Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0714/18.9BALSB
Data do Acordão:10/31/2019
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:JOSÉ VELOSO
Descritores:PROCESSO DISCIPLINAR
VALORAÇÃO
FUNDAMENTAÇÃO
MEDIDA DA PENA
DISCRICIONARIEDADE IMPRÓPRIA
Sumário:I - O princípio ne bis in idem proíbe que alguém possa ser perseguido e punido mais do que uma vez pela mesma conduta;
II - Essa proibição assenta na identidade dos factos, e não na sua qualificação jurídica;
III - O que significa que quem averigua a responsabilidade disciplinar por via de determinados factos deverá esgotar todas as consequências sancionatórias que deles possam derivar, pois que, se não o fizer, não poderá a perspectiva omitida ser recuperada num outro processo, seja a se seja em conjunto com a parte já antes tida em conta;
IV - Compete ao autor alegar e provar que a punição disciplinar se baseou em factos - minimamente individualizados - em que se suportou pretérita sanção;
V - No contexto de processo disciplinar, a perícia a todos os processos que durante determinado período de tempo foram conclusos ao arguido mostra-se, à partida, descabida;
VI - Não havendo um padrão de dificuldade ou complexidade, sempre os dados resultantes da perícia estariam sujeitos a um juízo subjectivo, de tal modo que o que se queria provar continuaria em boa parte no reino da mera presunção;
VII - A decisão disciplinar punitiva que contém os factos, o direito, e a necessária clareza, lógica e suficiência, está, à partida, fundamentada;
VIII - A escolha e medida da pena disciplinar é domínio fortemente marcado pelo poder discricionário atribuído à entidade sancionadora;
IX - A esta compete, na verdade, proceder aos juízos de apreciação e avaliação necessários à escolha e determinação da pena disciplinar que - dentro do quadro legal permitido - deverá ter lugar no caso concreto;
X - Aí, onde é exercido esse efectivo poder de avaliação, os tribunais não devem entrar, a não ser - e isso se lhes exige - através do controlo externo sobre o correcto exercício desse poder discricionário - discricionariedade imprópria - que lhe é atribuído;
XI - Caberá ao tribunal, assim, no âmbito desse controlo externo, apreciar casos de «erro grosseiro, desvio de poder, erro de facto, falta de fundamentação», e, de modo geral, de «incompatibilidade do juízo condenatório com os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos e princípios fundamentais cujo cumprimento se imponha à Administração».
Nº Convencional:JSTA000P25103
Nº do Documento:SA1201910310714/18
Data de Entrada:07/11/2018
Recorrente:A............
Recorrido 1:CONSELHO SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: I. Relatório
1. A………… - procurador-adjunto, a exercer funções no Juízo Local de ……… - impugna o acórdão proferido em 10.04.2018 pelo Plenário do CONSELHO SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO que lhe aplicou a pena disciplinar de suspensão por 50 dias [Processo Disciplinar nº ………].

Pede a declaração da sua nulidade, apontando-lhe, para tanto, ilegalidades por dupla valoração dos factos puníveis e contradição insanável da fundamentação, e por omissão de diligência essencial para descobrir a verdade e falta de fundamentação.

2. O CONSELHO SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO [CSMP] impugna a pretensão do autor, sustentando que o acórdão visado não enferma das «ilegalidades que lhe são apontadas».

3. Por despacho do «Relator» foi dispensada a realização da audiência prévia e convidadas as partes a apresentar alegações, o que fizeram.

4. O autor conclui as suas alegações finais retirando as seguintes conclusões:

A) A descrição exaustiva da actuação do autor durante o período de 01.10.2015 a 31.03.2016 - objecto de punição disciplinar no PD ………-RMP-PD - não assumiu apenas o propósito de contextualizar a sua actuação funcional, pois, a mesma assumiu relevância disciplinar tendo-se verificado uma dupla valoração dos factos;

B) É também evidente, no que concerne ao acto impugnado, vício de contradição insanável de fundamentação, ou no mínimo, de fundamentação deficiente e errada;

C) As circunstâncias da vida pessoal do ora autor não foram efectivamente ponderadas no acto impugnado, pois, caso o tivessem sido, concluir-se-ia que ele estava à data dos factos privado - acidentalmente - das suas faculdades mentais, verificando-se uma circunstância dirimente da sua responsabilidade;

D) A acusação, por não concretizar os parâmetros da distribuição de inquéritos, sendo apenas perspectivada em termos numéricos, e abstractos, e omissa quanto aos aspectos qualitativos, designadamente quanto à natureza dos crimes, ao número das pessoas envolvidas e densidade factual, não se mostra devidamente fundamentada;

E) A não realização da perícia a todos os processos em termos «estatísticos», «quantitativos» e «qualitativos», desde Maio de 2016 a Dezembro de 2016, traduz-se numa omissão de diligência «essencial para a descoberta da verdade material», consubstanciando o seu indeferimento uma «nulidade insuprível» nos termos do disposto no artigo 204º do Estatuto do Ministério Público;

F) Ademais, a omissão dessa diligência, acarretou, por um lado, uma falta de esclarecimento dos factos, e, por outro lado, uma situação de dúvida insanável quanto à verificação dos factos que se imputam ao autor;

G) A acusação sofre também de «falta de fundamentação» por ser omissa no que concerne ao trabalho desenvolvido pelo autor em processos de inquérito criminal, na intervenção processual em processos administrativos e nos actos processuais [julgamentos] e no trabalho prévio a estes, designadamente, quanto ao tempo despendido no seu estudo e preparação;

H) Além disso, a acusação assenta em meras presunções e segmentos subjectivos;

