Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01146/13
Data do Acordão:07/09/2014
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:DULCE NETO
Descritores:IRS
MAIS VALIAS
REINVESTIMENTO
PREDIO MISTO
ANULAÇÃO PARCIAL
ANULAÇÃO
Sumário:I – São excluídos da tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, desde que no prazo de 24 meses contados da data da realização esses valores sejam reinvestidos na aquisição na aquisição de outro imóvel exclusivamente como mesmo destino – art. 10º, nº 5, do CIRS.
II – Verificando-se que um prédio misto (integrado por parte rústica com o valor autonomizado de € 85.000,00 e por parte urbana com o valor autonomizado de € 750.000,00 que constituía a habitação própria e permanente do sujeito passivo e do seu agregado familiar) foi objecto de contrato de permuta por um prédio urbano destinado a esse exclusivo fim habitacional, apenas devem ser excluídos de tributação os ganhos provenientes da transmissão da parte urbana do prédio misto, atento o seu valor individualizado e autonomizado na escritura de permuta, e não os ganhos provenientes da transmissão do prédio misto na sua globalidade.
III – Para se saber se o acto de liquidação deve ser total ou parcialmente anulado há que determinar o tipo de ilegalidade que o inquina e analisar se ele é susceptível de afectar o acto no seu todo, caso em que ele tem de ser integralmente anulado.
IV – No IRS a determinação do quantitativo de imposto devido passa pela aplicação das taxas gerais correspondentes ao rendimento colectável determinado, taxas que são, em regra, progressivas, como acontece com a tributação dos ganhos com a alienação de imóveis por sujeitos passivos residentes, a que são aplicáveis as taxas finais de IRS.
V – No caso, a exclusão de tributação dos ganhos provenientes da transmissão da parte urbana do prédio misto não só altera a quantificação rendimento colectável como influi na taxa de imposto aplicável, pelo que redução do rendimento colectável exige a prática de novo acto de liquidação, sendo impraticável a mera anulação parcial porque o tribunal não pode substituir a taxa de imposto aplicada na liquidação impugnada por outra, isto é, não pode substituir-se à administração tributária na aplicação de outra taxa de imposto ao rendimento tributável que subsista para tributação em mais-valias.
Nº Convencional:JSTA00068845
Nº do Documento:SA22014070901146
Data de Entrada:06/24/2013
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF LOULÉ.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR FISC.
Legislação Nacional:CIRS ART9 N1 A ART10 N1 A N5.
CIMI ART3 - ART6 N1 N2
Jurisprudência Nacional:AC STAPLENO PROC0298/12 DE 2013/04/10.; AC STA PROC0583/10 DE 2011/01/12.; AC STA PROC0965/10 DE 2012/01/12.; AC STA PROC0533/12 DE 2012/10/10.; AC STA PROC0477/12 DE 2012/12/05.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. A FAZENDA PÚBLICA recorre para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença proferida pelo TAF de Loulé que julgou totalmente procedente a impugnação judicial que A……………. deduziu contra o acto de liquidação oficiosa de IRS referente ao ano de 2008, no entendimento de que se encontravam verificados os pressupostos para exclusão da tributação em mais-valias da totalidade dos valores realizados, nos termos do artigo 10º, nº 5, do Código do IRS.
1.1.Terminou a sua alegação enunciando as seguintes conclusões:

1. A, aliás, douta sentença recorrida enferma de um erro de direito.

2. Pois, a disposição aplicada do art. 10º nº 5 do CIRS, exprime-se deste modo:

São excluídos da tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente...

3. O texto é terminante e nitidamente não comporta outra interpretação que não seja a delimitação negativa aí expressa não incluir os ganhos sem nexo de causalidade com a transmissão duma habitação.

4. Dentro deste ponto de vista, o que seria lógico, coerente e cumpria fazer no caso que estamos considerando, seria desconsiderar a importância relativa à parte rústica do bem. E, aqui é que está, salvo o devido respeito, o erro do julgado.

5. Desde que, em face dos elementos constantes da escritura de permuta, o tribunal a quo fica ciente de que os ganhos reinvestidos respeitam a um prédio misto, com valores indicados correspondentes a cada parte do imóvel, é manifesto que não podia excluí-los na totalidade da tributação, nem em consequência anular in totum as liquidações impugnadas.

Assim, pelo exposto, e, principalmente, pelo que será suprido pelo Douto Tribunal, deve ser revogada a sentença sub judice, como é de JUSTIÇA.


