Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0138/12
Data do Acordão:11/21/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:CASIMIRO GONÇALVES
Descritores:INTERESSE EM AGIR
ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA
LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ
Sumário:Em face do disposto no art. 104º da LGT, a administração tributária pode ser condenada em sanção pecuniária, a quantificar de acordo com as regras sobre litigância de má fé, caso actue em juízo contra o teor de informações vinculativas anteriormente prestadas aos interessados ou o seu procedimento no processo divergir do habitualmente adoptado em situações idênticas.
O autor, tendo pedido a apreciação da «eventual responsabilidade do Réu enquanto litigante de má fé nos termos do disposto no artigo 456º, nº 2 do Código de Processo Civil», carece de interesse em agir (pressuposto processual) para interpor recurso da decisão que indeferiu o pedido de condenação do réu como litigante de má fé.
Nº Convencional:JSTA00067935
Nº do Documento:SA2201211210138
Data de Entrada:04/27/2012
Recorrente:A...
Recorrido 1:DIRGER DOS IMPOSTOS
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF COIMBRA
Decisão:NÃO TOMAR CONHECIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - REC JURISDICIONAL.
Legislação Nacional:CPC96 ART456 N2 ART287.
LGT98 ART104.
Referência a Doutrina:ALBERTO DOS REIS CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO VOLII 3ED PAG269 PAG279 PAG280.
JORGE DE SOUSA CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO VOLII 6ED PAG313 E VOLIV PAG413.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

RELATÓRIO
1.1. A…..., com os demais sinais dos autos, recorre da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, nos autos de acção administrativa especial intentada contra o Ministério das Finanças e da Administração Pública, na parte em que decidiu indeferir o pedido de condenação do réu como litigante de má fé.

