Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01306/12
Data do Acordão:12/19/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:CASIMIRO GONÇALVES
Descritores:EXECUÇÃO FISCAL
GARANTIA
COMPENSAÇÃO DE CRÉDITOS
Sumário:Estando pendente impugnação judicial da liquidação e não tendo, no seguimento desta, ocorrido ainda a apreciação, por parte da AT, do pedido de prestação de garantia oferecida pela executada para suspender a execução, não podia operar-se a penhora de créditos e consequente compensação, por iniciativa da AT, nos termos do n° 1 do art. 89° do CPPT.
Nº Convencional:JSTA00068013
Nº do Documento:SA22012121901306
Data de Entrada:11/23/2012
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A......, SA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF PORTO
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL
Legislação Nacional:CPPTRIB99 ART169 ART195 ART199 ART85
LGT98 ART52 ART36 N3 ART30
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0667/10 DE 2010/10/06; AC STA PROC0784/10 DE 2010/11/03
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

RELATÓRIO
1.1. A Fazenda Pública recorre da sentença proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, na qual se julgou parcialmente procedente a reclamação deduzida por A………, S.A., nos termos dos arts. 276° e ss. do CPPT, contra o acto de compensação de créditos - “Retenção a Fornecedores” - efectuado no processo de Execução Fiscal n° 1821201101008170 a correr termos no 1° Serviço de Finanças de Matosinhos contra a aqui recorrida.

1.2. A recorrente termina as alegações formulando as conclusões seguintes:
A. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou parcialmente procedente a reclamação deduzida nos termos do disposto no art. 276° do CPPT, contra o ato de compensação de créditos retidos pela Câmara Municipal de Sintra, no montante de € 11.918,46 ((1) Correspondente a 25% do valor total de uma fatura devida por esta entidade à aqui reclamante), efetuado pela AT no PEF com o n° 1821201101008170, que corre termos no SF de Matosinhos 1 contra a aqui reclamante.
B. Decidiu, a final, o Tribunal a quo pela ilegalidade do “acto de penhora/retenção crédito, objecto da presente reclamação”, porquanto “uma vez que aquando da retenção e penhora a aceitação da garantia estava por decidir, o processo de execução fiscal deveria ficar suspenso”,
C. considerando que “durante o período em que aquela garantia se encontra em apreciação pela AF, a execução fiscal deveria ter permanecido suspensa, nos termos do artigo 169°, do CPPT” e que “a reclamação judicial contra a decisão de indeferimento da prestação de garantia leva a que, à luz do estabelecido no art. 169° do CPPT, enquanto a entidade competente não se pronunciar definitivamente sobre essa susceptibilidade (e agora em sede judicial), o processo de execução fiscal se mantenha suspenso”,
D. Com tal decisão e com a ressalva do sempre devido respeito pelo que assim vem decidido, não pode a Fazenda Pública conformar-se, porquanto entende que os autos demonstram o integral preenchimento dos requisitos necessários para que a AT efetive a compensação operada.
E. A AT está vinculada a aplicar os créditos do contribuinte na compensação das suas dívidas, como uma das formas de extinção das obrigações tributárias, sendo que, o art. 52° da LGT impede a suspensão da cobrança da prestação tributária, efetuada no processo de execução fiscal, salvo nos casos de pagamento em prestações ou reclamação, recurso, impugnação da liquidação ou oposição à execução que tenha por objeto a ilegalidade ou inexigibilidade da dívida exequenda, sempre que exista prestação de garantia idónea nos termos das leis tributárias.
F. Por sua vez, o art. 169° do CPPT condiciona a suspensão da execução à constituição de garantia nos termos do art. 195° ou à sua prestação, nos termos do art. 199°.
G. Acontece que, o respeito pelos princípios da igualdade e da proibição do arbítrio impõem à AT a proibição de concessão de moratórias, bem como a suspensão da execução fiscal fora dos casos previstos na lei (cfr. arts. 36°, n° 3 da LGT e 85° do CPPT), por força do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários, genericamente enunciado no art. 30° da LGT.