1.2. A Recorrida não apresentou contra-alegações.

1.3. O Excelentíssimo Magistrado do Ministério Público junto do STA emitiu douto parecer no sentido de que devia ser concedido provimento ao recurso com a seguinte e essencial argumentação:
«(…)
Como resulta do probatório, a recorrida permutou o prédio misto, em que a parte urbana constituía a sua habitação própria e permanente, por um prédio urbano destinando exclusivamente à sua habitação própria e permanente, sendo que à parte urbana do prédio misto e ao prédio urbano foi atribuído o valor de € 750.000,00 e à parte rústica do prédio misto o valor de € 85.000,00.
A sentença recorrida considerou que todos os valores envolvidos, relativos à parte urbana/ rústica estão isentos de tributação em mais valias, por se verificarem os requisitos do artigo 10º/5 do CIRS.
Salvo melhor juízo não pode ser assim.
O conceito de prédios rústicos, urbanos e mistos consta, respectivamente, dos artigos 3º, 4º e 5º do CIMI.
Os prédios urbanos dividem-se em habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços, terrenos para construção e Outros [artigo 6º/1/a)/b)/c)/d) do CIMI].
Habitacionais são os prédios como tal licenciados, ou, na falta de licença, que tenham como destino esse fim (artigo 6º/2 do CIMI).
Ora, os prédios destinados a habitação própria e permanente a que se refere o nº 5 do artigo 10º do CIRS só podem ser prédios urbanos.
Assim sendo, como nos parece que é, apenas ficam excluídos da tributação em mais-valias os ganhos provenientes da transmissão do prédio misto, quanto à parte urbana, que era a parte que constituía, de facto, a habitação própria e permanente da recorrida e não os relativos à parte rústica.
Apenas deveria ter sido anulada a liquidação na parte atinente aos ganhos relativos à parte urbana do prédio misto e não a sua totalidade.
A sentença recorrida merece, pois, censura, no segmento sindicado.
Termos em que, ressalvado melhor juízo, deve dar-se provimento ao presente recurso jurisdicional, revogar-se a sentença recorrida na parte recorrida, mantendo-se, consequentemente, na ordem jurídica o acto de liquidação sindicado na parte relativa à tributação em mais-valias dos ganhos provenientes da transmissão da parte rústica do prédio misto.».

1.4. Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Conselheiros Adjuntos, cumpre decidir.

2. Na sentença recorrida consta como provada a seguinte matéria de facto:

A) Por escritura de Compra e Venda, celebrada em 22.11.2002, a impugnante adquiriu pelo preço de CENTO E OITENTA MIL EUROS que declarou já ter recebido, o prédio misto, composto de cultura arvense, figueiras e edifício de rés-do-chão, primeiro andar e garagem, no sítio de …………., freguesia de ………., concelho de Vila do Bispo, inscrito na matriz cadastral rústica sob o artigo 22 Secção A, com o valor patrimonial de € 15,76 e na matriz predial urbana sob o artigo 1587, com o valor patrimonial de € 2.874,08, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila do Bispo sob o número três mil novecentos e cinquenta e um, da referida freguesia, encontrando-se a aquisição a favor do vendedor registada pela inscrição G- Um;

B) Em 28.03.2008, a impugnante celebrou por escritura pública a permuta do bem imóvel referido em A) por outro de, cujo conteúdo se retira:

(...) o primeiro, em nome da sociedade “B……………., Lda” dá à segunda outorgante o prédio urbano, constituído por edifício de rés-do-chão e primeiro andar, destinado a habitação, com garagem, piscina e logradouro, sito na Urbanização ……………., lote ………., freguesia ……….., concelho de Lagos, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lagos sob o número três mil, seiscentos e cinquenta e nove, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 6.990, com a valor patrimonial de 233.604,00 euros e ao qual é atribuído o valor de setecentos e cinquenta mil euros, cujo prédio pela sociedade por escritura de permuta outorgada hoje, neste Cartório, a folhas quarenta e oito, deste livro de notas.

Em troca, a segunda outorgante, dá à sociedade “B…………….., Lda” o prédio misto, constituído por cultura arvense, figueiras e edifício de rés-do-chão e primeiro andar, com garagem e logradouro, sito em …………., freguesia de ……….., concelho de Vila do Bispo, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila do Bispo sob o número três mil, novecentos e cinquenta e um, onde se encontra registada a aquisição a favor da segunda outorgante pela inscrição G-dois, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 1.587, com o valor patrimonial de 18.660,04 ao qual atribuem o valor de setecentos e cinquenta mil euros e na matriz predial rústica sob o artigo 22 da secção A, com o valor patrimonial tributável de 31,97 euros ao qual atribuem o valor de oitenta e cinco mil euros. Este imóvel tem o valor atribuído global de oitocentos e trinta e cinco mil Euros.”

