Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0713/17
Data do Acordão:07/04/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ASCENSÃO LOPES
Descritores:ACTO DE LIQUIDAÇÃO
TARIFA
SANEAMENTO
ILEGALIDADE
REGULAMENTO
Sumário:I - Quando estamos num processo de impugnação de um acto de liquidação pode ser necessário verificar da legalidade de certas normas de um regulamento que haja sido aplicado, ou cuja aplicação, tida por devida, haja sido omitida mas só, e, na exacta medida, em que tais normas hajam sido convocadas para a formação de tal acto de liquidação ou sejam apresentadas em sua fundamentação.
II - Não se patenteando nem se vislumbrando, que na factura tenham sido consideradas duas tarifas variáveis no que à taxação do saneamento diz respeito, e sendo certo que não foram alegados fundamentos relativos a uma eventual insuficiência discriminativa da mesma factura ou questionados os custos unitários da tarifa de face aos seus termos não é de confirmar o juízo de ilegalidade adoptado pelo tribunal recorrido.
(Sumário elaborado nos termos do disposto no artº 663º, nº 7 do Código de Processo Civil).
Nº Convencional:JSTA000P23493
Nº do Documento:SA220180704713
Data de Entrada:06/09/2017
Recorrente:ADC - ÁGUAS DA COVILHÃ, EM
Recorrido 1:A........... SA
Votação:MAIORIA COM 1 VOT VENC
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1 Relatório.
B………… S.A., impugnou, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco, o ato de liquidação, a que se reporta a fatura/recibo n.º 0751210/21000460 de 02/10/2012, no valor de € 5.868,48, emitida pela ADC-Águas da Covilhã, bem como do ato de indeferimento tácito da reclamação graciosa deduzida contra esse ato de liquidação em 10/12/2013, tendo peticionado que a presente impugnação seja «julgada provada e procedente e em consequência ser julgados nulos ou anulados os actos impugnados restituindo-se à reclamante a diferença do valor pago com as legais consequências.».
Aquele Tribunal, por sentença de 21/11/2016 (fls.246/263), concluiu:
«Nos termos e pelos fundamentos expostos, julga-se a presente impugnação procedente e, em consequência, anula-se a liquidação impugnada, na parte a que se refere à “Tarifa de Saneamento”, com a consequente restituição do montante indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.».
Discordando do assim decidido recorreu a A.D.C. – Águas da Covilhã, EM, para o Tribunal Central Administrativo Sul que, por Decisão Sumária de 21/04/2017 (fls.392/394), declarou este Tribunal incompetente em razão da hierarquia, para conhecer do recurso e competente, para o efeito, a Secção do contencioso Tributário do STA.
A recorrente nas suas alegações de recurso formulou as seguintes conclusões:
«1. O presente recurso versa questões de direito na medida em que as normas que servem de fundamento jurídico à douta sentença judicial, proferida pelo digníssimo tribunal “a quo”, deveriam ter sido interpretadas e aplicadas de forma distinta.
2. O ato sub judice não é ilegal, por praticado em conformidade com lei habilitante, e porque, como demonstrado, prevê a respetiva subdivisão de serviços e tarifas.
3. O regulamento publicado no diário da república, 2.ª série, n.º 8, de 12 de janeiro de 2011, cumpre o preceituado no art.º 8.º da lei n.º 53-e/2006, de 29 de dezembro, termos pelos quais é válido e eficaz, não violando qualquer disposição legal ou regulamentar.
4. Não pode negar-se à Recorrente o cuidado e especial cumprimento dos princípios adstritos à informação e colaboração aos utentes.
5. O ato de liquidação foi realizado no estrito cumprimento de todos os deveres e incumbências a que a Recorrente se encontra adstrita, resultando as tarifas aplicadas, no aludido ato, da conjugação de disposições legais e regulamentares a que a mesma está vinculada.
6. Por conseguinte, é de concluir que as tarifas em causa não ofendem os princípios da legalidade, da justiça e da proporcionalidade.
7. Aliás, como se pode verificar, a mesma questão foi objeto de sentença favorável à aqui Recorrente, no âmbito do proc. n.º 97/11.8BECTB, 400/11.OBECTB, 497/11.3BECTB, 653/11.4BECTB, 176/12.4BECTB E 225/12.6BECTB, todas do Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco, que confirmaram a inexistência de quaisquer ilegalidades.
8. Assim, não há duplicação de tarifas: — Existem duas tarifas, na sua vertente fixa e variáveis, obedecendo às recomendações dos tarifários emitidos pela entidade reguladora ERSAR (vide Recomendação n.º 1/2009; Recomendação n.º 2/2010).