1.2. O recorrente termina as alegações formulando as conclusões seguintes:
1 - Restringe-se o presente recurso à impugnação da decisão, contida na douta sentença proferida em primeira instância pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, no sentido do indeferimento do pedido de condenação do Réu como litigante de má fé.
2 - Impugna o Autor a decisão de indeferimento da condenação do Réu como litigante de má fé por resultar ostensivamente dos elementos constantes dos presentes autos que o comportamento adoptado pelo Réu se enquadra e preenche não uma mas todas as situações de litigância de má fé tipificadas nas diversas alíneas do nº 2 do artigo 456º do C.P.C..
3 - A má fé processual do Réu revela-se desde logo pela forma dura, contundente, injusta e até deselegante, como este entendeu defender-se na contestação apresentada, aí acusando o Autor de não litigar de boa fé e de agir “com menor lisura e correcção”(!!!) no relacionamento com a administração tributária. Chegando mesmo a expressamente alegar a "falsidade” dos factos alegados pelo Autor na petição inicial, factos que sabia e não podia ignorar serem verdade uma vez que os mesmos eram corroborados pelos documentos que a própria administração tributária tinha em seu poder mas que entendeu e decidiu ocultar ao Tribunal.
4 - Mas o que ostensivamente mais demonstra a má fé processual com que o Réu actuou nos presentes autos é o facto deste ter tido a ousadia de aqui vir juntar um Processo Administrativo truncado, em que omitiu documentos directamente respeitantes à relação material controvertida e dos quais resultava evidente a veracidade do alegado pelo Autor e a justeza da pretensão por este deduzida.
5 - Como bem sabe o Réu e é do conhecimento de todos os seus órgãos, a Administração está obrigada (cfr. art. 84º, nº 1 do C.P.T.A) a juntar aos processos judiciais os respectivos Processos Administrativos na íntegra, não sendo de todo admissível que esta seleccione, de entre todos os documentos que o compõem, os que são de dar a conhecer e os que são de ocultar ao Tribunal que julga a causa, como aconteceu no presente caso. Comportamento que só por si é revelador de ostensiva violação do dever de cooperação a que estava obrigado o Réu e demonstrativo da flagrante má fé com que actuou.
6 - Acresce que, coincidência das coincidências, os documentos omitidos no Processo Administrativo junto aos autos pelo Réu, foram exactamente aqueles documentos que comprovavam a veracidade do alegado na petição inicial pelo Autor e os que demonstravam a justeza da sua pretensão. Circunstância que por si só é demonstrativa do dolo com que actuou o Réu. Foi sua intenção omitir tais documentos para conseguir alterar a verdade dos factos e poder deduzir oposição que sabia não ter fundamento.
7 - Entender tal comportamento como negligência simples, como resulta da douta sentença recorrida, é absurdo em face do que são as mais elementares regras da experiência comum acessíveis a um qualquer cidadão medianamente informado, quanto mais em face daquelas que serão as regras da experiência comum de quem decide num Tribunal Tributário.
8 - E não se aceita que este reprovável comportamento processual do Réu possa ser desculpado e branqueado com um alegado “desfasamento verificado entre os serviços descentralizados que praticaram os actos em causa e o departamento central a quem incumbe o acompanhamento dos processos... imputável a eventual mau funcionamento dos serviços na circulação da informação”. É que o órgão do Réu, o Serviço de Finanças de Coimbra – 1, que instrui o Processo Administrativo para ser junto aos autos era o mesmo órgão que dispunha dos documentos aí omitidos, pelo que se os omitiu foi porque assim quis actuar.
9 - Sendo certo que, se o Réu é pessoa colectiva pública, a actuação processual do Réu é a actuação de todos os seus órgãos. E assim pela má fé com que actua qualquer um dos seus órgãos no âmbito do processo é processualmente responsável o próprio Réu.
10 - Caso assim não fosse nunca o artigo 456º do C.P.C. e a figura jurídica da litigância de má fé teriam aplicação quando em causa estivesse a actuação processual de uma pessoa colectiva, pública ou privada, pois que estas sempre poderiam e conseguiriam desculpar e branquear os seus comportamentos processuais passíveis de enquadrar as situações tipificadas no referido normativo legal com uma pretensa falta de comunicação entre os seus órgãos e departamentos. O que seria de todo inaceitável e inadmissivelmente injusto.
11 - A má fé processual do Réu revela-se ainda pelo facto deste, após ter sido notificado do articulado superveniente deduzido pelo Autor e do qual, especialmente dos documentos com este juntos aos autos, resultava evidente a justiça da pretensão por este formulada, ter vindo apresentar requerimento (de fls. 153 e segs.) em que persistia na negação dos factos alegados pelo Autor e no acerto da decisão que lhe retirava os benefícios fiscais. Assim mantendo a sua postura inicial.
12 - E pugnou ainda o Réu pela inadmissibilidade e pelo desentranhamento desse articulado superveniente, na esperança de que um aspecto meramente formal e tão só processual permitisse expurgar os autos da verdade alegada e cabalmente provada nesse articulado superveniente e desse ainda algum ganho de causa à administração tributária, o que esta sabia ser materialmente impossível e tremendamente injusto.
13 - Só depois do referido articulado superveniente ter sido definitivamente admitido nos autos por douto despacho de 13 de Maio de 2011, e então o Réu ter a certeza de que os factos e documentos aí invocados teriam, necessariamente, de ser tidos em conta na decisão final a proferir nos presentes autos, é que este se viu constrangidamente obrigado a reconhecer e a dar satisfação à pretensão do Autor revogando o acto impugnado. Esta não foi uma decisão prontamente e espontaneamente assumida pelo Réu, antes lhe foi imposta pelo caminho que o processo seguia, e da qual o Réu já não podia mais fugir.
14 - É por isso errada a conclusão contida na douta sentença recorrida no sentido de que “tendo sido detectada a falha foi prontamente revogado o acto impugnado”. O que o Réu fez prontamente após ter tido conhecimento do articulado superveniente, de todos os esclarecimentos aí prestados e de todos os documentos com esse juntos aos autos, foi apresentar requerimento (de fls. 153 e segs.) em que mais uma vez negava a pretensão do Autor e tentava retirar do processo os documentos demonstrativos da justiça da sua pretensão.
15 - A douta sentença recorrida decidiu em flagrante violação, entre outras do douto suprimento de Vossas Excelências, das disposições normativas dos artigos 266º, 266º-A, 266º-B e 456º do C.P.C.; 8º e 84º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