C) Em 17.06.2008 foi emitida certidão de dívida em nome da impugnante, para a morada Rua ……………. nº …… - ………., oriunda do Município de Vila do Bispo por falta de pagamento do consumo de água;

D) Na mesma data, o Município de Vila do Bispo emitiu aviso de citação em nome da impugnante para a morada Rua …………… LT …… …. - ……. - ……. LGS;

E) Com data limite de pagamento de 17.03.2008, a impugnante recebeu a factura da EDP nº 10301614231 de 26.02.2008, para a morada Rua ………., ……. ………. - …….. - ………..;

F) As filhas da impugnante com a morada Rua ………….. nº …… - ……….., estiveram matriculadas no Agrupamento de Escolas do Concelho de ………….., de 2002 a 2006;

G) Em 05.06.2008, a impugnante celebrou com a Câmara Municipal de Lagos contrato de prestação de serviços de fornecimento de água para a casa sita na Rua ……………., LT ………, …… …… LGS;

H) Com data limite de pagamento de 25.07.2008, a impugnante recebeu a factura da EDP nº 10313184540 de 07.07.2008, referente ao período de 09.05.2008 a 07.07.2008, para a morada Urbanização …………, ………., LT ………. ………. - …….. - ……… LGS;

I) Em 10.06.2008, recebeu para a morada Rua …………….., Lt …….. - ……-…… Lagos, factura nº 1184770/02 da PT referente ao mês de Maio de 2008;

J) Em 01.10.2010, recebeu para a morada Rua …………., Lt ……- ……-….. LGS, factura nº 280030 da Câmara Municipal de Lagos referente ao consumo de água do mês de Setembro;

K) Por oficio nº 7472 de 15.04.2010, a impugnante foi notificada para apresentar no prazo de 30 dias a declaração de IRS correspondente ao ano de 2008, onde deveria incluir o anexo G de Mais Valias, respeitante à permuta dos referidos prédios rústicos;

L) Em 10.01.2011 foi emitida declaração oficiosa de IRS referente ao ano de 2008, no montante de € 128.982,58, com data limite de pagamento 23.02.2011;

M) Em 01.04.2011, a impugnante deu entrada na Direcção de Finanças de Faro de reclamação graciosa da liquidação de imposto nº 2011 5000009079 e da liquidação de juros compensatórios nº 2011 00000005430;

N) Por despacho de 08.09.2011, do Director de Finanças de Faro a reclamação graciosa foi indeferida parcialmente, cujo conteúdo se dá por reproduzido;

O) A impugnante procedeu à alteração de morada para Rua ………….., Lt ………. - ………-……. ……. LGS, em 05.06.2008;

3. O presente recurso vem interposto da sentença que anulou o acto de liquidação oficiosa de IRS referente ao ano de 2008, no entendimento de que se encontravam verificados os pressupostos para exclusão da tributação em mais-valias da totalidade dos valores realizados, nos termos do artigo 10º, nº 5, do CIRS.

Com efeito, a questão colocada nos autos e que a sentença conheceu prende-se com o reinvestimento dos valores de realização de um prédio misto (que integrava uma parte urbana destinada a habitação própria da impugnante) num outro prédio urbano destinado ao mesmo fim, e que foi objecto de permuta, não tendo a impugnante efectuado a entrega da declaração Mod.3 de IRS e respectivo anexo G.

A impugnante alegara que a liquidação oficiosa não contemplava o reinvestimento que efectuou através de permuta com esse outro prédio urbano para habitação própria e permanente, tendo apenas admitido o montante de € 9.789,13 pago pela sisa do imóvel permutado. A sentença julgou procedente a impugnação, no entendimento de que se encontravam verificados os pressupostos legais para exclusão da tributação em mais-valias da totalidade dos valores realizados, tendo em conta o contrato que a Impugnante celebrara e através do qual declarou trocar o seu prédio misto (onde se mostrava individualizado o valor da parte rústica e o valor da parte urbana) por outro prédio urbano que destinou à sua habitação própria e permanente.

