alínea a) do CPC, aditando-se que, não resulta provado, que o prédio em causa não deixou de estar arrendado até 31 de Dezembro de 1988, ou nesta data, continuando a estar arrendado, porquanto a Impugnante não apresentou qualquer prova quanto a esse facto, sendo certo que em cumprimento do preceituado no artigo 18° do Decreto-Lei n.º 287/2003, a prova a fazer sempre seria documental.
H. Contrariamente ao sentenciado, consideramos que da prova produzida resulta a demonstração de que o acto controvertido se encontra suficientemente fundamentado, na senda aliás do propugnado pelo Ex.mo Magistrado do Ministério Público, carecendo de sentido a Decisão do Tribunal a quo quando expressamente refere, que não se encontra fundamentando o iter cognoscitivo percorrido pela AT para fixar o valor patrimonial encontrado (de € 165.631,61) e referido no acto de liquidação.
I. Aquando da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro, diploma que procede à reforma da tributação do património, aprovando os novos Códigos do CIMI e CIMT e procedendo a alterações de diversa legislação tributária conexa com a mesma reforma, tendo em conta a desactualização dos valores patrimoniais dos imóveis em geral, foi estabelecido nos seus artigos 13° e seg.s, para os prédios já existentes um regime transitório de actualização dos valores patrimoniais, para vigorar enquanto não se procedesse à avaliação geral prevista no artigo 16° do CIMI.
J. Estatuía tal regime transitório, na redacção original do seu artigo 15°, que todos os prédios urbanos inscritos na matriz, transmitidos onerosa ou gratuitamente após a entrada em vigor do CIMI (01.12.2003), seriam alvo de uma primeira avaliação, nos termos desse mesmo código.
K. Previa ainda o nº 5 do artigo 16° do mesmo diploma que, no caso de prédios urbanos arrendados, que o deixaram de estar até 31 de Dezembro de 1988, seria aplicado ao valor patrimonial resultante da renda o coeficiente correspondente ao ano a que respeita a última actualização daquela, de acordo com a Portaria nº 1337/2003.
L. De realçar que, o Decreto-Lei nos seus artigos 17° e seg.s, estabelecia um regime transitório específico para os prédios arrendados segundo o qual, enquanto não se procedesse à avaliação geral dos prédios urbanos, o valor patrimonial tributário de prédio ou parte de prédio arrendado, por contrato ainda vigente e que tenha dado lugar ao pagamento de rendas até 31 de Dezembro de 2001, nunca pode ser superior à capitalização da última renda anual pelo factor 12.
M. Ora, foi tendo por base este regime transitório - não o especifico para os prédios arrendados, mas dos não arrendados, porquanto a Impugnante não apresentou qualquer prova quanto ao facto que o prédio em causa não deixou de estar arrendado até 31 de Dezembro de 1988, ou nessa data, continuando a estar arrendado, como preceituado no artigo 18° do Decreto-Lei -, que a AT procedeu à actualização do valor patrimonial do imóvel.
N. Do resultado da actualização daquele valor assim efectuada, podia a ora Recorrida reclamar, em conformidade com o artigo 20° do Decreto-lei, nos termos dos artigos 16.º, 17.°, n.º 1, e 19°, designadamente com fundamento em erro de facto ou de direito, no prazo de 90 dias contados do termo do prazo para pagamento voluntário da primeira ou única prestação do IMI, ou solicitar a sua determinação de acordo com as regras do CIMI (n° 4 daquele preceito legal) e ainda deduzir impugnação judicial (n° 5 do mesmo preceito).
O. Porém, optou a Impetrante por reclamar graciosamente contra a liquidação do IMI relativa aquele ano, invocando os mesmos fundamentos objecto da presente impugnação, designadamente, a falta de fundamentação, porquanto da mesma não consta a razão pela qual o valor patrimonial tributário dos imóveis é o que dali consta.
P. Face ao que se deixou exposto supra, tal acto de fixação do valor patrimonial consubstancia um acto destacável, autonomamente impugnável, conforme jurisprudência assente dos Tribunais superiores.
Q. Destarte, uma vez consolidada a fixação do valor patrimonial tributário, nos termos supra expostos, por não ter a Impetrante utilizado qualquer dos meios de defesa ao seu dispor, nos termos do supra citado artigo 20º do Decreto-lei, foi em conformidade, emitida a competente liquidação de IMI relativa ao ano de 2003, aqui controvertida.
