Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0532/06
Data do Acordão:10/24/2006
Tribunal:2 SUBSECÇÃO DO CA
Relator:POLÍBIO HENRIQUES
Descritores:RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL.
ÂMBITO DO RECURSO JURISDICIONAL.
ESTRADA MUNICIPAL.
Sumário:I - De acordo com o disposto no art. 684º/3 do C.P. Civil, o âmbito do recurso jurisdicional é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente.
II - Pretendendo uma câmara municipal eximir-se da sua responsabilidade civil extracontratual emergente de acidente causado pelo embate de um veículo automóvel num buraco existente numa estrada municipal, alegando, única e simplesmente, tratar-se de uma estrada regional, claudica a sua pretensão se, de acordo com os elementos probatórios disponíveis não lograr demonstrar ser errada a decisão da matéria de facto em 1ª instância que deu como assente que o acidente ocorreu em estrada municipal.
Nº Convencional:JSTA00063656
Nº do Documento:SA1200610240532
Data de Entrada:05/15/2006
Recorrente:CM DE VIANA DO ALENTEJO
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF LISBOA DE 2005/12/16 PER SALTUM.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR ADM CONT - RESPONSABILIDADE EXTRA.
Área Temática 2:DIR PROC CIV.
Legislação Nacional:CPC96 ART684 3 ART690-A ART712 1 A.
L 2110 DE 1961/08/19 ART2 1.
LAL84 ART64 2 F.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo
1. RELATÓRIO
A…, já identificado nos autos, instaurou, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa, contra a Câmara Municipal de Viana do Alentejo, acção para efectivação de responsabilidade civil extracontratual emergente de acidente de viação, pedindo a condenação da Ré no pagamento do montante de € 16 411,72 correspondente ao valor dos prejuízos sofridos no seu veículo, acrescido dos juros legais que se vencerem desde a data da citação até integral pagamento.
Por sentença de 16 de Dezembro de 2005 foi a acção julgada totalmente procedente e, em consequência, condenada a Ré a pagar ao autor a quantia de € 16 411,72, acrescida dos juros de mora vencidos desde a citação até integral pagamento, à taxa de 7% ao ano e, a partir de 1 de Maio de 2003, à taxa de 4% ao ano e correspondentes taxas legais subsequentemente em vigor.
1.1. Inconformada a Ré, recorre para este Supremo Tribunal apresentando alegações com as seguintes conclusões:
A. A Recorrente recorre da douta sentença que a condenou a pagar ao A. a quantia de EUR: 16 411,75, acrescida de juros de mora a partir de 1 de Maio de 2003;
B. O A. intentou acção invocando que no dia 1.12.2001, circulava pela EN 540, sentido Alcáçovas – Alcácer do Sal, conduzindo o veículo … e ao Km 11,6, embateu num buraco do pavimento existente no centro da via, tendo entrado em despiste;
C. A falta de reparação da via, bem como a respectiva sinalização seriam imputáveis à Ré;
D. A agravante alegou que não tem responsabilidade na reparação e sinalização da estrada onde ocorreu o acidente que é a Estrada Regional 257, e não EM 540, sendo que as estradas regionais estão sob a responsabilidade da Administração Central – art. 12º, nº 4 do Dec-Lei 222/98, de 17/7;
E. Sucede que na douta sentença, foi decidido que cabia à Ré a responsabilidade da reparação daquela via e por omissão dessa reparação e sinalização, praticou um facto ilícito e, por consequência, terá de assumir a responsabilidade pelos danos daí resultantes;
F. Com todo o respeito que nos merece a opinião alheia não assiste razão aos Mº Juízes “a quo”,
G. Nos termos do Dec-Lei nº 222/98, onde se redefine o plano rodoviário nacional (PRN) verificamos que a estrada onde ocorreu o acidente é a ER 257 – Estrada Regional 257;
H. As comunicações públicas rodoviárias do continente com interesse supramunicipal e complementar à rede rodoviária são asseguradas por estradas regionais (ER) - art. 12º, nº 1. As estradas regionais são as que constam da lista V anexo àquele diploma e a ER 257 é uma delas;
I- Tais vias, estão sob a responsabilidade da Administração Central – Art. 12º, nº 4 e não das Autarquias Locais;
J. Aliás, na resposta ao quesito 9º, os Mº Juízes declararam como provado que … na data do acidente a Câmara Municipal de Viana do Alentejo entendia que a estrada em causa se encontrava sob a alçada do Instituto de Estradas de Portugal (IEP), face à publicação do PRN 2000, não obstante não ter celebrado qualquer protocolo de transferência com tal instituto, mas tapava buracos dessa estrada já que o IEP não o fazia …, cujo teor a agravante aplaude;
L. Como a responsabilidade da conservação, manutenção e sinalização daquela via é atribuída à Administração Central, entendemos que a agravante não tenha praticado um facto ilícito por omissão dessa reparação, porquanto tal não infringia as normas que atribuíam a competência para proceder a tal reparação.
