Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01554/14
Data do Acordão:02/01/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:FONSECA DA PAZ
Descritores:ILEGALIDADE DE NORMAS
REGULAMENTO MUNICIPAL
ESTACIONAMENTO NA VIA PÚBLICA
CONTRA-ORDENAÇÃO
COMPETÊNCIA
Sumário:I - O estacionamento em parques e zonas de estacionamento por tempo superior ao estabelecido, ou sem o pagamento da taxa devida nos termos fixados em regulamento, constituía uma contra-ordenação rodoviária prevista no Código da Estrada, cuja instrução e tramitação era da competência da ANSR, incumbindo ao seu Presidente a decisão de aplicação da coima respectiva.
II - Se a previsão dessa contra-ordenação em regulamento municipal tem como consequência que o seu processamento incumba à Câmara Municipal e a aplicação da coima respectiva seja da competência do seu Presidente, a norma impugnada padece de ilegalidade por infringir normas de hierarquia superior que têm sempre de prevalecer.
Nº Convencional:JSTA00070531
Nº do Documento:SA12018020101554
Data de Entrada:12/26/2014
Recorrente:MUNICÍPIO DE SÃO JOÃO DA MADEIRA
Recorrido 1:MINISTÉRIO PÚBLICO
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:AC TAF AVEIRO
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR ADM GER - ADM PUBL LOCAL / TEORIA REGULAMENTOS.
DIR ADM CONT - IMPUGN NORMA.
Legislação Nacional:CE94 ART50 ART70 ART71 ART169.
L166/99 DE 1999/09/18 ART53 N2 ART64 N1.
CONST05 ART112 N7 ART241.
DL 81/2006 DE 2006/04/20 ART2 N1 - ART12.
DL 203/2006 DE 2006/10/27.
DL 77/2007 DE 2007/03/29.
RGU MUNICIPAL PARQUES ZONAS DE ESTACIONAMENTO DE DURAÇÃO LIMITADA E BOLSAS DE ESTACIONAMENTO DO MUNICIPIO DE S JOÃO DA MADEIRA ART14-A.
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA:


RELATÓRIO

O MUNICÍPIO DE SÃO JOÃO DA MADEIRA, inconformado com o acórdão do TAF de Aveiro, que julgou procedente a acção administrativa especial de impugnação de normas contra ele intentada pelo Ministério Público, declarando a ilegalidade, com força obrigatória geral, do artigo 14.º-A, do Regulamento Municipal de Parques, Zonas de Estacionamento de Duração Limitada e Bolsas de Estacionamento do Município de São João de Madeira, dele interpôs, para este STA, recurso de revista “per saltum”, tendo, na respectiva alegação, formulado as seguintes conclusões:
“1º - A questão de direito controvertida nos autos centra-se em saber se é ilegal a norma contida no art. 14º-A, 1, do Regulamento Municipal de Parques, Zonas de Estacionamento de Duração Limitada e Bolsas de Estacionamento de São João da Madeira que sob a epígrafe “competência para a aplicação de coimas” dispõe que o processamento das contraordenações previstas nesse mesmo regulamento, compete à Câmara Municipal de São João da Madeira e a aplicação das coimas é da competência do Presidente da Câmara.
- Perante a douta sentença recorrida, na esteira do que igualmente defende o Ministério Público, a ilegalidade da citada norma do art.º 14º-A do regulamento Municipal que atribui competência à Câmara Municipal para o processamento das contraordenações e ao Presidente da Câmara a de aplicar as respetivas coimas, no quadro do regime sancionatório regulamentarmente previsto no CAPÍTULO V, artigo 13º e seguintes, afigura-se óbvia, por violar as regras de atribuições e competências legalmente atribuídas à Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, pelo normativo do art.º 2º do DL N.º 77/2007 de 29 de Março e art.º 169º, números 1 e 2, igualmente do Código da Estrada, antes da alteração introduzida com a adição do atual nº 7 pela lei n.º 73/2013 de 3 de Março que disciplina ex novo a Competência das Câmaras Municipais sobre a matéria sub facto et jure.