H. Assume, pois, a suspensão da execução fiscal um caráter claramente excecional, designadamente, tendo em conta os estritos termos e exigências reveladas pelos princípios da vinculação à lei na atividade administrativa tributária e da indisponibilidade dos créditos fiscais e proibição da concessão de moratórias no seu pagamento, mormente se estiverem vencidos, afasta-se quaisquer juízos de oportunidade daquela mesma atividade.
I. Ora, in casu, com a prestação da garantia sob a forma de fiança não ficou o órgão de execução fiscal investido, desde logo, na obrigação de suspensão da execução, constatando-se que a controvertida aplicação no PEF dos créditos retidos pela Câmara Municipal de Sintra é legítima, já que no momento da sua concretização, não obstante a reclamante ter oferecido garantia, não se mostrava o PEF suspenso nos termos do disposto no art. 169°.
J. É, aliás, o próprio Tribunal a quo quem o confirma, a fls. 18 da douta sentença de que se recorre e onde se lê que “na data em que foi efectuada a penhora aqui em questão, a quantia exequenda não se encontrava garantida pela fiança apresentada, uma vez que, aquela garantia, datada de 18.02.2011, se encontrava em apreciação por, de novo, não ter sido aceite”.
K. Sobre a ora reclamante impendia uma dívida fiscal, reconhecida num ato idóneo à promoção da sua cobrança, sendo pois legalmente exigível e podendo a qualquer momento ocorrer um facto extintivo da prestação tributária em dívida, como seja, a aplicação do crédito ora controvertida.
L. Impunha-se, pois, à AT a obrigação de efetuar a aplicação do crédito retido na dívida cuja execução não se encontrava garantida, considerando, que o imperativo legal de cobrança coerciva nasce após o decurso do prazo de pagamento voluntário, e que os créditos do executado para com a AT são obrigatoriamente aplicados no pagamento das suas dívidas a esta mesma entidade.
M. Entende, assim, a Fazenda Pública, com o devido respeito pelo vem decidido e salvo melhor entendimento, que a douta decisão recorrida, padece de erro no julgamento na aplicação do direito, pois, decidindo como decidiu, errou na subsunção dos factos dados como provados às normas jurídicas aplicáveis in casu, mais concretamente as que regem a suspensão da execução fiscal, ou seja, o art. 169° do CPPT.
Termina pedindo o provimento do recurso e a revogação da decisão recorrida, com as legais consequências.

1.3. Não foram apresentadas contra-alegações.

1.4. O MP emite Parecer no sentido da improcedência do recurso, nos termos seguintes:
«1. Matéria controvertida:
- se a recorrente podia ter efectuado a compensação, por não ser caso de aplicar a suspensão da execução, em respeito do disposto no art. 52° da L.G.T., e do disposto no art. 169°, 195° e 199° do C.P.P.T., e nos princípios da igualdade, da proibição de arbítrio e da indisponibilidade dos créditos tributários.
2. Posição que se defende.
a. Fundamentação.
Quando a A.T. veio a operar a compensação da dívida em causa com crédito a favor da reclamante, esta tinha apresentado garantia por fiança de uma S.G.P.S., a qual se encontrava pendente de apreciação quanto à sua idoneidade, conforme resulta dos pontos 12 a 16 do probatório.
Com arrimo no entendimento actualmente dominante em vasta jurisprudência deste S.T.A. — por todos, cfr. os acórdãos de 15-2-2012, 31-3-2012 e 23-5-2012, proferidos nos processos 089/12, 026/12 e 0452/12 —, parece ser de entender que não podia a A.T. ter procedido à dita compensação com crédito a favor da reclamante, não resultando a dita garantia como não controvertida.
E vem-se julgando tal de acordo com uma interpretação conforme à Constituição, à qual parece ser de proceder, com base nos princípios da igualdade, da tutela judicial efectiva e da boa fé, que há que respeitar em detrimento de quaisquer outros.
