Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0614/10
Data do Acordão:11/17/2010
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:VALENTE TORRÃO
Descritores:IMPOSTO DE CONSUMO
IMPOSTO ESPECIAL SOBRE O CONSUMO DE BEBIDAS ALCOÓLICAS
CIRCULAÇÃO CONDICIONADA
CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS
DEPOSITARIO
RESPONSABILIDADE FISCAL
RESPONSABILIDADE PELO DESAPARECIMENTO DE MERCADORIAS
PRINCÍPIO DA LEGALIDADE
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
CADUCIDADE DE LIQUIDAÇÃO
CONHECIMENTO OFICIOSO
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
Sumário:I - No âmbito da circulação de produtos sujeitos a impostos especiais de consumo, destinando-se aqueles ao Reino de Espanha e não tendo chegado ao destinatário indicado no DAA, considera-se ter havido introdução irregular no consumo sendo responsável pelo pagamento do imposto o expedidor - depositário autorizado - ao abrigo do disposto no artº 36º, nº 1 do CIEC.
II - Sempre que, no decurso da circulação, for detectada, em território nacional, uma infracção ou uma irregularidade sem que seja possível determinar o lugar onde foi cometida, considerar-se-á que foi praticada em território nacional (artº 36º, nº 3 do CIEC), com a consequente liquidação do imposto.
III - A caducidade do direito à liquidação constitui vício a invocar pelo impugnante na petição inicial, não sendo o mesmo de conhecimento oficioso.
IV - Não viola o princípio das igualdade o disposto no artº 36º, nº 1 do CIEC, ao estabelecer a responsabilidade pelo pagamento do imposto do expedidor - pessoa que se constituiu garante do pagamento do imposto - , visto que todos os expedidores estão sujeitos à mesma responsabilidade. É irrelevante que noutras actividades económicas não existe norma semelhante, uma vez que o princípio da igualdade significa que devem ser tratadas da mesma forma situações idênticas e de forma diferente situações diversas.
V - Não viola o princípio da proporcionalidade o disposto no artº 36º citado, ao exigir o pagamento do imposto ao expedidor autorizado relativo aos produtos considerados irregularmente introduzidos no consumo, já que se estes introduzidos regularmente pagariam o respectivo imposto, não se vê razão para pagarem imposto de montante inferior em caso de introdução irregular.
Nº Convencional:JSTA00066689
Nº do Documento:SA2201011170614
Data de Entrada:07/13/2010
Recorrente:A...
Recorrido 1:DG DAS ALFÂNDEGAS
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF BRAGA PER SALTUM.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR ADUAN - IEC.
Legislação Nacional:CIEC99 ART6 N1 ART7 N1 ART21 N1 ART32 N1 ART33 ART34 ART35 ART36 N1 N4 N5.
RGIT01 ART95.
CONST97 ART2 ART13 ART18 ART262 N2.
CPPTRIB99 ART108 N1.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC25214 DE 2000/11/29.
Referência a Doutrina:SÉRGIO VASQUES OS IMPOSTOS ESPECIAIS DE CONSUMO PAG189 - PAG195.
LUÍS EDGAR CORREIA IABA ACÇÃO DE FISCALIZAÇÃO DE UM ENTREPOSTO FISCAL DE PRODUÇÃO DE BEBIDAS ALCOÓLICAS IN REVISTA DA ALFÂNDEGA N68.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
I. “A…, Ldª”, com os demais sinais nos autos, veio recorrer da decisão do Mmº Juiz do TAF de Braga, que julgou improcedente a impugnação por si deduzida contra a liquidação de imposto especial sobre o álcool e as bebidas alcoólicas, no montante de 411.944,91 euros, apresentando para o efeito, alegações nas quais conclui:
A) A Impugnante, em Dezembro de 2005, foi notificada para efectuar o pagamento de € 411.944,91, nos termos do nº 1 do artº 3º, do artº 10º e do artº 36° do Código do IEC, uma vez que os produtos sujeitos a imposto expedidos do território nacional – aguardente vínica – para a firma espanhola “B…” - DAA' s números 245678 e 45679, datados de 24.09.2002 - não teriam chegado ao seu destino, pelo que se considerava que a infracção ou irregularidade foi cometida no território nacional, sendo cobrado pela autoridade aduaneira, junto da pessoa singular ou colectiva que se constituiu garante do pagamento do imposto, ou seja, a aqui impugnante.
