Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0106/21.2BEPRT
Data do Acordão:11/18/2021
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:JOSÉ VELOSO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL
IMPEDIMENTO
Sumário:Não é de admitir a revista de acórdão que confirma sentença se a mesma não se mostra claramente necessária a uma melhor aplicação do direito e a questão não é juridicamente complexa nem controvertida na jurisprudência.
Nº Convencional:JSTA000P28531
Nº do Documento:SA1202111180106/21
Data de Entrada:10/29/2021
Recorrente:GINTEGRAL – GESTÃO DE RESÍDUOS, S.A.
Recorrido 1:ÁGUAS DO NORTE, S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: 1. GINTEGRAL - GESTÃO AMBIENTAL, S.A. - autora desta acção de contencioso pré-contratual - vem, invocando o artigo 150º do CPTA, peticionar a admissão deste «recurso de revista» do acórdão do TCAN, de 10.09.2021, que negou provimento à sua apelação e manteve a sentença de 12.07.2021 pela qual o TAF do Porto «julgou totalmente improcedente» a acção que intentara contra a ÁGUAS DO NORTE, S.A., que «absolveu do pedido».
Defende que a revista interposta é necessária dada a «relevância jurídica fundamental da questão» bem como a «necessidade de uma melhor aplicação do direito».

A recorrida - ÁGUAS DO NORTE, S.A. -, por sua vez, defende a não admissão da revista, entendendo não estarem preenchidos, no presente caso, «os pressupostos legalmente exigidos» para o efeito.

2. Dispõe o nº1, do artigo 150º, do CPTA, que «[d]as decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

Deste preceito extrai-se, assim, que as decisões proferidas pelos TCA’s, no uso dos poderes conferidos pelo artigo 149º do CPTA - conhecendo em segundo grau de jurisdição - não são, em regra, susceptíveis de recurso ordinário, dado a sua admissibilidade apenas poder ter lugar: i) Quando esteja em causa apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental; ou, ii) Quando o recurso revelar ser claramente necessário para uma melhor aplicação do direito.

3. A autora da acção de contencioso pré-contratual impugnou judicialmente o acto que excluiu as propostas que apresentou no âmbito do procedimento do «concurso público PRC - 0322/2020-EXP - Aquisição de Serviços de Gestão de Lamas de ETAR da ÁGUAS DO NORTER, S.A.», imputando-lhe, para tanto, vícios que conduziriam à sua anulabilidade. Pediu ainda que a demandada fosse condenada a praticar o acto legalmente devido, e que consistiria na «adjudicação das propostas que apresentou aos lotes 1, 3 e 4, a concurso».

O tribunal de 1ª instância - TAF do Porto - apreciou e «julgou improcedentes» os vícios invocados - erro sobre pressupostos de facto e de direito, e violação dos princípios da participação em procedimento de contratação pública e da proporcionalidade - e, em conformidade, absolveu a demandada do pedido.

O tribunal de apelação - TCAN - julgou improcedentes os erros de julgamento de facto e de direito suscitados pela autora, enquanto apelante, negou provimento ao recurso e manteve o decidido na sentença recorrida.

De novo a autora discorda, e, na presente revista - que quer ver admitida - imputa erro de julgamento de direito ao acórdão ora recorrido, pois defende que nele «foi validado um acto administrativo manifestamente ilegal», mediante uma interpretação e aplicação da lei que «viola a sua letra e o seu espírito».

A questão surge porque num contrato anteriormente celebrado entre a autora e a ré - Contrato de Aquisição de Serviços de Recolha, Transporte e Destino Final de Lamas de ETAR Interior Norte PRC-0262/2019-EXP - ocorreram situações que «esta última» reconduziu à previsão normativa da alínea l) do nº1 do artigo 55º do CCP - segundo a qual «Não podem ser candidatos, concorrentes ou integrar qualquer agrupamento, as entidades que: […] l) Tenham acusado deficiências significativas ou persistentes na execução de, pelo menos, um contrato público anterior nos últimos três anos, tendo tal facto conduzido à resolução desse contrato por incumprimento, ao pagamento de indemnização resultante de incumprimento, à aplicação de sanções que tenham atingido os valores máximos aplicáveis nos termos dos nºs 2 e 3 do artigo 329º, ou a outras sanções equivalentes» - e, por conseguinte, justificaram a aplicação deste impedimento no âmbito do concurso público em causa nesta acção [PRC - 0322/2020-EXP], o qual não foi relevado pela entidade adjudicante ao abrigo do artigo 55º-A, nº3, do CCP - segundo o qual tendo por base os elementos referidos no número anterior [2], bem como a gravidade e as circunstâncias específicas da infracção ou falta cometida, a entidade adjudicante pode tomar a decisão de não relevar o impedimento.

A recorrente da revista alega haver necessidade de esclarecer qual o quadro legal aplicável ao procedimento de aplicação e relevação de impedimentos, o que se traduzirá em saber, por um lado, se o referido nº3 do artigo 55º-A pressupõe um poder discricionário das entidades adjudicantes quanto à relevação de impedimentos, e em saber, por outro lado, se essa norma pressupõe uma aceitação da aplicação do impedimento da referida alínea l) - nº1 do artigo 55º do CCP - de tal modo que o concorrente não possa impugnar judicialmente o acto de resolução sancionatória do contrato.

A recorrente transforma em «teses gerais» os juízos concretos que foram realizados no acórdão recorrido - e na sentença do TAF do Porto - e é um pronunciamento sobre as mesmas que visa através da revista agora interposta, sendo certo que os tribunais existem para decidir litígios concretos, e não para emitir pronúncia sobre questões académicas. Ora, o concreto litígio objecto desta acção - de contencioso pré-contratual - já obteve duas decisões unânimes dos tribunais de instância, as quais, devidamente ponderadas, mostram uma interpretação das normas jurídicas convocadas, e a sua aplicação aos factos provados, perfeitamente razoável, de tal modo que esta Formação, no juízo preliminar e sumário que lhe é pedido, não poderá deixar de concluir não haver clara necessidade de admitir da revista para uma melhor aplicação do direito.

Além disso, a «questão» suscitada pela recorrente, tal como emerge dos autos, não se mostra complexa, tem tratamento doutrinal coadjuvante - citado pelas instâncias - e não deparamos - nem são invocadas - decisões dos tribunais superiores díspares sobre a mesma.

Importa, pois, manter a regra da excepcionalidade dos recursos de revista, e recusar a admissão do aqui interposto por GINTEGRAL - GESTÃO AMBIENTAL, S.A.

Nestes termos, e de harmonia com o disposto no artigo 150º do CPTA, acordam os juízes desta formação em não admitir a revista.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 18 de Novembro de 2021. – José Veloso (relator) – Teresa de Sousa – Carlos Carvalho.