Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0400/10
Data do Acordão:11/30/2010
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:NULIDADE DE SENTENÇA
MÉTODOS INDIRECTOS
PRESSUPOSTOS DO RECURSO
COMISSÃO DE REVISÃO
ACORDO
Sumário:I - Constitui causa de nulidade da sentença a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar, considerando-se como tais todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (artigos 125.º, n.º 1 do Código do Procedimento e do Processo Tributário e 668.º, n.º 1, alínea d) e 660.º n.º 2 do Código de Processo Civil).
II - Não contendo a sentença os elementos necessários para decidir a questão da legalidade do recurso a métodos indirectos, há que fazer baixar os autos para ampliação da matéria de facto.
Nº Convencional:JSTA000P12379
Nº do Documento:SA2201011300400
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
– Relatório –
1 – A…, com os sinais dos autos, recorre para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, de 15 de Fevereiro de 2009, que julgou improcedente a impugnação por si deduzida contra liquidação adicional de IVA relativa a 1995 e liquidações de juros compensatórios, para o que apresentou as seguintes conclusões:
1.ª - A sentença recorrida julgou improcedente a impugnação deduzida;
2.ª - Com efeito, a Meritíssimo Juiz “a quo”decidiu que tendo havido acordo na Comissão de Revisão, a impugnante está impedida de impugnar a liquidação em causa com os fundamentos alegados, a saber: ilegalidade do recurso a métodos indirectos de tributação e erro de quantificação na matéria colectável, conforme resulta do disposto no n.º 4 do art. 86.º da LGT;
3.ª - Quanto ao vício de forma por falta de fundamentação, assente na falta de indicação dos pressupostos exigidos para proceder à avaliação indirecta da matéria colectável, entendeu-se na douta decisão sob recurso que: “… a Impugnante, através do seu perito aceitou a fundamentação e as novas matérias tributáveis ali fixadas”.
4.ª - Além de que a leitura da p.i. demonstra que a Impugnante apreendeu as razões que determinaram a AF a decidir nos moldes em que decidiu, o que lhe permitiu o efectivo exercício da tutela dos seus direitos;
5.ª - A sentença recorrida não se pronuncia sobre as questões alegadas na impugnação judicial e, quanto ao decidido, carece de fundamentação, porquanto:
6.ª - além do problema relativo à presunção das vendas através da aplicação do método indirecto de avaliação, contestadas nos artigos 14.º a 54.º da p.i., designadamente através dos docs. n.ºs 17 a 22,
7.ª- constituem objecto da p.i. as questões da ilegalidade do recurso à avaliação indirecta e da impossibilidade legal de utilização dos denominados “indicadores objectivos” para determinação da matéria colectável, tudo conforme se alega nos artigos 55.º a 88.º da p.i.;
8.º - Exceptuada a matéria atinente à falta de fundamentação, a decisão sob recurso ignora totalmente qualquer das demais questões suscitadas pela ora recorrente na p.i., não formula qualquer juízo sobre as mesmas, nem, também, se pronuncia sobre os documentos juntos;
9.ª - Em consequência, a decisão recorrida é nula por omissão de pronúncia, nos termos previstos no art. 668.º, n.º 1, al. d) do Código de Processo Civil (CPC);
10.ª - Acresce que o tribunal “a quo” também não procedeu à inquirição das testemunhas arroladas pela impugnante (vd. despacho de fls. 107), cujo depoimento seria imprescindível para o esclarecimento das circunstâncias atinentes à reclamação e à reunião da Comissão de Revisão, mormente no que se refere à existência do pretenso acordo;
11.ª - O depoimento das testemunhas arroladas permitiria ainda esclarecer todos os aspectos relacionados com a actividade da impugnante e com a organização da sua contabilidade;
