Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:021/12
Data do Acordão:02/29/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FERNANDA MAÇÃS
Descritores:IRC
TRIBUTAÇÃO PELO LUCRO CONSOLIDADO
CONDIÇÃO
INCUMPRIMENTO
AUTORIZAÇÃO
CADUCIDADE
PREJUÍZO FISCAL
MAJORAÇÃO
INTERPRETAÇÃO ABROGATÓRIA
Sumário:I - A caducidade do Regime de Tributação pelo Lucro consolidado (TRLC) por incumprimento das respectivas condições, associada à aplicação do factor 1,5 prevista no nº 10 do art. 59º do CIRC (na redacção da Lei nº 71/93, de 6 de Novembro) para a reposição da «diferença entre os prejuízos que foram efectivamente integrados ma base tributável consolidada e os que teriam sido considerados para efeitos fiscais se as sociedades tivessem sido tributadas autonomamente», não tem natureza sancionatória;
II - Trata-se apenas de um mecanismo utilizado pelo legislador para estimular as sociedades a cumprirem os requisitos legais e a manterem-se numa organização estável, na medida em que só assim se alcançam os objectivos extra fiscais visados pelo legislador com a instituição do RTLC, a saber, a reestruturação do tecido empresarial e a recuperação dos grupos económicos, através da promoção das sinergias entre empresas integradas num grupo, reforçando e consolidando o tecido empresarial, para assim alcançar maior competitividade e favorecer a concorrência, que de outro modo facilmente poderia ser utilizado para finalidades exclusivamente fiscais;
III - Da leitura conjugada dos nºs 10 e 11 do art. 59º do CIRC resulta claramente que o legislador quis equiparar em termos de desvalor jurídico qualquer alteração ao perímetro de consolidação do grupo às situações de caducidade por incumprimento dos requisitos de autorização, equiparação que tem a sua razão de ser uma vez que quer num caso quer no outro não se alcançam os objectivos de política económica visados;
IV - Assim, no caso de saída de uma sociedade do perímetro de consolidação, há-de ser aplicável a majoração prevista no nº 10 do art. 59º do CIRC, não havendo fundamento para interpretação restritiva quando há vontade inequívoca do legislador nesse sentido, verificando-se coincidência entre o teor literal do preceito e a razão de ser do mesmo, sendo que o sentido decisivo da lei coincidirá com a vontade do legislador sempre esta esteja clara e inequivocamente demonstrada no texto, como é o caso.
Nº Convencional:JSTA00067444
Nº do Documento:SA220120229021
Data de Entrada:01/09/2012
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A..., S.A.
Votação:MAIORIA COM 1 VOT VENC
Ref. Acórdãos:
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF SINTRA PER SALTUM
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR FISC - IRC
Legislação Nacional:CIRC88 ART59 N1 N2 N6 N10 N11
CCIV66 ART9 N1 N2 N3
LGT98 ART11
Referência a Pareceres:P PGR 40/1994
Referência a Doutrina:GONÇALO AVELÃS NUNES TRIBUTAÇÃO DOS GRUPOS DE SOCIEDADES PELOS LUCROS CONSOLIDADOS EM SEDE DE IRC PAG174 PAG58 PAG55
FERNANDA MAÇÃS A CADUCIDADE NO DIREITO ADMINISTRATIVO BREVES CONSIDERAÇÕES PAG130 PAG161
MARIA DOS PRAZERES LOUSA O REGIME DE TRIBUTAÇÃO PELO LUCRO CONSOLIDADO IN CTF N355 PAG59 PAG63-64
OLIVEIRA ASCENSÃO O DIREITO INTRODUÇÃO E TEORIA GERAL PAG350
BAPTISTA MACHADO INTRODUÇÃO AO DIREITO E AO DISCURSO LEGITIMADOR PAG186-187
PIRES DE LIMA E OUTRO CÓDIGO CIVIL ANOTADO 4ED VI PAG58-59
GARCIA DE ENTERRIA E OUTRO CURSO DE DERECHO ADMINISTRATIVO 7ED VII PAG161
PASQUALE CERBO LE SANZIONI ADMINISTRATIVE PAG2
FRANK MODERNE SANCIONS ADMINISTRATIVES ET JUSTICE CONSTITUTIONNELLE PAG77
MARCELO MADUREIRA PRATES SANÇÃO ADMINISTRATIVA GERAL AUTONOMIA E AUTONOMIA PAG175-176
FRANCISCO CABALLERO LAS CLAUSULAS ACCESORIAS DEL ACTO ADMINISTRATIVO PAG87
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
I-RELATÓRIO
1. A……, SA, com a identificação constante dos autos, impugnou judicialmente a liquidação adicional de IRC, relativa ao exercício de 1997, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, por discordar das correcções efectuadas pela Inspecção Tributária, relativamente ao exercício de 1997, que foi julgada parcialmente procedente.