R. No atinente a esta liquidação, deduziu a Impetrante reclamação graciosa, instaurada no Serviço de Finanças do Porto 5 sob o n.º 04/400044.7, que veio a ser deferida parcialmente e na sequência veio a ser deduzida a presente acção, concluindo ali o Tribunal a quo pela falta de fundamentação da fixação do valor patrimonial tributário, o que cremos ante as razões expostas não está em causa nos presentes autos.
S. Na verdade, apenas podemos concluir que da liquidação consta a fundamentação necessária e que legalmente se impunha.
T. Conforme determina o nº 2 do artigo 77° da LGT, a fundamentação dos actos tributários deve conter sempre as disposições legais aplicáveis, a qualificação, a quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo.
U. Em rigor, respeitando a notificação da liquidação de IMI do ano de 2003, os elementos necessários para que se considere devidamente fundamentada dirão respeito ao cálculo do imposto em causa, que no caso se considera serem: (i) Imposto a que respeita o acto tributário e respectivo ano de imposto — “Imposto Municipal sobre Imóveis” e “Ano de imposto”; (ii) Indicação da data da liquidação notificada — “Data da Liquidação”; (iii) Identificação e localização dos imóveis em causa — “Descrição dos prédios/ Município/ Freguesia/ Artigo”; (iv) Indicação do valor patrimonial dos imóveis — “Valor Patrimonial Tributário”; (v) Existência ou não de isenção — “Valor Isento”; (vi) Identificação da taxa aplicável aos imóveis — “Taxa %”; (vii) Operação de apuramento da matéria tributável — “Valor Patrimonial Tributário” x “Taxa %“; (viii) Montante de colecta correspondente a cada prédio — “Colecta”.
V. Neste sentido, veja-se os doutos Acórdãos do STA, de 20.02.2008, processo n° 0765/07 e de 11.02.2009, processo n° 0767/07(5), dos quais resulta que para efeitos de liquidação de Contribuição Autárquica - regime mantido essencialmente no IMI -, se encontra devidamente fundamentado o acto de liquidação que indica a localização, o artigo matricial, o valor matricial, o valor patrimonial, a data de liquidação, o ano a que respeita, a taxa aplicável, a inexistência de isenção e a colecta correspondente a cada um dos prédios urbanos.
W. Acresce que, a fundamentação é ainda, no dizer do Acórdão daquela suprema instância, de 02.04.2008, processo nº 0882/07, “um conceito relativo, que varia conforme o tipo de acto em causa e as circunstâncias do caso concreto’.
X. Conforme a doutrina A. José de Sousa e J. Silva Paixão, in CPT Comentado e Anotado, em anotação ao artigo 82°, “Tendo em conta que, hoje, a grande massa dos actos de liquidação é feita através do Serviço de Informática Tributária (...) importa entender esta exigência de fundamentação em termos hábeis.”
Y. Para estes autores, contrariamente às situações de não entrega das declarações, ou de liquidações adicionais, em que se impõe fundamentação mais rigorosa, assentando a liquidação, nas declarações do contribuinte, a respectiva fundamentação, basta-se com a nota de apuramento do rendimento colectável e cálculo do imposto, ao mencionar entre outros elementos, o ano a que respeita o imposto, os rendimentos, taxa, etc.
Z. Hoje, face ao disposto no citado artigo 77° da LGT, tal linha argumentativa, mantém plena actualidade, apontando no mesmo sentido a jurisprudência ao aludir a um mínimo de densidade do conteúdo fundamentador.
AA. Assim, em discordância com o sentenciado, considera a Fazenda Pública que o acto controvertido se encontra fundamentado - e não apenas no que tange à fundamentação do tributo a pagar -, como ali é referido, pois o valor encontrado surge justificado em concretização dos critérios enunciados.
BB. Aqui chegados, apenas podemos concluir que à notificação do acto tributário ora em crise não falta qualquer elemento legalmente exigido, porquanto, tendo em conta o preenchimento dos campos correspondentes, indicados no ponto V. destas conclusões, cremos que todos aqueles elementos se encontram devidamente identificados, não restando qualquer dúvida em relação ao montante do tributo e aos cálculos em causa.
