Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0668/10
Data do Acordão:09/29/2010
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:CASIMIRO GONÇALVES
Descritores:DERROGAÇÃO DO SIGILO BANCÁRIO
SIGILO PROFISSIONAL
DERROGAÇÃO
AUTORIZAÇÃO PRÉVIA
Sumário:I - Embora o contribuinte esteja sujeito a um dever geral de cooperação com a AT, na concretização das diligências legalmente previstas, esse dever cessa nas circunstâncias previstas no nº 4, do art. 63º (LGT) podendo aquele opor-se legitimamente à realização da inspecção e só por via judicial podendo ser afastada tal oposição. Daí que, nos casos em que por via do acesso a documentação coberta pelo sigilo bancário, venha ou possa vir a ser invocado também o sigilo profissional, a AT, se utilizar apenas a via da autorização administrativa para derrogar tal sigilo, pode ver essa derrogação sindicada judicialmente, pois que o direito àquela oposição não é, nessa medida, afastado.
II - Porque a oposição, por devassa de sigilo profissional, ao acesso às contas e informações bancárias, por parte do contribuinte, impede a AT de aceder directamente a essas contas e informações, e dado que o nº 3 do art. 87º do EOA estabelece que o segredo profissional abrange ainda documentos ou outras coisas que se relacionem, directa ou indirectamente, com os factos sujeitos a sigilo, irreleva a argumentação de que não existe tal devassa do sigilo profissional no caso de se pretender apenas a recolha de elementos sobre os rendimentos do contribuinte adstrito àquele sigilo profissional.
Nº Convencional:JSTA00066610
Nº do Documento:SA2201009290668
Data de Entrada:09/02/2010
Recorrente:DIRGER DOS IMPOSTOS
Recorrido 1:A... E OUTRA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF COIMBRA PER SALTUM.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - SIGILO BANCÁRIO.
Legislação Nacional:LGT98 ART63 ART63-B ART55.
CIRS88 ART13 N2.
L 30-G/2000 DE 2000/12/29.
L 55-B/2004 DE 2004/12/30.
L 64-A/2008 DE 2008/12/31.
L 94/2009 DE 2009/09/01 ART2
L 37/2010 DE 2010/09/02.
DL 320-A/2002 DE 2002/12/30.
CONST76 ART266 N2.
EOADV84 ART87.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC715/08 DE 2008/08/20.; AC STA PROC1116/09 DE 2009/12/02.; AC STA PROC1862/03 DE 2004/12/15.
Referência a Doutrina:LEBRE DE FREITAS ESTUDOS SOBRE DIREITO CIVIL E PROCESSO CIVIL 2002 PAG337.
BENJAMIM RODRIGUES O SIGILO BANCÁRIO E O SIGILO FISCAL IN SIGILO BANCÁRIO 1997 PAG113.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
RELATÓRIO
1.1. O Director-Geral dos Impostos recorre da sentença que, proferida pelo TAF de Coimbra, julgou procedente o recurso interposto do seu despacho que autorizou a derrogação do sigilo bancário relativo a contas e informações bancárias dos recorridos A… e B… ambos com os sinais dos autos.
1.2. O recorrente termina as alegações do recurso formulando as Conclusões seguintes:
a) Versam os autos sobre decisão proferida pela entidade ora recorrente que, nos termos do disposto na alínea b) do nº l do artigo 63°-B da LGT, e com base em informação elaborada pelos serviços, autorizou que funcionários da Inspecção Tributária devidamente credenciados, pudessem aceder directamente a todas as contas e documentos bancários existentes nas instituições bancárias, em sociedades financeiras ou instituições de crédito portuguesas tituladas pelos então recorrentes e ora recorridos.
b) A necessidade de acesso a contas e elementos a coberto de sigilo bancário decorre do facto de se terem revelado infrutíferos os actos inspectivos e demais diligências tendentes à verificação e comprovação da veracidade dos rendimentos declarados pelos então recorrentes no ano de 2007, evidenciando as circunstâncias apuradas no âmbito do procedimento inspectivo “factos concretamente identificados indiciadores de falta de veracidade do declarado”.
c) As prerrogativas de inspecção enunciadas no nº l do artigo 63° da LGT dirigem-se, fundamentalmente, ao concreto apuramento ou comprovação da exacta situação tributária dos contribuintes e, consequentemente, à efectivação do dever fundamental de pagar impostos.
d) Dispõe o nº 2 do artigo 63° da LGT que, sempre que a informação a aceder, por parte da inspecção tributária, se encontre protegida pelo «sigilo profissional, bancário ou qualquer outro dever de sigilo legalmente regulado», o acesso depende de prévia «autorização judicial, nos termos da legislação aplicável» sendo excepcionadas as situações em que a «lei admite a derrogação do dever de sigilo bancário pela administração tributária sem dependência daquela autorização» - nomeadamente as situações que se acham sob os nºs. 1, 2 e 3 do artigo 63°-B da LGT.
e) De igual forma, o dever geral de cooperação que impende sobre os contribuintes, em geral, face às diligências levadas a cabo pela administração tributária, tendentes ao apuramento da sua situação tributária, cessa em caso de oposição deduzida por estes, com fundamento nas circunstâncias referidas no nº 4 da norma, relevando, na situação em apreço, o referido na alínea b), que legitima a «falta de cooperação» do contribuinte nas situações em que as diligências desenvolvidas pela Administração Tributária impliquem «A consulta de elementos abrangidos pelo segredo profissional ou qualquer outro dever de sigilo legalmente regulado, salvo os casos de consentimento do titular ou de derrogação do dever de sigilo bancário pela administração tributária legalmente admitidos».
f) No caso dos autos inexiste oposição por parte do contribuinte. É o Tribunal que “presume” a susceptibilidade de violação do segredo profissional do advogado e com esse fundamento resolve a “questão” a “título prévio”.
g) A exposição de motivos que antecede e fundamenta a decisão de acesso administrativo apenas analisa e pondera a factualidade que lhe é contemporânea.
h) Desta forma, visando o procedimento encetado o levantamento de sigilo bancário aos visados, não se alcança de que forma se poderia ter então reflectido e ponderado eventual violação de segredo profissional a que os então visados se encontram adstritos por força da profissão que exercem, sendo que estes participaram activamente no procedimento inspectivo sem nunca tal ter invocado.
i) Salvo melhor opinião - tendo em atenção que o procedimento inspectivo visa apenas a comprovação dos rendimentos declarados pelos visados - a correcta leitura dos preceitos envolvidos, artigo 63° nºs. l, 2, 4 e 5, 63°-B nº l alínea b) da LGT, impõe interpretação no sentido de que só a recusa (oposição) por parte do visado fundamentada em segredo profissional imporia a necessidade de recurso, por parte da administração, a autorização judicial prévia de acesso a contas e elementos bancários.
j) Por outro prisma, retira-se do nº l do artigo 87° do Estatuto da Ordem dos Advogados que «O advogado é obrigado a guardar segredo profissional no que respeita a todos os factos cujo conhecimento lhe advenha do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços».
l) O sigilo profissional - regra basilar do exercício da advocacia - faz impender sobre o advogado o dever de ocultar, resguardar, ou não dizer, a essência da sua relação profissional com o cliente, obrigando-o a guardar e impedindo-o de revelar factos que lhe advieram ao conhecimento pelo exercício da profissão.
m) Do “segredo” encontram-se, naturalmente, excluídos, os factos públicos e notórios e outros que, pelo seu carácter, em nada contendem com os direitos e interesses que o cliente busca assegurar pela prestação de serviços que solicita.
n) Assim, só os factos, matérias e documentos, que advenham ao conhecimento do advogado por força da relação profissional, que tenham ou devam ter carácter oculto, devem ser objecto de segredo.
o) Tal carácter inexiste, salvo melhor opinião, perante a Administração Fiscal, no que respeita à relação económica que se estabelece entre advogado e cliente, nomeadamente quanto a pagamentos de honorários por este àquele efectivados e correspondente quitação.
p) Noutra dimensão, igualmente relevante, o sigilo profissional, para além de um dever; é, simultaneamente, um direito do advogado, na medida em que lhe confere a possibilidade de negar a prestação de informações ou o acesso a elementos com a invocação de tal fundamento.
