Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0166/13
Data do Acordão:04/17/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FERNANDA MAÇÃS
Descritores:TRIBUTAÇÃO AUTONOMA
DESPESAS DE REPRESENTAÇÃO
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
Sumário:I - Nas tributações autónomas não se trata de tributar um rendimento no fim do período tributário, mas determinado tipo de despesas, que constituem o facto gerador de imposto, uma vez que cada despesa é um facto tributário autónomo, a que o contribuinte fica sujeito, venha ou não a ter rendimento tributável em IRC, no fim do período, sendo irrelevante que esta parcela de imposto só venha a ser liquidada num momento posterior e conjuntamente com o IRC.
II - A taxa a aplicar a cada despesa é a que vigorar à data da sua realização, uma vez que o facto tributário se verifica no momento em que se incorre nas despesas sujeitas a tributação autónoma, não se estando perante um facto complexo, de formação sucessiva ao longo do ano, mas perante um facto tributário instantâneo.
III - Não pode a lei agravar o valor da taxa de tributação autónoma, relativamente a despesas já efectuadas aquando da sua entrada em vigor, incorrendo a norma do artigo 5.º, nº 1, da Lei nº 64/2008, de 5 de Dezembro, ao determinar a retroacção de efeitos a 1 de Janeiro de 2008 da alteração do artigo 81.º, nº 3, do CIRC, em inconstitucionalidade por violação da proibição imposta no artigo 103.º, nº 3, da Constituição.
Nº Convencional:JSTA00068210
Nº do Documento:SA2201304170166
Data de Entrada:02/05/2013
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A..., LDA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF SINTRA
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL
Legislação Nacional:L 64/2008 DE 05/12 ART5.
CIRC ART81.
CRP ART103.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC028/11 DE 2011/07/06; AC TC PROC617/2012 DE 2012/12/19; AC TC PROC85/2013 DE 2013/02/05
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

I-RELATÓRIO

1. A……, Lda., identificada nos autos, deduziu impugnação judicial contra a decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra o acto tributário de autoliquidação de IRC do ano de 2008, no TAF de Sintra, que decidiu julgar procedente a impugnação, anulando-se a liquidação.