I) O enquadramento funcional de um procurador de comarca média é totalmente diferente de um procurador do DIAP de Lisboa, do Porto, de Setúbal e de outras grandes comarcas;

J) Pois, numa comarca como «………», os procuradores dos inquéritos, das instruções, e dos processos administrativos, acumulam essa função com a de procurador de julgamento, e não se mostra ponderada em nenhum lugar, quer quanto à caracterização da própria infracção, quer quanto à atenuação da mesma, esse facto essencial;

K) O ora alegante fez muitos mais julgamentos do que os seus colegas, e foi, inclusive, elogiado pela qualidade dos mesmos, pelo próprio inspector;

L) Mesmo a aplicar-se pena de suspensão ela não deveria nunca ter sido superior a 20 dias;

M) Os mencionados vícios, nulidades e demais moléstias constantes da acusação, acabaram por contaminar o acórdão da Secção Disciplinar, de 07.11.2017, bem como o acórdão impugnado, na medida em que tais decisões se ancoraram na dita acusação.

Termina pedindo que se declare a «nulidade/ilegalidade» do acórdão impugnado, com as devidas e legais consequências.

5. O CSMP culmina as suas alegações finais com as seguintes conclusões:

A) Como consta do «relatório final» do processo disciplinar a actuação do Magistrado ora autor apreciada nos autos em apreço, considerada violadora dos deveres de zelo e de prossecução do interesse público, reporta-se ao período de 01.04.2016 a 06.01.2017, tendo já sido anteriormente objecto de punição disciplinar conduta ilícita do mesmo Magistrado, agora relativa ao período de 01.10.2015 a 31.03.2015, no processo nº ……… RMP-PD;

B) Tendo o Instrutor considerado estar precludida a possibilidade de ser apreciada e punida a sua conduta anterior, que serviu apenas para contextualizar a acusação, nos termos do disposto no artigo 110º, nº2, do EMP, não ocorrendo nulidade por violação do princípio «ne bis in idem»;

C) Os factos ora objecto de avaliação e punição resultaram de novas participações disciplinares, «inexistindo dupla valoração de factos puníveis», não se verificando ampliação ilegal, por inexistência de delimitação definitiva dos factos inicialmente objecto do processo, uma vez apurada a existência da violação de diversos deveres funcionais, determinantes da conversão em processo disciplinar;

D) As circunstâncias e os factos praticados pelo Magistrado, ora autor, e que conduziram à sua punição com cinquenta dias de pena única, estão suficiente e exaustivamente documentados e fundamentados nos autos e dispõem de relevância disciplinar, não se mostrando necessária a perícia indeferida, como demonstrado;

E) Sendo a prova produzida «suficientemente elucidativa» quanto à gravidade e censurabilidade das condutas em apreço, e face ao exposto, não enferma o despacho que indeferiu a perícia do vício de falta de fundamentação, nem se verifica a nulidade da acusação - artigos 152º e 153º, nº1, do CPA;

F) Como já exposto, o autor violou o dever geral de zelo funcional a que estava obrigado - nos termos dos artigos 163º, 108º e 216º do EMP, e 73º, nº2, alínea e), e nº7, da LGTFP - e também o dever geral de prossecução do interesse público - nos termos dos artigos 163º, 108º e 216º do EMP, e 73º, nº2, alínea a), e nº3, da LGTFP [esta Lei aplicável subsidiariamente aos Magistrados do Ministério Público] - tendo sido calculada uma pena unitária, nos termos do artigo 188º do EMP;

G) As circunstâncias da sua vida familiar, pessoal, e situação de doença, foram invocadas pelo autor, e sendo por isso referidas no acto impugnado, apenas atenuam a sua conduta, no que se refere à diminuição da sua capacidade de trabalho, mas não podem excluir a culpa, nem se verifica contradição insanável na fundamentação;

H) Deste modo, não ocorrendo os vícios alegados pelo autor, nem ofensa do princípio invocado, deverá a acção ser julgada totalmente improcedente e não provada, e, em consequência, ser o CSMP absolvido do pedido pelo mesmo formulado.

6. Colhidos que foram os «vistos» legais, importa apreciar e decidir a acção.

II. De Facto

Resulta provado nos autos o seguinte quadro factual:

1- A………… - autor - é magistrado do Ministério Público, com a categoria de «procurador-adjunto», a exercer funções junto do «Tribunal da Comarca de ………» - ver «Nota Biográfica», a folha 65 do processo administrativo apenso [PA nº ……… - sendo seu anterior número o de ………-RMP-PD], volume I, cujo teor aqui se dá por reproduzido;

2- Em 20.12.2016, por acórdão do «Plenário do CSMP», confirmativo de anterior deliberação da Secção Disciplinar [27.09.2016], foi aplicada ao autor a «pena disciplinar de 25 dias de suspensão de exercício de funções», abrangendo o seu desempenho profissional no período compreendido entre 01.09.2015 a 31.03.2016 na «Comarca de ………» [inquérito ………, convertido no PD nº ………-RMP-PD, deste fazendo parte instrutória] - ver «Nota Biográfica», folha 65 do PA apenso, volume I; «Relatório» de Inspecção, de 12.04.2016, folhas 191 a 215; «Acusação» no PD nº ………-RMP-PD, folhas 216 a 244; «Relatório» do PD nº ………-RMP-PD, de 11.07.2016, folhas 245 a 268; acórdão da Secção Disciplinar do CSMP no PD nº ………-RMP-PD, de 27.09.2016, folhas 269 a 284; e acórdão do Plenário do CSMP, de 20.12.2016, folhas 285 a 317, no PD nº ………-RMP-PD - documentos cujo teor aqui se dá por reproduzido; e acórdão da Secção Disciplinar do CSMP, de 07.11.2017, página 5, ponto 10, e página 33, ponto 108, junto com a petição inicial como documento nº4, cujo teor aqui se dá por reproduzido;