M. Pelo que não pode ser assacada qualquer responsabilidade à agravante pelo acidente de que o A. foi vítima.
N. Deste modo, em nosso entender, a douta sentença violou o disposto nos arts. 12º, nº 1 e 2 do Dec. Lei nº 222/98, de 17 de Junho e 493º e 562º, ambos do Código Civil.
TERMOS,
Em que deve ser revogada a douta sentença com a absolvição da Ré, assim se fazendo Justiça.
1.2. O Autor apresentou contra-alegações com as seguintes conclusões:
1ª - Não se conformando com a douta decisão proferida a fls e segs dos autos, veio a agravante interpor o presente recurso, por entender, sumariamente: Que a sentença recorrida deve ser revogada, porquanto, a estrada onde ocorreu o acidente é a ER 257 – Estrada Regional 257, via que está sob a alçada da Administração Central e não das Autarquias Locais;
2ª O Apelante alega que o Tribunal “a quo” violou, dessa forma, o disposto no art. 12º, nº 1 e 2, do Dec.Lei nº 222/98, de 17 de Junho e nos arts. 493º e 562º, ambos do Cód. Civil.
3ª Salvo o devido respeito, não partilhamos esse entendimento;
4ª - Compulsados os presentes Autos, verifica-se que não foi feita prova de que a ESTRADA MUNICIPAL nº 540 – local onde ocorreu o acidente – cuja classificação consta do doc. junto aos autos emitido pelas autoridades competentes – tal como bem frisa a douta sentença recorrida – foi reclassificada e que corresponde à ER nº 257, constante da lista V, anexa ao DL 222/98, de 17/7;
5ª Ora, no caso em apreço, o que ficou provado foi exactamente que a aqui agravante efectuava reparações na estrada onde o acidente ocorreu – cfr. parte final da resposta ao quesito 9º;
6ª Por conseguinte, as próprias alegações da ré agravante são incongruentes, pois, se por um lado alega não ser responsável pela fiscalização e conservação da E.M. 540, por outro, nela efectua reparações.
7ª - Donde, não se vislumbra qualquer violação, por parte do Meritíssimo Juiz “a quo”, do disposto no art. 12º, nº 1 e 2 do Dec. Lei nº 222/98, de 17 de Junho;
8ª E isto porque, além do que o que atrás se refere, o Tribunal recorrido ainda alega as disposições conjugadas do art. 2º, nº 1, da Lei 2110, de 19/8/1961, da redacção dada pelo DL 360/77, de 1/9; bem como o art. 64º, nº 2, al, f) da LAL, para corroborar a sua decisão;
9ª bem concluindo que: “Destas normas legais resulta que compete às câmaras municipais designadamente a reparação das estradas e caminhos municipais que se encontrem danificados, ou seja, compete às câmaras o dever de manter as estradas municipais em bom estado”.
10ª Neste sentido: Ac STA – 1ª Secção, 2ª Subsecção, 02/11/1999, P. 44855, Ficha nº 1057/99: “Tendo o réu da acção de responsabilidade civil extracontratual, no caso, certo município, omitido o dever que lhe incumbia de sinalizar o buraco existente em via cuja vigilância, fiscalização e conservação lhe incumbia, cumpre ao mesmo réu, sob pena de, não o fazendo, se considerar aquela omissão como culposa, alegar e provar que no circunstancialismo do caso lhe não era exigível a sinalização do referido buraco na estrada”.
11ª Quanto à alegada impossibilidade de imputação de responsabilidade por omissão à agravante, preenchidos que se acham todos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, conforme ressalta de fls…dos autos, não se vislumbra de que modo a Sentença recorrida pode ter violado os arts. 493º do C. Civil;
12ª Quanto ao nexo de causalidade, também referido na sentença recorrida, em nada nos parece violado o art. 563º do Cód. Civil, porquanto a falta de tapagem do buraco, imputável à falta de tapagem do buraco, imputável à falta de diligência da ora agravante, foi a causa do acidente e era, em abstracto, apta para tal.
13ª Termos em que, pelas razões apontadas, não merece qualquer reparo a douta decisão sob censura, porquanto, não violou qualquer normativo legal, pelo que deve a mesma ser mantida nos seus precisos termos.
1.3. A Exmª Magistrada do Ministério Público, no seu douto parecer, pronunciou-se pelo provimento do recurso.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir:
2.FUNDAMENTAÇÃO
2.1. OS FACTOS
Na sentença recorrida foram dados como provados os seguintes factos:
1) No dia 1 de Dezembro de 2001 o autor circulava pela Estrada Municipal nº 540, no sentido Alcáçovas – Alcácer do Sal.
2) Conduzindo o veículo ligeiro de passageiros …, …, ….
3) Ao Km 11,6 da localidade de Alcáçovas, a via encontrava-se seriamente degradada.
4) Ao citado Km 11,6, o autor embateu num buraco do pavimento, existente no centro da via.
5) Tendo entrado em despiste.
6) Embateu na berma do lado direito.
7) Foi arrastado alguns metros à frente.
8) E veio a imobilizar-se na berma do lado esquerdo, no sentido oposto ao que circulava.