CC. Até porque, a Impugnante sem mostrar qualquer reserva ou dúvida, não deixou de se pronunciar expressamente na petição inicial sobre a fundamentação do acto em crise, onde demonstra compreender perfeitamente as razões que subjazem à liquidação e essenciais à sua defesa, se assim não fosse, certamente não teria deixado de fazer uso da faculdade que o artigo 37° do CPPT lhe concede.
DD. Em suma, entende a Fazenda Pública, com a ressalva do devido respeito, que a douta Sentença sob recurso enferma de erro de julgamento da matéria de facto, na selecção dos factos dados como provados, não considerando provados factos que deveriam ter sido devidamente apreciados e valorados, errando ainda na valoração e juízo dos que considerou como provados.
EE. Padece ainda de erro de julgamento da matéria de direito, porquanto fez errónea interpretação e aplicação das disposições legais que regem o regime transitório - da reforma da tributação do património -, e mais precisamente o que resulta do disposto no artigo 20º do Decreto-Lei n.° 287/2003, de 12 de Novembro.
FF. Não se verificando o vicio apontado ao acto tributário impugnado deve permanecer na sua estabilidade e vigência no ordenamento jurídico.
GG. O Tribunal a quo decidiu com violação das disposições legais supra citadas.

1.2. Nas contra-alegações, o recorrido conclui o seguinte:

1. Vem este recurso interposto, pela Fazenda Pública, da douta sentença de fls. 58/64 que julgou a presente impugnação totalmente procedente, anulando a liquidação impugnada, em IMI, ano de 2003.
2. Dos fundamentos invocados pela ora Recorrida para obter a procedência do seu pedido de anulação da liquidação impugnada, a douta sentença sob recurso pronunciou-se apenas sobre o primeiro dos fundamentos invocados - VICIO DE FORMA, falta de fundamentação legalmente exigida.
3. O objecto do presente recurso é, assim, a decisão proferida em 1.ª instância, que julgou procedente o invocado vício de forma, consistente na falta da devida fundamentação do acto impugnado, o que determinou a anulação deste.
4. É, aliás, sobre a decidida falta de fundamentação do acto tributário impugnado que vêm produzidas as alegações da Recorrente (fls. 78/83 v.º)
5. Nessas alegações, a Recorrente tenta o impossível — demonstrar que o documento de fls. 14 regista fundamentação suficiente do lançamento e liquidação impugnados.
6. Mas não regista: refere, apenas o artigo matricial de inscrição do prédio; o ano a que respeita o imposto; o valor patrimonial tributário: a taxa tributária aplicada; e a colecta apurada. Mais nada com interesse para a exigida fundamentação do acto.
7. No documento de fls. 14, não dá o autor do acto impugnado a menor explicação sobre o valor patrimonial tributário que considerou, designadamente como chegou a ele.
8. Como não dá a menor explicação sobre a escolha (entre as cinco previstas) da taxa tributária aplicada (0,80 %).
9. E essa explicação teria sempre de, no mínimo, ser expressa e acessível, clara e suficiente.
10. Não foi tido em consideração que se tratava, no caso, de um imposto novo, que viera substituir a contribuição autárquica e que, em relação a esta, apresentava diferenças muito profundas, mormente no tocante à matéria de avaliação e fixação da realidade tributável.
11. Como não foi tido em consideração que as regras utilizadas até então, durante quarenta anos, foram as do Código da Contribuição Predial e do Imposto sobre a Indústria Agrícola (de 1963), que nada tinham a ver com o regime instituído pelo Código do IMI — inovador, complexo e muito diversificado, o qual, ao longo de quase dez anos, continua a suscitar justificadas controvérsias.
12. E não foi tido em consideração que se tratava da primeira liquidação (2003) de um imposto novo.
13. Do que se observa do documento de fls. 14 retira-se, inequívoca, a conclusão de que o acto tributário impugnado não foi objecto de fundamentação expressa, acessível, clara e suficiente.
14. Julgando como julgou, a douta sentença de fls. 58/64 fez correcta interpretação e aplicação da lei e do Direito, não merecendo qualquer censura.