9. Sendo que a TARIFA FIXA DE DISPONIBILIDADE DE SANEAMENTO corresponde a uma tarifa cujo objetivo consiste na remuneração da entidade gestora por custos fixos incorridos na construção, conservação e manutenção dos sistemas necessários para a prestação de serviços (vide art. 36 do Regulamento Municipal).
10. E A TARIFA VARIÁVEL DE SANEAMENTO, indexada ao volume de água utilizado, consubstanciando a drenagem do esgoto e o devido tratamento (com a designação dada pelo Regulamento Municipal no art. 37.º e 38.º) aliás, tal como vem alegado/reconhecido pela própria Recorrida, quando se reporta a douta Impugnação Judicial a legislação aplicável ao sector, estes serviços respeitantes a saneamento são efetivamente diferenciados.
11. Termos pelos quais, deve sucumbir a tese peregrina da Recorrente que assenta na defesa da duplicação de tarifas, pois resulta das disposições Regulamentares apenas a existência de uma tarifa fixa e uma tarifa variável, cuja incidência objetiva encontra-se inequivocamente explicitada (vide artigo 36.º, 37.º e 38.º do aqui citado Regulamento).
12. A Recorrida confunde os “tarifários bi-partidos” com dupla tributação !!
13. A existência destas tarifas fixas e variáveis, foram legalmente aprovadas, estão em vigor e em consonância com a Recomendação IRAR n.º 01/2009, OBJETO NO ÂMBITO, DEFINIÇÕES E PRINCÍPIOS GERAIS, que se transcreve, EM DEFINIÇÕES NO PONTO 2.2 alínea K) e I) “Tarifa fixa”, valor aplicado em função de cada intervalo temporal durante o qual o Serviço se encontra disponibilizado ao utilizador final, visando remunerar a entidade gestora por custos fixos incorridos na construção, conservação e manutenção dos sistemas necessários à prestação do serviço”; «Tarifa variável”, valor ou conjunto de valores unitários aplicável em função do nível de utilização do serviço, em cada intervalo temporal, visando remunerar a entidade gestora pelo remanescente dos custos incorridos com a prestação do serviço” TARIFÁRIOS DE ABASTECIMENTO, SANEAMENTO E RESÍDUOS no ponto 3. “Estrutura essencial dos tarifários pontos 3.1.1- 1. Os tarifários de abastecimento, saneamento e gestão de resíduos devem compreender uma componente fixa e uma componente variável, de forma a repercutirem equitativamente os custos por todos os consumidores”.
14. E NA RECOMENDAÇÃO ERSAR n.º 02/2010 CRITÉRIOS DE CÁLCULO PARA A FORMAÇÃO DE TARIFÁRIOS APLICÁVEIS AOS UTILIZADORES FINAIS DOS SERVIÇOS PÚBLICOS DE ABASTECIMENTO DE ÁGUA PARA CONSUMO HUMANO, DE SANEAMENTO DE ÁGUAS RESIDUAIS URBANAS E DE GESTÃO DE RESÍDUOS URBANOS, que aqui também se transcreve, da Estrutura Tarifária no seu ponto 3., 3.3., alínea a), b), C) e ponto 3.4 “A Recomendação ERSAR n.º 01/2009, de 28 de Agosto (“Recomendação Tarifária”), preconiza em primeiro plano a utilização de «tarifários bi-partidos” 13 para os serviços de águas e resíduos prestados a utilizadores finais, i.e. com uma componente fixa (aplicada em função do intervalo de tempo de prestação do serviço) e uma componente variável (aplicada em função do nível de utilização do serviço durante esse período):
a) Com efeito, não deve ser utilizada apenas uma tarifa fixa, pois não faz reflectir no utilizador final o volume de água consumido, encoraja o desperdício e emite um sinal errado do ponto de vista ambiental.
b) Também não se recomenda que seja utilizada apenas uma tarifa variável, pois não repercute de forma equitativa os custos por todos os utilizadores finais domésticos, beneficiando utilizadores com mais de uma habitação em detrimento de utilizadores com habitação única.
c) Efectivamente, a inexistência de uma componente fixa nos tarifários iria penalizar sobretudo as populações mais desfavorecidas que, indirectamente, teriam que suportar os investimentos realizados para proporcionar água a proprietários de segundas residências, a turistas e a veraneantes, em suma, àqueles que exigem desfrutar do serviço, embora possam não o utilizar com regularidade. Em Portugal esta questão é especialmente relevante, na medida em que entre 25 e 30% das famílias dispõem de segunda habitação. Recomenda-se, consequentemente, que as entidades gestoras utilizem uma estrutura tarifária que combine uma tarifa fixa com uma tarifa variável, pois só assim é possível encontrar a solução mais justa para os utilizadores finais”.
Nestes termos, e nos mais de direito doutamente supridos pelos Excelentíssimos Juízes Desembargadores, se requer se dignem julgar o presente recurso procedente, por provado, revogando a douta sentença judicial proferida pelo digníssimo Tribunal de 1.ª Instância.».