B) Enquanto Depositário Autorizado, titular de Entreposto Fiscal, cumpriu, antes de proceder à expedição do produto, todas as obrigações legais vigentes (emissão dos DAA, das guias, etc).
C) No prazo legal foi-lhe remetido, pelo destinatário do produto, o exemplar nº 3 dos DAA' s, certificado pela respectiva estância aduaneira, procedeu ao pagamento, pelo que a Recorrente, emitiu os respectivos recibos.
D) Inesperadamente e, sem que nada o fizesse prever, a Impugnante é confrontada, em finais de 2005, com uma liquidação oficiosa relativa à transacção efectuada em regime de suspensão de imposto em Setembro de 2002.
E) O acto de liquidação oficiosa, suportado legalmente pelo artº. 36º do CIEC, imputa, ao expedidor, aqui recorrente, toda a responsabilidade decorrente da circulação do produto em regime de suspensão de imposto. F) Imputação/responsabilização de todo alheia a qualquer respeito pelos princípios constitucionais da igualdade e proporcionalidade, considerando-o o único sujeito passivo daquela obrigação tributária.
G) É pois forçoso concluir-se que o dispositivo legal vertido no artº. 36° do CIEC, e que fundamenta a liquidação impugnada, se encontra ferido de inconstitucionalidade, por flagrante violação dos princípios constitucionais a igualdade e proporcionalidade.
H) Aliás, não existe no sistema jurídico norma paralela para as demais actividades, o que de per si, reitera e reforça a tese de que o artº 36º do CIEC é inconstitucional por manifesta violação do princípio da igualdade.
I) Mas, não será esse o único vício de que enferma o acto de liquidação oficiosa emitido pela Administração Tributária. Tal acto foi notificado à impugnante em Dezembro de 2005, reportando-se a constituição da dívida a 22.09.2002, data da introdução do produto no consumo.
J) Medeia entre as datas referidas um período superior a três anos, pelo que à luz do disposto no artº 221º, nº 3, do CAC, tinha caducado o direito de proceder à comunicação ao devedor do acto de liquidação. Nesse sentido Acórdão do STA de 10 de Fevereiro de 2010.
K Caducidade que é de conhecimento oficioso, mas que o Tribunal a quo não apreciou.
Termos em que,
E nos melhores de Direito sempre com o mui douto suprimento de V.as Ex.cias, deve o presente Recurso ser recebido e provido e, consequentemente, revogada a sentença a quo, assim se fazendo a sempre costumada justiça.
II. Colhidos os vistos cabe agora decidir.
III. Com interesse para a decisão foram dados como provados em 1ª instância os seguintes factos:
1º) Em 09.01.2006 a ora impugnante foi notificada para efectuar o pagamento do montante de € 411.944,91, nos termos do nº 1 do art.º 3°, do art.º 10º e do artº 36º do Código dos Impostos Especiais de Consumo (C.I.E.C.), uma vez que os produtos sujeitos a imposto expedidos do território nacional - aguardente vínica - para a firma espanhola “B…”, titulados pelos Documentos Administrativos de Acompanhamento nºs 245678 e 245679 datados de 24.09.2002, nunca teriam chegado ao seu destino, pelo que se considerava que a infracção ou irregularidade, foi cometida no território nacional.
2º) Tal situação deu origem à cobrança por parte da autoridade aduaneira do imposto em causa, junto da pessoa singular ou colectiva que se constituiu garante do pagamento do imposto, nos termos dos art.ºs 42.º e 44.º do C.I.E.C.