1.3. O Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

2. A sentença deu como provados os seguintes factos:

a) A impugnante foi notificada da liquidação de IMI do ano de 2003, 1ª prestação, do prédio sito na freguesia da ………, artigo U-00313, no montante de €662,053, com pagamento no mês de Abril de 2004, através do documento de cobrança n° 2003 300975903 (cf. doc. de fls. 14 dos autos).
b) Naquela notificação constavam as seguintes informações:
Descrição dos prédios
Ano
Valor
patrimonial
Valor
isento
Taxa %
Maj/Min
Colecta
Juros
comp
Município do Porto ……… U-00313
2003
165.631,61
0.80
1.325,0
1.325,0
0,00

c) Por não se conformar com a liquidação deduzir em 26/07/2004, reclamação graciosa que veio a ser indeferida por despacho de 04/01/2005, conforme proposta de decisão de 14/09/2004 (cf. fls. 15 a 18 e 23 e 24 do processo de reclamação graciosa apenso aos autos).
d) A impugnante é proprietária de 1/3 do prédio urbano inscrito na matriz da freguesia da ……… sob o nº 313 (cf. doc. de fls. 19 a 21 do processo administrativo, doravante apenas PA).
e) Por escritura pública celebrada em 09/12/1986, a impugnante por si e em representação de B……… e esposa C………, e D………, declararam dar de arrendamento a E………, Lda., ali representada por F……… e G………, o rés-do-chão com entrada pelos números ......... e ........., do prédio sito na Rua ………, nº ……… a ………, freguesia de ………, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 313 (cf. doc. de fls.24 a 31 dos autos).
f) Da escritura referida na alínea c) consta, além do mais, que “o prazo de duração é de um ano, considerando-se prorrogado por iguais períodos, e teve o seu início em 1 de Maio do corrente ano” (cf. doc. de fls. 24 a 31 dos autos).
g) O recibo de renda nº 5/1989, no montante de 133.455$00, referente ao mês de Janeiro e ao imóvel identificado em c), emitido por B……… e outros (cf. doc. de fls. 32 dos autos).
h) A última actualização na matriz foi efectuada em 1989, em resultado do tratamento da declaração de prédio urbano total ou parcialmente arrendado entregue em 21/02/1989, referente às rendas recebidas durante o ano de 1988 (cf. fls. 22 do PA).
i) A presente impugnação foi deduzida em 21/01/2005 (cf. doc. de fls. 2 dos autos).

3. A ora recorrida interpôs impugnação judicial do acto do Chefe de Serviço de Finanças que decidiu a reclamação que havia deduzido contra a liquidação do imposto municipal de imóveis (IMI) do ano de 2003 relativamente ao prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ……… no Porto, sob o artigo 00313, invocando para tal duas ilegalidades: (i) vício de forma, por falta de fundamentação; (ii) erro de facto e de direito no lançamento e liquidação do imposto.
A sentença recorrida anulou a liquidação do IMI com base na primeira daquelas ilegalidades, argumentando que ocorre “completa omissão” quanto ao iter cognoscitivo percorrida pela administração tributária na fixação do valor patrimonial encontrado. Diz-se na sentença que a liquidação impugnada não permite à impugnante aferir de onde e como adveio o valor patrimonial encontrado, porque se desconhece se ele «decorre da aplicação de coeficientes constantes da Portaria nº 1337/2003 de 05/12, porque a AT considerou tratar-se de um prédio urbano não arrendado (art.16º nº 1 a 4) ou apenas arrendado ate Dezembro de 1988 (art. 16º, nº 5) ou se foi determinado de acordo com os artigos 37º a 46º do CIMI)» e que «em ponto algum da notificação da liquidação se detecta que a tributação resulta da aplicação do regime transitório previsto no art. 16º, nº 5 resultado da falta de apresentação, por parte da impugnante, da participação prevista no art. 18º do DL nº 287/2003, e da aplicação dos coeficientes a que a alude a Portaria nº 1337/2003 de 05/12, aos últimos valores de rendas declarados».
A recorrente considera que houve erro de julgamento, porque a notificação do acto tributário não só contém todos nos elementos legalmente necessários, como o seu destinatário não deixou de se pronunciar expressamente na petição inicial sobre a fundamentação do acto, onde demonstra compreender perfeitamente as razões que subjazem à liquidação e que eram essenciais à sua defesa,
E tem razão a recorrente.