Termina pedindo o provimento do recurso e a consequente revogação da sentença recorrida na parte em que indefere o pedido de condenação do Réu como litigante de má fé, substituindo-a por decisão que, nos termos do disposto no art. 456º do CPC, condene o Réu no pagamento de uma multa e indemnização por litigância de má fé.

1.3. Não foram apresentadas contra alegações.

1.4. O Ministério Público não emitiu parecer com base no seguinte entendimento:
«A intervenção do Ministério Público nos recursos jurisdicionais interpostos no âmbito do CPTA é subsequente à sua notificação (art. 146º nº 1 CPTA)
Não obstante o Ministério Público informa que não se pronuncia sobre o mérito do recurso, no entendimento de que a relação jurídico-material controvertida não implica direitos fundamentais dos cidadãos, interesses públicos especialmente relevantes ou valores constitucionalmente protegidos como a saúde pública, o ambiente, o urbanismo, o ordenamento do território, a qualidade de vida, o património cultural e os bens do Estado, das Regiões Autónomas e das Autarquias Locais (artigos 9º, nº 2 e 146º, nº 1 do C.P.T.A.).»

1.5. Suscitada, entretanto, por despacho do relator (fls. 518) a questão prévia da eventual ilegitimidade (por falta de interesse em agir) do autor, para a interposição do presente recurso da decisão de não condenação do recorrido em multa (dado que no caso não foi formulado qualquer pedido de indemnização) por litigância de má-fé e notificadas as partes para se pronunciarem, querendo, sobre tal questão, apenas o recorrente veio aos autos, alegar o seguinte:
1. Salvo melhor opinião, o pedido de condenação como litigante de má-fé efectuado pelo aqui recorrente configura um pedido de condenação em indemnização.
2. E assim o entendeu o recorrente quando o realizou!
3. Não tinha sequer o recorrente interesse directo no pedido de condenação em multa, pois que esta persegue um interesse público.
4. Carecendo o aqui recorrente de legitimidade para peticionar a condenação em multa.
5. Razão pela qual, quando peticiona que a parte contrária seja condenada como litigante de má-fé, tal pedido é feito, necessariamente, tendo em vista a condenação em indemnização.
Senão vejamos,
6. Dispõe o n° l do artigo 456° do CPC, que "Tendo litigado de má-fé, a parte será condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir.".
7. Decorre deste normativo legal que não é sequer necessário que seja peticionada a litigância de má fé para que ocorra a condenação da parte que assim litiga, já que o Tribunal deve fazê-lo oficiosamente quando se verificarem os respectivos pressupostos, como no caso.
8. A condenação em multa é sempre possível e depende apenas da livre apreciação que o Tribunal fizer da conduta processual das partes.
9. E, por isso, independente de a parte contrária a ter pedido.
10. O que se justifica por estar em causa interesse público, que o Tribunal deve assegurar seja devidamente acautelado.
11. Se a parte contrária não tem interesse directo na condenação em multa, não pode, em rigor, peticioná-la.
12. Por, faltando-lhe interesse directo em agir, lhe faltar igualmente legitimidade para tal.
Diferentemente,
13. A condenação em indemnização apenas é possível quando pedida pela parte contrária.
14. Pois que a indemnização visa satisfazer um interesse privado e por isso depende de impulso da parte.
15. Ora, em observância ao disposto no n° l do artigo 457° do C.P.C., a indemnização pode assumir várias formas, devendo o juiz optar pela que julgue mais adequada, podendo em determinadas circunstâncias fixá-la após a audição das partes, caso não disponha dos elementos para a fixar em quantia certa.
16. Razão pela qual, após o impulso da parte que requer a condenação da parte contrária como litigante de má-fé - observando-se assim um pressuposto fundamental para que ao Tribunal seja admitido decidir quanto a uma matéria que tem em vista um interesse particular - dispõe o Juiz de ampla liberdade para fixar a indemnização, seja na forma ou no valor.
17. Pelo que, o pedido expresso do recorrente de condenação da AT como litigante de má-fé, configura - porque só pode configurar - um pedido de condenação em indemnização.
18. Pois que é esta a única forma de condenação na qual tem interesse directo e, por isso, legitimidade.
19. Se se entendesse que o pedido do ora recorrente, de condenação da AT como litigante de má-fé, configurava um pedido de condenação em multa,
20. deveria o Mm°. Tribunal a quo ter indeferido tal pedido com fundamento em ilegitimidade, sem prejuízo de poder ex officio apreciar a conduta processual da parte, condenando-a ou não em multa.
Sem prescindir e se assim não se entender, o que apenas se considera por mera cautela de patrocínio,
21. A entender-se que o Tribunal a quo não se pronunciou quanto ao pedido do ora recorrente de condenação em indemnização por litigância de má-fé,
22. deverá ordenar-se a baixa do processo para que tal decisão seja proferida por aquele Tribunal.
23. Notificando-se ainda o ora recorrente nos termos do disposto no n° 2 do artigo 457° do C.P.C..