3- Nessa mesma data - 20.12.2016 - por acórdão do «Plenário do CSMP» - proferido na sequência de reclamação do autor da deliberação da «Secção para Apreciação do Mérito Profissional», de 11.05.2016, em inspecção ao seu serviço e mérito, que o classificou de «Medíocre» - foi decidido manter a nota de «Medíocre», bem como determinada a abertura de «inquérito por inaptidão para o exercício de funções» [inquérito nº ………] e a «suspensão imediata do exercício de funções» [artigos 110º, nº2 do EMP] - ver acórdão do Plenário do CSMP, de 20.12.2016, a folhas 4 a 22 e 160 a 177 do PA, volume I, cujo teor aqui se dá por reproduzido; acórdão da «Secção Para Apreciação de Mérito Profissional» do CSMP, de 11.05.2016, folhas 151 a 159 do PA, volume I, cujo teor aqui se dá igualmente por reproduzido;

4- Essa classificação de «Medíocre» foi atribuída em resultado de «inspecção extraordinária» ao serviço e mérito do autor [inspecção extraordinária nº ………-16-OP] prestado na [extinta] Comarca da ……… e na instância local da ……… da Comarca de ………, no período compreendido entre 17.09.2011 e 31.08.2015, e que foi ordenada por deliberação da «Secção Permanente do CSMP», de 01.10.2015 - ver «Relatório da Inspecção Extraordinária nº ………-16-O.P.», de 11.12.2015, a folhas 98 a 150 do PA, volume I, cujo teor se dá por reproduzido; acórdão da Secção Disciplinar do CSMP, de 07.11.2017, folhas 769 a 800, do PA, volume II, e junto à petição inicial como documento nº4, página 5, ponto 13, 7, alínea g), 9, pontos 16 e 17, e página 19, ponto 47, cujo teor aqui se dá igualmente por reproduzido;

5- A 02.02.2017 o autor foi notificado - pelo ofício ........., da «Procuradoria-Geral da República - Inspecção do Ministério Público» - do início da instrução do «Inquérito Disciplinar nº ………-RMP-I», conforme ofício que se reproduz:



6- A 31.03.2017, em cumprimento do acórdão do Plenário do CSMP de 20.12.2016 - referido no anterior ponto 3 - foi elaborado pelo Instrutor o «Relatório de Inquérito Disciplinar [artigo 213º do EMP» - inquérito disciplinar nº ………-RMP-I], com vista ao apuramento de «aptidão funcional do autor» [artigo 110º, nº2 do EMP] - ver Relatório de Inquérito Disciplinar - Processo nº ………-RMP-I, a folhas 516 a 587 do PA, volume II, cujo teor aqui se dá por reproduzido;

7- Em 20.04.2017, por acórdão da Secção Disciplinar do CSMP - proferido na sequência do Inquérito Disciplinar nº ………-RMP-I, ordenado pelo acórdão do Plenário do CSMP, de 20.12.2016 [Processo nº ………-RMP] - «tendo em conta os fundamentos e a proposta formulada pelo Instrutor» no «Relatório de Inquérito Disciplinar [artigo 213º do EMP]», de 31.03.2017, foi mandado instaurar processo disciplinar contra o autor [PD nº ………-RMP-PD], decidindo-se nos termos seguintes:

«a) Determinar o arquivamento do inquérito no tocante à questão da inaptidão funcional do magistrado arguido - Procurador-Adjunto A………… - para o exercício do cargo de Procurador-Adjunto, nos termos do que conjugadamente dispõem os artigos 108º, 213º e 216º do EMP, e 213º da LGTFP [aprovada pela Lei 35/2014 de 20.06]; b) Determinar o levantamento imediato da suspensão de funções a que o arguido está actualmente sujeito, aplicada ao abrigo do nº2 do artigo 110º do EMP, devendo o magistrado apresentar-se ao serviço no dia seguinte ao da notificação da presente deliberação; c) Tendo em conta os factos apurados, determinar a conversão do presente processo de inquérito em processo disciplinar, constituindo aquele a fase instrutória deste, nos termos do artigo 214º do EMP» - ver acórdão da Secção Disciplinar do CSMP, de 20.04.2017, folhas 591 a 592 do PA apenso, volume II, cujo teor aqui se dá por reproduzido; acórdão do Plenário do CSMP, de 20.12.2016, a folhas 4 a 22 e 160 a 177 do PA, volume I, cujo teor se dá por reproduzido; Relatório de Inquérito Disciplinar [artigo 213º do EMP], folhas 516 a 587 do PA, volume II, cujo teor aqui se dá igualmente por reproduzido;

8- A 20.04.2017, pela deliberação da Secção Disciplinar do CSMP - a que se alude no anterior ponto 7 - o Inquérito Disciplinar nº ………-RMP-I foi convertido em «processo disciplinar», constituindo parte integrante deste [PD nº ………-RMP-PD, em apreciação nesta acção, a que foi atribuído, posteriormente, o nº ………] - ver acórdão da Secção Disciplinar do CSMP, de 20.04.2017, folhas 591 e 592 do PA apenso, volume II;

9- A 21.04.2017, o agora autor foi notificado - pelo «ofício ………» da Procuradoria-Geral da República - de todo o teor daquela deliberação - ver ofício a folha 595 do PA, volume II;