q) Ora, esse direito, reafirma-se, nunca foi exercido pelo contribuinte/advogado durante o procedimento tendente a, administrativamente, aceder a contas bancárias por si tituladas, aspecto que, definitivamente, deve relevar na apreciação do mérito da decisão impugnada.
r) Assim, atendendo à particularidade do caso concreto, nada resultante da acção inspectiva permite à administração, sequer, supor que os elementos a que se pretende aceder contendam com o segredo profissional a que o visado advogado se encontra sujeito.
s) Na verdade, é difícil configurar matéria ou facto, que tendo vindo ao conhecimento deste pelo exercício da sua profissão - e como tal sujeita a sigilo - possa estar contido num registo, a crédito ou débito, averbado em conta bancária.
t) Igualmente, se considerarmos que durante o procedimento nunca foi suscitada a questão do sigilo profissional e ainda o facto de as contas bancárias a que se pretende aceder serem co-tituladas pela recorrida (que exerce profissão distinta) dificilmente se configurará uma situação ou quadro factual de eventual violação de segredo profissional de advogado e, como tal, determinasse a necessidade de prévio escrutínio judicial.
u) Acresce, como argumento, que o objectivo do legislador ao fazer depender de escrutínio judicial o exercício das prerrogativas da inspecção tributária no que concerne a factos cobertos pelo «sigilo profissional, bancário ou qualquer outro dever de sigilo legalmente regulado» é proteger os valores, socialmente relevantes que os mesmos encerram e não, proteger aqueles que, por força do exercício de profissão ou actividade, se encontram vinculados a tal dever de resguardo.
v) Mais, visando a actuação da Inspecção Tributária o «apuramento da situação tributária dos contribuintes» - cf. artigo 63° nº l da LGT - não lhe cabe presumir, na falta de tal alegação, que os factos, matérias ou elementos a que pretende aceder contendam com os deveres de sigilo a que os advogados, por força do exercício da profissão se encontram vinculados.
x) Se assim fosse, tal conjectura teria que ser respeitada perante contribuintes jornalistas, funcionários públicos, magistrados e funcionários judiciais, advogados e funcionários forenses, solicitadores, corretores de bolsa, médicos e outros que, por força da profissão ou actividade que exercem, e nos termos da lei, se encontram vinculados a segredo.
z) Tal entendimento e actuação, a acontecer, contenderia com os princípios pelos quais a administração tributária deve pautar a sua actuação.
aa) Na verdade, a administração tributária deve pautar a sua actuação, no âmbito do procedimento tributário, por um conjunto de princípios de raiz constitucional - cf. artigo 266° nº 2 da CRP, vertidos em lei ordinária no artigo 55° da LGT - que devem ser tomados em consideração em cada caso concreto.
ab) Entre esses princípios figuram o da igualdade, que implica tratamento igual de todos os contribuintes perante a lei.
ac) Desta forma, e no caso concreto, o simples facto de um dos contribuintes visado na acção inspectiva - que, recorde-se, tem apenas por fim a verificação e comprovação dos rendimentos declarados pelo agregado familiar que integra - se encontrar fiscalmente inscrito pela actividade de advogado não pode levar a presumir, sem mais, sob pena de violação dos princípios pelos quais a actuação da administração tributária se deve reger - nomeadamente o princípio da igualdade - que as acções a desenvolver contendem com segredo profissional a que o mesmo está obrigado, sendo imperativo que os visados a tal apelem.
ad) Assim, salvo melhor opinião, tendo sufragando entendimento distinto, a douta sentença recorrida fez incorrecta interpretação e aplicação da lei - artigo 63°, nºs l, 2, 4, alínea b) e 5 e artigo 63°-B, nº l alínea b) ambos da Lei Geral Tributária - aos factos.
Termina pedindo que o recurso seja julgado procedente e, em consequência, a sentença recorrida seja substituída por outra que afirme a legalidade da decisão impugnada.
1.3. Contra-alegaram os recorridos, pugnando pela confirmação do julgado, apresentando as Conclusões seguintes:
1. Não há, na douta sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, qualquer erro de direito resultante de uma eventual menos correcta interpretação e aplicação da lei, como o recorrente quer fazer crer.
2. O sigilo profissional do Advogado, previsto no artigo 87° do Estatuto da Ordem dos Advogados - Lei 15/2005, de 16 de Janeiro, é um dever do Advogado que só pode ser afastado nas circunstâncias previstas na Lei e dependente de procedimento próprio nos termos do respectivo regulamento - cfr. Regulamento nº 94/2006, de 12 de Junho – “O advogado pode revelar factos abrangidos pelo segredo profissional, desde que tal seja absolutamente necessário para a defesa da dignidade, direitos e interesses legítimos do próprio advogado ou do cliente ou seus representantes, mediante prévia autorização do presidente do conselho distrital respectivo, com recurso para o bastonário, nos termos previstos no respectivo regulamento.”
3. Está desde logo o Advogado legalmente impedido de consentir a derrogação do sigilo profissional!
4. A regra geral em termos de derrogação de sigilo profissional no âmbito da inspecção tributária é aquela que decorre do nº 2 do artigo 63º da LGT “O acesso à informação protegida pelo sigilo profissional, bancário ou qualquer outro dever de sigilo legalmente regulado depende de autorização judicial, nos termos da legislação aplicável, excepto nos casos em que a lei admite a derrogação do dever de sigilo bancário pela administração tributária sem dependência daquela autorização.”
5. Já os nºs. 4 e 5 daquela norma referem-se expressamente às situações em que está legitimada a falta de cooperação do contribuinte, o que ocorre nomeadamente nos casos em que está em causa a consulta de elementos abrangidos pelo sigilo profissional, o qual só pode ser afastado mediante consentimento do contribuinte nos casos legalmente admitidos.
6. E por casos legalmente admitidos refere-se o legislador por um lado aos casos de consentimento no âmbito do sigilo profissional ou outro dever de sigilo legalmente regulado e por outro lado aos casos de derrogação do dever de sigilo bancário pela administração tributária.
7. Ou seja, para efeitos de sigilo profissional ou outro dever de sigilo legalmente regulado a regra para a sua derrogação é a autorização judicial e a excepção é o consentimento do titular nos casos legalmente admitidos!
8. A autorização judicial para derrogação do sigilo profissional é a regra, não existindo, neste âmbito, qualquer excepção que permita essa derrogação pela AT.
9. A excepção prevista no âmbito do sigilo profissional está contida no nº 4 do artigo 63° da LGT e pressupõe o consentimento do contribuinte, que no caso presente lhe está legalmente vedado, sob pena de incorrer num ilícito disciplinar e criminal!! (cfr. artigo 195° do Código Penal).
10. Ou seja, estando legalmente vedado ao contribuinte consentir na derrogação do sigilo profissional, a única via admitida por Lei que permita o acesso da AT a tais elementos é a autorização judicial, por ser o Tribunal quem está mais qualificado para verificar se ocorrem os pressupostos de que a Lei faz depender tal derrogação.
11.O sigilo profissional é um dever do Advogado!
12. E um direito daqueles que são os seus clientes!
13. Não lhe sendo lícito derrogá-lo que não mediante autorização, em processo próprio, da Ordem dos Advogados ou do Tribunal!
14. Ora interpretar aqueles normativos legais no sentido pretendido pelo recorrente era, salvo melhor opinião, ilegal.
15. A regra é que a derrogação do sigilo profissional depende, não do consentimento do contribuinte por não ser este aquele que o sigilo profissional pretende salvaguardar, mas de uma entidade imparcial e com competência para efectuar o controlo das circunstâncias em que existe sigilo profissional, bem como aquelas em que a derrogação deste é admitido, o que deve ficar a cargo do Tribunal e da Ordem dos Advogados.
16. O consentimento, ou a não oposição como convenientemente o recorrente pretende que se entenda, está-lhe mesmo vedado, não podendo por sua iniciativa o Advogado prestar esse consentimento ou não se opor a que o mesmo seja derrogado.
17. Já o dispositivo legal em que a Administração Tributária fundamenta o despacho que autoriza o acesso às contas e documentos bancários existentes em nome do contribuinte e sem o consentimento deste - alínea b) do nº l do artigo 63°-B da LGT, está exclusivamente reservado às situações em que está apenas em questão o sigilo bancário e não também o sigilo profissional, tendo ainda mesmo para aquele que se verificar determinados pressupostos que também no presente caso não se verificam ou sequer estão devidamente fundamentados.