12.ª - Impunha-se, pois, o conhecimento de todos os factos, que deveriam constar do probatório, única forma de o julgador fixar, entre todos eles, quais os que relevariam para decidir a questão objecto de impugnação;
13.ª - Também para que o Tribunal de recurso pudesse apreciar a correcção da decisão proferida pelo Tribunal “a quo”, conforme decorre do disposto no art. 729.º do CPC;
14.ª - Assim sendo, a matéria de facto não pode deixar de ser ampliada, através da baixa dos autos ao Tribunal recorrido, o que desde já se requer, cf. arts. 729.º e 730.º do CPC;
15.ª - Seria ainda necessário tomar posição sobre o teor dos docs. n.ºs. 4 a 16 juntos com a p.i., emitidos em momento posterior à reunião da Comissão de Revisão, dos quais consta a possibilidade de deduzir reclamação ou impugnação judicial contra as liquidações adicionais de IVA e de Juros Compensatórios efectuadas;
16.ª - O que demonstra, só por si, que a AF entendia que a reclamação para a comissão de revisão e a respectiva decisão, ainda que traduzindo um acordo entre o contribuinte e o Fisco, não seria impeditiva da interposição da impugnação judicial;
17.ª - Tudo de acordo com o disposto nos arts. 20.º,n.º 1 e 268.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa (CRP) que garantem a tutela jurisdicional sem limites relativamente a actos que afectem direitos ou interesses legalmente protegidos;
18.ª - Por via dessa garantia constitucional, torna-se materialmente inconstitucional a norma que tais limites estabeleça, como é o caso do controvertido art. 86.º., n.º 4 da LGT;
19.ª - Em consequência, a douta decisão recorrida é ainda ilegal, por violação dos supra indicados arts. 20.º, n.º 1 e 268.º,n.º 4 da CRP;
20.ª - Quanto à existência de um pretenso acordo na Comissão de Revisão entre os intervenientes na reunião, incluído o vogal que “representava”a ora recorrente, o problema deve ser colocado nos termos em que o faz o douto Acórdão deste Venerando Supremo Tribunal Administrativo, de 23.11.2004, proferido no proc. n.º 657/04 da 2.ª Secção;
21.ª - Com efeito, configurando-se a relação entre o contribuinte e o perito por si indicado “… como de representação, justificar-se-á que se estabeleça a vinculação do sujeito passivo pela actuação desse perito, da mesma forma que tal vinculação existe no domínio do direito civil (arts. 1178.º, n.º 1, e 258.º do Código Civil).
22.ª - “Ora, nos termos da lei civil, mesmo quando o mandatário é representante, por ter recebido poderes para agir em nome do mandante, os seus actos só produzem efeitos em relação à esfera jurídica deste se forem praticados dentro dos limites dos poderes que lhe foram conferidos ou sejam por este ratificados, expressa ou tacitamente (arts. 258.º, n.1, e art. 1163.º, todos do Código Civil)…;
23.º - regime este que, aliás, encontra suporte legal expresso em matéria tributária no n.º 1 do art. 16.º da L.G.T., que estabelece genericamente que os actos em matéria tributária praticados por representante em nome do representado só produzem efeitos na esfera jurídica deste entro dos limites dos poderes de representação…”.
24.ª - “Assim, nos casos em que o representante do sujeito passivo defender ou aceitar, no procedimento de avaliação indirecta, posições distintas das defendidas por este, designadamente ao formular o pedido de revisão da matéria colectável, não poderá considerar-se o sujeito passivo vinculado pelo acordo que seja obtido, se não se demonstrar que o representante agiu dentro dos limites dos seus poderes de representação e não agiu em sentido contrário a estes poderes” (sublinhado nosso).