9) Em virtude do acidente o veículo automóvel sofreu danos visíveis ao nível do pára-choques, da grelha, dos faróis, das jantes, do guarda lamas, da parte geral debaixo do veículo e da parte traseira do lado direito.
10) Foi o buraco existente no centro da via que provocou o despiste, o embate e os danos no veículo.
11) A reparação dos danos sofridos orça em € 16 411,72, com os valores parciais do doc. nº 11.
12) Na data do acidente a Câmara Municipal de Viana do Alentejo entendia que a estrada em causa se encontrava sob a alçada do Instituto de Estradas de Portugal (IEP), face à publicação do PRN 2000, não obstante não ter celebrado qualquer protocolo de transferência com tal Instituto, mas tapava os buracos dessa estrada já que o IEP não o fazia.
13) A propriedade do veículo de matrícula … encontra-se registada a favor de A… desde 7.4.2000.
14) O referido veículo é do ano de 1997.
2.2. O DIREITO
O âmbito do presente recurso jurisdicional, cujo perímetro, de acordo como o disposto no art. 684º/3 do CPC, é delimitado pelas conclusões da Ré, está circunscrito à questão de saber se, à data do acidente, o local onde este teve lugar, fazia parte da Estrada Municipal nº 540 ou da Estrada Regional nº 257.
Na verdade, a Ré pretende eximir-se da sua responsabilidade, única e simplesmente em razão da alegada circunstância de, ao tempo, não serem da sua competência, mas sim da administração central, os deveres de conservação e sinalização do sítio do acidente. Não põe em crise nenhum dos demais requisitos da responsabilidade civil extracontratual que a sentença recorrida deu como assentes e que estiveram na base da sua condenação.
Ora, foi dado como provado, na 1ª instância, que a via em cujo pavimento existia o buraco com o qual a viatura embateu, é a Estrada Municipal nº 540, facto que a ser exacto, como bem se referiu na sentença, por força do disposto no art. 2º, nº 1 da Lei 2110 de 19.8.1961 e art. 64º, nº 2, al.f) da LAL, implica que seja imputável à Ré a omissão causal do acidente, por se inscrever no leque das suas competências as de conservar e reparar as estradas municipais e de nelas assegurar as demais condições de segurança do trânsito. Portanto, a pretensão da Ré só poderá ter êxito se lograr demonstrar que aquele facto foi incorrectamente julgado e que, como alega, a estrada em causa é a Estrada Regional nº 257.
No caso em apreço, a decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto poderia ser alterada por este Supremo Tribunal, uma vez que a prova foi gravada e a decisão daquele concreto ponto foi impugnada, nos termos do art. 690º-A do C.P.Civil (vide art. 712º/1/a) do CPCivil).
E usamos o modo condicional, porque, a nosso ver, a Ré não convence que aquela decisão enferme de erro de julgamento.
Na verdade, de entre os concretos meios probatórios que lhe cumpria especificar e que impunham decisão diversa, não foi além do disposto no DL nº 222/98 de 17 de Julho e da resposta ao quesito 9º. Não indicou qualquer trecho da gravação.
Ora, por um lado, o facto de no anexo V do citado diploma constar a Estrada Regional nº 257 a ligar Alcácer do Sal a Alcáçovas não significa, só por si, que a ligação entre aquelas localidades seja assegurada por uma única estrada e que esta tenha o enquadramento normativo das estradas da rede rodoviária nacional, conforme o disposto no art. 12º/4 daquele diploma legal. Ademais, no ofício a fls.60 dos autos, o Instituto de Estradas de Portugal informa, em 2 de Dezembro de 2003, que aquele troço de Estrada Regional “nunca foi construído e as vias que hoje asseguram a ligação pertencem às redes municipais” e que “será necessário a elaboração de um Estudo Prévio que fundamente a escolha da solução a implementar, a qual poderá consistir num traçado novo, ou eventualmente, num traçado que se sobreponha total ou parcialmente às vias municipais”, sendo que, “neste caso, tornar-se-á necessário celebrar um protocolo com a autarquia para efeitos de transferência da jurisdição das estradas”.
Por outro lado, em relação ao quesito 9º, ficou provado apenas que “na data do acidente a Câmara Municipal de Viana do Alentejo entendia que a estrada em causa se encontrava sob a alçada do Instituto de Estradas de Portugal (IEP), face à publicação do PRN 2000, não obstante não ter celebrado qualquer protocolo de transferência com tal Instituto, mas tapava os buracos dessa estrada já que o IEP não o fazia”, sendo que a Ré não impugna a decisão da matéria de facto neste ponto. Assim, no essencial, comprova-se a inexistência de protocolo a transferir a EN 540 para a alçada do IEP e, no mais, como se refere na sentença, trata-se de matéria do foro da convicção da Ré, que não altera a realidade e, por si só, não faz da via em causa a Estrada Regional nº 257.
Improcede, pois, a alegação da Ré.
3. DECISÃO
Pelo exposto, acordam em negar provimento ao recurso.
Sem custas.
Lisboa, 24 de Outubro de 2006. - Políbio Henriques (relator) - Edmundo Moscoso - Jorge de Sousa.