18. Ademais, os recorridos na sua petição de recurso alegam claramente que as contas bancárias tituladas pelo aqui recorrido “são também de cariz misto, profissional e pessoal, pelo que em todas essas contas existem movimentos que não lhe dizem directamente respeito, que não são pessoais mas antes se referem a assuntos dos seus clientes. O que obrigatoriamente está abrangido pelo segredo profissional que terá de ser respeitado e cujo respeito o contribuinte está obrigado a promover. E neste caso o levantamento do sigilo bancário do contribuinte, implica simultaneamente a derrogação do segredo profissional de advogado a que está adstrito. O que impõe que tal derrogação do sigilo bancário fique dependente de escrutínio judicial, não podendo ser imposto por mera decisão da administração tributária como aconteceu no presente caso. Exigência que resulta expressamente do nº 5 do artigo 63º da Lei Geral Tributária.”
19. Pelo que, será de concluir pelo acerto da douta sentença do TAF de Coimbra.
20. Mas mesmo que assim não se entenda o que sem prescindir apenas se concede por mera cautela de patrocínio, sempre se dirá que,
21. Uma vez que não é levantada qualquer questão quanto aos rendimentos, exclusivamente da categoria A, auferidos pela requerente mulher, e uma vez que todos os fundamentos invocados pela administração tributária para aceder directamente à informação bancária dos requerentes se prendem exclusivamente com os rendimentos auferidos pelo requerente marido no âmbito da sua actividade profissional, é inadmissível quanto à requerente mulher o acesso directo dos funcionários da Inspecção Tributária à sua informação bancária tal como pretende a administração tributária.
22. Quanto a esta, a derrogação do sigilo bancário terá de respeitar as exigências do nº 8 do artigo 63°-B da Lei Geral Tributária com a redacção anterior à alteração introduzida pela Lei nº 94/2009, de 01.09, e ainda anterior à redacção da Lei nº 64-A/2008, de 31.12.
23. Estando em causa o acesso a informação bancária relativa ao ano de 2007 (período a que se refere a inspecção tributária externa que motivou o pedido de derrogação de sigilo bancário), e de acordo com o disposto no nº 9 do artigo 63°-B da Lei Geral Tributária em que se dispõe: “O regime previsto nos números anteriores não prejudica a legislação aplicável aos casos de investigação por infracção penal e só pode ter por objecto operações e movimentos bancários realizados após a sua entrada em vigor, sem prejuízo do regime vigente para as situações anteriores, a lei a aplicar no presente caso será a que se encontrava em vigor no período a que se referem as informações bancárias a que a administração tributária pretende ter acesso e a inspecção tributária no âmbito da qual foi pedido o levantamento do correspondente sigilo bancário, ou seja, no ano de 2007, apenas.
24. Terá assim de atender-se à redacção dada àquele artigo 63°-B da Lei Geral Tributária pela Lei nº 55-B/2004, de 30.12.
25. E dispõe o nº 8 do artigo 63°-B, na sua redacção vigente no ano de 2007, que “O acesso da administração tributária a informação bancária relevante relativa a familiares ou terceiros que se encontrem numa relação especial com o contribuinte depende de autorização judicial expressa, após audição do visado, obedecendo aos requisitos previstos no nº 4”.
26. Uma vez que quanto à requerente B… não existe qualquer incorrecção apontada pela administração tributária quanto aos rendimentos por si auferidos e declarados, e consequentemente, não existe qualquer motivo para que a administração fiscal aceda à sua informação bancária, é evidente que aquela administração tributária só pretende aceder à sua informação bancária na medida em que esta é casada com o contribuinte A… e muita dessa informação bancária é partilhada pelo casal.
27. O que quer dizer que o acesso à informação bancária da requerente B… é apenas motivada, de acordo com a decisão da administração fiscal que aqui se impugna, e especialmente de acordo com a Informação da Divisão de Inspecção Tributária II - Equipa G da Direcção de Finanças de Coimbra, pelo facto desta ser casada com o contribuinte a cujos rendimentos e respectivas declarações fiscais a administração tributária aponta falhas e pretende comprovar.
28. A este respeito veja-se o douto Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul, de 20/05/2008, no Proc. nº 02380/08, publicado em wvw.dgsi.pt, em que se decidiu que “mesmo onde se verifiquem relações familiares, desde logo por força do casamento, para efeitos do art. 63°-B da LGT (nº 8 na redacção actual e nº 7 na redacção anterior), desde que um dos cônjuges não seja directamente visado no procedimento de derrogação do sigilo bancário, por o ser apenas por força da sua relação matrimonial, sempre será de considerar como “familiar” para efeitos da lei, nessa medida pressupondo autorização judicial expressa para o efeito”.
29. Ora em face do circunstancialismo em que se pretende aceder à informação bancária da requerente mulher era exigido à administração fiscal que desse àquela contribuinte a possibilidade de exercer o direito de audição prévia, o que não aconteceu.
30. A preterição de tal formalidade significou na prática a negação à interessada do exercício de um direito essencial nas relações entre administração pública e administrados, o exercício do seu direito de defesa. Direito este constitucionalmente consagrado no artigo 267°, nº 5 da Constituição da República Portuguesa.
31. Preterição essa que determina a nulidade do acto administrativo que é a decisão do Senhor Director-Geral dos Impostos de 20/05/2010, notificada aos requerentes através do ofício nº 8035 de 31/05/2010, por ofensa do conteúdo essencial daquele direito fundamental previsto no artigo 267°, nº 5 da Constituição da República Portuguesa (cfr. art. 133°, nº 2 alínea d) do Código do Procedimento Administrativo, aplicável por força do artigo 2° alínea d) do Cód. Proc. e Proc. Tributário).
32. Mas é ainda mais grave a nulidade do acto administrativo de que se recorre no que se refere ao acesso à informação bancária da requerente mulher.
33. É que, em face do circunstancialismo que motiva o acesso à informação bancária da requerente mulher e do disposto naquele nº 8 do artigo 63°-B da Lei Geral Tributária, a administração tributária não tem poder para neste caso decidir internamente o acesso directo dos funcionários da Inspecção Tributária à informação bancária da requerente B….
34. No presente caso, e face ao circunstancialismo que motiva o acesso à informação bancária da requerente mulher e que resulta da própria Informação da Divisão de Inspecção Tributária II - Equipa G da Direcção de Finanças de Coimbra, a derrogação do sigilo bancário da contribuinte B… estava dependente de prévia autorização judicial a solicitar pela administração tributária ao Juiz do Tribunal Tributário de primeira instância da sua área de residência (cfr. art. 146°-C do Cód. Proc. e Proc. Tributário). O que também não aconteceu no presente caso.
35. É também por aqui nulo o acto administrativo por usurpação de poder por parte da administração fiscal que decidiu o que, em obediência aos artigos 63°-B, nº 8, da Lei Geral Tributária e 146°-C do Cód. Proc. e Proc. Tributário teria de ser requerido e decidido por um Juiz. E assim nos termos do que se dispõe no artigo 133°, nº 2 alínea a) do Cód. Procedimento Administrativo (aplicável por força do artigo 2° alínea d) do Cód. Proc. e Proc. Tributário).
36. E assim, também pelo disposto neste nº 5 do artigo 63°-B da Lei Geral Tributária com a redacção trazida pela Lei nº 94/2009, de 01.09, sempre seria indispensável a audição prévia da requerente mulher cujos rendimentos e respectivas declarações nunca foram colocadas em causa pela administração tributária e cujo acesso à informação bancária apenas é pretendido pelo facto de ter uma relação familiar com o contribuinte A… cujos rendimentos e declarações são por aquela questionadas.
37. Ou seja, quer pela redacção do artigo 63°-B da Lei Geral Tributária anterior à Lei nº 94/2009, de 01.09 e também anterior à Lei nº 64-A/2008, de 31.12, quer pela redacção actualmente vigente daquele artigo trazida pela Lei nº 94/2009, de 01.09, sempre será nulo o acto administrativo recorrido por ofender o conteúdo essencial do direito fundamental previsto no artigo 267°, nº 5 da Constituição da República Portuguesa (cfr. art. 133°, nº 2 alínea d) do Cód. Procedimento Administrativo, aplicável por força do artigo 2° alínea d) do Cód. Proc. e Proc. Tributário).