25.ª - Nem seria admissível que, estando em causa interesses patrimoniais de uma entidade, alguém pudesse, sem qualquer relação de representação e sem mandato, dispor desses interesses como bem lhe aprouvesse;
26.ª - Tratando-se de uma instância administrativa mais se exigiria que o representante comparecesse munido de poderes especiais pois que, mesmo perante os Tribunais, só poderia confessar, desistir ou transigir desde que devidamente mandatado ou habilitado;
27.ª - Daí a exigência de poderes de representação legal ou com origem em mandato (art. 16.º da LGT);
28.ª - No caso em apreço, o mero exame dos documentos - Reclamação para a comissão de revisão e Acta n.º 186/2000 (docs.n.ºs. 2 e 3 juntos com a p.i.) – demonstra que a ora recorrente não interveio, por qualquer forma, nos actos respectivos;
29.ª - Trata-se de uma Reclamação, assinada pelo prestador de serviços de contabilidade à ora recorrente, sem poderes para tal;
30.ª - Contra o mesmo e por factos relacionados com os serviços prestados, foi pela recorrente deduzida denúncia crime, apresentada nos Serviços do Ministério Público – Procuradoria da República – junto do Tribunal Judicial da Comarca de Sintra, em 12.12.2002;
31.ª - Em consequência, a existência de um pretenso acordo não é, conforme acima referido, vinculativo para a ora recorrente, por inexistência do respectivo mandato nos termos dos arts. 16.º da LGT e 258.º do CC;
32.ª - A ora recorrente limitou-se, perante as circunstâncias, a utilizar a única via então disponível – a impugnação judicial – para fazer valer as suas razões, face à notificação das liquidações adicionais e ao prazo de que dispunha para o efeito;
Nestes termos e nos mais de Direito que Vossas Excelências, Senhores Conselheiros, melhor suprirão, deve a sentença recorrida ser revogada, por manifesta ilegalidade assente, nomeadamente, na violação das seguintes disposições legais: art. 668.º,n.º 1 al. d) do CPC, arts. 729.º e 730.º do CPC, 20.º, n.º 1 e 268.º da CRP, 16.º da LGT e 258.º e 1178.º do CC, assim se fazendo JUSTIÇA!
2 – Não foram apresentadas contra-alegações.
3 - O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer nos seguintes termos:
Objecto: Saber se, tendo a impugnante deduzido pedido de revisão da matéria colectável determinada com base em avaliação indirecta e tendo havido acordo entre os peritos nomeados, fica precludida a possibilidade de impugnação judicial da liquidação.
FUNDAMENTAÇÃO
Em nosso entender a decisão recorrida não merece censura por ter feito uma correcta interpretação e aplicação da lei.
A Recorrente nas conclusões da sua alegação de recurso alega em síntese o seguinte:
- O n.º 4 do artigo 86.º da LGT é materialmente inconstitucional;
- Inexistência de poderes de representação por parte do perito que interveio no acordo celebrado na Comissão de Revisão em representação da Recorrente;
-Nulidade da sentença por omissão de pronúncia.
Começando pelo conhecimento das nulidades apontadas, o tribunal recorrido, pronunciando-se sobre aquela arguição, entendeu que a sentença “não padece da patologia que lhe foi diagnosticada”, pelo que a manteve.
Parece-nos ter razão. Com efeito, a Administração Fiscal utilizou métodos indirectos para fixação da matéria tributável e os peritos da Fazenda Pública e da Recorrente, chegaram a acordo em sede de procedimento de revisão, tanto quanto à ocorrência dos pressupostos legais para a utilização daquele método, como quanto à quantificação da matéria colectável. Ora, não é legalmente admissível, impugnação fundamentada em matéria sobre a qual houve acordo entre os peritos da Administração e do Contribuinte.
O juiz “a quo” não tinha, assim, de reapreciar aquelas questões, que já haviam sido objecto de ponderação e decisão no acordo de peritos, não sendo, por isso, a sentença nula por omissão de pronúncia. Com efeito, não sendo possível invocar na impugnação judicial qualquer ilegalidade desta, na medida em que houve acordo entre os peritos da Comissão de Revisão, fica prejudicado o conhecimento de qualquer outra questão que com ela esteja ligada.
No que respeita à pretensa inconstitucionalidade material do n.º 4 do artigo 86.º da LGT, sufragamos o entendimento expresso no douto acórdão do STA de 23/11/2004, processo n.º 657/04, designadamente no segmento que se refere a opinião de Diogo Leite de Campos, Benjamim Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa em LGT Anotada, 3.ª edição, pág. 429 e seguintes.
Reproduzimos as seguintes passagens daquele douto aresto: A LGT “veio introduzir uma importante alteração deste regime, que pode permitir encarar a questão com outra perspectiva.