2. Inconformada, a Autoridade Tributária e Aduaneira veio interpor recurso para este STA, formulando as seguintes conclusões das suas alegações:
“I. Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A……., Lda, contribuinte nº ……, considerando que o nº 1 do artº 5º da Lei n.º 64/2008 de 5 de Dezembro que determinou a produção de efeitos desde 1 de Janeiro de 2008 do disposto no artº 1-A da mesma Lei, o qual alterou o artº 81º (actual artº 88º) do CIRC, agravando de 5% para 10% a taxa de tributação autónoma incidente sobre os encargos Com viaturas ligeiras de passageiros e despesas de representação, está ferido de Inconstitucionalidade Material, por violação do Principio da Não Retroactividade da Lei Fiscal previsto no nº 3 do art.º 103º da Constituição da República Portuguesa.
II. Não existe razão de princípio para afastar a retroactividade das normas favoráveis aos contribuintes. Analisando toda a nova redacção do artº 81º (actual artº 88º) do CIRC deve entender-se que a alteração ao regime da tributação autónoma apesar de ter sido gravosa para alguns contribuintes, foi muito favorável para outros, uma vez que criou uma exclusão de tributação e criou uma discriminação positiva para os veículos menos poluentes, sendo por isso este regime mais favorável aos contribuintes,
III. Caso, se entenda que a nova redacção do preceito, em crise, é menos favorável aos contribuintes, importa, relembrar que o conceito de Retroactividade tem vindo a ser analisado e trabalhado pela Doutrina e pela Jurisprudência, chegando-se ao entendimento dominante que aquela apresenta 3 (três) graus diferentes de intensidade: a retroactividade de 1º grau, autêntica ou forte abrange seria os casos em que se aplique uma nova lei fiscal a factos que se verificaram por inteiro, no domínio da lei antiga. Na retroactividade de 2º grau ou intermédia, os factos ocorreram no domínio da lei antiga mas ainda não foram totalmente produzidos os seus efeitos, que se vêm a verificar já com a lei nova em vigor. Na retroactividade de 3º grau ou mínima, os próprios factos não se verificaram por inteiro no domínio da lei antiga, prolongando-se a sua produção já com a lei nova em vigor.
IV. Estabelece o n.º 9 do art.º 8º do CIRC, na redacção dada pela Lei n.º 55-B/2004 de 30 de Dezembro, que o “facto gerador do imposto considera-se verificado no último dia do período de tributação”. Pelo que na linha do Parecer n.º 83 de 19 de Junho de 2012, emitido pelo Digníssimo Magistrado do Ministério Público (neste processo) sustenta-se que “o dia 31 de Dezembro de cada ano é o momento gerador de IRC, O facto da Lei n.º 64/2008, de 5-12, ter entrada em vigor no dia seguinte, o facto gerador do imposto ocorreu no dia 31 de Dezembro desse ano, momento em que se considera encerrado o ano económico, devendo ser aplicada a nova taxa a todo o período gerador do resultado do exercício.
V. Assim, a Retroactividade existente, na norma em crise, é mínima (3º grau), e como tal não abrangida pelo princípio contido no n.º 3 do artº 103.º da CRP.
VI. Como é bem afirmado no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 18/2011 de 12 de Janeiro, apesar da retroactividacle mínima, “nada obsta que a questão seja ainda analisada à luz do princípio da protecção da confiança”.
VII. A tributação autónoma incidente sobre os encargos com viaturas ligeiras de passageiros e despesas de representação visa evitar que através de despesas, as empresas procedam à distribuição camuflada de lucros pelos sócios ou accionistas, que assim, apenas ficariam sujeitos ao IRC enquanto lucros da empresa, e ficariam longe da tributação em sede de IRS, bem como da segurança social, quer ao nível da TSU, quer ao nível das contribuições obrigatórias, pelo que não se pode esperar que o legislador pretenda conferir o mesmo nível de tutela constitucional que confere a outras situações.
VIII. Seguindo o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 18/2011 de 12 de Janeiro, concluímos que se essas despesas eram efectivamente necessárias “ao desenvolvimento da actividade da empresa e à obtenção do lucro, elas não deixariam de ser realizadas mesmo que fosse já conhecida ou previsível uma alteração da taxa de tributação aplicável; além de que o regime legal, mesmo antes da entrada em vigor da Lei n. 64/2008, tinha já em vista estabelecer limitações para os encargos de exploração que pudessem figurar como custos ou perdas de exercício.”
IX. Quanto ao pagamento dos juros indemnizatórios em que a AT foi condenada, diga-se quê no presente caso estamos perante uma autoliquidação. Nestes casos “tanto a determinação da matéria colectável como a liquidação são levados a cabo pelo próprio contribuinte ou por substituto, pelo que estará afastada, em regra, a possibilidade de existir erro imputável aos serviços da Administração Tributária, no momento em que são praticados os actos que determinam a quantia a pagar” (cf. Jorge Lopes de Sousa in Código de Procedimento e de Processo Tributário, Volume I, 6ª Edição, 2011, Pág. 536).
X. “No Direito Constitucional Português não existe a possibilidade de a Administração se recusar a obedecer a uma norma que considera inconstitucional (...) a menos que o TC tivesse já emitido declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral” (Acórdão STA de 12 de Outubro de 2011, Proc.: 0860/10).
Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso deve a decisão recorrida ser revogada e a impugnação judicial declarada totalmente improcedente.
PORÉM V. EXAS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA.