Assim, e quanto à prestação da garantia que, uma vez oferecida, parece não poder de deixar de se sujeitar à “pendência” que, nos termos do art. 89°, conste, para se entender determinantemente que estava impedido de se proceder à compensação efectuada.
No presente caso, tendo a decisão da A.T. que foi ainda posteriormente proferida sido objecto de reclamação, em que foi posta em causa a legalidade da dita recusa, é de entender que não se encontrava reunido o necessário pressuposto de legalidade para se proceder à compensação de crédito.
b. Conclusão.
Parece que não podia ter sido efectuada a dita compensação, pelo que o recurso é de improceder, sendo de manter o decidido que anulou a mesma.»

1.5. Com dispensa de Vistos, dada a natureza urgente do processo, cabe deliberar.

FUNDAMENTOS
2. Na sentença recorrida julgaram-se provados os factos seguintes:
1. Em 22.01.2011, foi autuado o processo de execução fiscal 1821201101008170, pelo Serviço de Finanças de Matosinhos 1, e em que consta como executada a sociedade “A………, SA”, com referência, a uma dívida para cobrança coerciva de uma liquidação adicional de IVA, relativa ao ano de 2006, no montante global de € 38,784.370,39 — cfr. fls. 3 a 30 dos autos que se tem por integralmente reproduzidas para os devidos efeitos legais.
2. Em 31.01.2011, a Reclamante apresentou um requerimento dirigido ao Chefe do Serviço de Finanças de Matosinhos 1, no âmbito do indicado processo de execução fiscal, o qual se dá aqui por integralmente reproduzido, e onde manifesta a intenção de apresentar reclamação ou impugnação judicial, contra a liquidação exequenda, para o que está disposta a prestar garantia idónea por pretender obter efeito suspensivo da instância executiva, requerendo a fixação do montante e demais condições pelas quais deve ser prestada garantia, disso notificando a requerente — cfr. fls. 31 e 32, dos autos que se tem por integralmente reproduzidas para os devidos efeitos legais.
3. Em 31.03.2011, a Reclamante deduziu impugnação judicial contra a sobredita liquidação, a qual corre termos, sob o n° 1058/11.2BEPRT, na 4ª Unidade Orgânica do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto - cfr. doc. n° 6 junto com a PI de reclamação judicial e consulta ao SITAF.
4. Em 08.02.2011, a Reclamante foi notificada para, no prazo de 15 dias, apresentar garantia idónea, no montante de € 49.218.625,71, com vista à suspensão do processo de execução fiscal, a que respeitam os presentes autos — cfr. fls. 33 a 36 dos autos que se tem por integralmente reproduzidas para os devidos efeitos legais.
5. Em 18.02.2011, a Reclamante apresentou um requerimento, no Serviço de Finanças de Matosinhos 1, relativamente ao indicado processo de execução fiscal, onde refere que vem juntar a “garantia (fiança) no valor de € 49.218.625,71 (quarenta e nove milhões duzentos e dezoito mil seiscentos e vinte e cinco euros e setenta e um cêntimos,)”, juntando, em anexo, um documento subscrito pela B………, S.A., em que esta sociedade declara, com referência ao processo de execução fiscal indicado, constituir-se “fiador da sociedade A………, S.A. Pessoa Colectiva com o nº ……… e sede na Rua ………, n° ………, ………, perante o Serviço de Finanças de Matosinhos 1, até ao montante de € 49.218.625,71 (quarenta e nove milhões duzentos e dezoito mil seiscentos e vinte e cinco euros e setenta e um cêntimos - cfr. fls. 38 e 39 dos autos que se tem por integralmente reproduzidas para os devidos efeitos legais.
6. Em 22.02.2011, o Chefe de Serviço de Finanças de Matosinhos, 1, proferiu despacho de indeferimento da garantia prestada - cfr. fls. 39 e 40 dos autos que se tem por integralmente reproduzidas para os devidos efeitos legais.