3º) Tempestivamente, a ora impugnante, apresentou Reclamação Graciosa e Recurso Hierárquico, tendo sido indeferidos os dois expedientes.
4º) A impugnante é Depositária Autorizada e titular de entreposto fiscal, e, nessa qualidade, em 24.09.2002 realizou expedições de Aguardente Vínica (79 Graus), com destino à firma espanhola “B…”.
5º) A impugnante emitiu os Documentos Administrativos de Acompanhamento (D.A.A.' s)
6º) Contactada na sequência de uma acção de investigação, a “B…” comunicou que não tinha recepcionado a mercadoria expedida.
7º) Nessa mesma investigação, a própria administração aduaneira concluiu que os veículos que tinham feito o transporte da mercadoria em causa, e cuja matrícula constava das respectivas guias de transporte, não eram pertença da C…, Ldª., e que as assinaturas do funcionário da “B…” apostas nos D.A.A.'s, haviam sido falsificadas.
8º) Perante este cenário, a Administração Aduaneira notificou o depositário autorizado A…, para proceder à liquidação dos impostos especiais de consumo referentes àquelas expedições.
Foi dada como não provada a seguinte matéria de facto:
No âmbito das expedições em causa nos autos a impugnante procedeu ao controlo de toda a documentação e formalidades relativas ao controlo da circulação de produtos tributáveis pelo espaço da Comunidade em regime de suspensão de imposto, previstos e exigidos no Código dos Impostos Especiais de Consumo (CIEC), bem como no Regulamento (CEE) nº 2719/92 da Comissão, de 11 de Setembro.
Através de um intermediário, que se apresentou como representante da “B…” foram colhidas informações sobre a empresa espanhola a quem se destinava a aguardente vínica, de quem a impugnante colheu as melhores informações.
O transporte da mercadoria para Espanha foi assegurado pela empresa espanhola que, tanto quanto foi transmitido à impugnante, recorreu a uma transportadora nacional, a C…, Ldª, tendo sido emitidas as competentes guias de transporte.
Os D.A.A.' s números 245678 e 245679, datados de 24.09.2002, emitidos em virtude das expedições em causa, foram entretanto devolvidos à impugnante devidamente certificados pelas autoridades espanholas competentes.
Tendo o destinatário dos produtos expedidos remetido ao expedidor o exemplar nº 3 dos D.A.A.' s no prazo legal, visado pela estância aduaneira do destino, certificando que a mercadoria foi regularmente recebida, a impugnante ficou plenamente convencida da regularidade da sua situação fiscal.
Perante este processo de tramitação, a ora impugnante estava convencida de que os produtos expedidos tinham sido recebidos pelo destinatário e que os impostos especiais de consumo correspondentes tinham sido pagos ou garantidos no país de destino.
Foi assim com uma enorme surpresa que a ora impugnante foi informada, passados mais de três anos sobre a data das expedições do produto em causa de que havia dúvidas em relação à regularidade daquelas operações.
O depositário expedidor A… cumpriu escrupulosamente os seus deveres legais, enquanto depositário autorizado.
Se existiram problemas no que respeita ao transporte da aguardente vínica, o depositário expedidor desconhece-os e nem poderia conhecer, uma vez que o transporte foi assegurado pelo transportador C…, Ldª, contratado pela “B…”.
IV. De acordo com as conclusões das alegações, são duas as questões a apreciar no presente recurso:
a)A inconstitucionalidade do artº 36º do Código dos Impostos Especiais de Consumo (conclusões das alíneas A) a H);
b) A caducidade do direito à liquidação (conclusões das alíneas I) a K).
Comecemos por conhecer da 1ª questão.
IV.1. Sobre essa 1ª questão, escreveu-se na decisão recorrida:
“A única questão de direito colocada na petição inicial prende-se com a inconstitucionalidade do art.º 36.º do CIEC.