1.6. Dispensando-se os vistos, dada a simplicidade da questão, cabe decidir.

FUNDAMENTOS
2.1. No que aqui releva, a sentença recorrida julgou provada a seguinte factualidade:
1) Por ofício nº 1717 de 21.01.2002 dirigido ao Director Geral dos Impostos pela 1ª Repartição de Finanças do Concelho de Coimbra consta a seguinte informação «Estes reembolsos são para pagamento da dívida de IRS/00, sendo o excesso p/ depósito div. Prov.» (P.A., não paginado);
2) Por requerimento de 10.05.2002 o Autor informou que impugnou a liquidação de IRS de 1992, por entender que o respectivo valor não era devido, requerendo, por isso que o reembolso de IRS de 1999 fosse aplicado ao IRS do ano de 2000 em vez de ser aplicado como foi ao IRS do ano de 1992 (P.A., não paginado);
3) A 31.01.2011 foi elaborada informação com o seguinte teor (P.A., não paginado):
Em 31 de Dezembro de 2006 o s.p. possuía dívidas neste Serviço de Finanças em fase de cobrança coerciva no seguinte processo de execução fiscal:
PEF 0728200101035509 – Instaurado em 12.12.2001 por dívidas de IRS de 2000 no valor de € 2.755,05, cuja citação pessoal ocorreu em 10/05/2002 tendo na mesma data e em requerimento dirigido a este Serviço o s.p. não só reconhecido a dívida como solicita a aplicação do reembolso de IRS para pagamento da mesma. O processo foi extinto por pagamento em 28/04/2007.
Procedeu-se ao cancelamento dos benefícios fiscais relativos ao ano de 2006 porque não possuía a situação regularizada em 31 de Dezembro do mesmo ano.
4) O acto impugnado fez cessar os benefícios fiscais relativos à liquidação de IRS de 2006 por terem sido detectadas ao Autor dívidas fiscais no montante de € 2 225,44 (fls. 19);
5) Na contestação apresentada o Réu pronuncia-se no sentido de a acção ser julgada improcedente por manifestamente infundada, nomeadamente por «não ser verdade que à data de 31.12.2006, o A. não tivesse uma dívida de IRS, vencida e não paga e que se filiava em situação em falta relativamente aos seus rendimentos do ano de 2000.» (fls. 42);
6) Após a notificação da contestação o Autor veio, ao abrigo do disposto do artigo 86º, nº 3 do CPTA, apresentar articulado superveniente, procedendo à junção de 18 documentos (fls. 50 a fls. 149);
7) O Réu veio pedir o desentranhamento do articulado supra referido, referindo nomeadamente que os factos articulados em tal requerimento não põem em causa o acerto da decisão que lhe retirou o benefício em questão (fls. 153 a fls. 169);
8) Anexo à revogação do acto impugnado consta informação que confirma o sustentado pelo Autor no requerimento referido em 3) (fls. 193 e fls. 198).