7. Em 28.02.2011, a Reclamante foi notificada do despacho referido no número anterior — cfr. fls. 41 a 44 dos autos que se tem por integralmente reproduzidas para os devidos efeitos legais.
8. Em 03.03.2011, a Reclamante apresentou no Serviço de Finanças de Matosinhos, 1, reclamação judicial contra o despacho referido no ponto 6, supra — cfr. fls. 46 e 44 e fls. 48 a 86 dos autos que se tem por integralmente reproduzidas para os devidos efeitos legais.
9. O acto de indeferimento aludido em 6 foi mantido, tendo a Reclamação referida no ponto anterior sido remetida ao Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, tendo sido registada com o n° 1365/11.4BEPRT — cfr. fls. 112, dos autos.
10. Em 27.07.2011 foi proferida decisão no âmbito do processo de reclamação referido nos pontos anteriores, julgando a mesma procedente e anulando o acto reclamado, não tendo sido apresentado recurso jurisdicional, e tendo, por isso, transitado em julgado em 11.08.2011 — cfr. fls. 172 a 186 e 208 dos autos que se tem por integralmente reproduzidas para os devidos efeitos legais.
11. Em 24.11.2011, o processo executivo a que respeitam os presentes autos, e bem assim a que se referia a indicada reclamação, foi devolvido ao Serviço de Finanças de Matosinhos, 1 — cfr. fls. 212 dos autos.
12. Em 06.12.2011, no processo de execução fiscal a que respeitam os presentes autos, foi proferido, pela Chefe do Serviço de Finanças de Matosinhos, 1, o seguinte despacho: “Tendo em atenção a sentença proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que determina a anulação do despacho que indeferiu o pedido de aceitação de fiança para garantir o processo executivo, cumpre à Administração Fiscal pronunciar-se novamente, pelo que nos termos do n° 8 do artigo 199° do CPPT conjugado com o n° 2 do artigo 197° do mesmo Código, remetam-se os autos à Direcção de Finanças do Porto — DGDE.” - cfr. fls. 213, dos autos.
13. A Câmara Municipal de Sintra, em 21.12.2011, no momento de pagamento à Reclamante da factura referente à aquisição de bacalhau, efectuou uma retenção no valor de € 11.918,46 sobre o crédito da factura, correspondendo a 25% do seu valor global — Por acordo (factos não impugnados,); cfr. docs. 1 e 2 junto com a PI de reclamação que se têm por reproduzidos para os devidos efeitos legais.
14. Em 18.01.2012 a Reclamante solicitou à Câmara Municipal de Sintra informação relativa à retenção de créditos referida no ponto anterior - Por acordo (factos não impugnado; cfr. docs. 1 e 2 junto com a PI de reclamação que se têm por reproduzidos para os devidos efeitos legais.
15. A reclamante, em 13.02.2012, foi notificada através do oficio SM 6211/2012 da Câmara Municipal de Sintra, a que alude o doc. 4 junto com a PI de reclamação de que, a retenção atrás referida foi efectuada nos termos do artigo 61° do Decreto-Lei n° 50-C/2007, de 06.03, pelo facto da Reclamante não ter a sua situação tributária regularizada — cfr. fls. 763 e 766 dos autos.
16. Através oficio 3148 de 17.02.2012 foi a reclamante notificada (em 22.02.2012), do despacho de Director de Finanças do Porto, em harmonia com do despacho do Chefe de Finanças, de 16.02.2012 de que a Fiança não era garantia idónea, não tendo sido aceite após reapreciação — cfr. fls. 466 e seg. dos autos e 544.
17. Em 27.02.2012, a reclamante apresentou no Serviço de Finanças de Matosinhos, a (presente) reclamação judicial contra o acto de “Retenção a fornecedores” referido nos pontos 13, 14 e 15 — cfr. fls. 734 dos autos.
18. Contra a decisão que indeferiu “novamente” a fiança atrás referida como garantia, apresentou a reclamante reclamação judicial nos termos constantes de fls. 346 e seguintes dos autos, em 08.03.2012cfr. fls. 724 a 727 dos autos.