10- A 05.05.2017, por despacho do Senhor Vice-Procurador Geral da República, foi ordenada a instauração de processo disciplinar e a «apensação ao processo disciplinar resultante da conversão do inquérito nº ………-RMP-I» [PD nº ………-RMP-PD], de incidente sobre expediente constituído por certidão do Inquérito nº ………, «atenta a matéria e o visado» - ver despacho de 05.05.2017, exarado no ofício da PGR nº ………/Processo nº ………-RMP-I, de 07.04.2017, a folha 3 do PA apenso, e despacho de 03.04.2017, exarado sobre o ofício ………, de 24.03.2017, da Procuradoria-Geral Distrital de ……… - Gabinete do Procurador-Geral Distrital, a folha 4 do PA apenso; «Acusação», a folhas 600 a 627 do PA, volume II, cujo teor aqui se dá por reproduzido;

11- A 14.07.2017, foi deduzida «Acusação» contra o autor, onde se consignam factos ocorridos no período temporal compreendido entre 01.10.2015 a 31.03.2016 e 01.04.2016 a 06.01.2017, sendo-lhe imputada a violação dos «deveres de zelo» e de «prossecução do interesse público» - ver «Acusação» a folhas 600 a 627 do PA, volume II, cujo teor se dá por reproduzido; documento nº2 junto com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por igualmente reproduzido;

12- Da mesma «Acusação» consta do seu artigo 108º: «Para todos os efeitos legais, e em ordem a evitar a dupla punição disciplinar, em violação do princípio ne bis in idem, expressamente se consigna que toda a actuação funcional do magistrado arguido considerada como violadora dos deveres de zelo e de prossecução do interesse público e praticada durante o período temporal de 01.10.2015 a 31.03.2016, já foi objecto de punição disciplinar no Processo nº ………-RMP-PD, já citado e com cópias integradas nos presentes autos» - ver «Acusação» a folhas 600 a 627 do PA, volume II, cujo teor aqui se dá por reproduzido; e documento nº2 junto com a petição inicial;

13- A 17.07.2017, foi o autor notificado daquela «Acusação» - ofício ………, do CSMP-Serviços de Inspecção», a folha 628 do PA, volume II, cujo teor aqui se dá por reproduzido;

14- A 18.08.2017, o autor apresentou a sua «Defesa», no âmbito da qual suscita a nulidade da acusação requerendo, a final, «o arquivamento do presente processo disciplinar […] por insuficiência de factos, após a expurgação dos incorrectos», ou caso assim se não entenda, que se «declare extinta a responsabilidade disciplinar do arguido por exclusão de culpa devido à verificação de uma circunstância dirimente» [situação de saúde da sua filha menor, condições familiares e quadro clínico depressivo] e, de todo o modo, «que as circunstâncias atenuantes sejam atendíveis e seja aplicada a pena disciplinar de transferência mas se se decidir por esta que a mesma seja suspensa» - ver «Defesa» a folhas 634 a 671 do PA, volume II, cujo teor aqui se dá por reproduzido;

15- A 04.10.2017, foi elaborado «Relatório» [artigo 202º do EMP] no âmbito do Processo nº ………-RMP-PD, tendo sido imputado ao autor a violação do dever de prossecução do interesse público e a violação do dever de zelo, e proposta a aplicação da pena única de suspensão de exercício pelo período de 50 dias - ver «Relatório» a folhas 693 a 766 do PA, volume II, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;

16- A 07.11.2017, a Secção Disciplinar do CSMP, por acórdão proferido no «Processo Disciplinar ……… [antigo ………-RMP-PD]», aderindo ao «Relatório» do Instrutor, aos seus fundamentos e proposta, deliberou aplicar ao aqui autor «por uma infracção resultante da violação do dever de zelo, uma pena de suspensão de exercício pelo período de 40 dias, e por uma infracção resultante do dever de prossecução do interesse público, uma pena de suspensão de exercício pelo período de 30 dias, donde resulta, ao abrigo do disposto no artigo 188º, nº1, do EMP, a aplicação da pena única de suspensão de exercício por 50 dias» - ver acórdão da Secção Disciplinar do CSMP, de 07.11.2017 [PD ………], a folhas 769 a 800 do PA, volume II, cujo teor aqui se dá por reproduzido, e documento nº4 junto com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;

17- A 09.11.2017, o autor foi notificado do acórdão da «Secção Disciplinar» do CSMP - ofício nº ……… do CSMP - Secção de Apoio ao CSMP, a folha 802 do PA, volume II, cujo teor aqui se dá por reproduzido, e documento nº4 junto com a petição inicial, cujo teor aqui se dá igualmente por reproduzido;

18- O autor reclamou dessa decisão para o Plenário do CSMP - ver folhas não numeradas do PA apenso, volume II, cujo teor se dá por reproduzido, e documento nº5 junto com a petição inicial, cujo teor se dá igualmente por reproduzido;

19- A 10.04.2018, por acórdão do Plenário do CSMP, proferido no PD nº ……… - reclamação, do autor, do acórdão da Secção Disciplinar do CSMP de 07.11.2017 - foi desatendida a reclamação interposta pelo autor, «mantendo-se o acórdão da Secção Disciplinar do CSMP de 07.11.2017 - acórdão do Plenário do CSMP, de 10.04.2018, a folhas não numeradas do PA, volume II, cujo teor se dá por reproduzido, e documento nº1 junto com a petição inicial, cujo teor aqui se dá igualmente por reproduzido;

20- O autor impugnou este acórdão do Plenário do CSMP junto deste STA, através da presente acção nº714/18.9BALSB.