3. Não houve contra-alegações.

4. O Ministério Público emitiu parecer no sentido de o recurso merecer provimento.

5. Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II-FUNDAMENTOS

1. DE FACTO
A sentença recorrida fixou a seguinte factualidade:
“A) A Impugnante é uma sociedade anónima e possui a classificação de actividade económica n.º 46.460 — comercio por grosso de produtos farmacêuticos, sendo que em termos fiscais encontra-se sujeita a IRC no regime geral. (Doc. fls. 132/138 do p.a.t. apenso)
B) No dia 29.05.2009, a Impugnante procedeu à autoliquidação de IRC do montante de €215.386,09 em sede de tributação autónoma, com base na apresentação da declaração periódica de rendimentos Modelo 22. referente ao exercício de 2008.
(Doc. n.º 1 junto ao Req. de reclamação graciosa apenso.)
C) No dia 25.05.2010, a Impugnante deduziu reclamação graciosa da autoliquidação a que alude a al. A) do probatório, requerendo a anulação parcial da mesma, nos seguintes termos e fundamentos: “(...) determinando em consequência; a correcção da autoliquidação referente ao exercício de 2008 e o reembolso do valor que resulta da diferença de aplicação, aos encargos dedutíveis relativos a despesas de representação e aos encargos dedutíveis relativos a despesas de representação e aos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros ou mistas, motos ou motociclos, incorridos entre 1 de Janeiro e 5 de Dezembro de 2008, das antigas taxas de tributação autónoma em substituição das novas taxas de tributação autónoma; o qual ascende a € 215.386,09 (duzentos e quinze mil trezentos e oitenta e seis euros e nove cêntimos).” (Doc. fls. 4/31 do processo de reclamação graciosa apenso)
D) No dia 31.05.2011, por despacho da Directora de Finanças Adjunta da Direção de Finanças de Lisboa foi a reclamação graciosa a que alude a al. C) do probatório indeferida. (Doc. fls. 94/97 do processo de reclamação graciosa apenso)
E) Em 02.06.2011, a Impugnante foi notificada do despacho a que alude a al. D) do probatório.(Doc. fls. 98/99 do processo de reclamação graciosa apenso)
F) Em 20.06.2011, deu entrada neste tribunal a petição inicial que originou os presentes autos. (cfr. carimbo aposto a fls.3 dos autos)”.

2- DE DIREITO

2.1. Das questões a apreciar e decidir

A……., Lda., deduziu impugnação judicial contra a decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra o acto tributário de autoliquidação de IRC do ano de 2008, alegando, em síntese, que a redacção do artigo 81º do CIRC, dada pela lei nº. 64/2008, de 5/12, não deve ser considerada aplicável relativamente aos encargos suportados, entre 1 de Janeiro e 5 de Dezembro de 2008, e que deve ser aplicada, no seu lugar, a redacção anterior, invocando o princípio constitucional da não retroactividade da lei fiscal, previsto no nº. 3 do artigo 103º da CRP.
Por sentença proferida, em 25 de Junho de 2012, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, foi julgada procedente a impugnação, com base, entre outros, nos seguintes argumentos:
· “(…) sobre esta questão já o Supremo Tribunal Administrativo se pronunciou, entre outros no Acórdão de 06.07.2011, proferido no recurso n.º 281/11”, onde se concluiu que a norma em causa (art. 5º da Lei n.º 64/2008, de 5 de Dezembro), não é inconstitucional, por violação do princípio da proibição da retroactividade fiscal.
· “(…) Outro entendimento, como resulta das conclusões das alegações, tem e recorrente, uma vez que se pretende a aplicação de uma lei fiscal a factos passados (conclusão IVª).
· “(…) Também o Tribunal Constitucional na sua mais recente jurisprudência em matéria fiscal designadamente nos acórdãos n.ºs 128/2009 e 85/2010, considerou que a retroactividade consagrada no artigo 103.º, n.º 3, CRP é somente a autêntica. (…)”.
· “(…) no caso dos presentes autos não está em causa imposto sobre o rendimento (como sucedia no citado acórdão 399/2010), mas sim tributação autónoma sobre a despesa. Como bem refere a recorrente “as tributações autónomas tributam despesa e não rendimento, são impostos indirectos e não directos, que penalizam determinados encargos incorridos pela empresa e apuram-se de forma totalmente independente do IRC e Derrama devidos no exercício, não se relacionando sequer com a obtenção de um resultado positivo. Em boa verdade, as tributações autónomas constantes do Código do IRC poderiam estar inscritas num outro código ou em diploma autónomo” (Conclusão VIIª das alegações).
· “(…) “O facto gerador de imposto em IRC determina-se por relação ao fim do período de tributação (n.º 9 do artigo 8.º do CIRC), mas a tributação autónoma agora em causa não comunga desse pressuposto, porque não atinge o rendimento (artigo 1.º do CIRC) mas a despesa enquanto tal”.
· Por isso, as novas taxas introduzidas pela Lei nº 64/2008, de 5 de Dezembro, só são aplicáveis às despesas realizadas após a sua entrada em vigor, uma vez que não estamos perante rendimento reportado a determinado período e norma publicada nessa fase final do período de tributação, à semelhança do decidido relativamente ao n.º 1 do artigo 68º do Código do IRS, na redacção que lhe foi dada pelo artigo 1º da Lei n.º 11/2010, de 15 de Junho, quando conjugada com o disposto nos artigos 2.º e 3.º da mesma Lei e, também, do mesmo n.º 1 do artigo 68º do Código do IRS, na redacção que lhe foi dada pelo artigo 1º da Lei n.º 12-A/2010, de 30 de Junho, quando conjugada com o disposto no n.º 1 do artigo 20º da mesma Lei. (Acórdão 399/2010).
· Assim sendo, estamos perante retroactividade autêntica ou própria da lei fiscal proibida pelo nº 3 do artº 103º da CRP, uma vez que o facto tributário que a lei nova pretende regular já tinha produzido todos os seus efeitos ao abrigo da lei antiga, relativamente a despesas já realizadas.” (…).
Contra este entendimento se insurge a Fazenda Pública, argumentando, em síntese, que a retroactividade existente, na norma em crise, é mínima (3º grau), e como tal não abrangida pelo princípio contido no nº 3 do art. 103º da CRP, baseando-se fundamentalmente na jurisprudência do Tribunal Constitucional, vazada nos Acórdãos nº 18/2011, de 12 de Janeiro.
Em face do exposto, a questão central a decidir é a de saber se a norma contida no artigo 5º, nº 1, da Lei nº 64/2008, de 5 de Dezembro, que determinou a produção de efeitos desde 1 de Janeiro de 2008 do disposto no artigo 1º-A da mesma Lei, o qual alterou o artigo 81º do CIRC, agravando de 5% para 10% a taxa de tributação autónoma incidente sobre os encargos com viaturas ligeiras de passageiros e despesas de representação, consubstancia um caso de retroactividade fiscal, proibido por força do disposto no art. 103º, nº 3, da CRP.

