Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0149/18.3BALSB
Data do Acordão:11/08/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:JOSÉ VELOSO
Descritores:NULIDADE DE ACÓRDÃO
CONTRADIÇÃO
OBSCURIDADE
FALTA
FUNDAMENTOS
CASO JULGADO
LIMITES OBJECTIVOS
REPOSIÇÃO DA LEGALIDADE
Sumário:I - A nulidade do acórdão, por contradição entre os fundamentos e a decisão, que é prevista na alínea c), do nº1, do artigo 615º do CPC, verifica-se quando há um vício na lógica-jurídica que presidiu à respectiva construção, de tal modo que os fundamentos invocados apontam, logicamente, num certo sentido, e a decisão tomada vai noutro sentido, oposto, ou pelo menos diverso;
II - A mesma alínea do artigo 615º do CPC sanciona, ainda, com a nulidade, o acórdão em que ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível. É «obscuro» o que não é claro, aquilo que não se entende; e é «ambíguo» o que se preste a interpretações diferentes. Em qualquer caso, fica o destinatário do acórdão sem saber ao certo o que efectivamente se decidiu, ou quis decidir. Mas não é qualquer obscuridade, ou ambiguidade, que é sancionada com a nulidade do acórdão, mas apenas aquela que «torne a decisão ininteligível»;
III - Por sua vez, e nos termos da alínea b) do mesmo número e artigo, o acórdão é nulo quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão. Tais fundamentos justificativos são constituídos pelos factos e pelas regras jurídicas - normas e princípios - em que a decisão se alicerça, que lhe dão apoio, que a impõem;
IV - Os limites objectivos do caso julgado das decisões anulatórias de actos administrativos determinam-se pelo vício que fundamenta a decisão, e isto tanto no que respeita ao efeito preclusivo como ao efeito conformador do futuro exercício do poder administrativo;
V - Esta «reposição da legalidade» exige o total e estrito acatamento do acórdão exequendo, na sua integralidade e alcance, pois tal actuação está fora do domínio da discricionariedade administrativa.
Nº Convencional:JSTA000P23809
Nº do Documento:SA1201811080149/18
Data de Entrada:03/15/2018
Recorrente:ORDEM DOS CONTABILISTAS CERTIFICADOS
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: I. Relatório
1. A ORDEM DOS CONTABILISTAS CERTIFICADOS, interpõe recurso de revista do acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul [TCAS], a 04.05.2017, que, «concedendo provimento ao recurso de apelação» para ele interposto por A……………, revogou a sentença do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa [TAC] e ordenou que a Comissão de Inscrição da Associação de Técnicos Oficiais de Contas a inscrevesse como Técnica Oficial de Contas, fixando prazo para o efeito, condenando, ainda, os membros dessa Comissão numa sanção pecuniária compulsória [42,60€] por cada dia de atraso no cumprimento do julgado.

Conclui assim as suas alegações de revista:

1- O acórdão recorrido, afirmando que a ora recorrente na deliberação tomada em execução do julgado anulatório teve em consideração criteriosamente todos os meios de prova apresentados pela recorrida, e sendo esta a razão da anulação do acto impugnado no processo principal, cai em contradição quando depois conclui, sem mais, pelo «manifesto incumprimento do julgado anulatório»;

2- Pelo menos, é «ambígua ou obscura a decisão», quando nela se encontra uma afirmação e o seu contrário;

3- Acresce que falha o acórdão recorrido em fundamentar a decisão de que, precisamente, há um «manifesto incumprimento do caso julgado»;

4- Pelo que o mesmo é «nulo», nos termos previstos no artigo 615º, nº1, alíneas b) e c), do CPC, requerendo-se respeitosamente a respectiva declaração de nulidade;

5- Acresce que o acórdão recorrido viola o disposto nos artigos 47º, nº3, 167º, nº1, 173º, nº1, 176º, nº5, e 179º, nºs 1 e 2, todos do CPTA, na sua versão anterior, quando permite conhecer de questões que só em processo de impugnação autónomo poderiam ser conhecidas;

6- De facto, a «reapreciação da prova» que o tribunal a quo faz é matéria nova, que não cabe em processo de execução de julgado anulatório, sendo que nada mais é alterado da deliberação da recorrente que permita perceber a razão por que se entende que a apreciação da prova foi mal feita ou que é ilegal;

7- O tribunal a quo nem sequer aprecia outros vícios, também eles novos, que a recorrida aponta àquela deliberação;

8- Por outro lado, no âmbito do processo principal, não era permitida a cumulação prevista no artigo 47º, nº3, do CPTA, pelo que não se pode basear a decisão em recurso nesta norma, de forma a permitir um pedido de condenação no âmbito da execução;

9- Por fim, o tribunal a quo, quando entende que a não manutenção da sentença recorrida lhe permite conhecer do mérito ainda não conhecido, não dá cumprimento ao previsto no artigo 176º, nº5, do CPTA, assim o desrespeitando;

10- Viola ainda o «princípio da separação de poderes», entrando na manifesta competência da Administração, e não dando à recorrente a oportunidade, sequer, de se pronunciar ou defender sobre a intenção de reapreciação da prova que entendia caber neste processo de execução;

11- Pelo que o acórdão recorrido não pode manter-se, devendo ser revogada, o que se requer a este Venerando Supremo Tribunal.

2. A recorrida contra-alegou, mas não formulou quaisquer conclusões. Pede que a revista não seja admitida, e que, sendo-o, lhe seja negado provimento.