Dispõe este artigo que: (...)
Compulsada a norma em causa, não se descortina qualquer violação de normas constitucionais no seu teor nem, muito menos, da sua aplicação à situação sub judice.
Com efeito, trata-se de um regime objectivo, cujos operadores do ramo, devem conhecer e organizar a estrutura económica das suas transacções em função do mesmo.
Ou seja, sabendo-se legalmente responsáveis pelas ocorrências durante o transporte das mercadorias que vendem, devem os depositários assegurar o transporte eles mesmos, facturando-o aos seus clientes.
Não se descortina assim, qualquer restrição intolerável a qualquer princípio constitucional.
O mesmo se diga da aplicação em concreto da norma em questão, tanto mais que os factos em que a alegação da impugnante se sustentava foram dados como não provados”.
IV.2. A recorrente, por sua vez, entende que o artº 36º do CIEC, que serve de base à liquidação impugnada, ao responsabilizar o expedidor por todas e quaisquer irregularidades ou infracções verificadas no decurso do processo de circulação dos produtos tributáveis, colide com os princípios constitucionais da igualdade e proporcionalidade, consagrados nos artºs 2º, 13º, 18º e 266º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa.
Com efeito, embora o expedidor seja sempre o responsável pela circulação dos produtos sujeitos a Imposto especial de consumo, a verdade é que nesse processo há também intervenção de entidade transportadora (que pode ou não ser o expedidor) e o destinatário do produto.
Ora, o princípio constitucional da igualdade impõe que a lei seja aplicada a todos os destinatários, sem olhar ao seu estatuto social, situação económica, não podendo dispersar certas pessoas de a cumprir, o que sucede no caso concreto com o transportador e o destinatário do produto que circula em regime de suspensão do imposto.
Mas também a mesma norma legal viola o princípio constitucional da proporcionalidade, na medida em que as sanções fixadas para o não cumprimento de determinadas obrigações tributárias, excedem os limites da razoabilidade, o que sucede no caso concreto, em que o valor do imposto liquidado excede, em larga medida, o valor do produto.
Vejamos então se a tese da recorrente colhe apoio legal.
IV.3. Como é sabido, o regime dos impostos especiais de consumo (álcool e bebidas alcoólicas, tabaco manufacturado e produtos petrolíferos e energéticos), está harmonizado comunitariamente tendo os Estados-membros chegado a consenso após prolongadas negociações. Para uma referência histórica sobre esta matéria v. o Preâmbulo do DL nº 566/99, de 22.12 e Sérgio Vasques – Os Impostos Especiais de Consumo, Almedina, 2001, págs. 189/185.
Transpondo para o direito interno a Directiva 92/12/CEE (e outras referentes à mesma matéria), o legislador português veio reunir no Decreto-Lei nº 566/99, de 22 de Dezembro, toda a matéria referente a esses impostos especiais de consumo harmonizados e que se encontrava dispersa por variados diplomas legais.
Ora, o referido regime assenta na confiança entre a administração aduaneira – a quem cabe fiscalizar o cumprimento das normas legais sobre a matéria e os sujeitos passivos, que são em reduzido número, e em regras muito rígidas destinadas a evitar a fuga ao imposto e a permitir a eficaz fiscalização do seu cumprimento.