- Isto por que se estatui no art.º 2.º do DL. N.º 77/2007 de 29 de Março em matéria de missão e atribuições que é cometida à Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR) o seguinte: o n.º 1 que genericamente as define e disciplina - a aplicação do direito contraordenacional rodoviário - e, especificamente o estatuído no n.º 2, e) no que concerne em assegurar o processamento e gestão dos autos levantados por infrações ao Código da Estrada e legislação complementar.
- E quanto à matéria da correlativa competência, os números 1 e 2 do art.º 169º do C.E. em que se estatui (ia) que o processamento das contraordenações rodoviárias compete à ANSR e a competência para aplicar as coimas, ao seu presidente.
- Deste modo, a douta sentença recorrida afasta liminarmente a competência da Câmara Municipal e do seu Presidente para processar os respetivos processos de contraordenações e aplicar coimas à matéria disciplinada no Regulamento Municipal de Parques, Zonas de Estacionamento de Duração Limitada e Bolsas de Estacionamento de São João da Madeira, no pressuposto dogmático, por não discutido ou fundamentado de Direito que as sanções estatuídas, no âmbito da matéria regulamentada, nada têm a ver com a matéria da missão e atribuições conferidas à ANSR em matéria se segurança rodoviária e, consequentemente, as competências daí decorrentes de processamento de contraordenações estradais ou rodoviárias, contraordenacionalmente cominadas com coimas, por expressa violação ao Código da Estrada.
- De modo igualmente dogmático, por não fundamentado, limita-se a douta sentença recorrida a afirmar que não aceita a argumentação do réu ora recorrente que a caracterização das áreas de estacionamento de duração limitada, enquanto matéria regulamentada pelo Município, não se traduz numa postura de estacionamento proibido, por razões de segurança rodoviária, não constituindo o regime sancionatório daí decorrente, uma infração às normas estradais, maxime art.º 71º do Código da Estrada”.
- Dado que, na sua perspetiva, o referido art.º 71.º do Código da Estrada assegura hipóteses de estacionamento proibido, bem como a previsão das respetivas coimas, sendo a violação do mesmo uma infração a norma estradal.
- Igualmente a douta sentença recorrida limita-se, na abordagem que faz ao DL n.º 81/2006 de 20 de abril, a afirmar que nos termos do seu art. 2º, apenas são cometidas às Câmaras Municipais competência para aprovar a localização de parques ou zonas de estacionamento, sendo as condições de utilização e taxas devidas pelo estacionamento aprovadas por regulamento municipal, pelo que tal preceito não confere qualquer competência às Câmaras Municipais ou aos respetivos presidentes para processar contraordenações e aplicar coimas por infração a norma do Código da Estrada.
- Porém, foi a própria legislação complementar ao Código da Estrada que, com a entrada em vigor do DL 81/2006 de 20 de abril, ao estipular que as condições de utilização e as taxas devidas pelo estacionamento em zonas urbanas de utilização limitada em locais de fruição de bens de domínio municipal, que nos faz, com segurança concluir que o legislador reconhece expressamente aos órgãos municipais (Câmara Municipal e Presidente da Câmara Municipal) a autonomia normativa na fixação desse regime.
10º - O que só por si implica o reconhecimento que tais órgãos são por si competentes para a aplicação das respectivas contra ordenações.
11º - De jure condito, sublinhe-se, o disposto nos normativos dos artigos 7º, 8º, 10º e 12º do citado DL n.º 80/2006 em que o legislador não só prevê como organiza um regime geral contraordenacional cometendo expressamente competência à Câmara Municipal para a fiscalização e instrução dos respetivos processos, no âmbito da violação sancionatória da atribuída matéria regulamentar autónoma, como ao Presidente da Câmara lhe é cometida a aplicação da respetiva coima.