O recorrido contra-alegou, tendo inserido nas suas alegações as seguintes conclusões:
«1.ª O objeto – admissível – do presente recurso reconduz-se à questão de direito discutida na sentença recorrida, que consiste em determinar se o Regulamento Municipal de águas Residuais na parte relativa a tarifas variáveis padece de ilegalidade: Os vícios da falta de fundamentação, da inexistência de regulamento tarifário/da violação do princípio da equivalência jurídica, da violação do direito de audiência prévia, não foram objeto de apreciação na decisão sub judice que considerou que “face à procedência da impugnação com tal fundamento, fica prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas, nos termos do artigo 608.º, n.º 2, do CPC, aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e), do CPPT”, pelo que não podem ser objeto de recurso
2. É competente para conhecimento do presente recurso a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo (cfr. artigo 280.º, n.º 1 do CPPT), Atentas as conclusões da alegação da Recorrente, o objeto do recurso reconduz-se exclusivamente a ver apreciadas questões de direito, pelo que o recurso é da competência da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, sendo assim o Tribunal Ad quem incompetente em razão da hierarquia (cfr. artigo 280.º, n.º 1 do CPPT).
3.ª O Tribunal a quo decidiu e bem que “no âmbito do sistema de saneamento de águas residuais, apenas pode ser cobrada uma única tarifa [variável] pelo serviço prestado [saneamento] que, forçosamente, englobará as fases de recolha, drenagem, elevação, tratamento e rejeição de águas residuais, não se justificando que, para efeitos de tributação, qualquer uma destas fases possa ser individualizada como uma específica prestação de serviços, da mesma forma que as diversas fases dos demais sistemas municipais [de abastecimento de água e gestão de resíduos sólidos] não são autonomizáveis” concluindo que “as normas previstas nos artigos 33.º, n.º 2 e 3, 37.º e 38.º, do Regulamento de Águas Residuais da Covilhã ao preverem a criação de duas taxas como contrapartida remuneratória pela realização da mesma actividade de saneamento são, pois, ilegais, porquanto desconformes com os diplomas enformadores da actividade em causa, bem como com o artigo 16.º, n.º 3 da Lei n.º 2/2007, vigente à data da elaboração do aludido regulamento, devendo, por isso, serem desaplicadas ao caso em concreto.
4.ª Atenta a leitura das alegações e não obstante o esforço enveredado pela Recorrida de, impugnação após impugnação, esclarecer a ora Recorrente de qual a ilegalidade que está subjacente às ações propostas, constata-se que a Recorrente impera no mesmo equívoco de sempre. Com efeito, a Recorrente continua a defender que a legalidade da cobrança de duas tarifas uma fixa e uma variável, quando o problema não está na duplicação da Tarifa Fixa e da Tarifa Variável mas sim na criação de duas Tarifas VARIÁVEIS, questão que foi corretamente apreendida pelo Tribunal a quo e que foi considerada procedente.
5.ª Ora se foi esta a questão jurídica que obteve provimento na sentença recorrida, dispensando a análise das demais, e se a Recorrente não alcança esta questão, o que resulta evidenciado ao reproduzir as alegações de primeira instância, é evidente que a Recorrente não logrou imputar vícios à sentença recorrida e apresentar uma alegações que incidam sobre a sentença efetivamente proferida e lhe imputem vícios, cumprindo o seu ónus de alegação.
6.ª Atendendo ao critério formal da fonte da obrigação, que é a lei, ao regime económico, que é de monopólio, à indispensabilidade do serviço e à sua natureza comutativa, a tarifa ou preço do serviço de saneamento tem a natureza de taxa, receita tributária
7.ª Sendo uma taxa, a tarifa de saneamento é uma receita de natureza tributária à qual são integralmente aplicáveis todas as normas que conformam a criação de contribuições financeiras a favor de entidades públicas e habilitam a sua sindicância.