”O princípio fundamental da gestão do imposto sobre o álcool e as bebidas alcoólicas assenta na detenção e circulação das mercadorias em regime de suspensão, sendo que o mecanismo de suspensão visa permitir a actividade das empresas/empresários sem que suportem previamente a carga do imposto, de modo a evitar para os contribuintes, excessivos encargos financeiros. A contrapartida desta vantagem está na atribuição de deveres de cooperação significativos aos depositários autorizados, cabendo a estes fornecer à Administração os elementos em que assenta a liquidação e cobrança do imposto, logo que as mercadorias são introduzidas no consumo. Conclui-se que a condição de funcionamento do regime é uma relação de confiança - uma relação fiscal fiduciária – entre depositários autorizados e Administração, sendo essa a razão que justifica, o serem confiados àqueles, deveres de cooperação mais intensos do que aqueles que caracterizam outros impostos. A perspectiva central da Administração, de simplificar e desformalizar, tanto quanto possível, a gestão dos impostos sobre o álcool e as bebidas alcoólicas, terá que encontrar coadjuvação no comportamento dos depositários autorizados, por forma a sustentar a relação de confiança que se pretende entre as partes”. (IABA – Acção de Fiscalização de um entreposto fiscal de produção de bebidas alcoólicas - Luís Edgar Correia – Revista Alfândega, nº 68 – Dezembro de 2009)
Este texto traduz exactamente o funcionamento do regime dos impostos especiais de consumo e, nomeadamente, o relativo ao imposto sobre o álcool e as bebidas alcoólicas.
Com efeito, embora o facto gerador do imposto seja a produção ou importação em território nacional ou no de outros Estados-Membros, desde que neste último caso, sejam expedidos para território nacional (artº 6º, nº 1 do CIEC), os produtos sujeitos a imposto consideram-se em regime de suspensão (do imposto) nos casos referidos no artº 6º, nº 3 do CIEC) até à introdução no consumo.
O regime de suspensão do pagamento do imposto constitui então uma característica própria destes impostos.
Assim, embora os produtos fiquem sujeitos a imposto a partir da sua produção ou importação em território nacional ou no de outros Estados-Membros, desde que, neste caso, sejam expedidos para território nacional (artº 6º, nº 1), o imposto será exigível no momento da introdução no consumo ou da constatação das perdas que devam ser tributadas (artº 7º, nº 1).
Procura-se, deste modo, evitar ao sujeito passivo a sobrecarga do imposto antes de os produtos terem sido introduzidos no consumo.
Mas, para beneficiar deste regime de suspensão, o sujeito passivo tem de cumprir regras específicas contidas no respectivo Código, só podendo produzir, transformar, ou armazenar os produtos em entreposto fiscal mediante autorização ou sob controlo da estância aduaneira competente (artº 21º, nº 1).
Por outro lado, em matéria de circulação dos mesmos produtos em regime de suspensão, ainda que sujeitos à taxa zero, a lei impõe também o cumprimento de procedimentos rígidos.
Assim, essa circulação só pode fazer-se entre entrepostos fiscais (artº 32º, nº 1) e impõe o cumprimento das normas constantes dos artºs 32º a 35º.
IV.4. Voltando agora ao caso dos autos temos que dos nºs 4 a 7 do probatório resultou provado o seguinte:
A impugnante é Depositária Autorizada e titular de entreposto fiscal, e, nessa qualidade, em 24.09.2002 realizou expedições de Aguardente Vínica (79 Graus), com destino à firma espanhola “B…”.
A impugnante emitiu os Documentos Administrativos de Acompanhamento (D.A.A.' s)
Contactada na sequência de uma acção de investigação, a “B…” comunicou que não tinha recepcionado a mercadoria expedida.
Nessa mesma investigação, a própria administração aduaneira concluiu que os veículos que tinham feito o transporte da mercadoria em causa, e cuja matrícula constava das respectivas guias de transporte, não eram pertença da C…, Ldª., e que as assinaturas do funcionário da “B…” apostas nos D.A.A.'s, haviam sido falsificadas.
Daqui resulta então que foi violado o regime de circulação dos produtos em suspensão do imposto. E destinando-se os produtos sujeitos a imposto a outro Estado-Membro – Reino de Espanha – onde não chegou ao destinatário indicado no respectivo DAA, desconhecendo-se o local da infracção ou irregularidade, considera-se que esta foi cometida em território nacional (artº 36º, nº 4).
E, assim sendo, e por força do nº 1 do mesmo preceito, o responsável pelo pagamento do imposto, a liquidar é o garante do pagamento do imposto, neste caso, o expedidor (depositário autorizado, ora recorrente)
IV.5. Aqui chegados cumpre agora apreciar se este artº 36º, nº 1 do CIEC ofende o princípio da igualdade consagrado na CRP.