38. Mas também quanto ao requerente A… inexistem fundamentos susceptíveis de suportar a decisão recorrida do Director-Geral dos Impostos de autorizar os funcionários da Inspecção Tributária a aceder directamente a todas as contas e documentos bancários existentes nas instituições bancárias, em sociedades financeiras ou instituições de crédito portuguesas de que seja titular e referentes ao ano de 2007.
39. E no que se refere à derrogação do sigilo bancário do contribuinte A… - e porque a administração fiscal apenas pretende aceder à informação bancária relativa ao ano de 2007 (como expressamente consta da decisão do Director-Geral dos Impostos que aqui se impugna), e até porque a inspecção no âmbito da qual foi tomada esta decisão de derrogação do sigilo bancário se restringe aos rendimentos desse ano de 2007 - é também de aplicar o artigo 63°-B da Lei Geral Tributária com a redacção que lhe foi dada pela Lei nº 55-B/2004, de 30.12, que estava em vigor nesse ano de 2007 (cfr. nº 9 do art. 63°-B da Lei Geral Tributária).
40. Ora dispõe aquele artigo 63°-B da Lei Geral Tributária, invocado pela administração tributária para legalmente fundamentar a decisão de derrogação do sigilo bancário do requerente, que:
- “A administração tributária tem o poder de aceder a todas as informações ou documentos bancários sem dependência do consentimento do titular dos elementos protegidos:
(...)
b) Quando existam factos concretamente identificados indiciadores da falta de veracidade do declarado.”
41. Ora na informação da Divisão de Inspecção Tributária II - Equipa G, da Direcção de Finanças de Coimbra que serve de suporte à decisão do Director-Geral dos Impostos, começa por se invocar nos pontos 3.l a 3.3 a suposta falta de colaboração do contribuinte na inspecção levada a cabo pela administração tributária.
42. Falta de colaboração essa que é absolutamente falsa, até porque falta de fundamentação e demonstração!!
43. Sendo certo que em face da restrição que uma tal decisão de derrogação do sigilo bancário do contribuinte inspeccionado representa para o seu direito fundamental de reserva da vida privada - consagrado no artigo 26° da Constituição da República Portuguesa e no capítulo dedicado aos Direitos, Liberdades e Garantias - e também para o segredo profissional a que está obrigado sempre seria exigível que a administração tributária promovesse no mínimo a participação do contribuinte na formação de tal decisão, possibilitando-lhe o direito de audição. E assim também em obediência ao princípio do contraditório consagrado no artigo 45° do Cód. Proc. e Proc. Tributário.
44. Pelo que também em relação ao impugnante A… deveria ter sido cumprido o direito de audição prévia, o que não aconteceu. O que também motiva a declaração de nulidade do acto administrativo recorrido. - (cfr. alínea d) do nº 2 do artigo 133° do Cód. Procedimento Administrativo).
45. Em face de tudo quanto aqui fica exposto é manifesta a ilegalidade do acto administrativo que foi objecto de recurso jurisdicional para o TAF de Coimbra, o qual é por consequência nulo ou pelo menos anulável, seja nos termos já doutamente decididos em primeira instância, seja nos demais alegados na petição inicial do recurso jurisdicional apresentado no TAF de Coimbra.
Terminam pedindo a improcedência do recurso.
1.4. O MP emite Parecer no sentido da improcedência do recurso, nos termos seguintes:
«A sentença recorrida decidiu e bem, que mesmo que se verifiquem os pressupostos da derrogação administrativa do sigilo bancário prevista no artigo 63°-B da LGT, uma vez deduzida oposição por parte do contribuinte no acesso às suas contas bancárias com fundamento em sigilo profissional, a administração tributária só poderá aceder a tal informação após autorização judicial concedida nos termos do nº 5 do artigo 61° da LGT.
Por sua vez a entidade recorrente alega que a pretensão da Administração não abrangia a devassa do segredo profissional visto que o que se visava esclarecer respeitava unicamente ao montante dos rendimentos obtidos pelo contribuinte relativamente ao exercício de 2007 e não às relações estabelecidas entre este e os seus clientes.
Mas não lhe assiste razão.
Com efeito resulta do art. 87°, nº l da Lei 15/2005 de 26 de Janeiro (Estatuto da Ordem dos Advogados) o advogado é obrigado a guardar segredo profissional no que respeita a todos os factos cujo conhecimento lhe advenha do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços, designadamente:
a) A factos referentes a assuntos profissionais conhecidos, exclusivamente, por revelação do cliente ou revelados por ordem deste;
b) A factos de que tenha tido conhecimento em virtude de cargo desempenhado na Ordem dos Advogados;
c) A factos referentes a assuntos profissionais comunicados por colega com o qual esteja associado ou ao qual preste colaboração;
d) A factos comunicados por co-autor, co-réu ou co-interessado do seu constituinte ou pelo respectivo representante;
e) A factos de que a parte contrária do cliente ou respectivos representantes lhe tenham dado conhecimento durante negociações para acordo que vise pôr termo ao diferendo ou litígio;
f) A factos de que tenha tido conhecimento no âmbito de quaisquer negociações malogradas, orais ou escritas, em que tenha intervindo.
E sublinha-se no nº 3 do mesmo normativo que o segredo profissional abrange ainda documentos ou outras coisas que se relacionem, directa ou indirectamente, com os factos sujeitos a sigilo.
Esta parece-me ser a principal razão porque o presente recurso não pode proceder.
E que, como bem salientam os recorridos, as informações bancárias do advogado estarão igualmente abrangidas pelo segredo profissional, pois que, ainda que de forma indirecta, se poderão relacionar com informações bancárias dos clientes e movimentos financeiros em relação aos quais o advogado está obrigado a guardar sigilo.
Daí que se imponha, face aos interesses envolvidos, a necessidade de autorização judicial nos termos do nº 5 do artigo 61° da LGT.
Ou seja a Administração Fiscal poderá ter acesso à conta bancária do contribuinte, mas mediante autorização judicial, não podendo, no caso subjudice, lançar mão da simples derrogação administrativa.
Acresce dizer que na jurisprudência se poderá ver, em abono desta tese, para além do Acórdão citado na decisão recorrida, o Acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 20.08.2008, recurso 715/08, in www.dgsi.pt.
Nestes termos somos de parecer que o presente recurso deve ser julgado improcedente, confirmando-se o julgado recorrido.
1.5. Sem vistos, dada a natureza urgente do processo, cabe decidir
FUNDAMENTOS
2. Na sentença recorrida julgaram-se provados os factos seguintes:
1). Por decisão de 20.05.2010, O Director Geral dos Impostos autorizou:
“que funcionários da Inspecção Tributária devidamente credenciados, possam aceder directamente a todas as contas e documentos bancários existentes nas instituições bancárias, em sociedades financeiras ou instituições de crédito portuguesas de que sejam titulares os sujeitos passivos A… (...) e B… (...) relativamente ao ano de 2007, conforme teor de fls. 3 do processo administrativo que aqui se dá por reproduzido.
2). Através do ofício nº 8035, de 31.05.2010 a Equipa de Apoio à Inspecção Tributária (EAIT) que a Direcção de Finanças de Coimbra notificou, por carta registada com A/R, o requerente A… da decisão proferida pelo Director-Geral dos Impostos referida em 1) que autorizou o acesso directo a funcionários da inspecção tributária devidamente credenciados a todas as contas bancárias e documentos bancários existentes em instituições bancárias portuguesas, conforme os termos constantes de fls. 1 do processo administrativo apenso e documento nº. 1 que aqui se dão por reproduzidos.
3). A petição inicial referente ao presente recurso da Decisão de Acesso Directo da Administração à Informação Bancária foi presencialmente apresentada em juízo em 09.06.2010, conforme resulta do teor de fls. 1 juntas aos autos e cujos termos se dão aqui por reproduzidos.
4). O requerente marido exerce a profissão de advogado.
5). No âmbito do procedimento tributário, a Administração Tributária não procedeu à notificação da requerente mulher nos termos e para os efeitos previstos no artigo 63°-B, nº 5 da LGT.
6). O requerente A… após solicitação da Administração Tributária preencheu a lista que consta como anexo 1 à informação da Divisão de Inspecção Tributária II - Equipa G, da Direcção de Finanças de Coimbra que foi entregue em 10 de Novembro de 2009, conforme resulta da informação constante de fls. 29 a 34 dos autos que aqui se dá por reproduzida.