Na verdade, neste diploma, deixou de fazer-se qualquer referência a deveres de imparcialidade e independência técnica da pessoa nomeada pelo sujeito passivo para participar na avaliação indirecta, aludindo-se a relação de representação entre o sujeito passivo e o perito por si designado (art.91.º, n.º 1).
Configurando-se esta relação como de representação, justificar-se-á que se estabeleça a vinculação do sujeito passivo pela actuação deste perito, da mesma forma que tal vinculação existe no domínio do direito civil (arts. 1178.º, n.º 1 e 258.º do Código Civil).
… Nos casos em que o representante do sujeito passivo defender ou aceitar, no procedimento de avaliação indirecta, posições distintas das defendidas por este, designadamente ao formular o pedido de revisão da matéria colectável, não poderá considerar-se o sujeito passivo vinculado pelo acordo que seja obtido, se não se demonstrar que o representante agiu dentro dos limites dos seus poderes de representação e não agiu em sentido contrário a estes poderes.”
Ora, no caso dos autos, a Recorrente não alegou na petição de impugnação qualquer desvio do seu representante aos poderes de representação que lhe estavam confiados. Apenas nas alegações de recurso levantou essa questão, designadamente nos pontos 28.º e 29.º das conclusões, quando refere que “ No caso em apreço, o mero exame dos documentos - Reclamação para a comissão de revisão e Acta n.º 186/2000 (docs. n.ºs. 2 e 3 juntos com a p.i.) – demonstra que a ora recorrente não interveio, por qualquer forma, nos actos respectivos; Trata-se de uma Reclamação, assinada pelo prestador de serviços de contabilidade à ora recorrente, sem poderes para tal”
Conclui, por isso, que a existência de um pretenso acordo não é vinculativo para si, por inexistência do respectivo mandato nos termos dos artigos 16.º da LGT e 258.º do C.C.
Aquelas afirmações e esta conclusão estão em clara contradição com o alegado no ponto 3.º da petição de impugnação, em que afirma, de forma clara, ter solicitado a revisão da matéria tributável nos termos do artigo 91.º da LGT. Os elementos fornecidos pelos autos, com especial relevância para o probatório não apontam para que tenha sido violado o direito de impugnação contenciosa consagrado no n.º 4 do artigo 268.º da CRP, visto não ser legítimo inferir-se qualquer excesso de poderes de representação.
No que respeita à alegada inconstitucionalidade acompanhamos os doutos acórdãos do STA de 23/11/2004, proferidos nos processos n.º 656/04 e 657/04, quando entenderam que o n.º 4 do artigo 84.º da Lei Geral Tributária não ofende os artigos 20.º, n.º 1 e 268.º, n.º 4 da Constituição, quando interpretado no sentido de obstar a que, na impugnação do acto tributário de liquidação, se invoque a falta de pressupostos para o recurso a métodos indirectos, quando a liquidação teve por base o acordo obtido no processo de revisão da matéria tributável, e esse acordo abrangeu, expressamente, a questão da convergência daqueles pressupostos.
CONCLUSÃO
Em nosso entender o recurso não merece provimento, devendo, em consequência, ser confirmada a sentença recorrida.
4 - Notificadas as partes do parecer do Ministério Público, nada vieram dizer.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
- Fundamentação -
5 – Questões a decidir
Importa verificar em primeiro lugar se, como alegado (cfr. conclusões 5.ª a 9.ª das alegações de recurso), a sentença recorrida enferma de nulidade por omissão de pronúncia (artigo 668.º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Civil) e por falta de fundamentação, pois alegadamente não se pronuncia sobre as questões alegadas na impugnação judicial e, quanto ao decidido, carece de fundamentação.
Concluindo-se no sentido de que a sentença não padece das nulidades que lhe são imputadas, haverá então que apurar da alegada necessidade de ampliação da matéria de facto (conclusões 10.º a 14.º das alegações de recurso) e bem assim relativamente à alegada inconstitucionalidade material do n.º 4 do artigo 86.º da Lei Geral Tributária (conclusões 17.ª a 19.ª das sua alegações de recurso).