2.2. A sentença recorrida julgou, por um lado, extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide (dado que o acto impugnado do Director-Geral dos Impostos foi revogado) e julgou, por outro lado, improcedente o pedido de condenação do autor como litigante de má-fé, com a fundamentação seguinte:
¯ A litigância de má-fé constitui um meio excepcional pelo qual se sanciona a lide dolosa e temerária, sendo que quanto a esta última apenas nas situações em que se verifique existir negligência grave.
¯ No caso, não obstante o comportamento processual do Réu poder ter enquadramento nas situações tipificadas nas diversas alíneas do nº 2 do art. 456º do CPC, não existe fundamento legal para a sua condenação como litigante de má-fé, uma vez que não se verifica nem dolo nem negligência grave, pois, ao contrário do sustentado pelo Autor, não se afigura palmar a conclusão que a oposição ao articulado superveniente apresentado revele uma intenção clara e consciente de ocultar a verdade dos factos.
¯ E tão pouco se verifica uma situação que aos olhos de qualquer pessoa se apresentasse evidente:
• - apesar de no P.A. constarem elementos que impunham uma maior ponderação (se o Autor requereu em 2002 a aplicação de um reembolso de IRS para pagamento da dívida de IRS de 2000 porque é que a dívida só foi paga em 2007?, e o que é que ocorreu à impugnação do IRS de 1992?) afigura-se que a manifesta improcedência da acção sufragada na contestação foi, porventura, uma conclusão precipitada, resultante, eventualmente, da convicção de que a 31/12/2006 o Autor tinha uma dívida por liquidar relativa a IRS de 2000, o que resultava do sistema informático e da informação do Serviço de Finanças.
• - mas daí não resulta uma intenção clara e evidente de omitir a verdade ou prejudicar o Autor; e não se mostra evidente a qualquer pessoa medianamente diligente, em face dos elementos do P.A., que o IRS de 2000 já estivesse liquidado, dada a forma categórica como foi exarada a informação do serviço de finanças, também constante do P.A., de que a 31/12/2006 estariam por liquidar dívidas fiscais provenientes de IRS de 2000, que o Autor apenas liquidou em 2007, por pagamento voluntário.
• - e como consta da informação de fls. 194 a revogação do acto impugnado tem origem num fax remetido pela Direcção Geral de Impostos para o Serviço de Finanças de Coimbra 1, a requerer informações adicionais.
• - o desfasamento verificado entre os serviços descentralizados que praticaram os actos em causa e o departamento central a quem incumbe o acompanhamento dos processos é imputável a eventual mau funcionamento dos serviços na circulação da informação, e não sendo uma responsabilidade por actuação processual de parte, não pode originar a condenação como litigante de má-fé. Tal desfasamento poderá originar na esfera jurídica do Autor um eventual direito a indemnização, mas não a uma indemnização no âmbito do art. 456º do CPC.
• - a hostilidade de algumas expressões constantes da contestação (arts. 3º, 10º, 28º e 32º) não justifica a condenação do Réu por litigância de má-fé, devendo-se ao facto de à data se afigurar, na perspectiva deste, como evidente a manifesta improcedência da pretensão do Autor.
¯ Assim, é de concluir que o comportamento evidenciado nos autos pelo Réu revela um desfasamento (ou mesmo mau funcionamento) dos serviços internos e a má circulação da informação entre as instâncias locais e as instâncias centrais; o seu comportamento processual evidencia negligência simples, mas não negligência grave ou dolo.
Diferente seria a conclusão se após o articulado superveniente e documentos juntos pelo Autor, o Réu tivesse insistido na posição inicialmente assumida.
In casu, ocorreu exactamente o oposto: tendo sido detectada a falha foi prontamente revogado o acto impugnado – com a pronta ratificação e rectificação –, dando-se total satisfação à pretensão do Autor.