III. De Direito

1. O autor da presente acção administrativa reage ao «acórdão do Plenário do CSMP», datado de 10.04.2018 [19 do provado], que desatendeu a sua reclamação do acórdão da respectiva Secção Disciplinar, de 07.11.2017 [16 do provado], e manteve a sua punição disciplinar na pena única de 50 dias de suspensão do exercício de funções por violação dos deveres de zelo e prossecução do interesse público.

No seu articulado inicial e, sobretudo, nas conclusões das suas alegações finais, o autor aponta a esse acórdão punitivo ilegalidades que entende «conduzirem à nulidade» do mesmo. São, em síntese, as seguintes: - violação do princípio ne bis in idem; - omissão de diligência essencial à descoberta da verdade; - fundamentação contraditória e insuficiente; - e errada fixação da medida da pena.

Na lógica do autor, o acórdão impugnado, que o sancionou disciplinarmente no âmbito do PD nº ……… [antigo nº ………], deverá ser declarado nulo porque valorou duplamente factos - alegadamente integradores de infracções disciplinares -, porque contaminado com a omissão de uma diligência e com a desatenção a uma situação de doença que o desculpabilizaria, e, ainda, porque tem uma fundamentação contraditória e insuficiente.

2. Um dos vícios que o autor invocou na sua reclamação do acórdão da Secção Disciplinar [SD] do CSMP - acórdão de 07.11.2017 - e viu desatendido pelo «Plenário» - acórdão de 10.04.2018 - foi o da alegada valoração de factos pelos quais ele já tinha sido punido em processo disciplinar anterior [PD nº ………]. Insiste, nesta acção, que essa dupla valoração ocorreu, discordando, assim, das «explicações» que foram dadas no acórdão impugnado, segundo as quais «os factos apurados e registados até 31.03.2016 tiveram apenas o propósito de contextualizar a actuação funcional do magistrado arguido até à suspensão preventiva em 06.01.2017, ao abrigo do artigo 110º, nº2, do EMP», pois não foram nem poderiam ser valorados «em razão do princípio do ne bis in idem» [ver página 3 do acórdão impugnado - ponto 19 do provado].

Constata-se que a «acusação» deduzida contra o agora autor, em 14.07.2017 - ponto 11 do provado -, inclui factos ocorridos no período temporal compreendido entre 01.10.2015 e 06.01.2017, sendo que «factos» relativos ao período entre aquela primeira data e 31.03.2016 foram objecto do PD nº ………, que terminou com a condenação disciplinar do autor - aí arguido - numa pena de 25 dias de suspensão do exercício de funções - ver pontos 2 e 3 do provado.

Detecta-se no libelo acusatório, porém, uma clara distinção entre a factualidade situada num e noutro dos dois períodos temporais. Na verdade, do artigo 1º ao artigo 107º da acusação, o respectivo instrutor preocupa-se em historiar a vida do arguido no seio da magistratura do Ministério Público, com referências ao seu «ingresso, início de funções, nomeações, transferências, classificações e registo disciplinar, informações hierárquicas, funções exercidas, distribuição, volume de serviço, pendências, produtividades e imobilizações processuais, tendo sido estes últimos itens extraídos do sistema informático habilus, e desde 2008 a Março de 2016. E a descrição deste primeiro período de desempenho do ora autor termina com o artigo 108º da acusação onde, e em bold, o instrutor escreve o seguinte: «Para todos os legais efeitos, e em ordem a evitar a dupla punição disciplinar, em violação do princípio ne bis in idem, expressamente se consigna que toda a actuação funcional do magistrado arguido considerada como violadora dos deveres de zelo e de prossecução do interesse público, e praticada durante o período temporal de 01.10.2015 a 31.03.2016, já foi objecto de punição disciplinar no processo nº ………-RMP-PD, já citado e com cópias integradas nos presentes autos» - ver ponto 12 do provado.

A partir daí, ou seja, a partir do artigo 109º e até final - artigo 191º -, na acusação é articulada factualidade alegadamente reveladora de atrasos nos despachos dos processos, pouca produtividade, inobservância de orientações e ordens superiores, prescrição parcial de procedimento criminal [inquérito ………], erros técnicos grosseiros [NUIPC ………], tudo a demonstrar - pretensamente - a forma pouco empenhada e pouco briosa por que o magistrado arguido tem pautado a sua prestação funcional.

Este último acervo factual é temporalmente situado, segundo a lógica acusatória, a partir do início de Abril de 2016, sendo certo que uma análise cuidada dessa parte da acusação é susceptível de gerar dúvidas sobre a observância do termo «a quo» desse período temporal, em certos casos. São eles, nomeadamente, os casos levados aos artigos 114º a 116º - prescrição do inquérito NUIPC ………, em Março de 2016, e, em Maio de 2016, constatada a imobilização de 35 inquéritos há mais de 90 dias -, 124º e 127º - em 21.09.2016, imobilizações processuais entre 383 e 10 dias - e 129º - imobilizações processuais entre 178 e 90 dias, constatada em 03.10.2016 - da acusação. Porém, a consulta do acervo factual tido em conta na punição decretada no anterior PD - nº ……… - não permite qualquer conclusão no sentido da «dupla valoração dos mesmos», uma vez que esta não é evidenciada pela sua atenta e concreta ponderação.

Mas o certo é que o autor não concretiza qualquer facto que, em seu entender, tenha sido «duplamente valorado» - no PD nº ……… e no PD nº ……… -, sendo verdade que as referidas dúvidas, sobre o início do período temporal considerado, por si só não demonstram a ocorrência de quaisquer duplas valorações. Ele limita-se a dizer que, apesar do que é afirmado no acórdão impugnado, «tudo leva a crer que os factos por que foi punido no âmbito do PD nº ……… tenham assumido relevância disciplinar, […] pois que, de outro modo, não se justificaria tão longa, massiva e contundente exposição dos mesmos [na acusação]». E acrescenta que essa dupla valoração parece sobressair na consideração feita no ponto E) do acórdão impugnado, onde se diz: «Ora, não é crível que a sua doença lhe tenha retirado toda a sua capacidade de trabalho e que apenas ao fim de 4 ou 5 anos tivesse começado o seu tratamento clínico».