Vejamos.

3. “O artigo 81.º do CIRC, sob a epígrafe «Taxas de tributação autónoma», na redacção dada pela Lei nº 55-B/2004, de 30 de Dezembro, entretanto alterada pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, determinava, na parte relevante, o seguinte:
1 — As despesas não documentadas são tributadas autonomamente, à taxa de 50 %, sem prejuízo da sua não consideração como custo nos termos do artigo 23.º.
2 — A taxa referida no número anterior é elevada para 70% nos casos em que tais despesas sejam efectuadas por sujeitos passivos total ou parcialmente isento., ou que não exerçam, a título principa4 actividades de natureza comercial, industrial ou agrícola.
3 — São tributados autonomamente, à taxa de 5% os encargos dedutíveis relativos a despesas de representação e os relacionados com viaturas ligeiras ou mistas, motos ou motociclos, efectuados ou suportados por sujeitos passivos não isentos subjectivamente e que exerçam, a título principal, actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola.
4 — São tributados autonomamente, à taxa de 15 %, os encargos dedutíveis respeitantes a viaturas ligeiras de passageiros ou mistas cujo custo de aquisição seja superior a € 40 000, quando suportados pelos sujeitos passivos mencionados no número anterior que apresentem prejuízos fiscais nos dois exercícios anteriores àquele a que os referidos encargos digam respeito.(...)
Após a redacção introduzida pela Lei n.º 64/2008, de 5 de Dezembro, os n.ºs 3 e 4 do mesmo preceito passaram a determinar o seguinte:
3 — São tributados autonomamente, excluindo os veículos movidos exclusivamente a energia eléctrica:
a) À taxa de 10 %, os encargos dedutíveis relativos a despesas de representação e os relacionados com viaturas ligeiras de passageiros ou mistas, motos ou motociclos, efectuados ou suportados por sujeitos passivos não isentos subjectivamente e que exerçam, a título principal, actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola;
b) À taxa de 5 %, os encargos dedutíveis, suportados pelos sujeitos passivos mencionados no número anterior, respeitantes a viaturas ligeiras de passageiros ou mistas cujos níveis homologados de emissão de C02 sejam inferiores a 120 g/km, no caso de serem movidos a gasolina, e inferiores a 90 g/km, no caso de serem movidos a gasóleo, desde que, em ambos os casos, tenha sido emitido certificado de conformidade.
4 — São tributados autonomamente, à taxa de 20 %, os encargos dedutíveis, suportados pelos sujeitos passivos mencionados no número anterior, respeitantes a viaturas ligeiras de passageiros ou mistas cujo custo de aquisição seja superior a € 40 000, quando os sujeitos passivos apresentem prejuízos fiscais nos dois exercícios anteriores àquele a que os referidos encargos digam respeito.
A Lei n.º 64/2008 entrou em vigor no dia seguinte ao da publicação, conforme prevê o artigo 6º, mas a produção de efeitos retroage a 1 de Janeiro de 2008, em função do que estabelece o artigo 5º do mesmo diploma.