Conforme entendimento corrente, o princípio da igualdade pressupõe que se tratem de forma igual situações idênticas e de forma desigual situações distintas.
Ora, não pode este princípio funcionar entre pessoas ou entidades que exerçam outra actividade económica e as que exerçam a actividade de entreposto fiscal, já que são diferentes as regras a que essas actividades estão sujeitas.
Assim, a questão só poderia colocar-se relativamente a dois sujeitos que exercendo a mesma actividade de entreposto fiscal fossem tratados de forma diferente pela lei.
Mas não é isso que acontece: todos os depositários estão sujeitos às mesmas regras e todos respondem, em caso de violação do regime, nos mesmos termos.
Ao requerer autorização para exercer a actividade de depositário autorizado, o operador económico sabe as regras a que tem de se sujeitar, pelo que tem de escolher com o maior cuidado os seus parceiros comerciais.
Por outro lado, não faria sentido a exigência da prestação da garantia ao depositário se depois se fosse exigir o pagamento a outro agente económico, nomeadamente ao transportador.
O transportador não é responsável pelo pagamento do imposto, uma vez que existe garantia prestada pelo depositário, mas pode ser sancionado de outra forma desde que se provem os respectivos factos, como resulta do disposto no artº 95º do RGIT que estabelece o seguinte:
“ARTIGO 95º
Fraude no transporte de mercadorias em regime suspensivo
1.Quem, no decurso do transporte de mercadorias expedidas em regime suspensivo:
a)Subtrair ou substituir mercadorias transportadas em tal regime;
b)Alterar ou tornar eficazes os meios de selagem, de segurança ou de identificação aduaneira, com fim de subtrair ou de substituir mercadorias;
c)Não observar os itinerários fixados, com o fim de se furtar à fiscalização;
d)Não apresentar as mercadorias nas estâncias aduaneiras de destino;
é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa até 360 dias, se o valor da prestação tributária em falta for superior a € 15 000 ou, não havendo lugar a prestação tributária, a mercadoria objecto da infracção for de valor aduaneiro superior a € 50 000. (Esta alínea tem redacção dada pelo artº 86º da Lei nº 67-A/2007, de 31 de Dezembro).
2.A tentativa é punível.”
Sendo assim, ainda que se tivesse provado ter existido infracção cometida pelo transportador no decurso da circulação, isso não afastaria a responsabilidade do depositário - no caso, a recorrente - pelo pagamento do imposto, ficando o transportador sujeito ao direito sancionatório aplicável.
Acresce, por outro lado, que, de acordo com o disposto no artº 36º, nº 5 citado. Se, no prazo de três anos a contar da data de emissão do documento de acompanhamento, se vier a determinar o Estado membro onde a infracção ou a irregularidade foi efectivamente cometida, a autoridade aduaneira procederá ao reembolso do imposto cobrado, mediante a apresentação de provas do efectivo pagamento do imposto no Estado membro onde a infracção ou a irregularidade foi efectivamente cometida”.
Deste modo, não ocorre a violação do princípio da igualdade uma vez que todos os depositários colocados nas condições da recorrente gozam dos mesmos direitos e deveres, podendo vir a ser reembolsados do montante do imposto nos termos da norma acima transcrita.
IV.6. Vejamos agora se ocorre a violação do princípio da proporcionalidade.
Refere a recorrente que o princípio constitucional da proporcionalidade sai violado com a norma do artº 36º, na medida em que as sanções fixadas para o não cumprimento de determinadas obrigações tributárias, excedem os limites da razoabilidade, o que sucede no caso concreto, em que o valor do imposto liquidado excede, em larga medida, o valor do produto.
Porém, além de não estar demonstrado que isto seja correcto no caso concreto, a verdade é que faz todo o sentido o pagamento pelo expedidor do imposto correspondente aos produtos expedidos.