8.ª O Decreto-Lei n.º 226-A/2007 e o Decreto-Lei n.º 207/94 e o Decreto-Lei n.º 194/2009 consideram todos eles, de forma igual, a prestação pelas entidades gestoras responsáveis de três e apenas três serviços públicos integrados: (i) captação, tratamento e distribuição de água para consumo público (ii) recolha, tratamento e rejeição de efluentes e (iii) recolha e tratamento de resíduos sólidos.
9.ª A divisão destes três serviços públicos, encontra-se pois, legalmente conformada nos citados diplomas, não sendo possível destacar qualquer uma das oito atividades ali indicadas (captação/tratamento/distribuição de água para consumo público/recolha/tratamento/rejeição de efluentes/recolha/tratamento de resíduos sólidos) como atos tributáveis autónomos
10.ª Na Recomendação n.º 1/2009 do então Instituto Regulador de Águas e Resíduos (disponível em www.ersar.pt) foi expressamente afirmado que “em virtude da aplicação das tarifas de saneamento, a entidade gestora deve ficar obrigada a executar as seguintes actividades, não as devendo facturar de forma específica: (...) b) Recolha e encaminhamento de águas residuais;” (cfr. 3.3.1.1.2).
11.ª O Regulamento de águas residuais aprovado em Assembleia Municipal de 10.12.2010 criou, nos seus artigos 32.º n.º 1, 33.º n.ºs 1, 2 e 3, 37.º e 38.º n.ºs 1, 2 e 3, TRÊS TAXAS de saneamento: uma fixa de disponibilidade do serviço e DUAS TAXAS VARIÁVEIS uma de drenagem de esgotos e outra de tratamento de esgotos, cada uma incidindo sobre o volume de água faturado.
12.ª A Recorrida não contesta a taxa fixa de disponibilidade.
13.ª Não existindo LEI habilitante que permita a duplicação da Taxa de Saneamento nas duas taxas variáveis efetivamente cobradas de i) “Tarifa de drenagem” e (ii) “Tarifa de tratamento”, as normas que o determinam, ínsitas nos artigos 32.º n.º 1, 33.º n.ºs 2 e 3, 37.º e 38,º n.ºs 1, 2 e 3 do Regulamento de águas residuais são ilegais
14.ª O Regulamento aprovado em Assembleia Municipal de 10.12.2010 revela-se nulo e de nenhum efeito por não respeitar as respetivas leis conformadoras quanto à incidência tributária a saber: o Decreto-Lei n.º 226-A/2007, de 31 de maio, o Decreto-Lei n.º 207/94, de 6 de agosto revogado pelo Decreto-Lei n.º 194/2009 e a Lei n.º 2/2007, de 15 de Janeiro, entretanto também revogado pela Lei n.º 73/2013, de 3 de setembro.
15.ª Se as leis habilitantes não preveem a duplicação da taxa variável de saneamento em (i) “Tarifa de drenagem” e (ii) “Tarifa de tratamento”, por força do princípio constitucional da hierarquia das leis não poderia o Regulamento de Águas residuais fazê-lo, posto que “nenhuma lei pode criar outras categorias de actos legislativos ou conferir a actos de outra natureza o poder de, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer dos seus preceitos.”, sob pena de ser manifestamente inconstitucional (cfr. artigo 112.º n.º 5 da Constituição da República Portuguesa).
16.ª A fatura que titula a liquidação Recorrente não discrimina as duas taxas variáveis de drenagem de esgotos e de tratamento de esgoto previstas nos artigos 37.º e 38.º do regulamento, nem apresenta o seu valor unitário tal como o não faz o tarifário publicado (cfr. Doc. n.º 3), desrespeitando aquelas normas regulamentares.
17.ª A Recorrente liquidou duas taxas variáveis de “saneamento” por duas vezes sobre o valor total do consumo de água (100%) contrariando a Recomendação n.º 1/2009 do IRAR que aconselha a considerar-se que o volume de águas residuais recolhidas corresponde ao produto da aplicação de um coeficiente de recolha de referência de âmbito nacional, correspondente ao valor de 0.9 ao volume de água consumido (ou seja, uma única taxa variável sobre 90% da água faturada).
18.ª Não apresentando fundamento regulamentar válido por o Regulamento de Águas Residuais ser nulo e de nenhum efeito, o ato impugnado enferma de nulidade por falta de fundamento legal.
NESTES TERMOS, deve o recurso apresentado pela Recorrente ser julgado improcedente, confirmando-se a sentença recorrida, com as legais consequências;
Assim se decidindo será cumprido o DIREITO e feita JUSTIÇA.».