3. Tendo sido suscitada pelo relator (despacho de fls. 518) a questão prévia da ilegitimidade (por falta de interesse em agir) do autor, para a interposição do presente recurso da decisão de não condenação do recorrido em multa (dado que no caso não foi formulado qualquer pedido de indemnização) por litigância de má-fé, importa, desde já apreciar tal questão.
Vejamo-la, pois.

3.1. No art. 456º do CPC dispõe-se o seguinte:
«1. Tendo litigado de má fé, a parte será condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir.
2. Diz-se litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave:
a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
3. Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admitido recurso, em um grau, da decisão que condene por litigância de má fé.»

Por sua vez o art. 104º da LGT estabelece:
«1. Sem prejuízo da isenção de custas, a administração tributária pode ser condenada numa sanção pecuniária a quantificar de acordo com as regras sobre litigância de má fé em caso de actuar em juízo contra o teor de informações vinculativas anteriormente prestadas aos interessados ou o seu procedimento no processo divergir do habitualmente adoptado em situações idênticas.
2. O sujeito passivo poderá ser condenado em multa por litigância de má fé, nos termos da lei geral.»

3.2. A discordância do recorrente com o decidido na sentença recorrida, assenta, como se viu, em que a invocada má-fé resulta ostensivamente dos elementos constantes dos autos e que o comportamento adoptado pelo Réu se enquadra e preenche não uma mas todas as situações de litigância de má fé tipificadas nas diversas alíneas do nº 2 do art. 456º do CPC.
Já no que respeita à suscitada questão da sua ilegitimidade para a interposição do presente recurso, sustenta que o pedido de condenação como litigante de má-fé por ele efectuado configura um pedido de condenação em indemnização, dado que nem tinha interesse directo no pedido de condenação em multa, pois que esta persegue um interesse público, carecendo ele, portanto, de legitimidade para peticionar a condenação em multa, sendo essa a razão pela qual, quando peticiona que a parte contrária seja condenada como litigante de má-fé, tal pedido é feito, necessariamente, tendo em vista a condenação em indemnização.