A sentença recorrida parece ter esquecido que a impugnante reclamou do resultado da actualização do valor patrimonial tributável efectuada ao abrigo das normas transitórias do DL nº 287/2003 de 12/11, que aprovou o CIMI, e que sobe essa reclamação foi emitida a decisão que deu origem à presente impugnação.
A decisão recorrida, e também a recorrida nas contra-alegações, focalizam a fundamentação do acto impugnado apenas no documento de fls. 14 dos autos, através do qual se notificou a recorrida para proceder ao pagamento da 1ª prestação do IMI do ano de 2003 (cfr. al. a) e b) do probatório).
Todavia, verifica-se que a recorrida não se conformou com a liquidação constante dessa notificação, tendo deduzido reclamação para o Director de Finanças, ao abrigo do artigo 20º do referido DL nº 287/2003, alegando que o valor patrimonial tributável está incorrectamente actualizado. Nessa reclamação, a contribuinte invocou duas ilegalidades: (i) erro de facto e de direito, dizendo que a aplicação ao valor da matriz (€ 729,54) dos coeficientes de actualização previstos na Portaria nº 1337/2003, nos termos do nº 4 do artigo 16º do DL nº 287/2003, dá um valor patrimonial de €2.582.58 e não de €165.631.61, como está referido na notificação da liquidação; (ii) falta de fundamentação, porque a notificação não se refere, ainda que de forma sumária, «à razão porque os valores patrimoniais tributários são os que constam daquele documento de cobrança, desconhecendo a Reclamante, porque lhe não foram notificadas as operações de apuramento da matéria tributável» (cfr. doc. de fls. 2 a 7 do p.a apenso).
Ora, este procedimento impugnatório previsto no artigo 20º do DL nº 287/2003 foi objecto de um conjunto de actos procedimentais, designadamente, proposta de decisão, projecto de decisão, defesa escrita e decisão final, que esclarecem concretamente os motivos de facto e de direito que estão na base na liquidação do IMI impugnado.
Na verdade, sobre a reclamação foi emitida pelo Chefe de Finanças Adjunto uma «proposta de decisão» no sentido do indeferimento do pedido do reclamante, com a seguinte fundamentação:
Analisados os elementos existentes no processo, verifica-se o seguinte:
1. Em 1989/02/10, foi entregue uma declaração de prédio urbano total ou parcialmente arrendado, referente às rendas recebidas durante o ano de 1988, do artigo urbano inscrito sob o art. 331 da freguesia da ………, conforme fotocópia a fls. 11 dos autos.
2. O valor total das rendas convencionadas foi de 19.802,62 €, que depois de deduzido 15% de despesas de conservação deu origem a um rendimento colectável de 16.832,23 €, conforme consta da fotocópia da matriz a fls. 12 e 13 dos autos.
3. Com a entrada em vigor do Código da Contribuição Autárquica, o referido rendimento colectável foi convertido em valor patrimonial (16.832,23€ x 15), que passou a ser de 252.483, 37€.
Conforme dispõe o nº 5 do art. 16° do D.L. nº 287/2003 de 12/11, “no caso de prédios urbanos arrendados que o deixaram de estar até 31 de Dezembro de 1988, é aplicado ao valor patrimonial resultante da renda o coeficiente correspondente ao ano a que respeita a última actualização da renda”.
Assim e conforme se encontra determinado, o valor patrimonial para efeitos de IMI, foi calculado partindo do valor patrimonial inicial, apurado com base na última declaração de rendas entregue no ano de 1989 referente ao ano de 1988, actualizado com base nos coeficientes de desvalorização da moeda previstos na Portaria n° 1337/2003 de 05/12, (252.483,37€ x 1.97) de onde resultou o valor patrimonial actualizado é de 497.392,24€.
Como a reclamante é proprietária de apenas 1/3 do referido artigo, o IMI devido no ano de 2003 é de 662.53 € (497.392,24€ : 3 x 0,80% : 2 ) - cfr. doc. de fls. 16 do p.a apenso, aludido na alínea c) dos probatório.