3. Mas a revista veio a ser admitido por este Supremo Tribunal [Formação a que alude o artigo 150º, nº5, do CPTA].

4. O Ministério Público não se pronunciou [artigo 146º, nº1, do CPTA].

5. Colhidos que foram os vistos legais, importa apreciar e decidir o recurso de revista.

II. De Facto

São os seguintes os factos provados que nos vêm das instâncias:

A) Em 21.04.2006 foi proferida sentença, no âmbito do recurso contencioso sob nº1322/1998 - 1ª Secção, do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa - em que foram partes, como recorrente, A……………, e, recorrida, a Comissão de Inscrição da Associação de Técnicos Oficiais de Contas, a qual «julgou improcedente», mantendo na ordem jurídica o acto recorrido, que havia recusado a inscrição da recorrente na referida Associação - documento de folhas 305 a 331 dos autos de recurso contencioso apenso, que se dá por integralmente reproduzido;

B) Contra a sentença que antecede, foi interposto recurso jurisdicional, o qual foi decidido por acórdão datado de 24.04.2007, do STA, que «concedeu provimento» ao recurso contencioso e anulou o acto contenciosamente impugnado, do mesmo resultando, em súmula, o seguinte: «[…] no caso concreto, a argumentação da recorrente persuade que a mesma dispunha de outros meios legais de prova e que só os não apresentou por força das sobreditas normas regulamentares restritivas e ilegais. [...] Neste quadro, não pode sufragar-se a conclusão do tribunal a quo de que a ilegal restrição dos meios de prova não afectou a posição da recorrente. O Tribunal não pode asseverar que a ilegalidade não operou neste caso concreto e que seria seguro e certo que a interessada sempre veria indeferido o seu pedido, por défice probatório, independentemente dos constrangimentos constantes das normas regulamentares em causa. […]» - documento de folhas 420 a 435 dos autos de recurso contencioso, para que se remete e se considera integralmente reproduzido;

C) Em 17.11.2008, a ora exequente apresentou requerimento junto da executada a pedir a execução do julgado, juntando três documentos e dispondo-se a indicar testemunhas, com vista à demonstração dos pressupostos para a sua inscrição na entidade executada, por o caso julgado impor a consideração de todos os meios de prova - documento de folhas 29 e seguintes e 81 e seguintes;

D) A ora exequente veio a juízo instaurar esta instância executiva em 18.11.2008 - folhas 2 dos presentes autos;

E) Em 18.02.2009 a entidade executada deliberou sobre o pedido de inscrição da exequente, no sentido do seu indeferimento, por aquela não preencher o requisito de três anos constante do artigo 1º da Lei nº27/98, de 03.06, no espaço temporal de 01.01.1989 a 17.10.1995 - documento de folhas 95 a 99 dos autos;

F) A exequente foi notificada desta deliberação por ofício datado de 18.02.2009 - documento de folhas 73 a 75 dos autos, para que se remete e se considera integralmente reproduzido.

III. De Direito

1. Por acórdão deste Supremo Tribunal, de 24.04.2007 [recurso contencioso 1322/98], foi anulado o acto administrativo de «recusa de inscrição de A……………. como Técnica Oficial de Contas» [TOC] pela Comissão de Inscrição da Associação de Técnicos Oficiais de Contas [CIATOC]. E foi-o porque se entendeu, no acórdão, que a restrição dos meios de prova que a autora apresentara para fundamentar a sua pretensão era ilegal.

Em Novembro de 2008, e face à passividade da CIATOC, A……………… requereu contra ela a execução desse aresto do Supremo Tribunal Administrativo, pedindo o seguinte: - que a executada fosse condenada a praticar o acto de inscrição da exequente na então Associação dos Técnicos Oficiais de Contas [ATOC]; - que fixasse prazo de dez dias para cumprimento dessa condenação; - e que os titulares da CIATOC fossem condenados no pagamento de sanção pecuniária compulsória.

Em Fevereiro de 2009 a entidade executada proferiu a deliberação referida no ponto E) do provado, pretendendo através dela executar o julgado anulatório, e recusando novamente a inscrição da A………….. como TOC.

Uma vez notificada da deliberação pretensamente executiva, a interessada veio requerer a ampliação do pedido executivo à declaração de nulidade da mesma, por violação do caso julgado, e a condenação da entidade executada a praticar o acto legalmente devido.

A 1ª instância - Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa - entendeu que essa «deliberação executiva», de Fevereiro de 2009, deu cabal execução ao julgado anulatório, e não violou o caso julgado que sobre o mesmo se formara, e, em conformidade, julgou improcedente o pedido executivo, dele absolvendo a CIATOC. E fê-lo com base nas seguintes razões:
[…]

«No caso dos autos, conforme se extrai do probatório, retomou a Administração a apreciação do requerimento de inscrição apresentado pela interessada, praticando novo acto administrativo que sem restringir os meios de prova em relação aos factos alegados pela requerente, denegou a sua pretensão por falta de exercício de funções no período legalmente relevante.

Quanto a isto, ao contrário do que entende a exequente, mostra-se inteiramente executado o anterior julgado, tendo a Administração reapreciado o requerimento apresentado sem restringir os meios de prova, como havia feito anteriormente, considerando os factos alegados pela interessada, mas sem que os mesmos conduzam ao deferimento da sua pretensão material, por não respeitarem o requisito do tempo legalmente exigido.