7). Em 10 de Novembro de 2009, o requerente foi pessoalmente notificado para identificar os processos e serviços prestados, mencionar de forma completa os nomes dos clientes e respectivos números de identificação fiscal nos recibos emitidos, conforme teor de fls. 31 da informação junta conjugada com fls. 35 e que aqui se dão por reproduzidas.
8). O requerente A… disponibilizou ao Inspector Tributário toda a documentação, designadamente, duplicados de todos os recibos emitidos, documentos de registos e de escrita, os livros de suporte referente ao período temporal compreendido entre 2004 até 2010, bem como, um espaço físico para o desenvolvimento da investigação, nas instalações do seu escritório, conforme resulta do teor de fls. 36 a 99 cujo teor das mesmas se dá aqui por integralmente reproduzido.
9). Por ofício nº 6237, datado de 22.04.2010, o Serviço de Planeamento, Gestão e Apoio à Inspecção (SPGAI) da Direcção de Finanças de Coimbra informou o Director Geral dos Impostos que, quanto aos sujeitos passivos A… e B… foram identificadas situações de falta de veracidade dos elementos declarados, acompanhado da devida informação com vista à prolação superior de despacho autorizando o acesso a todas as contas bancárias, conforme teor de fls. 4 cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
10). Em 14 de Maio de 2010, pela Divisão de Inspecção Tributária II - Equipa G da Direcção de Finanças de Coimbra foi elaborada a informação de fls. 6 a 17 do processo administrativo, que aqui se dá por inteiramente reproduzida e donde ressalta com interesse para a decisão que: “o sujeito passivo A…, no exercício da advocacia, código da tabela de actividade 6010, em sede de IRS, inscrito no regime simplificado, desde 2001, estando enquadrado no regime normal trimestral desde 1997/09/01 em sede de IVA, no ano de 2007 declarou rendimentos no valor de € 37.128,81;
- o sujeito passivo B…, como médica, a trabalhar por conta de outrem, em sede de IRS é tributado pela categoria A;
- e terem sido identificados rendimentos omitidos superiores aos declarados, designadamente, de € 78.958,34, de um único cliente em que foram emitidos 2 recibos no valor de € 9.500,00 e ainda omissão de uma indemnização no valor de € 50.000,00, no exercício de 2007.
- E, na qual se conclui pela seguinte proposta: “Assim, tais factos constituem falta de colaboração, ao que associado a actos e factos que originaram valores recebidos, não declarados, consubstanciados em falta de veracidade do declarado, solicitamos que, seja autorizado o levantamento do Sigilo Bancário, nos termos da alínea b) do artigo 63°-B da LGT, às contas bancárias do contribuinte A…, e sua esposa B…, ou em que qualquer deles tenha poderes de movimentação, nomeadamente, as conhecidas, da CGD, (...), para o ano de 2007”, conforme resulta de fls. 29 a 34 que aqui se dá por reproduzido.
11). A informação referida em 10), em 17.05.2010 foi objecto de parecer nos seguintes termos: “Face ao informado e dada a existência de factos identificadores da falta de veracidade dos valores declarados, relativamente ao exercício de 2007, solicita-se nos termos da alínea b) do nº 1, do artigo 63°-B da Lei Geral Tributária, o acesso a toda a informação bancária, dos titulares A… e cônjuge B…, designadamente, das contas que foram identificadas, na Caixa Geral de Depósitos, NIB (...) e conta nº (...), do ano de 2007”, conforme os termos constantes de fls. 29 e que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
12). A informação referida em 10), em 17.05.2010 foi ainda objecto de vários despachos nos seguintes termos:
- “Visto. Concordo com a presente proposta.”;
- “Concordo, devendo manter-se o processo no Gabinete do Exmo. Senhor Director-Geral para decisão, nos termos do previsto no artigo 63°-B da Lei Geral Tributária, por se encontrarem reunidos os fundamentos para o acesso às contas bancárias”;
- “Concordo. Tendo em consideração o que vem relatado na informação da inspecção tributária, parece-me que se encontram preenchidos os pressupostos para a derrogação do sigilo bancário”; conforme teor de fls. 29 cujos termos se dão aqui integralmente por reproduzidos.
13). A inspecção externa aos rendimentos dos auferidos pelo sujeito passivo no ano de 2007, correspondente ao O1200901594 teve início em 29 de Outubro de 2009.
Mais resultou provado:
14). A declaração referente ao ano de 2007 e cuja veracidade se pretende comprovar é conjunta.
15). C..., na qualidade de cliente, do requerente A…, no âmbito do procedimento tributário prestou declarações à Divisão de Inspecção Tributária II, Equipa G, da Direcção de Finanças de Coimbra, conforme teor de fls. 40 do processo administrativo cujo teor se dá aqui por reproduzido.
16). D…, na qualidade de cliente, do requerente A…, no âmbito do procedimento tributário e na sua notificação para prestar esclarecimentos pronunciou-se por escrito, conforme os termos melhor expressos a fls. 54 dos autos que aqui se dão por reproduzidos.
17). E…, na qualidade de cliente, do requerente A…, no âmbito do procedimento tributário e na sua notificação para prestar esclarecimentos pronunciou-se por escrito, conforme os termos melhor expressos a fls. 57 dos autos que aqui se dão por reproduzidos.
18). C…, na qualidade de cliente, do requerente A…, no âmbito do procedimento tributário e na sua notificação para prestar esclarecimentos pronunciou-se por escrito, conforme os termos melhor expressos a fls. 61 dos autos que aqui se dão por reproduzidos.
3.1. A sentença recorrida julgou procedente o recurso judicial e anulou o acto recorrido [a decisão do Director Geral dos Impostos que autorizou «que funcionários da Inspecção Tributária devidamente credenciados, possam aceder directamente a todas as contas e documentos bancários existentes nas instituições bancárias, em sociedades financeiras ou instituições de crédito portuguesas de que sejam titulares os sujeitos passivos A… (...) e B… (...) relativamente ao ano de 2007»], com base, essencialmente, na seguinte argumentação:
Embora do regime constante no art. 63°-B da LGT resulte que o legislador entendeu atribuir à AT o poder administrativo de aceder directamente a todas as informações ou documentos bancários, derrogando o sigilo bancário, sempre quando existam os pressupostos mencionados no seu nº 1 e embora ali se prevejam situações em que a AT acede directamente àqueles documentos sem dependência de consentimento do titular dos elementos protegidos, em todas as situações contempladas no mesmo preceito legal são comuns (nº 4) as exigências legais das correspondentes decisões deverem ser fundamentadas com expressa menção dos motivos concretos que as justificam, estando igualmente sujeitas a estes três tipos de levantamento administrativo do sigilo bancário não apenas o contribuinte, mas também as entidades que com ele se encontrem numa relação de domínio.
Nos nºs. 1 e 2 do dito normativo legal estão previstas situações em que a AT tem acesso directo a determinados documentos cobertos pelo sigilo bancário, ou seja, aquelas situações em que, independentemente de autorização do tribunal ou do interessado, é a própria administração que decide aceder a esses documentos, limitando, porém, a sua actuação ao que for necessário para obtenção dos fins em vista, como impõe o princípio da proporcionalidade (cfr. arts. 266°, nº 2 da CRP e 55° da LGT).
Mas, no caso concreto, coloca-se a questão de saber se, sendo o sujeito passivo advogado, a AT, tendo constatado factos concretamente indiciadores da falta de veracidade nos rendimentos declarados no ano de 2007 e que estando conexos com o exercício da advocacia, não teria que, previamente, solicitar autorização ao Tribunal para a derrogação do sigilo bancário.
Ora, apesar de não resultar dos autos que no decurso do procedimento tributário o requerente tivesse feito qualquer alusão a essa circunstância, o que é verdade é que na petição inicial, nomeadamente do alegado no seu nº 25 e no demais de fls. 24 da mesma, o requerente referencia, de forma clara e expressa, tal segredo profissional e o acesso às contas bancárias de que o recorrente é titular deve ser enquadrado no previsto no nº 2 do artigo 63°da LGT, sendo, por isso, um acto passível de prévia sindicância judicial e, por consequência, o recurso ao procedimento de autorização judicial.