12º - Sublinhe-se mesmo que o legislador, no âmbito deste mesmo diploma que veio disciplinar o regime relativo às condições de utilização dos parques e zonas de estacionamento como legislação complementar ao Código da Estrada, ainda que as situações previstas nos seus artigos 7º e 8º se reportem a interesses diretamente ligados à segurança rodoviária, mesmo assim comete toda a competência contra ordenacional ao Município, dada a conexão com as atribuições autárquicas.
13º - É inquestionável que o estacionamento de duração limitada e respetiva regulamentação enquadram-se nas atribuições e competências dos órgãos municipais, in casu, Assembleia municipal sob proposta da Câmara Municipal.
14º - Não estando aí tão só cometidas às Câmaras Municipais, a determinação da localização e condições de utilização dos parques e zonas de estacionamento, tal qual é restritivamente descrito, em termos de competência regulamentar municipal sobre a matéria, in douta sentença recorrida.
15º - Também as taxas devidas em zonas de estacionamento de duração limitada são da competência das Câmaras Municipais no quadro da autonomia financeira dos Municípios cuja lei habilitante é igualmente o Decreto-lei n.º 81/2006 de 20 de Abril.
16º - Como decorrência da própria lei das finanças locais e da própria organização democrática do Estado que compreende a existência de autarquias locais cujos princípios gerais estão constitucionalmente consagrados nos artigos 235º e seguintes da CRP especificamente a consagração de património e finanças próprias que o art.º 238º, consagra.
17º - Ora, quer as atribuições conferidas pelo art.º 2º, n.º 2 do DL 77/2007 de 29 de março à Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária para “assegurar o processamento e gestão dos autos levantados por infrações ao Código da Estrada” quer a competência, igualmente cometidas à ANSR pelo art.º 169.º, do Código da Estrada, para o processamento e aplicação das contraordenações rodoviárias, não afasta as atribuição e competências própria dos Municípios, nos termos da previsão normativa contida no art.º 14º-A do Regulamento Municipal de Parques, Zonas de Estacionamento de Duração Limitada de São João da Madeira.
18º - Isto por que os regimes locais de condicionamento de estacionamento não se preordenam a qualquer interesse geral de segurança rodoviária que esteja a cargo ou seja da responsabilidade da administração central.
19º - Desde logo, a caracterização das áreas de estacionamento de duração limitada, enquanto matéria regulamentada pelo Município, não se traduz numa postura de estacionamento proibido, por razões gerais de segurança rodoviária, não constituindo o regime sancionatório daí decorrente, uma infração a normas estradais, maxime art.º 71.º do Código da Estrada.
20º - Nas normas regulamentares sub judice, ao contrário do epigrafado no supra citado art.º 71º do C.E., “estacionamento proibido”, o estacionamento é permitido, estando simplesmente condicionado. Pode estar mesmo este tipo de estacionamento de duração limitada permanentemente ocupada com veículos em regime de estacionamento.
22º - A ratio legis que o regulamento municipal contém, é a satisfação do interesse público local, como a garantia de acesso livre, ainda que taxado, dos cidadãos aos espaços de maior afluência pública ou aos serviços públicos, como o fim público ambiental e de ordenamento territorial, moderando-se o acesso do veículo automóvel privado em espaço urbano, bem como a regulação do tráfego citadino, tudo fins locais, de modo algum compagináveis com uma política de segurança ou ordenação rodoviária geral.
23º - Poderá pois, com segurança e sem qualquer tipo de controversa dogmática, concluir-se que a ratio decidendi do regulamento municipal cuja norma do art.º 14-A ora é posta em crise pela douta sentença recorrida, radica na realização de fins públicos não rodoviários de cariz administrativo municipal, matéria de competência legal e regulamentar dos Municípios que o referido diploma naturalmente consagra.