Embora a exequente ponha em causa a legalidade desse entendimento, contido na deliberação impugnada, o certo é que o mesmo constitui um fundamento novo do acto administrativo, não coberto pelo anterior caso julgado e, por isso, que com o mesmo não se apresenta em desconformidade, para que o julgador dele deva conhecer.

De resto, o novo acto não volta a reincidir no mesmo vício, para que enferme da nulidade invocada, já que não condiciona as alegações da requerente a quaisquer meios de prova, antes valendo o requerimento que, em devido tempo, foi apresentado e não outro que a interessada pretenda agora corrigir ou aditar, já que esse se traduziria num requerimento novo.

[...]

Isto é, a possibilidade de a exequente ser inscrita como TOC está dependente de saber se, face aos meios de prova que instruíram o processo de candidatura, preenchia um dos pressupostos vinculados que a lei prescreve com vista à inscrição na ATOC como técnico oficial de contas, sendo que, conforme apurado nos factos assentes e decorrente da nova deliberação da entidade executada, a interessada, através dos meios de prova que forneceu, não fez a demonstração de que preenchia os pressupostos ou requisitos legais de que dependia a sua inscrição na ATOC, pelo que, a deliberação impugnada tinha de recusar, como o fez, o pedido de inscrição.»

A 2ª instância - Tribunal Central Administrativo Sul - conhecendo do recurso de apelação intentado pela exequente A………………., concedeu-lhe provimento, revogou a sentença recorrida, e ordenou que a interessada fosse inscrita na ATOC, fixando prazo para o efeito, bem como sanção pecuniária compulsória.

Da fundamentação deste acórdão, agora recorrido, respiga-se essencialmente o seguinte:

[…]

«Neste momento importa tomar posição sobre a ampliação do pedido que foi feita pela agora recorrente, e em que requereu ao tribunal a quo a declaração de nulidade da deliberação que renovou a recusa de inscrição, por violação do caso julgado, e a condenação da entidade demandada a praticar o acto de inscrição legalmente devido.

[…]

Todavia, “in casu”, apesar de a Administração ter praticado determinado acto em resposta ao requerimento do particular, o conteúdo desse acto não satisfaz, total ou parcialmente, a pretensão deste mas a mera anulação do acto praticado não tem a possibilidade de satisfazer a pretensão do particular que só ficará satisfeita com a prática do acto com o conteúdo desejado. Sendo assim, como é, no caso concreto não se deveria utilizar a impugnação, mas, apenas e só, o pedido de condenação à prática de acto devido.

É que a pronúncia condenatória elimina da ordem jurídica o acto de indeferimento expresso - a pronúncia condenatória reveste um duplo sentido já que, por um lado, profere uma injunção à Administração para que esta pratique o acto devido por lei, e, por outro, ao proferir essa injunção faz desaparecer da ordem jurídica o acto de recusa.

[…]

Com efeito, analisada a factualidade fixada no acórdão exequendo, vê-se claramente que a requerente se limitou a solicitar a sua inscrição, alegando genericamente… que desde 1 de Janeiro de 1989 e até à data da publicação do DL nº265/95, de 17.10, foi, durante três anos seguidos ou interpolados, responsável directa por contabilidade organizada, nos termos do Plano Oficial de Contabilidade, de entidades que naquele período possuíssem ou devessem possuir contabilidade organizada.

Sucede até, como salienta a recorrente, que tal exposição dos factos foi considerada suficiente pela entidade executada para proceder à apreciação da pretensão da exequente, que foi indeferida, por, alegadamente, não ter sido apresentada prova bastante dos mesmos, à luz do Regulamento que a ATOC aprovara [já unanimemente considerado ilegal pela jurisprudência].

[…]

Destarte, não é aceitável a conclusão da sentença recorrida, de que a exequente pretende aditar factos não alegados e fazer a respectiva demonstração com os novos documentos juntos com o seu requerimento de 17.11.2008 [documento junto com a petição].

Errada se afigura também a asserção feita na sentença de que a execução do julgado se basta com a reapreciação dos elementos de prova apresentados com o requerimento de inscrição de 1998, quando é certo que o fundamento da anulação foi precisamente a restrição dos meios de prova que, então, impendia sobre a interessada, por via de um regulamento inconstitucional e ilegal, e que obrigava a que a prova dos requisitos de inscrição se fizesse, apenas e exclusivamente, pela apresentação de declarações fiscais assinadas pelo próprio.

Ora, no acórdão anulatório exequendo foi declarada a ilegalidade da restrição probatória que impendia sobre a exequente por via do Regulamento ATOC e reconhecido efeito condicionador daquela restrição na apresentação de elementos de prova por parte da exequente em 1998.

[…]

Aplicando tal doutrina ao caso concreto, tendo em conta o decidido no acórdão anulatório não pode deixar de ser integralmente aplicada, o que acarreta como consequência a nulidade do novo acto que veio a denegar a pretendida inscrição, sem mais, por ofensa ao caso julgado.

[…]

Tal reintegração deve traduzir-se não no dever legal de repor o administrado na situação anterior à prática do acto ilegal, mas sim consistir na reconstituição da situação jurídica que actualmente existiria se o acto ilegal não tivesse sido praticado: reconstituição da situação actual hipotética… Assim, sobre a ilegalidade declarada pelo acórdão anulatório e ora exequendo formou-se caso julgado não apenas formal mas também material, que a decisão que viesse a determinar a não inscrição sem a ponderação de outros meios de prova nos termos pretendidos pela recorrente manifestamente afrontaria.