A alegada “falta de poderes de representação” do perito indicado pelo contribuinte na comissão de revisão (conclusões 20.º a 32.º das alegações de recurso) não pode ser conhecida por este Supremo Tribunal, pois que apenas foi suscitada em sede de recurso, tratando-se, assim, de questão nova (cfr., quanto a esta questão, o parecer do Ministério Público supra transcrito).
6 - Matéria de facto
Constam do probatório fixado na sentença recorrida os seguintes factos:
A) Os Serviços de Inspecção Tributária levaram a efeito uma acção inspectiva à escrita da impugnante, incidindo sobre o exercício de 1995.
B) Na sequência da acção de inspecção a que alude a al. A) do probatório foi elaborado o Relatório de Inspecção donde resulta com interesse para a decisão:
“IV – MOTIVOS E EXPOSIÇÃO DOS FACTOS QUE IMPLICAM O RECURSO A MÉTODOS INDIRECTOS
No exercício em análise foram detectadas situações impeditivas da correcta, directa e exacta comprovação e quantificação, dos elementos indispensáveis à determinação da matéria colectável. Pelo que houve necessidade de recorrer, para a sua determinação, a métodos indirectos, nos termos do disposto no artigo 51.º do Código do Imposto
C) Em, 23.05.2000, a impugnante interpôs, nos termos do artigo 91.º da LGT, para a Comissão de Revisão, um pedido de revisão da matéria tributável fixada por métodos indiciários em sede de IVA, conforme do Doc. n.º 2 junto à p.i.
D) Por deliberação da Comissão de Revisão de 19.07.2000,mediante acordo dos vogais da impugnante e da Fazenda Pública, mostra-se fixado, conforme Acta n.º 132/2000 que: “relativamente ao Imposto/MatériaTributável/Rendimento Liquido que foi fixado(a) com recurso à aplicação de métodos indirectos, pela forma seguinte
IVA Exercício de 1995 – fixado em 11.867.915$00 –seja alterado para (ou em) 10.972.895$00 (dez milhões novecentos e dois mil, oitocentos e noventa e cinco escudos). (Doc. fls. 78 a 84 dos autos)
E) Em, 10.04.2000 a Administração Fiscal procedeu à liquidação de IVA n.º 173421, referente ao exercício de 1995 no montante de € 54.732,57 (10.972.895$00) e liquidações de Juros Compensatórios n.ºs 173409, 173410, 17311, 17312, 17313, 17314, 17315, 17316, 17317, 17318, 17319 e 17320 no montante de € 38.374,19 (7.693.334$00), na qual se mostra aposta como data limite de pagamento o dia 31.12.2000. (Doc. fls. 43 a 56 dos autos)
F) A 23.03.2001 deu entrada na Repartição de Finanças de Lisboa a petição inicial que originou os presentes autos. (Cfr. carimbo aposto a fls. 3)
Factos não provados
Inexistem outros factos sobre que o Tribunal deva pronunciar-se já que as demais asserções da douta petição ou integram antes conclusões de facto e/ou direito ou se reportam a factos não relevantes para a boa decisão da causa.
MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO
A decisão da matéria de facto efectuou-se com base nos documentos e informações constantes do processo, consonante ao que acima ficou exposto.
7 – Apreciando
7.1 Da alegada nulidade da sentença recorrida
Alega a recorrente, em primeiro lugar, ser a sentença recorrida nula por omissão de pronúncia, nos termos previstos no art. 668.º, n.º 1, al. d) do Código de Processo Civil (CPC), pois que não se pronuncia sobre as questões alegadas na impugnação judicial e, quanto ao decidido, carece de fundamentação, porquanto além do problema relativo à presunção das vendas através da aplicação do método indirecto de avaliação, contestadas nos artigos 14.º a 54.º da p.i., designadamente através dos docs. n.ºs 17 a 22, constituem objecto da p.i. as questões da ilegalidade do recurso à avaliação indirecta e da impossibilidade legal de utilização dos denominados “indicadores objectivos” para determinação da matéria colectável, tudo conforme se alega nos artigos 55.º a 88.º da p.i., sendo que exceptuada a matéria atinente à falta de fundamentação, a decisão sob recurso ignora totalmente qualquer das demais questões suscitadas pela ora recorrente na p.i.,não formula qualquer juízo sobre as mesmas, nem, também, se pronuncia sobre os documentos juntos (cfr. conclusões 5.ª a 9.ª das suas alegações de recurso).