O Ministério Público, neste STA, emitiu a seguinte pronúncia:
«A recorrente, ADC-ÁGUAS DA COVILHÃ, EM., vem sindicar a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco, exarada a fls. 246/263, em 21 de Novembro de 2016, que julgou procedente impugnação judicial deduzida contra o ato de liquidação da tarifa de saneamento, no entendimento de que teriam sido indevidamente cobradas duas tarifas variáveis, uma de drenagem e outra de tratamento, quando a lei apenas prevê a cobrança de uma taxa de saneamento.
A nosso ver o recurso não merece provimento.
Do disposto nos artigos 6.º, 9.º e 15.º do DL 379/93, de 06/11, 2º, 4.º e 11.º do DL 207/94, de 04/08 e 2.º, 7.º, 17.º, 23.º e 62.º e 80.º do DL 194/2009, de 20/08, que revogou os dois anteriores diplomas, resulta que que tais regimes jurídicos, apenas, contemplam três distintas prestações de serviços, a saber, abastecimento público de água, saneamento de águas residuais e recolha e tratamento de resíduos sólidos.
Tal regime está em absoluta consonância com o que dispunha o artigo 16.º/3/ a)/ b)/c) da LFL, lei 2/2007, de 15/01, correspondente ao artigo 21.º/3/a) /b)/c) da Lei 73/2013, de 03/10.
No caso em análise está em causa a tarifa de saneamento relativa ao período de 04/09/2012 a 01/10/2012, liquidada ao abrigo do disposto no Regulamento de Aguas Residuais n.º 26/2011, aprovado em 10/12/2010, pela Assembleia Municipal da Covilhã, publicada no DR, 2.ª série, de 12/01/2011.
Do citado Regulamento resulta que são tipificadas três tarifas relativas ao saneamento.
Uma tarifa de disponibilidade, prevista no artigo 36.º, de montante fixo, mensal, incidente sobre a disponibilidade do sistema geral de águas residuais.
Uma tarifa de drenagem de esgotos prevista no artigo 37.º, de montante variável, a pagar pelos utilizadores do sistema em função do consumo de água faturado, conexionada com os encargos com a atividade desenvolvida no âmbito da exploração do sistema público de águas residuais.
Uma tarifa de tratamento de esgotos, estatuída no artigo 38.º, de montante variável, a calcular em função do consumo de água faturado e conexionada com os encargos inerentes ao tratamento das águas residuais.
Ora, o referido Regulamento parece não estar em conformidade com as leis habilitantes, que enformam a atividade em causa e o regime jurídico das finanças locais, já referidos.
Na verdade, o ordenamento jurídico, apenas, prevê três distintas prestações de serviços, abastecimento público de água, saneamento de águas residuais e tratamento de resíduos sólidos.
No saneamento de águas residuais, estão, inelutavelmente, abrangidas a recolha, tratamento e rejeição de águas residuais (artigos 1.º do DL 379/93 e 4.º/ z), ponto ii da Lei 58/2005, de 29/12 (Lei da Água) ou, como se refere no artigo 2.º/1/ b) do DL 194/2009, a recolha, drenagem, elevação, tratamento e rejeição de águas residuais urbanas.
Assim sendo, no âmbito do sistema de saneamento de águas residuais apenas pode ser cobrada uma tarifa variável, como contrapartida pela recolha, drenagem, elevação, tratamento e rejeição de águas residuais.
Logo, os normativos dos artigos 33.º/2/3, 37.º e 38.º do Regulamento em questão, ao preverem duas tarifas como contrapartida da prestação do serviço de saneamento de águas residuais, estão em desconformidade com os diplomas enformadores da atividade em causa, bem como com o normativo do artigo 16.º/3 da lei 2/2007, em vigor à data da elaboração/aprovação do Regulamento, o que determina a sua ilegalidade.
A fatura que consubstancia a liquidação sindicada não discrimina as duas taxas variáveis previstas nos artigos 37.º e 38.º do Regulamento, de drenagem e tratamento de esgotos, nem apresenta o seu valor unitário, tal como o não faz o tarifário publicado.
O certo é que, como decorre da mesma fatura, a recorrente cobrou duas tarifas/taxas variáveis, previstas no respetivo Regulamento, a título de saneamento, incidentes sobre o total do consumo de água sem que exista norma regulamentar válida que as sustente, pelo que a liquidação não pode subsistir na ordem jurídica, devendo ser anulada, como fez a sentença recorrida.
A sentença recorrida não merece, assim, censura.
Termos em que deve negar-se provimento ao recurso e manter-se a sentença recorrida na ordem jurídica.».