2. Não se conformando com tal decisão, veio a Fazenda Pública interpor recurso para a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, nos termos dos artigos 280.º a 282.º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), alegando, nas Conclusões:
I — Tem o presente recurso como objecto a douta sentença que julgou parcialmente procedente a Impugnação Judicial deduzida pela A……, S.A.. contra a liquidação de IRC do exercício de 1997, na parte relativa à correcção atinente à majoração dos prejuízos fiscais integrados na base tributável consolidada por aplicação do artigo 59°, n°11, do CIRC, no montante de 1751.773.971$00.
II — A decisão de anular a correcção controvertida assenta no entendimento segundo o qual” (…) a saída de uma sociedade do grupo do perímetro de consolidação (..) não revela qualquer incumprimento das disposições legais quanto à consolidação autorizada. Não revela qualquer comportamento susceptível de justificar a aplicação de uma sanção, como a majoração prevista no artigo 59° n° 10 para a caducidade da autorização. (...) No caso dos autos existe uma alteração do perímetro da consolidação, em resultado da saída da sociedade B……, S.A. Assim sendo, e acolhendo a interpretação restritiva do artigo 59°, n°.11 do CIRC, no caso dos autos não deve ser aplicada a majoração prevista no 59°, n° 10 do CIRC”.
III — Dispõe o artigo 11° da LGT que na determinação do sentido das normas jurídicas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis, constantes do artigo 9º do Código Civil.
IV — Refere o Ilustre Professor Baptista Machado in Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador: “O texto é o ponto de partida da interpretação. Como tal cabe-lhe desde logo uma função negativa: a de eliminar aqueles sentidos que não tenham qualquer apoio, ou pelo menos uma qualquer “correspondência” ou ressonância nas palavras da lei. Mas cabe-lhe igualmente uma função positiva (...) se o texto comporta apenas um sentido, é esse o sentido da norma (...)”
V - Assim, na busca do pensamento legislativo subjacente à norma, se considerar o intérprete que é necessária uma interpretação restritiva da mesma, tem que verificar se a letra da lei a permite.
VI — No caso dos autos o preceito a interpretar só comporta um sentido, não permitindo a letra da lei a interpretação restritiva do artigo 59º n°11 do CIRC por forma a afastar a majoração prevista no n° 10 do mesmo preceito quando ocorre a saída de uma sociedade do grupo do perímetro de consolidação.
VII — O preceito em causa não distingue qualquer tipo de comportamento susceptível de impor ou afastar a aplicação de uma sanção, limitando-se a consagrar de forma taxativa a majoração.
VIII — Não está aqui em causa a questão de saber se o comportamento da sociedade é ou não censurável mas apenas acautelar efeitos que possam advir das especiais relações contratuais entre sociedades inseridas no mesmo grupo económico.
IX - Ora, a letra da lei impõe de forma taxativa a majoração e tratando-se de normas atinentes a regimes especiais de tributação, determina o seu elemento sistemático e teleológico o afastamento da interpretação correctiva da lei, de natureza restritiva, adoptada na douta sentença recorrida.
X - Por tudo quanto supra se expôs, deve a douta sentença ser revogada e substituída por decisão que considere legal a correcção efectuada e julgue improcedente a impugnação judicial deduzida na parte contestada.
XI - A manter-se na ordem jurídica, a douta sentença ora recorrida revela uma inadequada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 59°, n° 10 e n° 11, do CIRC, 11º da LGT e 9° do Código Civil.”
3. A Recorrida contra-alegou, sem apresentar conclusões, defendendo, em suma, que “deve ser mantida a sentença recorrida, e, em consequência, negado provimento ao recurso interposto pela Fazenda Pública.”
4. O Digno Representante do Ministério Público junto deste Tribunal, emitiu douto Parecer, concluindo pela improcedência do recurso.
5. Colhidos os visto legais, cumpre decidir.
II- FUNDAMENTOS
1. DE FACTO
A sentença recorrida deu como provados os seguintes factos, com interesse para o caso dos autos:
“A) Em 26/12/1999, a Impugnante entregou declaração de rendimentos modelo 22, referente ao IRC do exercício de 1997, acompanhado de Anexo 22-C (Lucro consolidado) – cfr. fls 12 a 15 do processo administrativo tributário, Vol.I, apenso
B) A Impugnante foi objecto de uma acção de inspecção interna, ao IRC do exercício de 1997, tendo os Serviços de Prevenção e Inspecção Tributária procedido de entre outras às seguintes correcções:
“CORRECÇÕES AO NÍVEL DO LUCRO TRIBUTÁVEL CONSOLIDADO(...)