19. Em 04.04.2012 foi remetida a este Tribunal a reclamação atrás referida — cfr. fls. 728 dos autos que se tem por integralmente reproduzidas para os devidos efeitos legais.

3.1. No que ora releva, a sentença recorrida considerou o seguinte:
- o presente meio processual é o adequado, visto que o acto posto em crise e objecto de reclamação é o da penhora (por retenção de crédito a fornecedor) de uma quantia pecuniária (€ 11.918,46 referentes a 25% do valor de um pagamento devido à reclamante pela Câmara Municipal de Sintra) no processo de execução fiscal, onde, igualmente foi operada a respectiva compensação na dívida exequenda;
- considerando o disposto no n° 1 do art. 224° do CPC, no art. 61° do DL n° 50-C/2007, de 6/3, no art. 11° do DL n° 411/91, de 17/10 e no art. 169° do CPPT, julgou procedente a presente reclamação de acto do Órgão de Execução Fiscal, no entendimento de que, apesar de a AT ter proferido decisão que indeferiu a prestação da garantia oferecida, mas tendo sido interposta reclamação judicial daquela decisão e estando a mesma em apreciação, na data em que foi efectuada a penhora aqui em questão, então, dado que durante o período em que aquela garantia se encontra em apreciação pela AT, a execução fiscal deveria ter permanecido suspensa, nos termos do artigo 169° do CPPT, pelo que o processo de execução não poderia prosseguir, designadamente para a “retenção a fornecedores efectuada”/penhora aqui em questão, isto é, uma vez que aquando da retenção e penhora a aceitação da garantia estava por decidir, o processo de execução fiscal deveria ficar suspenso e o acto de penhora/retenção de crédito, objecto da presente reclamação, não podia ter sido praticado, o que o inquina de ilegalidade.

3.2. Discorda a recorrente Fazenda Pública, alegando, em suma, que a sentença faz uma interpretação errada do disposto nos arts. 169°, 195°, 199° e 85° do CPPT, conjugados com o também disposto nos arts. 52°, 36°, n° 3 e 30° da LGT, pois que a suspensão da execução fiscal um carácter excepcional e o respeito pelos princípios da igualdade e da proibição do arbítrio impõem à AT a proibição de concessão de moratórias, bem como a suspensão da execução fiscal fora dos casos previstos na lei, por força do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários, sendo que, no caso, com a prestação da garantia sob a forma de fiança não ficou o OEF investido, desde logo, na obrigação de suspensão da execução. Daí que seja legítima a controvertida aplicação no PEF dos créditos retidos pela Câmara Municipal de Sintra, já que no momento da sua concretização, não obstante a reclamante ter oferecido garantia, não se mostrava o PEF suspenso nos termos do disposto no art. 169° do CPPT.

3.3. A questão a decidir é, assim, a de saber se, tendo sido deduzida impugnação judicial da liquidação de que emerge a dívida exequenda e tendo sido pedida a prestação de garantia com vista à suspensão da respectiva execução fiscal, é legalmente admissível a penhora de um crédito e a efectivação da respectiva compensação [penhora do crédito de € 11.918,46 (correspondente a 25% do montante de uma factura emitida pela recorrida à CM de Sintra) efectuada no seguimento da «retenção» operada nos termos do disposto no art. 61° do DL n° 50-C/2007, de 6/3], enquanto está pendente a apreciação daquele pedido de prestação de garantia.
Apreciando, pois.

4.1. No art. 61° DL n° 50-C/2007, de 6/3, estatui-se:
«1 - Os serviços integrados e os serviços e fundos autónomos, incluindo designadamente as instituições públicas de ensino superior universitário e politécnico e aquelas cuja gestão financeira e patrimonial se rege pelo regime jurídico das entidades públicas empresariais, antes de efectuarem quaisquer pagamentos a entidades, no âmbito de procedimentos administrativos para cuja instrução ou decisão final seja legal ou regulamentarmente exigida a apresentação de certidão comprovativa de situação tributária ou contributiva regularizada, e quando tenha decorrido o prazo de validade da mesma, devem verificar se a situação tributária e contributiva do beneficiário do pagamento se encontra regularizada.