24º - E foi o Código da Estrada que em sede própria (artigos 70.º e 71º) e legislação complementar (DL n.º 81/2006 de 20 de abril, especificamente o n.º 2 do art.º 2º), que colocou esta matéria no domínio da autonomia local, reconhecendo as especificidades locais inerentes a tal matéria, reconhecendo expressamente aos órgãos municipais a autonomia normativa na fixação deste regime de estacionamento em zonas de duração limitada.
25º - E as facti-specii do regime sancionatório contraordenacional, poderão ser conformadas pelas autarquias, não resultando nem estrita nem exclusivamente do Código da Estrada.
26º - O n.º 2 do art.º 2º do DL 81/2006, cinge-se a consagrar o respetivo tipo base.
27º - Assim, no âmbito do regime sancionatório contraordenacional e tendo em conta as fontes ou diplomas habilitantes, poderá concluir-se que os elementos tipo das infrações aos estacionamentos de duração limitada, são fixados com base ou à luz do interesse público específico local, no quadro da autonomia do poder democrático autárquico, e por via do qual, em regulamento municipal autónomo de extensão, se disciplina e ordena a regulação deste tipo de estacionamento, cujo respetivo tipo base se encontra pré definido nos artigos 70º e 71º do Código da Estrada e legislação complementar, concretamente o DL n.º 81/2006
28º - Foi o que o Município de São João da Madeira fez, no âmbito das atribuições e competências dos seus órgãos próprios, a Câmara Municipal e a Assembleia Municipal, ao elaborar, aprovar e publicar o regulamento municipal aqui contenciosamente posto em crise, pela invocada ilegalidade da norma do seu art.º 14º-A que, em matéria de competências para a aplicação do regime sancionatório contraordenacional, previsto no “CAPÍTULO V”, artigos 13.º e seguintes, comete o processamento das respetivas contraordenações à Câmara Municipal e a aplicação das coimas ao Presidente da Câmara.
29º - Como o próprio regulamento fixa a respetiva taxa, nos termos do art.º 13.º cfr. Artigo 55º, nº 1 e 5 da Lei das Finanças Locais.
30º - A simples leitura das citadas normas contidas nos artigos 7º, 8º, 10º e 12º do DL n.º 81/2006 e o seu contexto normativo, mostram bem que há lugar para uma interpretação extensiva, para uma mais que legítima extensão teleológica.
31º - Sendo porém as situações previstas nos seus artigos 7º e 8º disciplinadoras dos “PARQUES DE ESTACIONAMENTO” diretamente ligadas à segurança rodoviária, ainda assim, obviamente por conexão com atribuições autárquicas, o legislador vem devolver integralmente às Câmaras Municipais, vide n.º 6º do art.º 12º, a competência para a fiscalização e instrução dos respetivos processos de contraordenação incluindo o produto da coima reverter para o próprio município (vide n.º 7) o que o faz, certamente, pela sua intrínseca e inextrincável ligação à ordenação de interesses públicos de carater local.
32º - Por todos os argumentos aduzidos quer em sede de contestação, contra alegações e os vertidos no parecer do Dr. Paulo Rangel junto aos autos e pelos demais que Vossas Excelências suprirão, parecem-nos assim cair por terra todos os argumentos de direito aduzidos in douta sentença recorrida para julgar procedente a presente ação administrativa especial e, em consequência ter-se declarado a ilegalidade, com força obrigatória geral, do artigo 14º - A do Regulamento Municipal de Parques, Zonas de Estacionamento de Duração Limitada e Bolsas de Estacionamento do Município de São João da Madeira.