O princípio em causa - ne bis in idem - proíbe que alguém possa ser perseguido e punido mais do que uma vez - ne bis - pela mesma conduta - idem. É isso mesmo que sobressai do artigo 29º, nº5, da CRP, aplicável ao procedimento disciplinar, e que proíbe que, na actividade sancionatória, se proceda a uma dupla valoração do mesmo substrato material.

As razões fundamentais desta proibição, como vem sendo sublinhado, residem, por um lado, na «paz jurídica» que ao arguido se deve garantir finda que seja a perseguição de que foi alvo, e por outro lado, no limite da culpa e no interesse em evitar pronúncias díspares sobre factos unitários. A proibição assenta, pois, na identidade dos factos, e não na sua qualificação jurídica, tendo este Supremo Tribunal decidido já, a este respeito, ser nulo por violação do princípio do «ne bis in idem» o acto punitivo que, embora sob diferente qualificação, puna o arguido pelos mesmos factos por que ele já fora perseguido e sancionado noutro processo disciplinar [AC do STA/Pleno de 23.01.2013, Rº0772/10; e AC STA de 30.10.2014, Rº01169/13]. O que significa que quem averigua a responsabilidade disciplinar por via de determinados factos deverá esgotar todas as consequências sancionatórias que deles possam derivar, pois que, «se não o fizer, não poderá a perspectiva omitida ser recuperada num outro processo, seja a se seja em conjunto com a parte já antes tida em conta, por isso traduzir um juízo punitivo sobre os mesmos factos».

Mas também já preveniu, este Supremo Tribunal, «num contexto de sequência temporal de comportamentos semelhantes», que «não ocorre violação deste princípio se estamos em face de um novo atraso, disciplinarmente censurável, corporizado numa conduta que se mostra recortada e balizada por referência a diferente quadro temporal e sem que se possa vislumbrar ou configurar aí qualquer infracção de natureza permanente ou duradoura» - AC STA de 13.07.2016, Rº0516/14.

No presente caso, atenta a sequência temporal das condutas imputadas ao autor, o instrutor do PD nº ……… preocupou-se em sublinhar que não procedeu a qualquer dupla valoração - artigo 108º da acusação já citado - e voltou a fazê-lo aquando do seu «relatório final», onde já teve em consideração as razões avançadas em sede de defesa do arguido. E também os acórdãos do CSMP, quer o da SD quer o do «Plenário», sublinharam que os factos anteriores a Abril de 2016 serviram apenas para contextualizar as condutas factualmente relevantes para a punição.

Verdade é, na linha do que dissemos, que só poderá ocorrer a invocada violação se o aí arguido, e aqui autor, foi perseguido disciplinarmente - no todo ou em parte - pelos mesmos factos em ambos os procedimentos disciplinares. Mas competia-lhe a ele, enquanto autor, demonstrar isso mesmo, indicando e provando que a punição infligida no actual processo disciplinar se baseou em factos - minimamente individualizados - em que se suportou a pretérita sanção disciplinar.

Limitou-se, porém, a gerar a suspeita de que assim tenha sido - «tudo leva a crer» - sem indicar uma única situação, minimamente concretizada, de dupla valoração.

Apesar do realce do citado artigo 108º da acusação, ele assenta a dita suspeita, como vimos, por um lado na longa exposição de factos anteriores a Abril de 2016 que consta da acusação, e por outro lado, na referência feita à sua doença no âmbito do ponto E) do acórdão impugnado. Embora esta sua argumentação seja confusa, cremos que a ela subjazem duas perplexidades do autor, uma sobre o interesse em «tão longa exposição de factos» - note-se que boa parte dos «107º primeiros artigos da acusação» versam sobre o percurso profissional do arguido - e outra sobre o interesse em referir os «4 ou 5 anos anteriores» em que padeceu de depressão derivada da situação de doença da sua filha.

Mas estas perplexidades, ou interrogações do autor, únicos motivos, concretos, em que baseia a suspeita de «dupla valoração», não surtem o efeito desejado, pois não impõem, minimamente, a conclusão que delas ele pretende extrair. É que a finalidade de «contextualização», avançada pela entidade demandada, surge, lida toda a acusação, como perfeitamente plausível - independentemente da crítica que possa merecer tal método expositivo - e a referência à sua doença e aos «4 ou 5 anos» anteriores ao respectivo tratamento, atendendo ao contexto em que é feita, nada induz relativamente ao tema da dupla valoração. A alusão aos «4 ou 5 anos» anteriores apenas é feita pela entidade demandada com o intuito de contradizer a alegada total falta de «capacidade de trabalho» do arguido, ou seja, de contradizer uma situação que ele alega ocorrer também no período dos factos relevantes para a actual punição disciplinar.

O autor alega, ainda, que esta alusão à sua doença constitui uma «contradição insanável» na fundamentação do acórdão impugnado. É obscura a sua alegação neste aspecto. Cremos, no entanto, que ele contrapõe a sua total incapacidade para o trabalho ao sancionamento disciplinar pelo modo como trabalhou, o que, a ser assim, desenha de facto uma contradição. Só que a mesma é gizada com base num pressuposto por demonstrar, qual seja o da sua total incapacidade para o trabalho.