Como se deixou referido na sentença, «… a impugnante veio aos autos provar por documentos que habitou o imóvel da Rua ……………… nº….. - ………., morada constante do estabelecimento de ensino de suas filhas. Que adquiriu o imóvel descrito em A) e onde habitou a parte urbana até 28 de Março de 2008, data da permuta por outro bem imóvel, descrito em B), sito na Urbanização ……………., lote ……….., freguesia da ……….., concelho de Lagos, para habitação própria permanente. Que, procedeu à alteração da morada da habitação permutada para a nova morada em 05.06.2008, ou seja, da Rua …………… nº ….. …………. - ………. para a Rua …………….., Lote ……, ………. - ……..-…….. ……… LGS e que a partir dessa mesma data celebrou contratos de prestação de serviços de fornecimento de água, electricidade, televisão e internet.

Do conteúdo da escritura pública referida em B), retira-se que o valor de € 750.000,00 foi preço estabelecido entre as partes para a parte urbana, tendo a impugnante recebido pela parte rústica € 85.000,00.
Como se retira das normas supra referidas, para serem excluídos de tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados à habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, devem observar-se os requisitos ali estabelecidos que para o caso em concreto interessa: - Se no prazo de 24 meses, contados da data da realização, esse valor for reinvestido na aquisição da propriedade de outro imóvel exclusivamente com o mesmo destino.
Há assim que observar o requisito temporal de reinvestimento do valor de realização e o requisito da finalidade dessa aquisição, ou seja, o mesmo destino - para habitação própria e permanente do sujeito passivo e seu agregado familiar. A escritura de permuta foi realizada no dia 28 de Março de 2008, o que equivale a dizer que a compra e a venda aconteceram em simultâneo, pelo que se encontra preenchido o requisito temporal.
Como decorre do conteúdo desta escritura e do probatório, o novo imóvel adquirido tem como fim exclusivo a habitação própria e permanente da impugnante, pelo que se encontra igualmente preenchido o segundo requisito.
Nestes termos, estão reunidos, pela ora impugnante, os requisitos para o reinvestimento na totalidade dos valores envolvidos e bem assim para a exclusão da tributação destes valores em IRS - Mais Valias.
(…)
Assim, sendo certo que deve ser considerado para efeito de liquidação de IRS de 2008 o reinvestimento total do valor de realização e, por via desse reinvestimento, ocorrer a exclusão de tributação, não há lugar a liquidação de imposto.».

A Fazenda Pública, ora Recorrente, insurge-se contra o decidido apenas na parte em que se afirmou dever excluir-se de tributação a totalidade dos valores envolvidos, sem considerar que os ganhos reinvestidos respeitam a um prédio misto, com valores individualizados para a parte urbana e para a parte rústica, advogando que só o valor da parte urbana pode ser excluído e que, em consequência, deveria ocorrer uma anulação meramente parcial e não total do acto de liquidação impugnado.

Vejamos.

Da leitura da sentença e sobretudo da sua parte decisória, resulta à evidência que foi determinada a anulação total da liquidação, «devendo ser considerado como reinvestimento o valor de realização, objecto da impugnação». Isto é, na sentença considerou-se que todos os valores envolvidos, relativos ao prédio misto, estavam isentos de tributação em mais-valias, por se verificarem os requisitos do art. 10º, nº 5 do CIRS.

E tal não pode, efectivamente, ser assim.

Como muito bem deixou explicado o Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto no douto parecer acima referido, e cuja argumentação não resistimos a seguir e transcrever em face da sua clareza, justeza e rigor, perante o disposto no art. 9º, nº 1, al. a), do CIRS, constituem incrementos patrimoniais (desde que não considerados rendimentos de outras categorias) as mais-valias tal como definidas no art. 10º do CIRS; e constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais resultem da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis (art. 10º, nº 1, al. a) do CIRS). Pelo que são excluídos da tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, desde que no prazo de 24 meses contados da data da realização esses valores sejam reinvestidos na aquisição na aquisição de outro imóvel exclusivamente como mesmo destino (art. 10º, nº 5, do CIRS).