[…]

Ora, impondo o caso julgado anulatório a consideração de todos os meios de prova, é manifesto que o acervo documental junto, acrescidos dos elementos já constantes do processo administrativo, demonstram inequivocamente o preenchimento dos requisitos de inscrição previstos no artigo 1º da Lei nº27/98, de 03.06, e devem ser tomados em devida consideração, nos termos e com as consequências legais, mormente a condenação da Comissão de Inscrição da Associação de Técnicos Oficiais de Contas a praticar o acto de inscrição sujeita às seguintes vinculações [artigo 71º, nº2, do CPTA]: […]»

[…]

É deste acórdão que vem interposto «recurso de revista» pela actual ORDEM DOS CONTABILISTAS CERTIFICADOS. Imputa-lhe dois fundamentos de nulidade e erro de julgamento de direito.

2. Das nulidades [conclusões 1 a 4].

A «Ordem» recorrente entende que o acórdão sob recurso padece de dois vícios que acarretam a sua nulidade por aplicação das alíneas b) e c) do nº1 do artigo 615º do CPC.

Explica a recorrente que o acórdão é contraditório, ou pelo menos é ambíguo e obscuro, ao entender que a deliberação referida no ponto E) do provado teve em consideração todos os meios de prova apresentados, e, simultaneamente, concluir que era manifesto que não foi dado cumprimento ao julgado. E além disso, diz que essa conclusão é falha de fundamentação.

Vejamos.

A nulidade do acórdão, por «contradição entre os fundamentos e a decisão», que é prevista na alínea c), do nº1, do artigo 615º do CPC, verifica-se quando há um vício na lógica-jurídica que presidiu à respectiva construção, de tal modo que os «fundamentos» invocados apontam logicamente num determinado sentido, e a «decisão» tomada vai noutro sentido, oposto, ou pelo menos diverso. Trata-se de doutrina pacífica e recorrente na jurisprudência dos Tribunais Superiores.

A mesma alínea do nº1 do artigo 615º do CPC sanciona com a nulidade, ainda, o acórdão em que «ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível».

Como se sabe, é «obscuro» o que não é claro, aquilo que não se entende; e é «ambíguo» o que se preste a interpretações diferentes. Em qualquer caso, fica o destinatário da sentença ou acórdão sem saber ao certo o que efectivamente se decidiu, ou quis decidir. Mas não é qualquer obscuridade, ou ambiguidade, que é sancionada com a nulidade do acórdão, mas apenas aquela que «torne a decisão ininteligível».

Por sua vez, e nos termos da alínea b) do mesmo número e artigo, o acórdão é nulo quando «Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão», sendo que tais fundamentos justificativos são constituídos pelos factos e pelas regras jurídicas - normas e princípios - em que a decisão se alicerça, que lhe dão apoio, que a impõem.

No presente caso, constata-se que o acórdão recorrido revogou a sentença da 1ª instância, que havia julgado improcedente o pedido executivo, porque nele se entendeu, numa primeira fase, que a deliberação executória - de Fevereiro de 2009 - não «acatou» o caso julgado anulatório, e, portanto, não deu a devida execução ao acórdão exequendo, e se entendeu ainda, numa segunda fase, que uma vez apreciada a prova apresentada pela exequente aquando do seu requerimento de Novembro de 2008 [C) do provado], se impunha à entidade demandada, como «acto legalmente devido», a inscrição da exequente na ATOC. Por isso mesmo, não se limitou a revogar a sentença recorrida, mas também ordenou à CIATOC «que se proceda à inscrição da requerente como TOC segundo o regime definido», com prazo e sanção pecuniária compulsória diária determinados.

Para tal, a 2ª instância baseou-se nos factos dados como provados na sentença recorrida e aditou os que constam da sua parte final [ver folhas 35 e 36 do acórdão recorrido, a que correspondem as folhas 249 e 250 dos autos], que são os seguintes:

[…]

- Para além dos documentos apresentados pela ora recorrente e discriminados no probatório do acórdão exequendo [constante de folhas 425 a 430], foram juntas aos autos de recurso contencioso [ver documentos 12, 13 e 14] declarações emitidas por pessoas individuais e colectivas cujas contabilidades organizadas estavam desde Janeiro de 1990 sob responsabilidade directa da ora recorrente;

- Os «documentos» referidos em C) da sentença ora recorrida consistem: - DOCUMENTO 1 - que consubstancia declaração, com assinatura reconhecida, subscrita por B……………., sócia gerente da sociedade «C………………. Lda.», nos anos de 1992, 93 e 94, atestando, nessa qualidade, que a requerente foi a responsável directa pela contabilidade organizada dessa sociedade, nos termos do POC, no período correspondente aos anos fiscais de 1992, 93 e 94; - DOCUMENTO 2 - que consubstancia declaração sob compromisso de honra, subscrita pelo Dr. D…………, atestando que, em virtude do exercício das suas funções profissionais de advogado, tem conhecimento que a requerente foi responsável directa pela contabilidade organizada, nos termos do POC, da sociedade «C………….. Lda.», pelo período correspondente aos anos fiscais de 1992, 93 e 94; - DOCUMENTO 3 - que consubstancia declaração sob compromisso de honra, subscrita por E……………….., atestando que, em virtude do exercício das suas funções profissionais, como gerente bancário, tem conhecimento que a requerente foi responsável directa pela contabilidade organizada, nos termos do POC, da empresária em nome individual F……………, no período correspondente aos anos fiscais de 1992,93 e 94;

- No requerimento inicial e ao juntar os documentos elencados no ponto anterior, a recorrente indica como testemunhas todos os subscritores dos documentos 1 a 3, para serem ouvidos caso necessário.