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

2. FUNDAMENTAÇÃO:
A decisão recorrida deu como provada a seguinte factualidade:
«A) A ADC — Águas da Covilhã, EM., é uma empresa pública municipal, constituída em 03/03/2006, cujo objecto consiste, por delegação do Município da Covilhã, além do mais, na gestão e exploração dos serviços municipais de abastecimento de água, de drenagem e tratamento de águas residuais urbanas [cf. fls. 100 a 103 dos autos.
B) A impugnante é titular de contrato de fornecimento de água junto da ADC – Águas da Covilhã E.M., sendo cliente, do tipo comercial, com o n.º 1106138 [cf. fls. 129 dos autos].
C) Do tarifário da ADC – Águas da Covilhã, E.M., em vigor para o ano de 2012, consta, além do mais, o seguinte:

D) A impugnante foi notificada da factura n.º 075 120/21000460, emitida, em 02/10/2012, pela ADC – Águas da Covilhã, E.M., relativa ao consumo do período de 2012-09-04 a 2012-10-01, do B………., com débito a partir de 17/10/2012, no valor total a pagar de 5.868,48€, do qual o montante de 2.867,03€ corresponde a “Saneamento” [cf. fls. 47 a 48 dos autos].
E) O valor liquidado a título de “Saneamento” encontra-se discriminado, no verso da factura mencionada na alínea anterior, do seguinte modo:

F) O débito da factura mencionada na alínea D) foi pago pela impugnante [cf. não controvertida; cf. artigo 3.º da petição inicial e artigo 1.º da contestação].
G) Em 10/12/2012, a impugnante apresentou junto da ADC da Covilhã, E.M., reclamação graciosa contra o acto de liquidação da tarifa de saneamento a que se reporta a factura mencionada em D) [cf. não controvertida; cf. artigo 10.º da petição inicial e artigo 1.º da contestação].
H) A presente impugnação foi remetida, por site, em 11/02/2013 [cf. fls. 2 dos autos].

3- DO DIREITO:
DECIDINDO NESTE STA

A impugnante perante o indeferimento tácito da reclamação graciosa por si apresentada contra o acto de liquidação da tarifa de saneamento a que se reporta a factura n.º 075120/21000460, emitida pela ADC – Águas da Covilhã E.M., relativa ao consumo do período de 2012-09-04 a 2012-10-01, vem deduzir a presente impugnação judicial, invocando, em síntese, a ilegalidade do regulamento municipal de águas residuais, na parte relativa às tarifas variáveis de saneamento; a falta de fundamentação do acto de liquidação; a ilegalidade do acto de liquidação por violação dos princípios da equivalência jurídica e da proporcionalidade, e a ilegalidade do procedimento por preterição do direito de audiência prévia antes da liquidação.
Questão objecto de recurso:

1- As normas regulamentares que prevêem a cobrança da taxa de saneamento impugnada- artigos 33º, nºs 2 e 3, 37º e 38º do Regulamento de Águas Residuais da Covilhã- são ilegais por afrontarem o disposto no artigo 2º, nº1. alínea b) do Decreto-Lei nº 194/2009, e artigo 16º, nº 3, da Lei nº 2/2007 ?

Vejamos:

A recorrente, ADC – Águas da Covilhã E.M., emitiu em 02/10/2012 a factura n.º 075120/21000460, correspondente à liquidação da tarifa de saneamento relativa ao período de 04/09/2012 a 01/10/2012, que entendeu devida pela impugnante a, aqui recorrida.