2 - Para efeitos do disposto no número anterior, a entidade pagadora exige certidão comprovativa da situação tributária e contributiva regularizada, podendo esta ser dispensada quando o interessado, mediante autorização prestada nos termos da lei, permita à entidade pagadora a consulta da mesma.
3 - As entidades referidas no n° 1, quando verifiquem que o respectivo credor não tem a situação tributária ou contributiva regularizada, devem reter o montante em dívida com o limite máximo de retenção de 25% do valor total do pagamento a efectuar e proceder ao seu depósito à ordem do órgão da execução fiscal.
4 - O disposto neste artigo não prejudica a aplicação do regime previsto no artigo 11° do Decreto-Lei n°411/91, de 17 de Outubro.»
Por sua vez, o art. 89° do CPPT estabelece que os créditos ali previstos são obrigatoriamente aplicados na compensação das dívidas do executado cobradas pela AT, excepto nos casos em que (i) esteja a correr prazo para interposição de reclamação graciosa, recurso hierárquico, impugnação judicial, recurso judicial ou oposição à execução ou (ii) esteja pendente qualquer desses meios graciosos ou judiciais, ou a dívida esteja a ser paga em prestações, desde que a dívida exequenda se mostre garantida nos termos do art. 169° do mesmo Código.
E de acordo com o disposto nos n°s. 1 e 2 do art. 169° do mesmo CPPT a execução fica suspensa até à decisão do pleito em caso de reclamação graciosa, impugnação judicial ou recurso judicial que tenham por objecto a legalidade da dívida exequenda (...) desde que tenha sido constituída garantia nos termos do art. 195º ou prestada nos termos do art. 199° ou a penhora garanta a totalidade da quantia exequenda e do acrescido, o mesmo sucedendo no caso de, após o termo do prazo de pagamento voluntário, ser prestada garantia antes da apresentação do meio gracioso ou judicial correspondente, acompanhada de requerimento em que conste a natureza da dívida, o período a que respeita e a entidade que praticou o acto, bem como a intenção de apresentar tal meio gracioso ou judicial.

4.2. No caso, a recorrida, manifestando intenção de apresentar reclamação ou impugnação judicial da liquidação subjacente à dívida exequenda, apresentou, em 18/2/2011, pedido de prestação de garantia (fiança) com vista à suspensão do respectivo processo de execução fiscal, o qual veio a ser indeferido.
Este despacho de indeferimento veio, porém, a ser anulado em sede de reclamação judicial apresentada nos termos do art. 276° do CPPT e, face a tal anulação, o pedido de prestação de garantia foi reapreciado pela AT e novamente indeferido, por despacho de 16/2/2012, notificado por ofício de 17/2/2012.
E deste despacho de indeferimento a recorrida apresentou, em 27/2/2012, nova reclamação judicial (art. 276° do CPPT), que se encontra pendente.
Mas em 21/12/2011 foi, entretanto, efectuada penhora do crédito no montante de 11.918,46 Euros (correspondente à retenção no montante de 25% do valor da factura que a recorrida emitiu à Câmara Municipal de Sintra, decorrente do fornecimento de bacalhau àquela entidade), nos termos do art. 61° do DL n° 50-C/2007, de 6/3, por não ter a recorrida a sua situação tributária regularizada, tendo em seguida sido operada a respectiva compensação na dívida exequenda.
Em 31/3/2011, a recorrida deduzira já impugnação judicial contra a dita liquidação, a qual corre termos, sob o n° 1058/11.2BEPRT, na 4ª Unidade Orgânica do TAF do Porto.

4.3. Ora, estando assente que a recorrida/executada tinha deduzido impugnação judicial contra a liquidação que deu origem à dívida exequenda, para averiguar se a execução fiscal deveria ter sido suspensa, o que obviaria à compensação aqui questionada, havia que verificar se podia ou não considerar-se garantida a dívida exequenda e o acrescido.