[…]

Na parte jurídica do acórdão, bastante longa, todo o desenvolvimento de direito se encontra «fundamentado» em normas legais: 4º, 9º, 47º, 66º, 149º, 173º, do CPTA, 10º, 56º, 87º e 88º, do CPA, e 3º do CPC.

Deste modo, e independentemente do mérito do julgamento da apelação, certo é que o acórdão recorrido «não padece de fundamentação factual e jurídica». A nulidade invocada e prevista na alínea b) do nº1 do artigo 615º do CPC [ex vi artigo 1º e 140º do CPTA] não se verifique, definitivamente.

O acórdão, porque desnecessariamente longo, torna-se «confuso», mas não ao ponto de ser obscuro ou ambíguo de modo a tornar a decisão ininteligível. Aliás, a sua linha de desenvolvimento de apreciação factual e jurídica consegue, como já o fizemos acima, ser detectada por um jurista.

E dessa confusão resultam algumas afirmações aparentemente «contraditórias», de modo que a recorrente as invocou como fundamento de nulidade. De facto, afirmar-se [folha 8 do acórdão, e folha 222 dos autos] que «o acto que visou executar o julgado apreciou todas as provas apresentadas pela interessada, incluindo as que apresentou aquando do pedido de execução do julgado», parece, numa primeira análise, impor a decisão extraída pela 1ª instância, de julgamento de improcedência do pedido de execução. E não foi isso que aconteceu, mas antes o contrário. Porém, note-se, logo de seguida o acórdão deslocou a questão [folha 8 do acórdão, e folha 222 dos autos] para «o acerto da apreciação da prova produzida e para o incumprimento do princípio do inquisitório por parte da entidade demandada, designadamente por não ter ouvido as testemunhas indicadas pela interessada, cuja relevância parece resultar dos termos em que foi apreciada aquela prova». E foi a apreciação desta questão que conduziu a outra conclusão extraída no acórdão, segundo a qual «é manifesto que os autos revelam, claramente, que não foi dado cumprimento ao julgado anulatório em causa, com inobservância do caso julgado pelo novo acto praticado pela entidade demandada […] o que acarreta a nulidade do novo acto que renovou a recusa da inscrição» [folhas 28 e 29 do acórdão e 242 e 243 dos autos]. O que justificou - obviamente - a revogação da sentença aí recorrida. O restante conteúdo da decisão da 2ª instância pertence, já, a um conhecimento em substituição, e resulta de o acórdão ter considerado preenchidos os requisitos necessários à inscrição da recorrente como TOC [folhas 35 do acórdão e 249 dos autos, entre outras].
Constata-se, assim, que a afirmação invocada não pode ser isolada do contexto total do acórdão recorrido, e que, tendo este em conta, a decisão não entra em «oposição» com os seus fundamentos, o que significa que a nulidade invocada e prevista na alínea c) do nº1 do artigo 615º do CPC [ex vi artigo 1º e 140º CPTA] também não se verifica.

3. Do erro de julgamento de direito [conclusões 5 a 11].

O acórdão exequendo - proferido pelo STA a 24.04.2007 no âmbito do «recurso contencioso nº1322/98» e «recurso jurisdicional» nº059/07 - anulou a decisão administrativa de recusa de inscrição da aí recorrente na ATOC - de Julho de 1998 - fundamentalmente por o tribunal se ter convencido de que esta dispunha de outros meios legais de prova e que só não os apresentou com o seu requerimento de inscrição - em Junho de 1998 - devido às «normas regulamentares restritivas ilegais» - artigo 1º alínea d), e artigo 3º, do «Regulamento» aprovado pela Comissão Instaladora da ATOC, na sequência da entrada em vigor da Lei nº27/98, de 03.06 -, não podendo o tribunal asseverar que essa ilegalidade não operou no caso concreto e que a requerente sempre veria o seu pedido recusado, por défice probatório, independentemente dos constrangimentos constantes desse regulamento.

Efectivamente, em conformidade com essas «normas regulamentares ilegais» a requerente limitou-se a instruir o seu requerimento de inscrição na ATOC - em Junho de 1998 - no que respeita à prova do exercício de funções, com «cópia autenticada do Anexo C à declaração modelo 2 de IRS, relativa ao ano de 1993, e cópias autenticadas de declarações modelo 22 de IRC, relativas aos anos de 1994 e 1995» [ver factos provados do acórdão exequendo].

Em Novembro de 2008, a recorrente contenciosa requereu junto da entidade ali recorrida a execução do julgado anulatório, juntando 3 documentos - «declaração, com assinatura reconhecida, subscrita por B………….., sócia gerente da sociedade «C………….. Lda.», nos anos de 1992, 93 e 94, atestando, nessa qualidade, que a requerente foi a responsável directa pela contabilidade organizada dessa sociedade, nos termos do POC, no período correspondente aos anos fiscais de 1992, 1993 e 1994; «declaração» sob compromisso de honra subscrita pelo Dr. D………., atestando que, em virtude do exercício das suas funções profissionais de advogado, tem conhecimento que a requerente foi responsável directa pela contabilidade organizada, nos termos do POC, da sociedade «C………………. Lda.», pelo período correspondente aos anos fiscais de 1992, 1993 e 1994; e declaração sob compromisso de honra subscrita por E…………….., atestando que, em virtude do exercício das suas funções profissionais, como gerente bancário, tem conhecimento que a requerente foi responsável directa pela contabilidade organizada, nos termos do POC, da empresária em nome individual F……………, no período correspondente aos anos fiscais de 1992, 1993 e 1994 - a acrescer aos que instruíram o seu requerimento de Junho de 1998, e para o caso de ser tido por necessário, indicou como «testemunhas» os subscritores dos três documentos ora apresentados. E no dia imediato - 18.11.2008 - deu entrada no «TAC de Lisboa» a presente execução de julgado anulatório.
E foi assim que, três meses depois, em plena pendência desta acção executiva, a entidade executada proferiu acto administrativo pretensamente executório do referido acórdão do STA. Nele apreciou os 3 documentos agora juntos, e voltou a recusar a inscrição da requerente na seguinte base argumentativa:

[…]

«A requerente A…………………. deu entrada, em 19.11.2008, de pedido de inscrição na Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas [CTOC], dirigida ao Presidente da Comissão de Inscrição, para execução da decisão jurisdicional que anulou a anterior decisão da Comissão de Inscrição, de 31.07.98, de recusar a inscrição da requerente na CTOC, ao abrigo da Lei nº27/98, de 03.06.

Com efeito, na referida decisão jurisdicional entendeu-se que a Comissão de Inscrição não podia restringir a prova do preenchimento dos requisitos previstos no artigo 1º da Lei nº27/98 à apresentação de declarações Modelo 22 de IRC ou anexo C do Modelo 2 de IRS, relativas a exercícios compreendidos entre 1989 e 1995.

Importa referir que a requerente quando apresentou o seu pedido de inscrição, ao abrigo daquela Lei nº27/98, juntou para prova dos requisitos da mesma, uma declaração Modelo 2 dos sujeitos passivos G………… e F……………., relativa ao ano de 1993, uma declaração Modelo 22 relativa ao exercício de 1994 da sociedade H……………… Lda. E uma declaração Modelo 22 relativa ao exercício de 1995 da sociedade I…………… Lda.

Assim, com a anulação da decisão de não inscrição da requerente pelo fundamento acima referido, a Comissão de Inscrição, para dar execução à decisão jurisdicional tem de reapreciar o pedido de inscrição da requerente, apresentado em 1998, e ver se da prova por ela produzida pode ou não concluir-se pelo efectivo preenchimento dos requisitos do artigo 1º da Lei 27/98.

Ora, neste caso concreto, a verdade é que a requerente não juntou outra prova que não fossem as declarações fiscais citadas acima, sendo, por isso, essa prova que a Comissão de Inscrição, na sequência da decisão jurisdicional ficou obrigada a voltar a apreciar.

Um dos requisitos para a inscrição, ao abrigo do artigo 1º da Lei nº27/98, era o profissional de contabilidade ter sido responsável, directo, por um período mínimo de três anos, no espaço temporal relevante - 1 de Janeiro de 1989 a 17 de Outubro de 1995.

Consequentemente, da documentação do procedimento, à data da decisão jurisdicional, apenas decorre que a requerente foi responsável directa por contabilidade organizada, por um período de dois anos, nove meses e dezassete dias, isto é, não alcançou o mínimo de três anos exigível.

Assim, a Comissão de Inscrição continuaria a não poder admitir a inscrição da requerente ao abrigo do artigo 1º da Lei nº27/98, por esta não ter feito prova de preencher o requisito legal dos três anos.

Contudo, veio agora a requerente juntar documentação adicional ao procedimento, constituída por três declarações com a mesma letra, com o mesmo formato e com a mesma data, onde os respectivos signatários declaram que a requerente teria sido a responsável directa pela contabilidade organizada, nos termos do POC da sociedade C……………, Lda. e da senhora F…………….. no período correspondente aos anos fiscais de 1992, 1993 e 1994.

Todas estas declarações estão datadas de 3 de Outubro de 2008, sendo que apenas uma delas, a alegadamente da gerente da sociedade C………………, Lda. tem assinatura reconhecida, estranhando-se que no reconhecimento se diga que a mesma foi feita na presença e pela pessoa que a assinou, e aquele reconhecimento tenha data de 13 de Outubro de 2008.

Releva-se que não se pode dizer que a data de 03.10.2008 da declaração esteja errada, uma vez que ela é perfeitamente coincidente com a data das outras declarações.

Deste modo, ainda que pudesse ser tida em consideração, para execução da decisão judicial a documentação agora junta, a mesma não se afigura suficientemente credível para que se considere como provado que a requerente também foi responsável directa por contabilidades organizadas de contribuintes sujeitos a imposto sobre rendimentos durante o ano de 1992.

Aliás, o facto de a requerente ter junto, aquando do seu pedido de inscrição, a declaração Modelo 2 da contribuinte F…………., relativa ao ano de 1993, o que além de demonstrar que a requerente era a responsável pela contabilidade naquele exercício, também mostrava que a referida senhora era um sujeito passivo obrigado a ter aquela contabilidade nesse mesmo exercício, o que não sabe se era verdade em 1992, tanto mais que é um gerente bancário a dizê-lo.

Releva-se que se a requerente assinou a declaração Modelo 2 daquela contribuinte relativa ao ano de 1993, tal também terias, certamente, sucedido se ela tivesse sido a responsável pela contabilidade daquela contribuinte em 1992, pelo que não deixa de ser estranho que ela não tenha agora junto uma cópia dessa mesma declaração Modelo 2, o que lhe deveria ser fácil.»