«Ora, como resulta do probatório, a recorrida permutou o prédio misto, em que a parte urbana constituía a sua habitação própria e permanente, por um prédio urbano destinando exclusivamente à sua habitação própria e permanente, sendo que à parte urbana do prédio misto e ao prédio urbano foi atribuído o valor de € 750.000,00, e à parte rústica do prédio misto o valor de € 85.000,00.
A sentença recorrida considerou que todos os valores envolvidos, relativos à parte urbana/rústica estão isentos de tributação em mais valias, por se verificarem os requisitos do artigo 10º/5 do CIRS.
Salvo melhor juízo não pode ser assim.
O conceito de prédios rústicos, urbanos e mistos consta, respectivamente, dos artigos 3º, 4º e 5º do CIMI.
Os prédios urbanos dividem-se em habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços, terrenos para construção e Outros (artigo 6º/1/a)/b)/c)/d) do CIMI).
Habitacionais são os prédios como tal licenciados, OU, na falta de licença, que tenham como destino esse fim (artigo 6º/2 do CIMI).
Ora, os prédios destinados a habitação própria e permanente a que se refere o nº 5 do artigo 10º do CIRS só podem ser prédios urbanos.
Assim sendo, como nos parece que é, apenas ficam excluídos da tributação em mais-valias os ganhos provenientes da transmissão do prédio misto, quanto à parte urbana, que era a parte que constituía, de facto, a habitação própria e permanente da recorrida e não os relativos à parte rústica.
Apenas deveria ter sido anulada a liquidação na parte atinente aos ganhos relativos à parte urbana do prédio misto e não a sua totalidade.».

Em suma, apenas devem ser excluídos de tributação os ganhos provenientes da transmissão da parte urbana do prédio misto, atento o seu valor individualizado e autonomizado na escritura de permuta, e não os ganhos provenientes da transmissão do prédio misto na sua globalidade.

Consequentemente, e à primeira vista, pareceria que a liquidação deveria ser anulada parcialmente, na parte atinente aos ganhos provenientes da transmissão da parte urbana do prédio misto, atenta a regra da admissibilidade da anulação parcial do acto de liquidação de imposto, consensualmente aceite pela jurisprudência e pela doutrina por apelo à divisibilidade desse acto tributário. (Cfr., o Acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário de 10/4/2013, no rec. nº 298/12, onde se reafirma a jurisprudência vertida nos acórdãos da Secção, de 12/1/2011, no rec. nº 0583/10, de 12/1/2012, no rec. nº 0965/10, de 10/10/2012, no rec. nº 0533/12 e de 5/12/2012, no rec. nº 0477/12.)

Todavia, não nos parece que tal possa acontecer no presente caso.

É que para se saber se o acto de liquidação deve ser total ou parcialmente anulado há que determinar o tipo de ilegalidade que o inquina e analisar se ele é susceptível de o afectar no seu todo, caso em que ele tem de ser integralmente anulado.

Ora, no caso dos autos, há que ter atenção que estamos perante imposto sobre o rendimento, em que a determinação do quantitativo de imposto devido passa pela aplicação das taxas gerais correspondentes ao rendimento colectável determinado, taxas que são, em regra, progressivas e não fixas, como acontece com a tributação dos ganhos com a alienação de imóveis por sujeitos passivos residentes, a que são aplicáveis as taxas finais de IRS.

No caso vertente, o rendimento colectável é constituído pelo saldo anual positivo apurado entre as mais-valias e as menos-valias imobiliárias realizadas no ano em questão, e a taxa de imposto aplicada foi de 42% em face do montante global dos valores realizados com a transmissão do prédio misto (parte urbana no valor de € 750.000,00 e parte rústica no valor € 85.000,00). E daí que a ilegalidade cometida e a consequente exclusão de tributação desse valor de realização vá não só alterar a quantificação rendimento colectável, como influir na taxa de imposto aplicável.

Pelo que a redução do rendimento colectável exige a prática de novo acto tributário, sendo impraticável a mera anulação parcial ou a reforma do acto tributário impugnado, porque o tribunal não pode substituir a taxa de imposto efectivamente aplicada na liquidação impugnada por outra, isto é, não pode substituir-se à administração tributária na aplicação de outra taxa de imposto ao rendimento tributável que subsista para tributação em mais-valias.

Razão por que se impõe manter a sentença recorrida, de anulação total da liquidação, embora com a presente fundamentação, isto é, por deverem ser excluídos de tributação os ganhos provenientes da transmissão da parte urbana do prédio misto, cujo valor se encontra individualizado e autonomizado na escritura de permuta, e não os ganhos provenientes da transmissão do prédio misto na sua globalidade.

4. Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida de anulação total da liquidação impugnada, embora com a presente fundamentação.

Sem custas

Lisboa, 9 de Julho de 2014. – Dulce Manuel Neto (relatora) – Isabel Marques da SilvaPedro Delgado.