33º - Pelo contrário, a manutenção da declaração de ilegalidade, com força obrigatória geral, da norma contido no art.º 14º - A do Regulamento Municipal de Parques, Zonas de Estacionamento de Duração Limitada e Bolsas de Estacionamento de São João da Madeira, o poder regulamentar próprio, independente ou autónomo do Município, no âmbito das suas atribuições e competências, uma expressão essencial da autonomia do poder local, constitucionalmente consagrado no artigo 241º da Constituição da República Portuguesa, os próprios artigos 70º, 71º e 169º do Código da Estrada, a sua legislação complementar constante do DL n.º 81/2006 de 20 de abril, as próprias regras de competência atribuídas às Câmaras Municipais e seu presidente em matéria contraordenacional, a autonomia administrativa, regulamentar e financeira das próprias autarquias locais.
34º - Pelo que a douta sentença recorrida deverá ser declarada nula ou anulada com a sua consequente revogação, sendo substituída por douto Acórdão que mantenha na ordem jurídica, por válida a norma contida no artigo 14º-A do Regulamento Municipal de Parques, Zonas de Estacionamento de Duração Limitada e Bolsas de Estacionamento do Município de São João da Madeira, como é de Direito e Justiça”.

O Recorrido contra-alegou, tendo enunciado as seguintes conclusões:
“1 - Dispõe o art. 14°-A do Regulamento Municipal de Parques, Zonas de Estacionamento de Duração Limitada e Bolsas de Estacionamento do Município de São João da Madeira, “1. O processamento das contra-ordenações previstas no presente Regulamento, compete á Câmara Municipal de São João da Madeira e a aplicação das coimas é da competência do Presidente da Câmara.”.
2 - Tal norma é manifestamente ilegal por violação do disposto no art.º 169.º, do C. da Estrada e no art. 2.º, 2, e), do DL. N.º 77/2007, de 29 de Março.
3 - As Câmaras Municipais não têm competência para instruir e decidir procedimentos de contra-ordenação por estacionamento irregular, nem tão pouco constitui receita municipal o produto das coimas provenientes daqueles processos.
4 - Às Câmaras Municipais compete apenas a determinação da localização e condições de utilização dos parques e zonas de estacionamento, bem como a respectiva fiscalização.
5 - Actualmente, poderá ser-lhe atribuída aquela competência nos termos e desde que reunidas as condições previstas no n° 7 do art. 169.º, do actual C. Estrada.
6 - Isto é, “a competência para o processamento das contra-ordenações previstas no art. 71° e a competência para aplicação das respectivas coimas e sanções acessórias podem ser atribuídas à câmara municipal competente para aprovar a localização do parque ou zona de estacionamento, por designação do membro do Governo responsável pela área da administração interna, mediante proposta da câmara municipal, com parecer favorável da ANSR, desde que reunidas as condições definidas por portaria do membro do Governo responsável pela área da administração interna”.
7 - Face ao exposto, o acórdão impugnado não merece censura pelo que deverá ser mantido nos seus precisos termos, negando-se assim provimento ao recurso”.
Colhidos os vistos legais, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

FUNDAMENTAÇÃO

I. MATÉRIA DE FACTO
O acórdão recorrido considerou provados os seguintes factos:
A) No dia 4 de Maio de 2010, a Assembleia Municipal de São João da Madeira, sob proposta da Câmara Municipal aprovou o Regulamento Municipal de Parques, Zonas de Estacionamento de Duração Limitada e Bolsas de Estacionamento. - cfr. doc. 1 junto com a pi..
B) Dispõem os artigos 13°, 14°, 14-A e 14°B do referido Regulamento:
Artigo 13°
Regime aplicável
Sem prejuízo da responsabilidade civil ou penal que ao caso couber, as infracções ao disposto no presente Regulamento são sancionadas nos termos do presente capítulo.
Artigo 14°
Coimas
A utilização indevida dos títulos de estacionamento, bem como o estacionamento em local proibido será punido com as coimas previstas nos artigos 50° e 71° do Código da Estrada.
Artigo 14°-A
Competência para a aplicação das coimas
1. O processamento das contra-ordenações, previstas no presente Regulamento, compete à Câmara Municipal de São João da Madeira e a aplicação das coimas é da competência do Presidente da Câmara.