Sobre essa proposta, o Chefe de Serviços de Finanças emitiu um «projecto de decisão» do seguinte teor:
O pedido de fls. 2 foi feito em tempo e com legitimidade, no entanto, face à informação e proposta de decisão a fls. 15 e 16, cujos elementos dou aqui por reproduzidos, INDEFIRO-O considerando que a actualização prevista no artigo 16º do DL 287/2003 de 12/11 foi feita tendo em conta os valores patrimoniais do prédio em causa e por base a última declaração de rendas e não, como pretende, em função do rendimentos colectáveis
Notifique o reclamante nos termos e para os efeitos da alínea b) do artigo 60º da Lei Geral Tributário, esclarecendo-o de que a sua participação no formação do acto administrativo poderá ser feita no prazo de 15 dias, por escrito” – cfr. doc. de fls. 17 do p.a apenso.
A reclamante exerceu o direito de audiência prévia, começando por dizer que «entende perfeitamente a proposta de decisão de fls. 16, embora dela discorde», e que considera “ininteligível” o projecto de decisão, por não pretender que o valor patrimonial seja calculado em função dos «rendimentos colectáveis», mas que seja calculado e fixado de acordo com o nº 4 do artigo 16º do DL nº 287/2003 e que, no caso em apreço, não tem aplicação o nº 5 do desse artigo.
Após a participação da reclamante, foi emitido o «despacho final», de onde consta o seguinte:
Cumprido o disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 60° da LGT, foi apresentada a petição de fls. 19 a 22, mas sem que dela resultem elementos novos pelo que, nos termos do artigo 75° do Código de Procedimento e de Processo Tributário e por força do artigo 27° do D.L. 366/99 de 18/9, INDEFIRO o pedido tendo em conta o seguinte:
1º - O projecto de decisão a fls. 17, pese embora nele se considerem os elementos constantes da proposta de fls. 15 e 16, na parte final do seu 1° parágrafo induz, efectivamente, em confusão.
2º - Desta forma, impõe-se clarificar a decisão:
- O Valor Patrimonial Tributário alvo da presente reclamação foi encontrado tendo subjacente o regime de actualização dos valores patrimoniais previsto no DL 287/2003 de 12/11, isto é, tomou-se por base a última declaração de rendas entregue em 1989 e reportada a 1988 (nº 5 do artigo 16°).
- No ponto 10 da referida petição, põe em causa a norma que lhe foi aplicada considerando que “Se é compreensível a distinção entre prédios não arrendados (art.16°) e prédios arrendados (art.17°), para efeito de determinação do respectivo valor patrimonial, já se compreenderia com dificuldade a necessidade de criar uma terceira categoria - a de prédios que estiverem arrendados mas que o deixem de estar até 31 de Dezembro de 1988” - “sic”.
- Penso que aqui reside a divergência entre a actualização que foi efectuada e aquela que defende o reclamante, na medida em que este regime transitório efectivamente só contempla dois tipos de situações, ou seja, os prédios arrendados e os não arrendados, incluindo-se neste últimos os que deixaram de estar arrendados até 31/12/88, a cujo valor patrimonial resultante da renda é aplicado o coeficiente do ano a que respeita a última actualização da renda (artigo 16°/5).
Aliás, mesmo que os prédios continuassem arrendados depois de 31/12/88, a sua actualização continuava a ser efectuada pelo regime dos não arrendados nos termos do artigo 16°, a não ser que reunissem as condições previstas no artigo 17°”.
Se a fundamentação respeita à exteriorização das razões de facto e de direito que estão na base de um determinado sentido decisório, como é possível não compreender os pressupostos em que assentou a liquidação do IMI impugnado?
A reclamante insurgiu-se contra o facto do IMI ter sido actualizado com base na norma do nº 5 do artigo 16º do DL nº 287/2003 e não com base na norma do nº 4 do mesmo artigo. No seu entender, bem expresso no procedimento impugnatório, o prédio continuou arrendado após 31 de Dezembro de 1988 e por isso a norma do nº 5 daquele artigo não pode ser aplicada. Diferente entendimento tem a administração tributária, para quem a actualização deve ser feita nos termos do nº 5, porque nos prédios não arrendados devem incluir-se aqueles que o deixaram de estar após 31/12/1988, caso não se verifiquem os requisitos do artigo 17º.