Inconformada com tal liquidação a impugnante apresentou reclamação graciosa, que foi indeferida e, a impugnação judicial em causa neste recurso com os seguintes fundamentos:

ilegalidade do Regulamento Municipal de Águas Residuais, na parte relativa às tarifas variáveis de saneamento;
falta de fundamentação do acto de liquidação;
ilegalidade do acto de liquidação por violação dos princípios da equivalência jurídica e da proporcionalidade,
ilegalidade do procedimento por preterição do direito de audiência prévia antes da liquidação.

A sentença recorrida apreciou imediatamente a invocada ilegalidade em abstracto do Regulamento Municipal de Águas Residuais concluindo que:

«(…) Não se vislumbra, pois, fundamento legal que permita a criação, por via regulamentar, de duas taxas/tarifas variáveis como contrapartida remuneratória pela prestação do serviço de saneamento de águas residuais.

(…) Do exposto decorre que as normas previstas nos artigos 33.º, n.º 2 e 3, 37.º e 38.º, do Regulamento de Águas Residuais da Covilhã ao preverem a criação de duas taxas como contrapartida remuneratória pela realização da mesma actividade de saneamento são, pois, ilegais, porquanto desconformes com os diplomas enformadores da actividade em causa, bem como com o artigo 16.º, n.º 3 da Lei n.º 2/2007, vigente à data da elaboração do aludido regulamento, devendo, por isso, serem desaplicadas ao caso em concreto.» .

Porém, na matéria de facto diz-se que o valor facturado decorre de:

Tarifa Saneamento 1154x(28dx12/365d) 1154,00 2,480000 2861,92€

Tarifa Disp Saneamento 5,110000x1,0 Meses 1,00 5,10000 5,11€

Isto é: foram liquidadas duas tarifas, uma fixa, tarifa fixa de disponibilidade de saneamento, no valor de 5,11€, e, uma variável, tarifa saneamento, no valor de 2 861,92€ e não, como pressupõe toda a argumentação da sentença duas taxas variáveis.

Estamos num processo de impugnação de um acto de liquidação em que pode ser necessário verificar da legalidade de certas normas de um regulamento que haja sido aplicado, ou cuja aplicação, tida por devida, haja sido omitida mas só e na exacta medida que tais normas hajam sido convocadas para tal acto de liquidação para a sua elaboração e em sua fundamentação.

Não é essa a situação sub judice onde se impõe verificar da legalidade do acto de liquidação.

Além disso, as alegações e contra-alegações convergem no sentido de que, como aqui foi liquidado, não enferma de ilegalidade o dito regulamento na medida em que contabilize uma tarifa fixa de disponibilidade de saneamento a par de uma tarifa variável de saneamento. O que não garante que o Regulamento enferme ou não enferme de outros vícios de ilegalidade que nesta acção não podem ser apreciados porque não convocados em fundamentação do acto de liquidação.

Reitera-se que a nosso ver não se patenteia nem se vislumbra, que na factura tenham sido consideradas duas tarifas variáveis no que à taxação do saneamento diz respeito, sendo certo que não foram alegados fundamentos relativos a uma eventual insuficiência discriminativa da mesma factura ou questionados os custos unitários da tarifa de saneamento (que resulta, objectivamente da factura, ser superior à do valor da água comercial) e por isso face aos seus termos não é de confirmar o juízo de ilegalidade adoptado pelo tribunal recorrido.

A sentença recorrida enferma, pois, do erro de julgamento que lhe vinha apontado por ter feito uma inadequada interpretação dos termos do regulamento face aos factos provados que lhe competia ter em conta, a determinar a sua revogação, com a remessa dos autos ao Tribunal recorrido para que aprecie os demais fundamentos de impugnação que considerou prejudicados.

4- DECISÃO:

Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso revogando a decisão recorrida e determinando a remessa dos autos ao tribunal recorrido para apreciar os demais fundamentos da impugnação, se a tal, nada mais obstar.

Custas pela recorrida.

Lisboa, 4 de Julho de 2018. – Ascensão Lopes (relator por vencimento) – Ana Paula Lobo – António Pimpão (voto a decisão com a fundamentação constante do acórdão deste STA de 27-06-2018, rec. 765/17).