Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0454/15.0BEPNF
Data do Acordão:01/13/2022
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:CARLOS CARVALHO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
CONCURSO
PROFESSOR
ESCOLA
ADMISSÃO DO RECURSO
Sumário:Justifica-se a admissão do recurso de revista relativo a decisão do TCA se o juízo firmado, sendo dubitativo, não se mostra dotado de óbvia plausibilidade que afaste a necessidade da intervenção do órgão de cúpula da jurisdição.
Nº Convencional:JSTA000P28807
Nº do Documento:SA1202201130454/15
Data de Entrada:12/16/2021
Recorrente:A............
Recorrido 1:MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CIÊNCIA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em apreciação preliminar, na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:


1. A………… [doravante A.], invocando o disposto no art. 150.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos [CPTA], peticiona a admissão do recurso de revista por si interposto do acórdão de 15.07.2021 do Tribunal Central Administrativo Norte [doravante TCA/N] [cfr. fls. 468/485 - paginação «SITAF» tal como as ulteriores referências à mesma, salvo expressa indicação em contrário] que concedeu provimento ao recurso interposto pelo MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO [doravante R.] e que revogou a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel [doravante TAF/PNF] [que havia julgado procedente a ação administrativa instaurada contra o R. e que, em consequência, anulou: i) «a lista final de colocação da bolsa de contratação de escola do Agrupamento de Escolas n.º 1 de Ponte de Sor do ano letivo de 2014/2015, quanto ao grupo de recrutamento 620»; ii) «a lista final de colocação da bolsa de contratação de escola do Agrupamento de Escolas de Vila Viçosa do ano letivo de 2014/2015, quanto ao grupo de recrutamento 620»; e, iii) «a lista final de colocação da bolsa de contratação de escola da Escola Secundária Quinta das Palmeiras, Covilhã, do ano letivo de 2014/2015, quanto ao grupo de recrutamento 620»], julgando totalmente «improcedente a presente ação».

2. Motiva a necessidade de admissão do recurso de revista [cfr. fls. 502/521], na relevância jurídica e social do litígio e das questões suscitadas em torno do regime de colocação de professores no âmbito da bolsa de contratação de escola então disciplinado pelo art. 40.º do DL n.º 132/2012, de 27.06 [na redação que lhe foi introduzida pelo art. 02.º do DL n.º 83-A/2014, de 23.05] na sua articulação com o concurso de contratação inicial e reserva de recrutamento, que reputa revestirem de importância fundamental e, bem assim, para uma «melhor aplicação do direito», fundando esta no acometido erro de julgamento em que terá incorrido o TCA/N no acórdão sob impugnação, já que lavrado com incorreta interpretação e aplicação do disposto, nomeadamente nos arts. 39.º, 40.º, 44.º, n.º 3, do DL n.º 132/2012, e 49.º, n.º 2, al. a), da Lei n.º 35/2014, de 20.06.

3. O R. não produziu contra-alegações em sede de recurso de revista [cfr. fls. 525 e segs.].
Apreciando:

4. Dispõe-se no n.º 1 do art. 150.º do CPTA que «[d]as decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

5. Do referido preceito extrai-se, assim, que as decisões proferidas pelos TCA’s no uso dos poderes conferidos pelo art. 149.º do CPTA, conhecendo em segundo grau de jurisdição, não são, em regra, suscetíveis de recurso ordinário, dado a sua admissibilidade apenas poder ter lugar quando: i) esteja em causa apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, revista de importância fundamental; ou, ii) o recurso revelar ser claramente necessário para uma melhor aplicação do direito.

6. O TAF/PNF proferiu sentença julgando procedente a pretensão anulatória deduzida pelo aqui recorrente, para tal considerando que as listas finais impugnadas de colocação da bolsa de contratação de escola enfermavam de ilegalidade [cfr. fls. 349/368].