E em função deste arrazoado a CIATOC deliberou, por unanimidade, «comunicar à requerente que não pode ser inscrita por se considerar que não preencheu o requisito de três anos do artigo 1º da Lei nº27/98, de 3 de Junho.» - ponto E) do provado.

4. Como decorre do artigo 173º do CPTA, a CIATOC deveria «reconstituir a situação que existiria se o acto anulado não tivesse sido praticado» mas sem prejuízo, todavia, de «poder praticar novo acto administrativo, no respeito pelos limites do caso julgado».

Foi esta última a opção da entidade demandada: praticou novo acto, tendo em conta a situação jurídica e de facto existente no momento em que deveria ter actuado e, atendendo ao caso julgado anulatório, considerou as «novas provas» aditadas pela requerente da execução voluntária.

Efectivamente - como é jurisprudência pacífica - os limites objectivos do caso julgado das decisões anulatórias de actos administrativos determinam-se pelo vício que fundamenta a decisão, e isto tanto no que respeita ao efeito preclusivo como ao efeito conformador do futuro exercício do poder administrativo [por todos, AC STA/Pleno de 04.12.2012, Rº0198/12.

Tendo em conta o «acórdão exequendo», deveria, pois, em sede executiva, ser dada oportunidade à ora exequente de «acrescentar prova do cumprimento do requisito temporal exigido pelo artigo 1º da Lei 27/98, de 03.06», ou seja, que desde 01.01.1989 até à data da publicação do DL nº265/95, de 17.10, tinha sido, durante três anos seguidos ou interpolados, individualmente ou sob a forma de sociedade, responsável directa por contabilidade organizada - nos termos do POC - de entidades que naquele período possuíssem ou devessem possuir contabilidade organizada.

E assim, por iniciativa da própria exequente, foi junta prova documental e prova pessoal, esta última para o caso de ser necessária, sendo que os documentos ora aditados não consubstanciavam, obviamente, declarações Modelo 22 de IRC nem Modelo 2 de IRS, mas antes outras declarações de que a requerente foi responsável directa por contabilidade organizada nos termos do POC, a acrescer às apresentadas aquando do requerimento de 1998 de acordo com a restrição ilegal de meios de prova constante do «Regulamento» emitido pela ATOC.

Impunha-se, assim, à CIATOC, de acordo com o preceituado na Lei nº27/98, de 03.06, e em cumprimento do acórdão exequendo, apreciar todas as provas que foram apresentadas pela requerente, em 1998 e 2008, documentais e pessoais, estas últimas se necessário fosse, e proceder à sua inscrição se delas resultasse preenchido o referido período temporal de três anos entre 01.01.98 e 17.10.95 - data da publicação do DL nº265/95.

Esta «reposição da legalidade» exigia, à CIATOC, o total e estrito acatamento do acórdão exequendo, na sua integralidade e alcance [artigos 205º, nº2 e nº3, da CRP, e 158º, do CPTA], pois tal actuação está fora do domínio da discricionariedade administrativa.

5. O novo acto administrativo da CIATOC consistiu em «nova recusa de inscrição da requerente como TOC». O que pode traduzir-se numa completa execução do julgado anulatório desde que observado, como ficou dito, o «estrito acatamento do caso julgado».

Constatamos que a nova recusa administrativa se fundamentou em duas razões:

- Razão principal - a execução do julgado anulatório passa por reapreciar, apenas, os meios de prova apresentados com o requerimento de 1998, pois a requerente não apresentou outros, e a verdade é que estes apenas provam a «responsabilidade directa por contabilidade organizada durante um período de 2 anos, 9 meses e 17 dias»;

- Razão subsidiária - mesmo que pudessem ser tidos em consideração os meios de prova juntos em 2008, estes não se afiguram «suficientemente credíveis» para provar que a requerente foi, também, responsável directa por contabilidades organizadas durante o ano de 1992.

E na verdade é só o ano fiscal de 1992 que está em causa. A «responsabilidade directa por contabilidade organizada» nos anos de 1993 e 1994, bem como boa parte do ano de 1995, já resultava provada pelas declarações apresentadas com o requerimento de 1998.

Mas não é como a recorrente da revista defende.

É bom de ver que subjaz à dita razão principal, entendimento segundo o qual a requerente apenas poderia apresentar, na sequência do caso julgado anulatório, «outros meios de prova» relativos a factos invocados no requerimento de 1998, e nesse primeiro requerimento nada disse no tocante ao ano fiscal de 1992.

Mas é claro que a ora exequente requereu a sua inscrição em 1998 instruindo o respectivo requerimento apenas com as declarações «que eram então permitidas» pelas «normas regulamentares ilegais», isto é, declaração Modelo 2 e declarações Modelo 22, referentes aos anos de 1993, 94 e 95. Porque não tinha outras não as apresentou, nem apresentou outros meios de prova porque não permitidos pelo «Regulamento» ilegal. Isto é claro no acórdão exequendo, que, reagindo a tais reflexos restritivos das normas regulamentares ilegais na conduta da requerente em 1998, anulou a recusa de inscrição com esse fundamento.

Não faz sentido, assim, em termos de cumprimento do caso julgado anulatório, a CIATOC limitar-se a repetir a apreciação feita em 1998, que conduziu à recusa da inscrição, porque o que a anulação da recusa visou foi, precisamente, o dar a oportunidade à requerente de apresentar outros meios de prova, não quanto a factos que já estavam provados, mas relativamente a «outros exercícios, dentro do período temporal legalmente relevante», e que teriam sido omitidos por falta de meios de prova idóneos.