Com efeito, se o depositário é o expedidor dos produtos em regime de suspensão do imposto, e se estes introduzidos legalmente no consumo pagariam o respectivo imposto, não se vê motivo para esse imposto não ser pago em caso de introdução irregular no consumo, como foi o caso dos autos.
Apesar do esforço da recorrente para demonstrar o cumprimento das normas relativas ao regime de circulação, não o conseguiu, conforme resulta até da própria sentença que referiu expressamente quais os factos alegados e não provados.
Portanto, e em conclusão, a exigência do pagamento do imposto ao depositário correspondente aos produtos ilegalmente introduzidos no consumo, em virtude da violação das regras de circulação em regime de suspensão (para além, naturalmente de outras sanções aplicáveis em matéria sancionatória) mostra-se adequada e proporcional à violação das normas legais reguladoras da matéria.
IV.7. Relativamente à questão da caducidade do direito à liquidação, o Mmº Juiz recorrido entendeu que, tendo esta apenas sido suscitada nas alegações, não podia ser conhecida nos autos.
Isto porque, de acordo com o disposto no artº 108º, nº 1 do CPPT, as razões de direito que fundamentam o pedido devem ser concentradas na petição inicial.
A recorrente, por sua vez, invoca que o conhecimento da referida caducidade é oficioso.
Será que tem razão?
Vejamos.
De acordo com o disposto no artº 108º, nº 1 do CPPT: ” A impugnação será formulada em petição articulada, dirigida ao juiz do tribunal competente, em que se identifiquem o acto impugnado e a entidade que o praticou e se exponham os factos e as razões de direito que fundamentam o pedido”.
Deste modo, envolve “alteração da causa de pedir a invocação ulterior de novos factos susceptíveis de integrarem vícios do acto impugnado, que só pode ser aceite dentro do condicionalismo previsto nos artigos 272º, 273º e 506º do Código de Processo Civil, aplicáveis por força do preceituado na alínea f) do artigo 2º do CPT”. (Acórdão do STA (2ª Secção), de 29.11.2000 - Recurso nº 25.214).
Por isso, no processo de impugnação judicial, o impugnante deve invocar na petição inicial todos os factos integradores dos vícios que imputa ao acto impugnado, salvo se supervenientes ou de conhecimento oficioso.
Ora, tendo a caducidade sido apenas suscitada nas alegações e sem a verificação do condicionalismo previsto no CPC, bem andou o Mmº Juiz recorrido em dela não conhecer.
Na conclusão da alínea K), porém, a recorrente entende que o Mmº Juiz recorrido dela deveria ter conhecido oficiosamente.
Será então que esta questão é de conhecimento oficioso?
Este Supremo Tribunal tem dado resposta negativa a esta questão.
Assim, entre outros, v. os acórdãos de 02.11.05 – Recurso nº 0361/05, de 25.01.06 –Recurso nº 0913/05, de 18.05.05- Recurso nº 01178/04 e de 25.11.09 – Recurso nº 0761/09.
De acordo com estes arestos, a caducidade do direito à liquidação, tanto do imposto como dos juros compensatórios, constitui um vício gerador de ilegalidade do acto, na medida em que consubstancia a prática de acto tributário ferido de vício de violação de lei.
Esse vício gera mera anulabilidade e não a nulidade do acto, pelo que não é de conhecimento oficioso, devendo, antes, ser invocado pelo contribuinte.
Deste modo, também nesta parte decidiu bem a decisão recorrida, improcedendo, por isso, as conclusões das alíneas I) a K).
Em face do que ficou dito improcedem todas as conclusões das alegações e, em consequência, o recurso.
V. Nestes termos e pelo exposto, nega-se provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida e mantendo-se a liquidação impugnada.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 17 de Novembro de 2010. – Valente Torrão (relator) – Isabel Marques da Silva – Brandão de Pinho.