7. O TCA/N concedeu provimento ao recurso de apelação deduzido pelo R. e revogou a decisão do TAF/PNF, fundando o seu juízo, em suma, no entendimento de que «a admitir-se a tese perfilhada pelo Tribunal a quo, sempre seria possível ao Autor celebrar um [novo] contrato de docência de 22 horas em bolsa de contratação de escola na plena vigência de um contrato de docência de 17 horas anteriormente celebrado no domínio da contratação inicial e reserva de recrutamento. … De facto, permitindo-se ao Autor a possibilidade de denunciar o contrato celebrado no domínio da contratação inicial e reserva de recrutamento até ao termo do período experimental deste, sempre estaria encontrada uma solução não querida pelo legislador de permitir a titularidade por parte do Autor, durante a duração do período experimental, de duas relações jurídicas de emprego com uma carga horária total de 39 horas. … O que não é de aceitar de todo, pela simples razão de ser ilegal e contrário às regras de contratação docente», sendo que «a idealização do procedimento de contratação docente nos termos admitidos pelo Tribunal a quo não serve o propósito de celeridade e eficiência que devem presidir a atuação da Administração, ademais e especialmente, em matéria de contratação pública, podendo mesmo desembocar no caos deste procedimento, o que se apresenta manifestamente contrário à salvaguarda do interesse público, trave mestra de toda a atuação administrativa e do próprio Estado de Direito, impera concluir que, in casu, a colocação do Autor no âmbito da bolsa de contratação de escola reclama[va] a denúncia prévia do contrato de docência por si anteriormente celebrado no domínio da contratação inicial e reserva de recrutamento».

8. Compulsados os autos importa, destarte, apreciar preliminar e sumariamente se se verificam os pressupostos de admissibilidade referidos no n.º 1 do citado art. 150.º do CPTA, ou seja, se está em causa questão que «pela sua relevância jurídica ou social» assuma «importância fundamental», ou se a sua apreciação por este Supremo Tribunal se apresenta como «claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

9. Tal como repetidamente tem sido afirmado constitui questão jurídica de importância fundamental aquela que, tanto pode incidir sobre direito substantivo como adjetivo, apresente especial complexidade, seja porque a sua solução envolva a aplicação e concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, seja porque o seu tratamento tenha suscitado dúvidas sérias, ao nível da jurisprudência, ou da doutrina.

10. E tem-se considerado de relevância social fundamental uma questão que apresente contornos indiciadores de que a solução pode corresponder a um paradigma ou contribuir para a elaboração de um padrão de apreciação de casos similares, ou que verse sobre matérias que se revistam de particular repercussão na comunidade.

11. No caso não se evidencia da alegação produzida e daquilo que constituem os termos das questões colocadas que estas, no concreto, aportem ou reclamem um elevado labor interpretativo, ou que mostrem revestir de elevada complexidade jurídica em razão da dificuldade das operações exegéticas a realizar, de enquadramento normativo especialmente intrincado, complexo ou confuso, ou cuja análise venha suscitando na jurisprudência e doutrina dúvidas sérias, aliás não sinalizadas, para além de que o regime legal aplicável à disciplina da situação e que se mostra posto em crise já não se encontra vigente ante a revogação operada pelo art. 03.º do DL n.º 9/2016, de 07.03, no que redunda numa fraca capacidade de expansão da controvérsia para fora do âmbito dos autos, mormente para outras situações futuras indeterminadas, também nem sequer concretizadas.

12. Ao invés e no que concerne à argumentação produzida pelo recorrente, enquanto estribada na necessidade de admissão da revista para uma «melhor aplicação do direito», temos que, primo conspectu, a mesma apresenta-se como convincente, a ponto de justificar a admissão do recurso.

13. Com efeito, sem prejuízo da diversa valia ou bondade da motivação aduzida nesta sede, o juízo impugnado do TCA/N apresenta-se como dubitativo e não dotado de óbvia plausibilidade, a ponto de firmemente afastar a necessidade da intervenção do órgão de cúpula da jurisdição.

14. A motivação explicitada e na qual se fundou o juízo impugnado, fazendo a interpretação/aplicação do regime de colocação de professores no âmbito da bolsa de contratação de escola disciplinado à data pelo art. 40.º do DL n.º 132/2012 na sua articulação com o provimento no quadro do concurso de contratação inicial e reserva de recrutamento, não se mostra como imune à dúvida, carecendo de um melhor e mais esclarecido aprofundamento e reanálise por este Supremo, dissipando as dúvidas e assegurando a boa administração da justiça em sentido amplo e objetivo, cientes de que, como vimos, foi tratada pelas instâncias de forma contraditória já que alvo de juízo diametralmente divergente.

15. Flui do exposto que se justifica o afastamento, in casu, da regra da excecionalidade das revistas para garantia de uma mais exata aplicação do direito, impondo-se a necessidade de admissão do recurso.

DECISÃO
Nestes termos e de harmonia com o disposto no art. 150.º do CPTA, acordam os juízes da formação de apreciação preliminar da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal em admitir a revista.
Não são devidas custas.
D.N..

Lisboa, 13 de janeiro de 2022. – Carlos Carvalho (relator) - Teresa de Sousa – José Veloso.