E tendo em conta o disposto neste art. 87° do EOA, aprovado pela Lei nº 15/2005, de 26/1, é de concluir no sentido de que a AT só deveria e poderia aceder às informações e documentação bancária depois de obtida a devida autorização judicial, uma vez que, parte da matéria investigada poderia estar abrangida pelo segredo profissional porquanto os elementos factos verificados como sendo desconformes com a veracidade do declarado estavam relacionados com o exercício da advocacia.
Assim, no caso concreto, importava que a AT no decurso da inspecção externa tivesse dado cumprimento ao previsto nos nºs. 1, 2 e 4, al. b) e 5 todos do art. 63º, conjugados com o art. 63°-B, nº 1, al. b), ambos da LGT, porquanto a excepção ou ressalva consagradas nos nºs. 2 e 4, al. b) do art. 63° da LGT quanto à desnecessidade de autorização judicial para a derrogação do sigilo, apenas se reporta ao caso específico do sigilo bancário, aí se não englobando o sigilo profissional ou outro dever de sigilo.
Pelo que, não o tendo feito, se deve concluir que a decisão recorrida não cumpriu todas as formalidades exigidas por lei, enfermando do vício de forma decorrente da preterição de uma formalidade legal porquanto a derrogação do sigilo bancário, no caso vertente, era passível de prévia sindicância judicial, devendo a mesma ser anulada em conformidade com o previsto no art. 135° do CPA, ficando prejudicada a pronúncia quanto às demais questões suscitadas.
3.2. De acordo com o teor das Conclusões do recurso, podemos sintetizar a discordância do recorrente com o decidido em duas razões:
- A primeira [cfr. Conclusões a) a i) e ac)] tem que ver com o entendimento no sentido de que a exposição de motivos que antecede e fundamenta a decisão de acesso administrativo apenas analisa e pondera a factualidade que lhe é contemporânea, sendo que, no caso dos autos, inexistiu oposição por parte do contribuinte, sendo o Tribunal a presumir a susceptibilidade de violação do segredo profissional do advogado e com esse fundamento resolvendo a questão a título prévio.
Ora, visando o procedimento encetado o levantamento de sigilo bancário aos visados, não se alcança de que forma se poderia ter então reflectido e ponderado eventual violação de segredo profissional a que os então visados se encontram adstritos por força da profissão que exercem, sendo que estes participaram activamente no procedimento inspectivo sem nunca tal terem invocado, pelo que - tendo em atenção que o procedimento inspectivo visa apenas a comprovação dos rendimentos declarados pelos visados - a correcta leitura dos preceitos envolvidos (art. 63° nºs. l, 2, 4 e 5, 63°-B nº l al. b) da LGT), impõe interpretação no sentido de que só a recusa (oposição) por parte do visado fundamentada em segredo profissional imporia a necessidade de recurso, por parte da administração, a autorização judicial prévia de acesso a contas e elementos bancários.
- A segunda razão [cfr. Conclusões j) a ab)] prende-se com o entendimento de que, por um lado, se retira do nº l do artigo 87° do EOA que só os factos, matérias e documentos que advenham ao conhecimento do advogado por força da relação profissional, que tenham ou devam ter carácter oculto, devem ser objecto de segredo, sendo que inexiste tal carácter perante a AT, no que respeita à relação económica que se estabelece entre advogado e cliente, nomeadamente quanto a pagamentos de honorários por este àquele efectivados e correspondente quitação e, por outro lado, o sigilo profissional, para além de um dever, é, simultaneamente, um direito do advogado, na medida em que lhe confere a possibilidade de negar a prestação de informações ou o acesso a elementos com a invocação de tal fundamento, direito este que, no caso, nunca foi exercido pelo contribuinte/advogado durante o procedimento tendente a, administrativamente, aceder a contas bancárias por si tituladas, aspecto que, definitivamente, deve relevar na apreciação do mérito da decisão impugnada.
Visando a actuação da Inspecção Tributária o «apuramento da situação tributária dos contribuintes» - art. 63° nº l da LGT - não lhe cabe presumir, na falta de tal alegação, que os factos, matérias ou elementos a que pretende aceder contendam com os deveres de sigilo a que os advogados, por força do exercício da profissão se encontram vinculados e, se assim fosse, tal entendimento contenderia com princípios constitucionais pelos quais a administração tributária deve pautar a sua actuação, nomeadamente com o princípio da igualdade, que implica tratamento igual de todos os contribuintes perante a lei - cf. art. 266° nº 2 da CRP e art. 55° da LGT - que devem ser tomados em consideração em cada caso concreto.
Deste modo, as questões que cumpre apreciar e decidir neste recurso são as de saber se a sentença recorrida padece de erro de julgamento por violação, nomeadamente, dos arts. 55º, 63° nºs. l, 2, 4 e 5, 63°-B nº 1 al. b) da LGT e 266º, nº 2 da CRP.
Vejamos.
4.1. No que aqui interessa, o art. 63º da LGT, na sua redacção originária, dispunha nos seus nºs. 1, 2 e 5 o seguinte:
«1 - Os órgãos competentes podem, nos termos da lei, desenvolver todas as diligências necessárias ao apuramento da situação tributária dos contribuintes, nomeadamente:
a) Aceder livremente às instalações ou locais onde possam existir elementos relacionados com a sua actividade ou com a dos demais obrigados fiscais;
b) Examinar e visar os seus livros e registos da contabilidade ou escrituração, bem como todos os elementos susceptíveis de esclarecer a sua situação tributária;
c) Aceder, consultar e testar o seu sistema informático, incluindo a documentação sobre a sua análise, programação e execução;
d) Solicitar a colaboração de quaisquer entidades públicas necessária ao apuramento da sua situação tributária ou de terceiros com quem mantenham relações económicas;
e) Requisitar documentos dos notários, conservadores e outras entidades oficiais;
f) Utilizar as suas instalações quando a utilização for necessária ao exercício da acção inspectiva.
2 - O acesso à informação protegida pelo sigilo profissional, bancário ou qualquer outro dever de sigilo legalmente regulado depende de autorização judicial, nos termos da legislação aplicável.
(…)
4 - A falta de cooperação na realização das diligências previstas no nº 1 só será legítima quando as mesmas impliquem:
a) (…);
b) A consulta de elementos abrangidos pelo segredo profissional, bancário ou qualquer outro dever de sigilo legalmente regulado, salvo consentimento do titular;
(…)
5 - Em caso de oposição do contribuinte com fundamento nalgumas circunstâncias referidas no número anterior, a diligência só poderá ser realizada mediante autorização concedida pelo tribunal da comarca competente com base em pedido fundamentado da administração tributária.
(…)».
4.2. Posteriormente, a Lei nº 30-G/2000, de 29/12, alterou, além do mais, os nºs 2 e al. b) do nº 4 deste artigo 63º da LGT, os quais ficaram com a redacção seguinte:
«2 - O acesso à informação protegida pelo sigilo profissional, bancário ou qualquer outro dever de sigilo legalmente regulado depende de autorização judicial, nos termos da legislação aplicável, excepto nos casos em que a lei admite a derrogação do dever de sigilo bancário pela administração tributária sem dependência daquela autorização.
(…)
4 - A falta de cooperação na realização das diligências previstas no nº 1 só será legítima quando as mesmas impliquem:
a) (…);
b) A consulta de elementos abrangidos pelo segredo profissional, bancário ou qualquer outro dever de sigilo legalmente regulado, salvos os casos de consentimento do titular ou de derrogação do dever de sigilo bancário pela administração tributária legalmente admitidos».
4.3. Por sua vez, o art. 63º-B da mesma LGT (que fora aditado pela referida Lei nº 30-G/2000, de 29/12 e rectificado pela Declaração de Rectificação nº 8/2001, de 13/3 e, posteriormente, alterado pelo DL nº 320-A/2002, de 30/12, veio de novo a ser alterado pela Lei nº 55-B/2004, de 30/12, que lhe introduziu a redacção seguinte, no que aqui interessa:
«Acesso a informações e documentos bancários»
«1 - A administração tributária tem o poder de aceder a todas as informações ou documentos bancários sem dependência do consentimento do titular dos elementos protegidos:
a) …
b) Quando existam factos concretamente identificados indiciadores da falta de veracidade do declarado.