2. A aplicação da coima é precedida da entrega ao infractor ou deposição no veículo do correspondente aviso de contra-ordenação.” - cfr. doc. 2 junto com a p.i..

II. O DIREITO.
O acórdão recorrido, para julgar procedente a acção, entendeu que a norma impugnada, ao conferir à Camara Municipal e ao seu Presidente competência para processar contra-ordenações e aplicar coimas por infracção aos artºs. 50.º e 71.º, do C. Estrada, infringia o disposto no art.º 2º, n.º 2, al. e), do DL nº. 77/2007, de 29/3 – de acordo com a qual constituía atribuição da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (doravante ANSR) “assegurar o processamento e gestão dos autos levantados por infracções ao Código da Estrada” – e no art.º 169.º, nºs. 1 e 2, do C. Estrada, na redacção anterior à Lei n.º 72/2013, de 3/3, que estabelecia a competência da ANSR para processar as contra-ordenações rodoviárias e, através do seu Presidente, aplicar as respectivas coimas.
Contra este entendimento, o recorrente, no presente recurso, alega fundamentalmente que as áreas de estacionamento de duração limitada caracterizam-se, nos termos dos artºs. 70.º e 71.º do C. Estrada, por serem áreas de estacionamento permitido, ainda que condicionado, e não proibido, pelo que as razões da sua “proibição” nada têm a ver com razões de segurança rodoviária –essa sim, matéria da exclusiva competência da ANSR – e que, além da determinação da localização e condições de utilização dos parques e zonas de estacionamento, também é da competência das Câmaras Municipais, no quadro da autonomia financeira dos Municípios, cuja lei habilitante é o DL n.º 81/2006, de 20/4 – que estabelece o regime das condições de utilização dos parques e zonas de estacionamento, prevendo nos artºs. 7.º, 8.º, 10.º e 12.º, contra-ordenações cujo processo segue na Câmara e onde a coima é aplicada pelo seu Presidente – a matéria das taxas aí devidas pelo estacionamento e, consequentemente, o seu regime sancionatório e contra-ordenacional.
A questão que está em causa nos autos consiste, assim, em saber se a norma impugnada, ao estabelecer que era a Câmara Municipal de S. João da Madeira que procedia à instrução dos processos de contra-ordenação por infracção ao disposto nos artºs. 50.º e 71.º, ambos do C. Estrada, e que as respectivas coimas eram aplicadas pelo seu Presidente, padece de ilegalidade, por infringir as normas de hierarquia superior que atribuíam à ANSR e ao seu Presidente a competência para a instrução, tramitação e decisão de aplicação das contra-ordenações rodoviárias de estacionamento proibido nas zonas de estacionamento de duração limitado.
Vejamos.
No âmbito da prossecução das suas atribuições, as autarquias locais podem elaborar regulamentos autónomos ou independentes, os quais devem indicar expressamente a lei que define a competência para a sua emissão (lei de habilitação), por eles não se poderem fundar directamente na Constituição (cf. artºs. 241.º e 112.º, n.º 7, ambos da CRP).
Nos termos dos artºs. 53.º, n.º 2 e 64.º, n.º 1, al. u), ambos da Lei n.º 169/99, de 18/9 (na redacção resultante da Lei n.º 5-A/2002, de 11/1), competia à Assembleia Municipal aprovar os regulamentos do Município e estabelecer, nos termos da lei, as taxas municipais e fixar os respectivos quantitativos, cabendo à Câmara Municipal deliberar sobre o estacionamento de veículos nas ruas e demais locais públicos.
O Código da Estrada, aprovado pelo DL n.º 114/94, de 3/5, proibia, no art.º 50.º, o estacionamento nas zonas de estacionamento de duração limitada quando não fosse cumprido o respectivo regulamento, sendo o desrespeito dessa proibição sancionado com uma coima de 30 a 150 euros [cf. nºs. 1, al. h) e 2].