3.1.Como ficou consignado na sentença recorrida, cuja fundamentação merece, na íntegra, a nossa adesão, sobre esta questão já este Supremo Tribunal se pronunciou, entre outros, no Acórdão de 6/7/2011, proferido no recurso nº 28/11, onde se conclui que embora a Lei n.º 64/2008, através da nova redacção dada à alínea a) do n.º 3 do artigo 81.º do CIRC, tivesse operado “um agravamento da taxa de tributação aplicável aos encargos mencionados no anterior nº 3 dessa disposição, que se torna aplicável por virtude da retroacção de efeitos, aos encargos e despesas já realizados pelos contribuintes no decurso do ano de 2008 e até à data em que a lei iniciou a sua vigência”, a norma (artº 5º da citada Lei) não viola o princípio da proibição da retroactividade fiscal consagrado no artigo 103.º n.º 3, da Constituição.
Como também refere a sentença recorrida, esta interpretação foi inicialmente acolhida pelo Tribunal Constitucional, entre outros, nos Acórdãos nºs 128/2009 e 85/2010.
No entanto, a Mmª Juíza “a quo” julgou a norma em causa inconstitucional, argumentando, entre o mais, que:
“(…) 6.8. Aqui chegados importa então apurar se o artº 5º da Lei nº 64/2008, de 5 de Dezembro pode aplicar-se retroactivamente à tributação autónoma prevista no artº 83º, nº 1, alínea a) do CIRC.
Adoptando o entendimento de que artigo 103.º, n.º 3, da CRP apenas pretendeu consagrar a proibição da retroactividade autêntica, ou própria, da lei fiscal abrangendo apenas os casos em que o facto tributário que a lei nova pretende regular já tenha produzido todos os seus efeitos ao abrigo da lei antiga, excluindo do seu âmbito aplicativo as situações de retrospectividade ou de retroactividade imprópria, ou seja, aquelas situações em que a lei é aplicada a factos passados mas cujos efeitos ainda perduram no presente, como sucede quando a lei é aprovada até ao final do ano a que corresponde o imposto, a situação dos autos não é idêntica à tratada no Acórdão 399/2010 do Tribunal Constitucional, tal como se escreveu Acórdão 18/11, de 12 de Janeiro de 2011, do Tribunal Constitucional, proferido no Processo nº204/2010.
É que, no caso dos presentes autos não está em causa imposto sobre o rendimento (como sucedia no citado acórdão 399/2010), mas sim tributação autónoma sobre a despesa. Como bem refere a recorrente “as tributações autónomas tributam despesa e não rendimento, são impostos indirectos e não directos, que penalizam determinados encargos incorridos pela empresa e apuram-se de forma totalmente independente do IRC e Derrama devidos no exercício, não se relacionando sequer com a obtenção de um resultado positivo. Em boa verdade, as tributações autónomas constantes do Código do IRC poderiam estar inscritas num outro código ou em diploma autónomo” (Conclusão VIIª das alegações).
Por outras palavras, como salienta o srº Conselheiro Vítor Gomes no seu voto de vencido, aposto no citado acórdão nº 204/2010, “Embora formalmente inserida no CIRC e o montante que permita arrecadar seja liquidado no seu âmbito e a título de IRC, a norma em causa respeita a uma imposição fiscal que é materialmente distinta da tributação nesta cédula, pelo que não podem ser invocados argumentos semelhantes àqueles que naquele segundo acórdão foram mobilizados no sentido de não se configurar um caso de retroactividade proibida pelo n.º 3 do artigo 103.º da Constituição. Com efeito, estamos perante uma tributação autónoma, como diz a própria letra do preceito. E isso faz toda a diferença. Não se trata de tributar um rendimento no fim do período tributário, mas determinado tipo de despesas em si mesmas, pelas compreensíveis razões de política fiscal que o acórdão aponta
Deste modo, o facto revelador de capacidade tributária que se pretende alcançar é a simples realização dessa despesa, num determinado momento. Cada despesa é, para este efeito, um facto tributário autónomo, a que o contribuinte fica sujeito, venha ou não a ter rendimento tributável em IRC no fim do período, sendo irrelevante que esta parcela de imposto só venha a ser liquidada num momento posterior e conjuntamente com o IRC.
Sendo assim a taxa a aplicar a cada despesa é a que vigorar à data da sua realização, uma vez que o facto tributário se verifica no momento em que se incorre nas despesas sujeitas a tributação autónoma.
Em resumo e concluindo como no voto de vencido acima referido, “O facto gerador de imposto em IRC determina-se por relação ao fim do período de tributação (n.º 9 do artigo 8.º do CIRC), mas a tributação autónoma agora em causa não comunga desse pressuposto, porque não atinge o rendimento (artigo 1.º do CIRC) mas a despesa enquanto tal”.
Por isso, as novas taxas introduzidas pela Lei nº 64/2008, de 5 de Dezembro, só são aplicáveis às despesas realizadas após a sua entrada em vigor, uma vez que não estamos perante rendimento reportado a determinado período e norma publicada nessa fase final do período de tributação, à semelhança do decidido relativamente ao n.º 1 do artigo 68º do Código do IRS, na redacção que lhe foi dada pelo artigo 1º da Lei n.º 11/2010, de 15 de Junho, quando conjugada com o disposto nos artigos 2.º e 3.º da mesma Lei e, também, do mesmo n.º 1 do artigo 68º do Código do IRS, na redacção que lhe foi dada pelo artigo 1º da Lei n.º 12-A/2010, de 30 de Junho, quando conjugada com o disposto no n.º 1 do artigo 20º da mesma Lei. (Acórdão 399/2010).
Assim sendo, estamos perante retroactividade autêntica ou própria da lei fiscal proibida pelo nº 3 do artº 103º da CRP, uma vez que o facto tributário que a lei nova pretende regular já tinha produzido todos os seus efeitos ao abrigo da lei antiga, relativamente a despesas já realizadas.”