2 …
3 - A administração tributária tem, ainda, o poder de aceder a todos os documentos bancários, excepto às informações prestadas para justificar o recurso ao crédito, nas situações de recusa de exibição daqueles documentos ou de autorização para a sua consulta:
a) Quando se verificar a impossibilidade de comprovação e qualificação directa e exacta da matéria tributável, nos termos do artigo 88º, e, em geral, quando estejam verificados os pressupostos para o recurso a uma avaliação indirecta;
b) …
c) …
4 - As decisões da administração tributária referidas nos números anteriores devem ser fundamentadas com expressa menção dos motivos concretos que as justificam e são da competência do Director-Geral dos Impostos ou do Director-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo, ou seus substitutos legais, sem possibilidade de delegação.
5 - Os actos praticados ao abrigo da competência definida no número anterior dependem da audição prévia do contribuinte nos casos previstos no Nº 2 e no Nº 3 e são susceptíveis de recurso judicial com efeito meramente devolutivo, excepto nas situações previstas no Nº 3, em que o recurso possui efeito suspensivo.
6 …
7 …
8 - O acesso da administração tributária a informação bancária relevante relativa a familiares ou terceiros que se encontrem numa relação especial com o contribuinte depende de autorização judicial expressa, após audição do visado, obedecendo aos requisitos previstos no Nº 4.
9 …
10 …»
4.4. Entretanto, a al. b) do nº 3 foi revogada pela Lei nº 64-A/2008, de 31/12 e, posteriormente, o art. 2º da Lei nº 94/2009, de 1/9, alterou a redacção dos nºs. 1, 2, 4 e 5 deste art. 63º-B, revogando, igualmente, os seus nºs. 3 e 8, ficando, o dito normativo, com a redacção seguinte, no que aqui interessa:
Artigo 63.º-B (Lei 94/2009)
[...]
1 - ...
a) ...
b) Quando se verifiquem indícios da falta de veracidade do declarado ou esteja em falta declaração legalmente exigível;
c) …
d) …
e) …
f) Quando se verifique a impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável, nos termos do artigo 88º, e, em geral, quando estejam verificados os pressupostos para o recurso a uma avaliação indirecta.
2 - A administração tributária tem, ainda, o poder de aceder directamente aos documentos bancários, nas situações de recusa da sua exibição ou de autorização para a sua consulta, quando se trate de familiares ou terceiros que se encontrem numa relação especial com o contribuinte.
3 - (Revogado.)
4 - As decisões da administração tributária referidas nos números anteriores devem ser fundamentadas com expressa menção dos motivos concretos que as justificam e, salvo o disposto no número seguinte, notificadas aos interessados no prazo de 30 dias após a sua emissão, sendo da competência do Director-Geral dos Impostos ou do Director-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo, ou seus substitutos legais, sem possibilidade de delegação.
5 - Os actos praticados ao abrigo da competência definida no n.º 1 são susceptíveis de recurso judicial com efeito meramente devolutivo e os previstos no n.º 2 dependem da audição prévia do familiar ou terceiro e são susceptíveis de recurso judicial com efeito suspensivo, por parte destes.
6 - ...
7 - ...
8 - (Revogado.)
9 - ...
10 - ...»
4.5. Posteriormente o mesmo art. 63º-B veio a ser objecto de nova alteração introduzida pela Lei nº 37/2010, de 2/9, mas as mesmas não relevam para o presente caso.
5. Da conjugação e articulação de todo este regime jurídico, constata-se que a lei prevê um regime diferenciado, consoante a AT pretenda aceder a informação protegida pelo sigilo bancário ou pretenda aceder a informação protegida pelo sigilo profissional ou outro dever de sigilo legalmente protegido.
No caso de derrogação do sigilo bancário a utilização da via judicial, por parte da AT, é facultativa, desde que estejam reunidos os pressupostos previstos no art. 63º-B da LGT.
Mas, no caso de derrogação do sigilo profissional, é obrigatória a utilização da via judicial, dado que nos nºs. 2 e 4, al. b) do citado art. 63º-B, apenas se reportam à desnecessidade de autorização judicial para o caso específico da derrogação do sigilo bancário, não se englobando nesses normativos nem o sigilo profissional nem outros deveres de sigilo (cfr. Casalta Nabais, Fiscalidade, nº 10, pág. 21, citado nos acs. desta secção do STA, de 20/8/2008 e 2/12/2009, recs. nºs. 715/08 e 01116/09, respectivamente).
Não existindo, pois, uma total oponibilidade relativamente ao sigilo profissional, caberá, todavia, ao tribunal a apreciação dos fundamentos apresentados para a respectiva derrogação.
No caso vertente, os AA (ora recorridos) invocaram o sigilo profissional de advogado e a sentença recorrida veio a considerar que, apesar de não resultar dos autos que no decurso do procedimento tributário o requerente tivesse feito qualquer alusão a essa circunstância, invocou tal segredo profissional no recurso da decisão do Sr. Director-Geral dos Impostos, e, por isso, tendo em conta o disposto no art. 87° do EOA (aprovado pela Lei nº 15/2005, de 26/1), é de concluir no sentido de que a AT só deveria e poderia aceder às informações e documentação bancária depois de obtida a devida autorização judicial, uma vez que, parte da matéria investigada poderia estar abrangida pelo segredo profissional porquanto os elementos factos verificados como sendo desconformes com a veracidade do declarado estavam relacionados com o exercício da advocacia. Ou seja, importava, no caso, que a AT no decurso da inspecção externa tivesse dado cumprimento ao previsto nos nºs. 1, 2 e 4, al. b) e 5 todos do art. 63º, conjugados com o art. 63°-B, nº 1, al. b), ambos da LGT.
O recorrente sustenta, porém, que, inexistindo oposição por parte do contribuinte, e visando o procedimento, no caso, o levantamento de sigilo bancário aos visados, não se poderia ter então reflectido e ponderado eventual violação de segredo profissional a que os então visados se encontram adstritos por força da profissão que exercem, sendo que estes participaram activamente no procedimento inspectivo sem nunca tal terem invocado, pelo que, a correcta leitura dos arts. 63° e 63°-B da LGT, impõe interpretação no sentido de que só a recusa (oposição) por parte do visado fundamentada em segredo profissional imporia a necessidade de recurso, por parte da administração, a autorização judicial prévia de acesso a contas e elementos bancários.
Todavia, julgamos que a sentença decidiu de acordo com a lei.
Com efeito, sendo certo, como se disse, que no caso de derrogação do sigilo profissional, é obrigatória a utilização da via judicial, dado que nos nºs. 2 e 4, al. b) do citado art. 63º-B, apenas se reportam à desnecessidade de autorização judicial para o caso específico da derrogação do sigilo bancário, não se englobando nesses normativos nem o sigilo profissional nem outros deveres de sigilo, a AT não poderia, a coberto da ressalva permitida, para o sigilo bancário, pelo art. 63º-B (derrogação deste quando estejam reunidos os pressupostos ali previstos) derrogar também o sigilo profissional, mesmo que o mesmo não tenha sido então invocado.
É que, embora o contribuinte esteja sujeito a um dever geral de cooperação com a AT, na concretização das diligências legalmente previstas, esse dever cessa nas circunstâncias previstas no nº 4, do art. 63º (LGT) podendo aquele opor-se legitimamente à realização da inspecção e só por via judicial podendo ser afastada tal oposição.
O que significa que, nos casos em que por via do acesso a documentação coberta pelo sigilo bancário, venha ou possa vir a ser invocado também o sigilo profissional, a AT, se utilizar apenas a via da autorização administrativa para derrogar tal sigilo, pode ver essa derrogação sindicada judicialmente, pois que o direito àquela oposição não é, nessa medida, afastado.
Até porque «o tribunal, em caso de oposição do contribuinte, não intervém para conceder dispensa do segredo, mas somente para certificar se o direito excepcionante do princípio geral de segredo de que goza a administração fiscal está a ser exercido no seu concreto campo, derrogando os princípios gerais da legalidade e da execução prévia dos actos administrativos» (cfr. Benjamim Rodrigues, in “O sigilo bancário e o sigilo fiscal”, na colectânea "Sigilo bancário", Lisboa, 1997, pg. 113, citado por Lima Guerreiro, LGT anotada, Anotação 16 ao art. 63º).