Incluídos na subsecção designada por “Parques e zonas de estacionamento”, os artºs. 70.º e 71.º, do mesmo diploma, estabeleciam que a utilização desses parques e zonas podia ser limitada no tempo ou sujeita ao pagamento de uma taxa, nos termos fixados em regulamento (cf. n.º 2 do art.º 70.º), sendo aí proibido estacionar por tempo superior ao estabelecido ou sem o pagamento da taxa fixada, sob pena da aplicação de uma coima de 30 a 150 euros [cf. art.º 71.º, nºs. 1, al. d) e 2].
Pelo DL n.º 81/2006, de 20/4, foi aprovado o “Regime relativo às condições de utilização dos parques e zonas de estacionamento”, tal como vinham definidos no Código da Estrada, estabelecendo-se que a sua localização era aprovada pelas câmaras municipais e que as condições de utilização e taxas devidas eram aprovadas por regulamento municipal (cf. nºs. 1 e 2 do art.º 2.º).
Após a Lei Orgânica do Ministério da Administração Interna, aprovada pelo DL n.º 203/2006, de 27/10, contemplar a criação da ANSR, que concentraria as funções do Ministério no que respeitava à prevenção e segurança rodoviária, o DL n.º 77/2007, de 29/3, em consonância com a intenção do legislador de centralizar na ANSR todas as componentes do processamento das contra-ordenações de trânsito após o levantamento do auto, com vista a atingir-se níveis mais elevados de eficiência e eficácia, diminuindo os custos de processamento, aumentando o sucesso da cobrança e, sobretudo, reforçando o efeito disciplinador da fiscalização e das sanções determinadas, pelo aumento da garantia da sua aplicação e pela minimização do tempo decorrido entre a infracção e a sanção (cf. preâmbulo), estabeleceu, como atribuições dessa Autoridade, a de “assegurar o processamento e gestão dos autos levantados por infracções ao Código da Estrada e legislação complementar” [cf. art.º 2.º, n.º 2, al. e)] e a de “exercer as demais competências que a lei, designadamente o Código da Estrada e respectiva legislação complementar, lhe cometam expressamente” [cf. art.º 2.º, n.º 2, al. f)], competindo ao seu Presidente “a decisão administrativa no âmbito dos processos de contra-ordenação estradais, no que diz respeito à aplicação de coimas, sanções acessórias e outras medidas disciplinadoras conferidas pelo Código da Estrada…”. [cf. art.º 4.º, n.º1, al. c)].
Com o DL n.º 113/2008, de 1/7, o art.º 169.º, do C. Estrada, passou a dispor o seguinte:
“1- O processamento das contra-ordenações rodoviárias compete à Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária.
2- A competência para aplicação das coimas e sanções acessórias pertence ao Presidente da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária”.
Este preceito foi alterado pela Lei n.º 72/2013, de 3/9 – que entrou em vigor em 3/12/2013 –, passando a estabelecer, nos seus nºs. 1, 2 e 7:
“1- Sem prejuízo do disposto no n.º 7, o processamento das contraordenações compete à ANSR.
2- Sem prejuízo do disposto no n.º 7, a competência para aplicação das coimas e sanções acessórias pertence ao presidente da ANSR.
7- A competência para o processamento das contraordenações previstas no artigo 71.º e a competência para aplicação das respetivas coimas e sanções acessórias podem ser atribuídas à câmara municipal competente para aprovar a localização do parque ou zona de estacionamento, por designação do membro do Governo responsável pela área da administração interna, mediante proposta da câmara municipal, com parecer favorável da ANSR, desde que reunidas as condições definidas por portaria do membro do Governo responsável pela área da administração interna”.
Resulta das citadas disposições legais que o processamento das contra-ordenações rodoviárias ou estradais compete à ANSR, incumbindo ao seu Presidente a aplicação da coima e das sanções acessórias respectivas.