3.2. Importa apenas salientar que a jurisprudência acabada de expor foi entretanto acolhida pelo Tribunal Constitucional, nos Acórdãos nºs 617/2012, de 19 de Dezembro de 2012 e nº 85/2013, de 5 de Fevereiro de 2013.
No primeiro Acórdão, votado em plenário, o Tribunal Constitucional resolveu a divergência existente entre o Acórdão nº 310/2012 (2ª secção), acórdão recorrido e o Acórdão nº 18/2012, acórdão fundamento, “julgando inconstitucional, por violação do nº 3, do artigo 103º, da Constituição, a norma do artigo 5º, nº 1, da Lei nº 64/2008, de 5 de Dezembro, de 2012, na parte em que faz retroagir a 1 de janeiro de 2008 a alteração do artigo 81º, nº 3, alínea a), do Código do Imposto sobre o rendimento das pessoas Colectivas, consagrada no artigo 1º-A do aludido diploma legal” (cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional nº 85/2013).
Nestes último Acórdão pode ler-se, entre o mais, que:
“(…) Contrariamente ao que acontece na tributação dos rendimentos em sede de IRS e IRC, em que se tributa o conjunto dos rendimentos auferidos num determinado ano (o que implica que só no final do mesmo se possa apurar a taxa de imposto, bem como o escalão no qual o contribuinte se insere), no caso tributa-se cada despesa efetuada, em si mesma considerada, e sujeita a determinada taxa, sendo a tributação autónoma apurada de forma independente do IRC que é devido em cada exercício, por não estar diretamente relacionada com a obtenção de um resultado positivo, e por isso, passível de tributação.
Assim, e no caso do IRC, estamos perante um imposto anual, em que não se tributa cada rendimento percebido de per si, mas sim o englobamento de todos os rendimentos obtidos num determinado ano, considerando a lei que o facto gerador do imposto se tem por verificado no último dia do período de tributação (cfr. artigo 8º, n.º 9, do CIRC).
Já no que respeita à tributação autónoma em IRC, o facto gerador do imposto é a própria realização da despesa, não se estando perante um facto complexo, de formação sucessiva ao longo de um ano, mas perante um facto tributário instantâneo.
Esta característica da tributação autónoma remete-nos, assim, para a distinção entre impostos periódicos (cujo facto gerador se produz de modo sucessivo, pelo decurso de um determinado período de tempo, em regra anual, e tende a repetir-se no tempo, gerando para o contribuinte a obrigação de pagar imposto com caráter regular) e impostos de obrigação única (cujo facto gerador se produz de modo instantâneo, surge isolado no tempo, gerando sobre o contribuinte uma obrigação de pagamento com caráter avulso).
Na tributação autónoma, o facto tributário que dá origem ao imposto, é instantâneo: esgota-se no ato de realização de determinada despesa que está sujeita a tributação (embora, o apuramento do montante de imposto, resultante da aplicação das diversas taxas de tributação aos diversos atos de realização de despesa considerados, se venha a efetuar no fim de um determinado período tributário). Mas o facto de a liquidação do imposto ser efetuada no fim de um determinado período não transforma o mesmo num imposto periódico, de formação sucessiva ou de caráter duradouro. Essa operação de liquidação traduz-se apenas na agregação, para efeito de cobrança, do conjunto de operações sujeitas a essa tributação autónoma, cuja taxa é aplicada a cada despesa, não havendo qualquer influência do volume das despesas efetuadas na determinação da taxa.(…)”