Deverá assim, sem mais, ser julgada improcedente esta ilegalidade apontada pelo autor ao acórdão impugnado, seja na vertente da violação do princípio «ne bis in idem» seja na da contradição na fundamentação.

3. O autor, na sequência do desatendimento da sua reclamação para o «Plenário» do CSMP, vem também invocar a ilegal omissão de diligência necessária para a descoberta da verdade, e, acoplado a este vício, invoca também o da «falta de fundamentação», ou, melhor dito, o da «insuficiente fundamentação» - além da «contradição na fundamentação» a que já nos referimos no final do anterior ponto 2.

Efectivamente, ele, em sede de «defesa», requereu ao inspector, para além da «audição de testemunhas» que arrolou, a produção de prova pericial, visando - nas «palavras do próprio inspector» - o seguinte: Requer prova pericial completa a todos os processos, em termos estatísticos, quantitativos e qualitativos, desde Maio de 2016 a Dezembro de 2016, para, ao que parece - pois a defesa não é expressa no desígnio a alcançar com essa perícia - demonstrar que os atrasos que lhe são imputados teriam justificação na vertente qualitativa dos respectivos processos, atendendo, e designadamente: à natureza dos crimes participados, ao número de pessoas envolvidas, bem como à maior/menor densidade dos factos a investigar».

Este requerimento de prova pericial acabou indeferido, pelo instrutor, segundo o qual essa diligência probatória seria «inútil, absurda e inexplicável».

E foi indeferido essencialmente com fundamento em quatro razões: - primeiro, porque as imobilizações e atrasos processuais, imputados ao arguido, estavam integralmente documentados através de listagens extraídas do sistema habilus e no «anexo C» em apenso ao processo disciplinar; segundo, porque os processos mais complexos e volumosos não eram tramitados na secção onde trabalhava o arguido, mas antes na «1ª secção do DIAP» de ………; terceiro, porque, tendo todos partido da mesma situação, os colegas do arguido «apresentavam pendências muito menores, sem atrasos e imobilizações processuais»; e quarto, porque o juízo de complexidade acerca dos processos é muito subjectivo, sendo que a prova pericial assenta em dados objectivos.

O arguido, agora como autor, retoma a sua alegação de que essa prova pericial era «indispensável para a descoberta da verdade» porque permitiria, através da constatação de dados objectivos - tais como a natureza dos crimes, o número dos envolvidos, a densidade factual - que se tecesse ou não um juízo de complexidade, e se pudesse apurar, assim, o seu verdadeiro trabalho. Não tendo sido realizada a perícia que requereu, mostra-se omitida diligência essencial para o apuramento da verdade, o que constitui nulidade insuprível [artigo 204º do EMP].

E, nesta senda, alega também o autor que essa omissão faz com que o acórdão impugnado padeça de insuficiente fundamentação. É que, e explica, ao dizer no seu ponto B) que «as circunstâncias e os factos praticados pelo magistrado e que levaram à sua acusação e punição com cinquenta dias de suspensão estão suficientemente documentados nos autos, considerando-se dispor de relevância disciplinar», assume uma fundamentação deficiente por somente perspectivada em termos numéricos e abstractos, sendo omissa no tocante a «aspectos qualitativos» - como a natureza dos crimes, o número dos envolvidos, a densidade factual - que ele pretendia ver apurados através da perícia que lhe foi indeferida. Se estes aspectos qualitativos fossem tidos em conta, alega, eles justificariam a sua «acumulação de serviço» [artigo 152º CPA]. Além disso, diz, interveio em processos administrativos, e em julgamentos, com a indispensável preparação que estes últimos exigem, e nada disso consta da «fundamentação do acórdão impugnado».

Mas ao autor não assiste, manifestamente, razão.

Efectivamente, a apreciação do desempenho do arguido, enquanto «magistrado do Ministério Público», colocado em determinada secção e tribunal, afere-se pelo saldo líquido do seu trabalho, pela sua capacidade de «dar vazão» ao serviço que lhe é distribuído. E, sendo esse serviço distribuído de modo igual, pelos diversos magistrados na mesma situação, é razoável que se afira o desempenho de cada um deles relativamente ao desempenho dos outros. É este um padrão objectivo razoável para avaliar a capacidade e a dedicação ao trabalho de cada um deles.

Neste contexto, fazer uma perícia a todos os processos que durante determinado período de tempo foram conclusos ao arguido mostra-se, à partida, descabido. Desde logo porque não havendo um «padrão de dificuldade ou complexidade» sempre os «dados resultantes da perícia» estariam sujeitos, como bem refere o inspector, a um juízo subjectivo, de tal modo que aquilo que se pretendia provar continuaria em boa parte no reino da mera presunção. Depois porque a perícia, enquanto meio de prova, não se esgota em si mesma, antes visa provar factos, e o certo é que o arguido, ora autor, não indicou, como lhe competia, os factos que através dela pretendia ver provados [ver artigo 475º do CPC]. E das duas uma: ou pretendia fazer contraprova de factos articulados na acusação contra si deduzida ou fazer prova de novos factos por si indicados, nomeadamente, a existência de determinados processos que, pelo seu volume, e sua complexidade, lhe tenham exigido especial investimento de tempo de trabalho, em prejuízo de outros. Não fez nem uma coisa nem outra.

Temos, pois, que a descrição factual feita na acusação, e assumida no acórdão impugnado, como substrato material das infracções disciplinares pelas quais o ora autor foi sancionado, aliada à sua respectiva e integral documentação através das listagens extraídas do sistema habilus e integradas no «anexo C» em apenso ao processo disciplinar, e às razões enunciadas, tornavam, efectivamente, a perícia requerida pelo arguido, uma diligência inútil.