Sendo a fundamentação um requisito formal da decisão, que não se confunde com o seu conteúdo, não poder deixar de se entender que a impugnante teve conhecimento, de forma acessível, clara, congruente e suficiente, do juízo que a administração tributária efectuou para decidir no sentido em que decidiu. O autor do acto impugnado considera que a actualização do valor patrimonial tributável do prédio deve ser feita nos termos do nº 5 e não do nº 4 do artigo 16º, como pretende a recorrida. E, como se vê, o acto que tornou definitiva a liquidação e que é objecto de impugnação dá a conhecer a um destinatário normal e razoável a razão pela qual a actualização deve ocorrer nos termos do nº 5 e não do nº 4. Não há, pois, qualquer obscuridade, contradição ou insuficiência na exposição dos fundamentos de facto e de direito do acto impugnado, em termos tais que contrarie o disposto no artigo 77º da LGT.
O problema não é e nunca foi de falta ou insuficiência de fundamentação, mas de legitimidade jurídica da liquidação efectuada segundo o critério do nº 5 do artigo 16. Apesar das implicações que a declaração de fundamentação possa eventualmente ter na substância da decisão, há que distinguir a vertente formal, aquela que interessa no cumprimento do imperativo da fundamentação, da vertente material, que na estrutura do acto respeita sobretudo à existência dos pressupostos reais que suportam a decisão de fundo.
As razões invocadas na decisão do procedimento de reclamação, que teve a participação da reclamante, de modo algum afectaram uma melhor reacção impugnatória, pois os argumentos invocados em favor da ilegalidade da liquidação continuam ser os mesmos que foram apresentados naquele procedimento. Ou seja, não foi devido à falta ou deficiente fundamentação que a contribuinte não aceitou a liquidação e teve que recorrer a tribunal, mas apenas o facto de interpretar e aplicar as normas do artigo 16º de forma diferente da administração tributária.
Ora, a sentença recorrida cai em erro de julgamento quando atende exclusivamente aos elementos constantes do documento de cobrança do IMI, sendo certo que o acto impugnado é, e só pode ser, o acto que decidiu a reclamação. É certo que a reclamação não prejudica a dedução da impugnação judicial da liquidação, tal como se estabelece no nº 5 do artigo 20º do DL nº 287/2003. Mas, tendo em conta a data em que a impugnação judicial foi introduzida em juízo, só o acto que decidiu a reclamação poderia ser objecto de fiscalização, pois nessa data já se havia esgotado o prazo de impugnação relativamente ao acto primário. E, como se lê logo no intróito da petição inicial, é contra o acto que decide a reclamação que o impugnante reage contenciosamente.
Se o acto impugnado não é defeituoso quanto ao imperativo da fundamentação, impor-se-ia decidir se houve ou não erro na aplicação dos pressupostos legais da actualização dos valores patrimoniais tributáveis previstos nos artigos 16º e 17º do DL nº 287/2003.
Acontece que a recorrente considera que o probatório deve ser corrigido para se considerar que não foi provado que o prédio em causa não deixou se estar arrendado até 31 de Dezembro de 1988, ou que continua estar arrendado, porque a impugnante não apresentou qualquer prova quanto a esse facto (conclusão G).
E na verdade, para se aplicar o regime transitório da actualização dos valores patrimoniais dos prédios constante dos artigos 176 e 17º do DL nº 287/2003, é preciso conhecer se o prédio continuou arrendado após 31/12/1988, se deu lugar ao pagamento de rendas até 31/12/2001, se houve declaração de rendas para efeitos de IRS até 31/12/2002 e se houve participação da última renda mensal recebida até 12/12/2003. A impugnante alegou que o contrato se manteve em vigor, juntando até um recibo de renda, mas não consta dos factos provados de que estava em vigor naquelas datas ou se houve declaração e participação daquelas rendas.
Impõe-se por isso a baixa do processo à primeira instância para conhecimento do alegado erro nos pressupostos de facto e de direito.

4. Pelo exposto, acordam em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e ordenar a baixa do processo para conhecimento das demais ilegalidades, se nada mais obstar.
Custas pela recorrida.
Lisboa, 10 de Outubro de 2012. – Lino Ribeiro (relator) – Dulce Neto - Isabel Marques da Silva.