A Meritíssima Juíza “a quo”, no seu despacho de fls. 178 e 179 dos autos, sustentou que a sentença não padece da patologia que lhe foi diagnosticada, pelo que a manteve nos seus precisos termos (cfr. despacho de sustentação, a fls. 178 dos autos), posição com a qual o Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal manifesta a sua concordância, pois que, de acordo com o seu parecer (supra transcrito), a Administração Fiscal utilizou métodos indirectos para fixação da matéria tributável e os peritos da Fazenda Pública e da Recorrente, chegaram a acordo em sede de procedimento de revisão, tanto quanto à ocorrência dos pressupostos legais para a utilização daquele método, como quanto à quantificação da matéria colectável. Ora, não é legalmente admissível, impugnação fundamentada em matéria sobre a qual houve acordo entre os peritos da Administração e do Contribuinte. O juiz “a quo” não tinha, assim, de reapreciar aquelas questões, que já haviam sido objecto de ponderação e decisão no acordo de peritos, não sendo, por isso, a sentença nula por omissão de pronúncia. Com efeito, não sendo possível invocar na impugnação judicial qualquer ilegalidade desta, na medida em que houve acordo entre os peritos da Comissão de Revisão, fica prejudicado o conhecimento de qualquer outra questão que com ela esteja ligada (fim de citação).
Vejamos.
Nos termos do n.º 1 do artigo 125.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e da alínea d) do n.º 1 do artigo 668.º do Código de Processo Civil (CPC) a sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, sendo que, nos termos do n.º 2 do artigo 660.º do CPC, o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Assim, como se consignou no recente Acórdão deste Tribunal do passado dia 20 de Outubro (rec. n.º 27/10) só existe omissão de pronúncia quando o tribunal deixa de apreciar e decidir uma questão, isto é, um problema concreto que haja sido chamado a resolver, a menos que o seu conhecimento tenha ficado prejudicado em face da solução dada ao litígio, dado que lhe incumbe o conhecimento de todas as questões suscitadas pelas partes, e apenas destas, sem prejuízo de a lei impor ou permitir o conhecimento oficioso de outras, nos termos do disposto no citado nº 2 do art. 660° do CPC, ex vi do art. 2° al. f) do CPPT.
No caso dos autos, as questões suscitadas pela impugnante na sua petição inicial de impugnação relativas quer aos pressupostos do recurso aos métodos indirectos (que entendia não se encontrarem preenchidos), quer à quantificação da matéria tributável obtida através do recurso a tais métodos e aos próprios métodos utilizados, foram consideradas pela sentença recorrida como não podendo ser objecto da impugnação judicial deduzida, pois que houvera acordo no processo de revisão da matéria tributável, impeditivo da sua impugnação ex vi a parte final do n.º 4 do artigo 86.º da Lei Geral Tributária.
Lê-se na sentença, a fls. 140, o seguinte:
«Resulta da al. D) do probatório, que a Administração Fiscal recorreu a presunções, como método alternativo na fixação da matéria tributável, e que os peritos (do Fisco e da Impugnante) chegaram, em sede do procedimento de revisão desencadeado a acordo quer quanto à ocorrência dos pressupostos legais legitimadores do lançar mão da referida metodologia, quer quanto à fixação do “quantum” da matéria colectável».
Não existe, pois, omissão de pronúncia da sentença recorrida, pois que, no juízo do tribunal “a quo” o conhecimento das questões suscitadas relacionadas com os pressupostos do recurso a métodos indirectos, critérios de quantificação utilizados e quantificação decidida não podiam voltar a ser discutidas porque objecto de acordo (cfr. a parte final do n.º 4 do artigo 86.º da Lei Geral Tributária), não devendo o tribunal “a quo” conhecê-las.