“Neste caso estamos perante um tributo de obrigação única, incidindo sobre operações que se produzem e esgotam de modo instantâneo, em que o facto gerador do tributo surge isolado no tempo, originando, para o contribuinte, uma obrigação de pagamento com caráter avulso. Ou seja, as taxas de tributação autónoma aqui em análise não se referem a um período de tempo, mas a um momento: o da operação isolada sujeita à taxa, sem prejuízo de o apuramento do montante devido pelos agentes económicos sujeitos à referida "taxa" ser efetuado periodicamente, num determinado momento, conjuntamente com outras operações similares, sem que a liquidação conjunta influa no seu resultado.(…)”
“4. Regressando ao caso concreto, é manifesto que se está perante uma hipótese de aplicação retroactiva do disposto no artigo 81º, nº 3, do CIRC, na redacção introduzida pela Lei nº 64/2008, de 5 de Dezembro, ou seja, aplicação de lei nova a factos tributários de natureza instantânea, já completamente formados, anteriores à data da sua entrada em vigor.
Com efeito, o facto gerador da obrigação fiscal - a realização de despesas de representação e viaturas ligeiras de passageiros, relativas ao exercício de 2008, foi agravada, por força da alteração introduzida ao art. 81º (actual 88º) do CIRC, pelo artº 1º-A, da Lei nº 64/2008, de 5 de Dezembro, com o aumento das taxas de tributação autónomas de 5% para 10%, - ocorre, como facto instantâneo, antes da entrada em vigor da lei nova ( 6 de Dezembro de 2008), por força do art. 5º daquele diploma que determinou a produção de efeitos daquele diploma desde de 1 Janeiro de 2008.
A aplicação da nova lei a este facto ocorrido anteriormente à sua aprovação envolve, pois, uma retroactividade autêntica”.
Como ficou consignado no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 85/2013, “O que releva, face aos princípios constitucionais enunciados, não é o momento de liquidação de um imposto, mas sim o momento em que ocorre o ato que determina o pagamento desse imposto. É esse ato que vai dar origem à constituição de uma obrigação tributária, pelo que é nessa altura, em obediência ao princípio da legalidade, na vertente fundamentada pelo princípio da proteção da confiança, que se exige, como medida preventiva, que já se encontre em vigor a lei que prevê a criação ou o agravamento desse imposto, de modo a que o cidadão possa equacionar as consequências fiscais do seu comportamento.
Uma vez que a alteração efetuada ao artigo 83.º, nº 3, do CIRC, através da Lei nº 64/2008, de 5 de dezembro, veio aumentar a taxa de tributação autónoma aplicável a despesas de representação e com viaturas, agravando a situação dos contribuintes abrangidos, estava-lhe vedada uma eficácia retroativa”.(…)”
Em face do exposto, não pode a lei agravar o valor da taxa de tributação autónoma, relativamente a despesas já efectuadas aquando da sua entrada em vigor, incorrendo a norma do artigo 5.º, nº 1, da Lei nº 64/2008, de 5 de Dezembro, ao determinar a retroacção de efeitos a 1 de Janeiro de 2008 da alteração do artigo 81.º, nº 3, do CIRC, em inconstitucionalidade por violação da proibição imposta no artigo 103.º, nº 3, da Constituição.
Assim sendo, improcede a argumentação da recorrente, decaindo no correspondente recurso, devendo, em consequência, confirmar-se a sentença recorrida.

III- DECISÃO

Termos em que os Juízes Conselheiros da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, negar provimento ao recurso.

Custas pela recorrente.
Lisboa, 17 de Abril de 2013. - Fernanda Maçãs (relatora) - Casimiro Gonçalves - Francisco Rothes.