Assim, praticar o novo acto administrativo no respeito pelos limites do caso julgado significaria apreciar e decidir o requerimento de inscrição da exequente «depois de lhe ter sido permitido fazer prova, por outros meios, da sua responsabilidade directa por contabilidade organizada dentro do período legalmente relevante para a inscrição como TOC».

6. Temos, pois, que se impunha à CIATOC a apreciação das três declarações que a exequente juntou com o requerimento executivo de 2008, nomeadamente no que concerne ao ano fiscal de 1992, único que importava, e que, se o julgasse necessário, ouvisse o depoimento das três testemunhas indicadas, e que são os subscritores dessas declarações – B……………..; D…………….; e E…………….. A CIATOC, como ficou dito, embora a título subsidiário apreciou tais declarações, mas não ouviu as testemunhas, nem sequer se lhes referiu.

Porém, tal apreciação por parte da entidade demandada terminou na conclusão de que essas declarações eram pouco credíveis para provar que a requerente foi responsável directa por contabilidades organizadas durante o ano de 1992. Isto com base numa suspeição emergente da consideração «da letra, do formato, e das datas» constantes das declarações apresentadas, ou seja, com base numa suspeição que poderia ser facilmente esclarecida, e ultrapassada, pela produção do meio de prova pessoal indicado pela requerente.

Não resta dúvida portanto que, ao considerar como atendíveis, no caso, apenas os meios de prova juntos com o requerimento de 98, e ao não produzir a prova pessoal indicada pela requerente, em ordem a esclarecer as dúvidas suscitadas, a CIATOC não cumpriu na sua integralidade o caso julgado anulatório. Este está, pois, incumprido por parte da entidade demandada, e o acto administrativo que pretensamente lhe dá cumprimento é «nulo» porque o viola [ver artigo 133º, nº2 alínea h), do CPA aplicável].

7. O acórdão recorrido também concluiu por esta «nulidade», que declarou. Mas avançou, e fazendo apelo essencialmente aos artigos 47º, 149º e 173º do CPTA, e a princípios como o da desburocratização [artigo 10º CPA] e do inquisitório [artigo 56º CPA], conheceu a pretensão executiva e condenou a entidade demandada a inscrever a exequente como TOC, em dez dias, e fixando sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso no cumprimento.

Desde 2004 que o CPTA permite a «cumulação» do pedido de anulação de um acto administrativo com o pedido de condenação da Administração a adoptar os actos e operações necessárias para reconstituir a situação que existiria se o acto anulado não tivesse sido praticado [artigo 47º nº2 alínea b)], sendo que a não formulação deste último pedido não preclude a possibilidade de o mesmo ser accionado no âmbito do processo de execução da sentença de anulação [artigo 47º, nº3, e 176º, nº3].

Mas estes efeitos ultra-constitutivos da sentença «meramente anulatória», hoje consagrados no artigo 173º do CPTA, que constituem a Administração no dever de reconstituir a «situação hipotética actual», vale sobretudo para os casos em que ela não opte por praticar novo acto no respeito pela autoridade do caso julgado.

Caso o faça, este novo acto administrativo ou dá execução completa ao julgado ou não dá. No primeiro caso as coisas ficam por aí, o «julgado anulatório» resta cumprido, e no segundo caso o acto pretensamente executivo é nulo por violação do caso julgado anulatório. Ocorrendo esta nulidade, a condenação à prática do «acto legalmente devido» só será possível caso o acto executivo se configure, em face dos elementos de facto e de direito adquiridos nos autos, como acto vinculado, isto é, se tiver um sentido legalmente imposto à Administração, sem margem de discricionariedade.

Ora, não é isto que acontece neste caso. O acto executivo, ou «pretensamente executivo», é nulo porque viola o caso julgado anulatório e fundamentalmente porque não foram atendidos «todos os meios de prova» legalmente permitidos e apresentados pela requerente, já que, face à pouca credibilidade dos documentos juntos, deveria ter sido produzida a prova pessoal.

E esta produção da prova testemunhal, visando esclarecer as dúvidas suscitadas à entidade demandada pela «letra, formato e datas das declarações», a ela cabe, e não ao poder judicial, que não deve nem pode invadir a esfera própria do poder administrativo, sendo certo que este poder, no caso, é atribuído pela Lei 27/98 à CIATOC, e o respectivo exercício é imposto, à mesma, por força do caso julgado anulatório.

8. O acórdão recorrido deverá manter-se, portanto, na parte em que se decide pela nulidade do acto executivo de 18.02.2009 [ponto E) do provado], mas deverá ser revogado na parte em que condena a entidade executada a proceder à inscrição da requerente, fixa prazo e sanção pecuniária compulsória.

Efectivamente, a entidade demandada deverá é praticar novo acto executivo na formação do qual leve em conta a prova pessoal apresentada pela requerente e necessária a esclarecer as dúvidas sobre a credibilidade das declarações juntas a 17.11.2008 [ponto C) do provado].

IV. Decisão

Nestes termos, decidimos conceder parcial provimento ao recurso de revista, revogamos o acórdão recorrido enquanto condena a executada a proceder à inscrição da requerente, mantemo-lo na parte restante, e condenamos a ora recorrente a praticar novo acto executivo nos termos consignados no último parágrafo do texto deste acórdão.

Custas por ambas as partes, na proporção de metade.

Lisboa, 8 de Novembro de 2018. – José Augusto Araújo Veloso (relator) – Ana Paula Soares Leite Martins Portela – Jorge Artur Madeira dos Santos.