Improcede, pelo exposto, a alegação de nulidade da sentença recorrida.
7.1 Do mérito da sentença recorrida e dos pressupostos do recurso a métodos indirectos de determinação da matéria colectável
O supra mencionado juízo do tribunal “a quo” revela-se, contudo, incorrecto relativamente à questão dos pressupostos do recurso a métodos indirectos, havendo, pois, nesta medida, erro de julgamento.
É que resulta expressamente da fundamentação consignada na Acta n.º 132/2000 (a fls. 37 a 42 dos autos), a que se refere a alínea d) do probatório fixado, e logo no seu n.º 1, que «1 - A reclamante contesta a legalidade da utilização da aplicação dos métodos indirectos, mas esta comissão apenas lhe compete apreciar a fixação efectuada com fundamento na sua errónea quantificação »(cfr. fls. 38 dos autos).
Ora, se a comissão de revisão se considerou, embora contra legem (cfr. o n.º 5 do artigo 86.º e o n.º 14 do artigo 91.º da Lei Geral Tributária), incompetente para apreciar a questão da legalidade do recurso a métodos indirectos, necessariamente o acordo obtido na comissão de revisão não pode entender-se como abrangendo também essa questão, cujo conhecimento foi expressamente rejeitado pela Comissão por alegada incompetência desta.
Atento ao facto, devia o tribunal “a quo” ter tomado conhecimento da questão da legalidade do recurso aos métodos indirectos, pois que fora suscitada pelo impugnante na sua petição de impugnação e não se podia considerar ter sido abrangida no acordo, pois que sobre ela não versou.
Verifica-se, pois, quanto a esta questão, erro de julgamento da sentença recorrida, determinante da sua revogação.
Para que este Tribunal pudesse conhecer, em substituição, da legalidade do recurso a métodos indirectos, mercê era que o probatório fixado na sentença recorrida fornecesse os elementos de factos idóneos e suficientes para, por subsunção ao disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 87.º e do artigo 88.º da Lei Geral Tributária, se julgar da verificação dos pressupostos do recurso aos métodos indirectos, pois que a sua competência em razão da hierarquia se restringe, em regra, ao julgamento de questões de direito (cfr. os artigos do 26.º alínea b) e 38.º alínea a) do ETAF e 280.º n.º 1 do CPPT).
Sucede, contudo, que os factos constantes do probatório não são suficientes para que se possa ajuizar da legalidade ou ilegalidade do recurso a tais métodos, pois que dela consta apenas, com relevo para a decisão da causa, o seguinte:
«Na sequência da acção de inspecção a que alude a al. A) do probatório foi elaborado o Relatório de Inspecção donde resulta com interesse para a decisão:
“IV – MOTIVOS E EXPOSIÇÃO DOS FACTOS QUE IMPLICAM O RECURSO A MÉTODOS INDIRECTOS
No exercício em análise foram detectadas situações impeditivas da correcta, directa e exacta comprovação e quantificação, dos elementos indispensáveis à determinação da matéria colectável. Pelo que houve necessidade de recorrer, para a sua determinação, a métodos indirectos, nos termos do disposto no artigo 51.º do Código do Imposto».
Ora, não sendo a factualidade constante do probatório suficiente para resolução da questão que se impõe conhecer, há que ordenar a baixa dos autos ao Tribunal “a quo”, para ampliação da matéria de facto, como requerido, e julgamento da questão que, por erro de julgamento, não conheceu, com inquirição, se necessário, das testemunhas arroladas, em ordem à demonstração ou não dos factos alegados.
Prejudicado fica o conhecimento das demais questões suscitadas.
- Decisão -
8 - Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, em conceder parcial provimento ao recurso, revogando a decisão recorrida na parte em que julgou insindicável a questão dos pressupostos do recurso a métodos indirectos de determinação da matéria tributável, devendo os autos baixar ao Tribunal “a quo” para ampliação da matéria de facto e subsequente julgamento daquela questão.
Custas a final.
Lisboa, 30 de Novembro de 2010. - Isabel Marques da Silva (relatora) - Pimenta do Vale - António Calhau.