3.3. Ora, é certo que, como já ensinava Alberto dos Reis, ( Código de Processo Civil, Anotado, vol. II, 3ª ed., pág. 280. ) a questão da má fé e suas consequências nada tem com o julgamento do mérito da causa, constituindo, antes, um ilícito processual, a que corresponde uma sanção meramente civil (responsabilidade pelas perdas e danos causados à parte contrária) e uma sanção (multa), sendo que esta visa, pois, «desempenhar a função de qualquer pena: punir o delito cometido (função repressiva) e evitar que o mesmo ou outros o pratiquem de futuro (função preventiva)». ( Ibidem, p. 269. )
Por isso que a condenação em multa pode e deve ter lugar ex officio (nº 1 do art. 4556º do CPC).
E também é certo que, no que concerne à indemnização, este mesmo normativo impõe que esta seja pedida pelo interessado.
É, pois, necessário que seja formulado esse pedido de indemnização.
De novo nas palavras de Alberto dos Reis, «… a parte prejudicada pela má fé do seu adversário, se quiser obter a indemnização de todos ou parte dos prejuízos, há-de pedi-la.
(…) Também nada se estabelece quanto à forma que o pedido há-de revestir.
A conclusão a tirar é que o interessado pode pedir a indemnização em qualquer altura: nos articulados, durante a fase da instrução preparatória, na audiência de discussão e julgamento, em recurso perante a Relação ou o Supremo; e pode pedi-la por qualquer forma, por meio de requerimento escrito, ou oralmente, se apresentar o pedido durante a prática de acto ou diligência de que deva lavrar-se acta ou auto.
Não exige o Código que a parte peça quantia certa. O juiz tem de fixar sempre a indemnização em quantia certa; mas isso não significa que a vítima da má fé haja necessariamente de pedir quantia determinada; pode ela limitar-se a pedir indemnização; a fixação do montante é atribuição do tribunal.» ( Ibidem, p. 279. )
Neste contexto, e face ao teor do pedido formulado pelo recorrente (na parte final do articulado de fls. 203 a 212), que se traduz apenas em pedido de apreciação da «eventual responsabilidade do Réu enquanto litigante de má fé nos termos do disposto no artigo 456º, nº 2 do Código de Processo Civil», não se vê que o mesmo se possa interpretar como pedido de condenação em indemnização nos preditos termos.
Aliás, mesmo que se interpretasse o pedido feito pelo recorrente como substanciando o pedido de condenação em indemnização, o mesmo não seria admissível face ao disposto no transcrito art. 104º da LGT.
Com efeito, como salienta o Cons. Jorge Lopes de Sousa, (Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e comentado, Vol. II, 6ª ed., anotação 5e) ao art. 122º, p. 313. ) neste art. 104° da LGT «estabelece-se um regime de condenação por litigância de má fé distinto para a administração tributária e para o sujeito passivo, pois enquanto este pode ser condenado em multa por litigância de má fé nos termos da lei geral (n° 2 daquele artigo), a administração tributária apenas pode ser condenada numa sanção pecuniária, a quantificar de acordo com as regras sobre litigância de má fé, caso actue em juízo contra o teor de informações vinculativas anteriormente prestadas aos interessados ou o seu procedimento no processo divergir do habitualmente adoptado em situações idênticas (n° 1 do mesmo artigo).
Sendo este art. 104º da LGT uma norma de carácter especial sobre litigância de má fé, que consagra uma excepção ao regime de igualdade de estatutos processuais das partes genericamente previsto no art. 98° da mesma Lei, parece ter de se concluir que ele não foi revogado, com a entrada em vigor do CPTA e com a revogação do regime de isenção de custas da administração tributária operada pelo DL n° 324/2003, de 27 de Dezembro.»
De todo o modo, como se referiu, interpretamos o pedido formulado pelo recorrente como pedido de condenação em multa.
Por outro lado, a pretensão do autor (ora recorrente) na presente acção administrativa especial era a de que fosse anulado o questionado acto do Director-Geral dos Impostos que determinou a cessação de benefícios fiscais referentes à liquidação de IRS do ano de 2006.
A sentença veio a julgar extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos da al. e) do art. 287º do CPC, com fundamento em que, tendo o acto impugnado sido, entretanto, revogado, a pretensão do autor foi atendida em termos idênticos aos que seriam produzidos pela eventual anulação judicial do mesmo.
E a circunstância de na sentença se ter considerado não existir fundamento para condenação do réu como litigante de má fé, não determina decaimento ou rejeição no pedido formulado, visto que, como se acentuou, a condenação em multa (no caso, em sanção pecuniária a quantificar de acordo com as regras sobre litigância de má fé) teria, nesse caso, natureza de sanção e assentaria em razões de interesse público, falecendo, portanto, ao recorrente o pressuposto processual interesse em agir, quanto ao presente recurso jurisdicional: tem interesse em agir quem puder obter algum benefício com o provimento do recurso, na perspectiva dos direitos que pretende defender ou das posições que no processo pretende fazer valer. (Cfr. Jorge Lopes de Sousa, ob. cit., Vol. IV, anotação 7 ao art. 280º, p. 413.)
Pelo que improcede, assim, a alegação do recorrente.

4. E em suma, haveremos, deste modo, que concluir que o autor por não ser parte vencida, não tem legitimidade para recorrer da sentença, mesmo na parte em que não condenou o réu como litigante de má fé.
Não podendo, consequentemente, conhecer-se do objecto do recurso que interpôs.

DECISÃO
Nestes termos acorda-se em não conhecer do objecto do recurso.
Custas pelo recorrente.
Lisboa, 21 de Novembro de 2012. - Casimiro Gonçalves (relator) Lino RibeiroDulce Neto.