Daí que careça de suporte legal a alegação, por parte do recorrente, no sentido de que, pelo facto de não se ter oposto no procedimento, o contribuinte não pode agora invocar tal ilegalidade. Por um lado, não é verdade que o contribuinte não se tenha oposto, já que, quando foi perguntado sobre a disponibilização das suas contas bancárias, respondeu negativamente (cfr. auto de fls. 22 do apenso administrativo); por outro lado, se entender que ocorreu alguma ilegalidade no procedimento, não está vedado ao contribuinte invocá-la na respectiva impugnação do acto. Até porque, exigindo a al. b) do nº 4 do citado art. 63º da LGT o consentimento do titular, ainda que se possa entender que ele pode ser tácito, a verdade é que não corresponde à falta de oposição: isto é, tal falta não significa, «a se», consentimento.
Aliás, como alegam os recorridos, o sigilo profissional do advogado, previsto no art. 87° do EOA, é um dever do advogado e é um direito daqueles que são os seus clientes, só podendo ser afastado nas circunstâncias previstas na lei e dependente de procedimento próprio nos termos do respectivo regulamento - cfr. Regulamento nº 94/2006, de 12/6, pelo que está ele, desde logo, legalmente impedido de consentir a derrogação de tal sigilo profissional. (( ) Sobre as questões atinentes à natureza jurídica do sigilo profissional do Advogado (dever de natureza puramente contratual, adveniente e baseado na relação estabelecida entre o advogado e o cliente, ou dever de natureza pública) cfr. Lebre de Freitas, Estudos sobre Direito Civil e Processo Civil, Coimbra Editora, 2002, pags. 337 e sgts..)
Daí que, ao invés do que sucede com o sigilo bancário (que, dentro dos referidos pressupostos, pode ser derrogado pela própria AT), para o sigilo profissional a autorização judicial seja, como acima se disse, a regra em termos da sua derrogação, não existindo, neste âmbito, qualquer excepção que permita essa derrogação pela AT.
E segundo o disposto naquele art. 87° o advogado é obrigado a guardar segredo profissional no que respeita a todos os factos cujo conhecimento lhe advenha do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços, designadamente, quanto aos factos especificados nas als. a) a f) desse normativo, sublinhando-se no seu nº 3 que o segredo profissional abrange ainda documentos ou outras coisas que se relacionem, directa ou indirectamente, com os factos sujeitos a sigilo.
Ora, como aponta o MP e os recorridos, as informações bancárias do advogado estarão igualmente abrangidas pelo segredo profissional, pois que, ainda que de forma indirecta, se poderão relacionar com informações bancárias dos clientes e movimentos financeiros em relação aos quais o advogado está obrigado a guardar sigilo. Daí que se imponha, face aos interesses envolvidos, a necessidade de autorização judicial nos termos do nº 5 do art. 63° da LGT, podendo a AT ter acesso à conta bancária do contribuinte, mas mediante autorização judicial e não podendo, no caso vertente, lançar mão da simples derrogação administrativa.
Não pode, assim, proceder a alegação do recorrente, no sentido de que «a correcta leitura dos preceitos indicados, impõe interpretação no sentido de que só a recusa (oposição) por parte destes fundamentada em segredo profissional imporia a necessidade de recurso, por parte da administração a autorização judicial prévia de acesso a contas e elementos bancários» e no sentido de que «o sigilo profissional, para além de um dever é, simultaneamente, um direito do advogado, na medida em que lhe confere a possibilidade de negar a prestação de informações ou o acesso a elementos com a invocação de tal fundamento».
Como se refere na sentença recorrida, tendo em conta o disposto no art. 87° do EOA, é de concluir no sentido de que a AT só deveria e poderia aceder às informações e documentação bancária depois de obtida a devida autorização judicial, uma vez que, parte da matéria investigada poderia estar abrangida pelo segredo profissional porquanto os elementos fácticos verificados como sendo desconformes com a veracidade do declarado estavam relacionados com o exercício da advocacia. Pelo que, no caso, importava que a AT no decurso da inspecção externa tivesse dado cumprimento ao previsto nos nºs. 1, 2 e 4, al. b) e 5 todos do art. 63º, conjugados com o art. 63°-B, nº 1, al. b), ambos da LGT, porquanto a excepção ou ressalva consagradas nos nºs. 2 e 4, al. b) do art. 63° da LGT quanto à desnecessidade de autorização judicial para a derrogação do sigilo, apenas se reporta ao caso específico do sigilo bancário, não se englobando aí o sigilo profissional.
E nem se vê que esta interpretação viole o disposto nos arts. 266º, nº 2 da CRP e 55º da LGT; antes pelo contrário: só o estrito cumprimento da lei é que pode assegurar a prossecução dos princípios ali referidos, o que, como vimos, não sucedeu no presente caso.
Improcedem, pois, as Conclusões a) a i) e ac).
6. Quanto à questão [cfr. Conclusões j) a ab)] que se prende com o entendimento de que, por um lado, se retira do nº l do artigo 87° do EOA que só os factos, matérias e documentos que advenham ao conhecimento do advogado por força da relação profissional, que tenham ou devam ter carácter oculto, devem ser objecto de segredo, sendo que inexiste tal carácter perante a AT, no que respeita à relação económica que se estabelece entre advogado e cliente, também o recorrente carece de razão legal.
Com efeito, como se expressou no citado ac. deste STA, de 2/12/2009, rec. 01116/09, aceitando-se que «no caso do segredo profissional e, em especial, no que está em causa nos autos - segredo profissional de advogado - em que a ponderação dos interesses envolvidos reveste uma especial importância e relevo para a preservação da relação de confiança dos cidadãos na classe profissional dos advogados tendo em vista “o interesse da justiça na sua mais lata acepção” - cfr. Acórdão de 15/12/2004, rec. nº 1862/03 (secção administrativa)», então, «perante a invocação do sigilo profissional, não se compreenderia que a administração tributária tivesse a possibilidade de derrogar administrativamente a protecção conferida por esse dever de sigilo sem prévia sindicância judicial» e «se estamos em face de recusa do contribuinte com fundamento em sigilo profissional, só podendo a derrogação do sigilo bancário ter lugar mediante autorização judicial, tal como resulta do nº 5 do art. 63º citado, não pode simultaneamente aplicar-se a derrogação pela Administração Fiscal limitada a certos elementos das contas e informações bancárias».
Até porque, como se disse, prevendo-se no nº 3 do art. 87º do EOA que o segredo profissional abrange ainda documentos ou outras coisas que se relacionem, directa ou indirectamente, com os factos sujeitos a sigilo, há que concluir que as informações bancárias do advogado estarão igualmente abrangidas pelo segredo profissional, pois que, ainda que de forma indirecta, se poderão relacionar com informações bancárias dos clientes e movimentos financeiros em relação aos quais o advogado está obrigado a guardar sigilo. Daí que se imponha, face aos interesses envolvidos, a necessidade de autorização judicial nos termos do nº 5 do art. 63° da LGT, podendo a AT ter acesso à conta bancária do contribuinte, mas mediante autorização judicial e não podendo, no caso vertente, lançar mão da simples derrogação administrativa.
Acresce, no que respeita à recorrida B…, que não existindo qualquer incorrecção apontada pela AT quanto aos rendimentos por si auferidos e declarados e sendo o acesso à informação questionada motivado apenas, de acordo com a fundamentação da decisão impugnada, pelo facto de aquela ser casada com o contribuinte cujos rendimentos e respectivas declarações fiscais a AT pretende comprovar, então não existe, consequentemente, motivo para que a mesma AT aceda à sua informação bancária. De todo o modo, sendo ela sujeito passivo (cfr. nº 2 do art. 13º do CIRS), então, independentemente da sua consideração, ou não, como «familiar» e da alegada aplicação, ou não, do disposto no nº 8 do art. 63º-B da LGT (na redacção da Lei nº 55-B/2004, de 30/12) - segundo o qual “O acesso da administração tributária a informação bancária relevante relativa a familiares ou terceiros que se encontrem numa relação especial com o contribuinte depende de autorização judicial expressa, após audição do visado, obedecendo aos requisitos previstos no nº 4” - a não derrogação do sigilo bancário sempre resultaria de, quanto a ela, não haver dúvidas quanto à veracidade do declarado.
DECISÃO
Nestes termos acorda-se em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente.
Lisboa, 29 de Setembro de 2010. - Casimiro Gonçalves (relator) - Dulce Neto -Alfredo Madureira.