Na verdade, não sofre dúvida que a pendência de qualquer dos meios graciosos ou judiciais indicados na al. a) do n° 1 do art. 89° do CPPT, ou estando a correr o prazo para a dedução desses meios, obsta à compensação. (Tem sido este também o sentido da jurisprudência do STA, como pode ver-se, entre outros, dos acs. de 7/1/2009, rec. nº 0694/08; de 22/4/2009, rec. n° 0277/09; de 17/12/2008, rec. n° 997/08; de 25/6/2008, rec. n° 464/08. )
É certo que, no caso, quando foi efectuada a compensação, a dívida ainda não estava garantida.
Mas também não podia estar garantida, porque, na sequência da anulação (por sentença proferida em 27/7/2011 - transitada em 11/8/2011 - na reclamação judicial do despacho do chefe do Serviço de Finanças de Matosinhos 1) do despacho em que essa mesma entidade indeferira o pedido de prestação da garantia, o processo de execução retornou, em 24/11/2011, àquele Serviço de Finanças e só em 16/2/2012 é que veio a ser proferida decisão sobre tal pedido [e só em 22/2/2012 é que a recorrida veio a ser notificada da respectiva decisão da AT, no sentido de que a garantia (fiança) não foi aceite após reapreciação e, consequentemente, do indeferimento do pedido de prestação de tal garantia].
Ou seja, aquando do acto da penhora e do sequente acto de compensação, estava pendente de apreciação, por parte da AT, o pedido de prestação da garantia.

4.4. Nos termos do supra citado art. 169° do CPPT a execução fica suspensa até à decisão do pleito em caso, além do mais, de impugnação judicial que tenha por objecto a legalidade da dívida exequenda, desde que tenha sido constituída garantia nos termos do art. 195° ou prestada nos termos do art. 199° ou a penhora garanta a totalidade da quantia exequenda e do acrescido, sendo certo, por outro lado, que os n°s. 6 e 7 deste mesmo art. 169° do CPPT estabelecem que se não houver garantia constituída ou prestada, nem penhora, ou os bens penhorados não garantirem a dívida exequenda e acrescido, é ordenada a notificação do executado para prestar a garantia referida no n° 1 dentro do prazo de 15 dias e se esta não for prestada se procederá de imediato à penhora.
Referenciando estes normativos, salienta o Cons. Jorge de Sousa (Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, Vol. III, 6ª edição, Áreas Editora, 2011, anotação 4 ao art. 169°, pp. 217 e 218.) que deles resulta que «mesmo que não esteja prestada garantia, a mera dedução de reclamação graciosa ou impugnação judicial ou a interposição de recurso têm um efeito suspensivo provisório, até que termine o prazo de 15 dias que se prevê que seja concedido ao executado para a prestar» e que «Embora o n° 7 (...) estabeleça que, se a garantia não for prestada no prazo respectivo, se procede de imediato à penhora têm de afastar-se desta estatuição os casos em que tiver sido formulado pedido de isenção de prestação de garantia, enquanto não tiver sido proferida decisão de indeferimento», uma vez que «a isenção de prestação de garantia é um substitutivo desta prestação, pelo que lhe devem ser atribuídos os mesmos efeitos, pois se assim não fosse inutilizar-se-ia o efeito primacial desta isenção, que corresponde a um direito dos contribuintes, reconhecido pelo art. 52°, n°4, da LGT». Só devendo, portanto, aplicar-se o regime deste n° 7, ou seja, proceder-se à penhora, quando estiver decidido o indeferimento do pedido de suspensão e logo que o mesmo for notificado.