Em face da definição constante do art.º 131.º, do C. Estrada, não pode deixar de se concluir que estão aí incluídas as contra-ordenações rodoviárias que consistem no estacionamento em parques e zonas de estacionamento por tempo superior ao estabelecido ou sem o pagamento da taxa devida, nos termos fixados em regulamento. Com efeito, ainda que se considere, como o recorrente, que não se está perante uma situação de estacionamento proibido, mas meramente condicionado, o que é certo é que essa contra-ordenação configura um “estacionamento proibido” e está prevista no Código da Estrada, sendo, por isso, uma contra-ordenação rodoviária, cujo processamento incumbe à ANSR, sendo o seu Presidente competente para aplicação da coima respectiva.
E que foi este o pensamento legislativo infere-se também do preâmbulo do DL n.º 77/2007 – onde se expressa a intenção de centralizar na ANSR todas as componentes do processamento das contra-ordenações rodoviárias após o levantamento do auto – e do art.º 2.º do DL n.º 81/2006 – de onde resulta que só as condições de utilização dos parques e zonas de estacionamento e as taxas devidas por essa utilização são aprovadas por regulamento municipal –, o qual foi, mais tarde, confirmado pela Lei n.º 72/2013 que, ao alterar o art.º 169.º, do C. Estrada, no sentido de permitir que, cumpridas determinadas condições, fosse atribuída às Câmaras Municipais competentes para aprovar a localização desses parques e zonas a competência para processar as contra-ordenações em causa e ao seu Presidente a competência para decidir sobre a aplicação das coimas respectivas, demonstra que se entendia que essas entidades não tinham tal poder.
Ao contrário do alegado pelo recorrente, a circunstância de o DL n.º 81/2006 prever contra-ordenações cujo processo é tramitado nas Câmaras, com coima aplicada pelo seu Presidente – cf. artºs 7.º (sobre a indicação, completa e visível, no exterior do acesso ao parque de estacionamento), 8.º (sobre os acessos interiores dos utentes nos parques de estacionamento), 10.º (sobre a obrigação de desligar o motor dos veículos nos parques de estacionamento cobertos, assim que se termine a manobra de estacionamento) e 12.º (respeitante às regras de determinação do preço a pagar pelos utentes dos parques de estacionamento) – não é demonstrativo de um princípio geral da competência autárquica integral no domínio contra-ordenacional, pois esta não se presume e, em face do que já ficou referido, não se pode concluir que o legislador tenha dito menos do que pretendia. Pelo contrário, a não previsão expressa da contra-ordenação em causa significa que a sua intenção foi a de que ela fosse tratada como as demais contra-ordenações estradais previstas no C. Estrada.
Assim, o estacionamento em parques e zonas de estacionamento por tempo superior ao estabelecido ou sem o pagamento da taxa devida, nos termos fixados em regulamento, era uma contra-ordenação rodoviária prevista no C. Estrada, cujo processamento incumbia à ANSR, sendo o seu Presidente competente para aplicação da coima respectiva.
Nestes termos, porque a sua previsão em regulamento municipal tinha como consequência que o processamento dessa contra-ordenação competisse à Câmara Municipal e que a aplicação da coima respectiva incumbisse ao seu Presidente, contrariando, assim, diplomas de hierarquia superior, que têm sempre de prevalecer, deve-se concluir, tal como o acórdão recorrido, pela ilegalidade do art.º 14.º-A do Regulamento Municipal de Parques, Zonas de Estacionamento de Duração Limitada e Bolsas de Estacionamento do Município de S. João da Madeira.
Improcede, pois, a presente revista.

DECISÃO
Pelo exposto, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando o acórdão recorrido.
Custas pelo recorrente.

Lisboa, 1 de Fevereiro de 2018. – José Francisco Fonseca da Paz (relator) - Maria do Céu Dias Rosa das Neves – António Bento São Pedro.