Voltemo-nos para a alegada «insuficiência de fundamentação». Como este STA vem sublinhando, «o dever de fundamentação traduz-se num conceito relativo, pois tem a ver com a natureza, exigência e singularidades do acto administrativo em causa, sendo verdade que num acórdão punitivo, de natureza disciplinar, o essencial é que estejam lá os factos relevantes para integrar as condutas nas infracções imputadas ao arguido, com a clareza e a lógica indispensáveis para ele entender essa imputação, e, entendendo, poder reagir-lhe» [entre muitos, AC STA de 16.03.2017, Rº0343/15].

No presente caso, o «acórdão impugnado», do «Plenário» do CSMP, assimilou a fundamentação do «acórdão reclamado», da SD do mesmo Conselho, proferida na sequência do «relatório final» do inspector, de tal modo que nos deparamos, em alguns aspectos, com uma fundamentação por remissão que é perfeitamente legal [artigo 153º, nº1, do CPA].

Certo é que nela podemos constatar os elementos essenciais ao cumprimento do «dever de fundamentação»: - os factos; - o direito; - a necessária clareza, lógica e suficiência.

O ataque que o autor faz a este último aspecto - «suficiência» - tem a ver, como já dissemos, com a alegada falta de consideração da «vertente qualitativa» do seu desempenho, que poderia, na sua perspectiva, e «de certa forma» - como ele diz -explicar a «acumulação de serviço».

A verdade é que essa vertente não foi desconsiderada, porque não só foi aferido o seu desempenho em comparação com os colegas, na mesma situação, como foi tida em conta a natureza dos processos que lhe foram atribuídos - integrados nas «listagens» referidas. O que significa que os «juízos de valor e as conclusões» retiradas no acórdão impugnado - directamente ou por remissão - estão devidamente apoiadas em elementos concretos e objectivos. E não é verdade, também, que tenha sido esquecido o tempo «gasto» pelo arguido «em julgamentos e outras representações do Ministério Público», como se pode constatar nos pontos 111, 117, 120 [nomeadamente] da factualidade provada no processo disciplinar.

O autor queixa-se ainda de que as circunstâncias da sua vida pessoal não foram efectivamente ponderadas no acto impugnado, pois, caso o tivessem sido, teria de concluir-se que ele estava, à data dos factos, «acidentalmente privado das suas faculdades mentais», o que constitui circunstância dirimente da responsabilidade.

Refere-se ao seu quadro depressivo derivado da doença da sua filha, que, ao que parece, entende que o colocou numa situação de inimputabilidade [artigo 20º do CP] e, portanto, de insusceptibilidade de ser sujeito de responsabilização disciplinar.

Ora, por um lado, uma «tal situação» não está minimamente provada, e, para poder relevar - nos termos pretendidos pelo ora autor -, obviamente que o teria de estar; e por outro lado, o quadro depressivo a que se refere o autor foi efectivamente ponderado, não como ele pretenderia, mas sim no âmbito da sua culpa, como o revela, de modo iniludível, este segmento do «acórdão da SD do CSMP» mantido pelo acto impugnado: «Por outro lado, a situação familiar e de doença da filha do arguido, que se apurou ao longo do procedimento disciplinar, mostra-se também ligada à culpa pois que acabou por afectar a sua capacidade de trabalho e de produtividade, o que milita a seu favor como atenuante, embora não desculpabilize a sua conduta, atendendo a todos os demais factos e ao período de tempo em causa, e ao desleixo - ou até recusa - em atempadamente se submeter ao tratamento médico adequado de forma a evitar os danos causados».

4. Finalmente, uma palavra sobre a discordância manifestada pelo autor quanto à «medida da pena disciplinar» que lhe foi aplicada, que, a seu ver, não deveria ultrapassar os 20 dias de suspensão do exercício de funções.

A este respeito, encontramo-nos num domínio fortemente marcado pelo «poder discricionário» atribuído, no caso, ao CSMP. A ele compete, na verdade, fazer os juízos de apreciação e avaliação necessários à escolha e determinação da pena disciplinar que - dentro do quadro legal permitido - deverá ter lugar no caso concreto.

Aí, onde o CSMP exerce essa efectiva prerrogativa de avaliação, os tribunais não devem entrar, a não ser, e isso se lhes exige, através do controlo externo sobre o correcto exercício desse poder discricionário - discricionariedade imprópria - que lhe é atribuído.

Caberá ao tribunal, assim, no âmbito desse controlo externo, apreciar casos de «erro grosseiro, desvio de poder, erro de facto, falta de fundamentação», e, em geral, de «incompatibilidade do juízo condenatório com os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos e princípios fundamentais cujo cumprimento se imponha à Administração».

Ora, no presente caso, nada disso se divisa, ou sequer foi invocado pelo autor, que se limitou a substituir o julgamento feito pelo CSMP pelo seu próprio.

Concluindo: tudo visto e ponderado, entendemos que o acórdão impugnado, do «Plenário» do CSMP, não padece das «ilegalidades» que lhe são apontadas pelo autor desta acção administrativa, razão pela qual a sua pretensão de «ver esse acto declarado nulo» deverá ser julgada totalmente improcedente.

IV. Decisão

Nestes termos, decidimos julgar improcedente a presente acção e absolver o Conselho Superior do Ministério Público do pedido contra ele formulado.

Custas pelo autor.

Lisboa, 31 de Outubro de 2019. – José Augusto Araújo Veloso (relator) – Ana Paula Soares Leite Martins Portela – Jorge Artur Madeira dos Santos.