Em jurisprudência deste STA expressa nos acórdãos de 6/10/2010, rec. n° 667/10 e de 3/11/2010, rec. n° 784/10, concluiu-se pela legalidade da penhora, nos casos em que a mesma é efectivada depois da prolação de despacho que indefere o pedido de isenção de prestação de garantia, embora antes de o respectivo despacho de indeferimento ter sido notificado ao executado. (Considerou-se nesses arestos que, em tais casos, a notificação do despacho que indefere o pedido de isenção de prestação de garantia e ordena a penhora não tem necessariamente de preceder a concretização desta última diligência executiva, pois que a notificação se destina a proporcionar ao destinatário do acto a possibilidade de o impugnar mediante reclamação e esta faculdade não é afastada pela efectivação da penhora antes da notificação, pois a reclamação pode ser apresentada na sequência da notificação.
Discordando, desta jurisprudência, cfr. Jorge Lopes de Sousa, ob. cit. pp. 218 e 219. )
Porém, no presente caso, como se viu, a penhora do crédito e a consequente e questionada compensação a que a AT procedeu ocorreram ainda antes de ter sido proferido despacho a apreciar o mencionado pedido de prestação da garantia (como diz a sentença recorrida, tendo o despacho inicial sido anulado por via da reclamação judicial contra ele deduzida, foi o mesmo eliminado da ordem jurídica). Ou seja, trata-se de situação não coincidente com aquela a que se reporta a citada jurisprudência: no caso vertente, a penhora ocorreu antes de ter sido proferido despacho que apreciasse o pedido de prestação da garantia oferecida pela recorrida, não podendo sequer dizer-se que à executada é facultada a possibilidade de reagir pela via contenciosa logo que o despacho de indeferimento seja notificado (pois que o mesmo ainda não fora proferido) mediante a reclamação prevista no art. 276° do CPPT. Não se trata, pois, de discutir a eficácia de acto praticado e ainda não notificado, mas, antes, de situação em que não foi praticado acto susceptível de ser notificado.
No caso dos autos a AT estava, portanto, legalmente impedida de proceder à penhora do crédito em causa, e, consequentemente, também à compensação operada nos termos do art. 89° do CPPT, visto que não estava decidido o pedido de suspensão da execução, por se encontrar pendente o pedido de apreciação da garantia prestada.
E a tanto não obsta o disposto no citado art. 61° do DL n° 50-C/2007, de 6/3, já que, dado o circunstancialismo provado, não se verificava a situação de o respectivo credor não ter a situação tributária ou contributiva regularizada.
Até porque, operando a compensação na execução e considerando que esta se extinguirá na medida da compensação efectuada, ficaria o executado impedido de defender, nessa medida, a sua posição e garantir o efeito suspensivo da execução, postergando-se o direito à tutela judicial efectiva consagrado no n° 1 do art. 20° da CRP, tanto mais que a decisão da AT, posteriormente proferida, acabou por ser igualmente objecto de reclamação, na qual foi posta em causa a legalidade da recusa de aceitação da garantia oferecida (sendo que, de todo o modo, a legalidade do acto de compensação deve ser apreciada no momento em que este foi praticado e, no caso, foi praticado antes de ter sido apreciado o pedido de prestação da garantia).
E não se vê que ocorra violação dos princípios da igualdade e da proibição do arbítrio, que impõem à AT a proibição de concessão de moratórias, bem como a suspensão da execução fiscal fora dos casos previstos na lei (arts. 36°, n° 3 da LGT e 85° do CPPT), por força do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários, genericamente enunciado no art. 30° da LGT (cfr. as Conclusões G a I do recurso).
Ao invés, a prática de acto de compensação de crédito por iniciativa da AT, após oportuna apresentação de requerimento para prestação de garantia e antes da sua apreciação, é que violaria o princípio da boa fé que deve presidir à actividade administrativa (art. 6°-A do CPA e art. 266° da CRP), porque frustraria a legítima expectativa de apreciação da pretensão, ancorada no princípio da decisão. (Cfr., neste sentido, o ac. do STA, de 15/2/2012, no rec. nº 089/12.)
Improcedem, assim, as Conclusões do recurso.
DECISÃO
Nestes termos acorda-se em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 19 de Dezembro de 2012. - Casimiro Gonçalves (relator) – Francisco Rothes – Fernanda Maçãs.