Acréscimo a que se refere o n.° 11 do art. 59.° do CIRC: 1 751 773 971$00
“Dado o abandono do grupo por parte da sociedade dependente B…… no exercício de 1998, deve, de acordo com o n.° 11 do art. 59.° do CIRC, ser adicionada para efeitos de determinação do lucro tributável consolidado do exercício de 1997 (último exercício em que a B…… integra o grupo) a importância correspondente ao produto 1,5 pelo valor da diferença entre os prejuízos gerados por esta empresa que foram integrados na base tributável consolidada e os que teriam sido considerados para efeitos fiscais caso a mesma tivesse sido tributada autonomamente.
Assim, tendo a B…… integrado na base tributável consolidada o montante de 1 716 057 537$00 de prejuízos fiscais (no exercício de 1996, o primeiro em que integrou o grupo) e ascendendo a 548 208 223$00 a parte destes prejuízos que poderia ter utilizado caso tivesse sido tributada autonomamente (valor correspondente ao lucro tributável apurado individualmente pela empresa em 1997), o valor da diferença a que se refere o supra referido n.° 11 do art. 59.° do CIRC ascende, neste caso, a 1167849314$00 (= 1 716 057 537$00 — 548 208 223$00) e a importância a acrescer para apuramento do lucro tributável consolidado do exercício de 1997, que nos termos da mesma norma corresponde ao produto de 1,5 por o valor daquela diferença, ascende a 1 751 773 971$00 (= 1 167 849 314$00 x 1,5).
A sociedade dominante entregou em 29.10.99 uma declaração de substituição relativa aos rendimentos consolidados do exercício de 1997, na qual acresceu, para efeitos de apuramento do lucro tributável, o montante de 1 167 8499 314$00, correspondente à diferença entre o valor dos prejuízos integrados pela B…… na base tributável consolidada e a importância que esta poderia ter utilizado caso tivesse sido tributada autonomamente. Não considerou a majoração de 50% ao valor daquela diferença, determinado pelo n.° 11 do art. 59.° do CIRC, pelo que o acréscimo efectuado foi inferior ao devido em 583 924 657$00 (= 1 751 773 971$00 — 1 167 849 314$00)”. — cfr. fundamento das correcções a fls. 48 a 60, especialmente a fls. 52 do processo administrativo tributário, Vol. 1, apenso;
C) …….
D) Os Serviços de Inspecção efectuaram correcções ao nível do cálculo do imposto consolidado, quanto aos juros compensatórios: 4 927 320$00 por “O facto que determina a saída do perímetro do grupo da sociedade B……, a perda do domínio total da …… sobre esta empresa, ocorre em 30.06.99, pelo que, nos termos da alínea b) do n.° 7 do art. 96.° do CIRC, o prazo para a entrega de correspondente declaração de substituição dos rendimentos consolidados do exercício de 1997 terminaria em 30.08.99. a declaração é entregue em 29.10.99, sendo por isso devidos juros compensatórios pelo prazo que decorre entre as datas de 31.08.99 e 29.10.99, calculados sobre o montante de 435 465 317$00 (valor da colecta de IRC e Derrama adicionais que resultam do acréscimo do montante de 1 167 849 314$00 ao lucro tributável consolidado), à taxa de 7%. Como tal, procede-se à correcção do montante de 4 927 320$00, a favor do Estado, nos termos do disposto no art. 80.° do CIRC”. - cfr. fundamento das correcções a fls. 48 a 60, especialmente a fls. 55 do processo administrativo tributário, Vol. I, apenso;
E) Na sequência das correcções efectuadas foi emitida a liquidação adicional de IRC n.° 8310000665, referente ao ano de 1997, no valor a pagar de 1 432 685,67 €, com data limite de pagamento: 06/03/2002 - cfr. fls. 7 do processo administrativo tributário, Vol. II, apenso;
F) A liquidação referida em E foi paga em 06/03/2002 — cfr. print a fls. 73 do processo administrativo tributário, Vol. I, apenso;
G) Em 24/05/2002, a Impugnante apresentou reclamação graciosa da liquidação adicional referida em E — cfr. carimbo a fls. 2 e fls. 2 a 6 do processo administrativo tributário, Vol. II, apenso;
H) Pelo oficio n.° 05068 de 06/05/2003, a Impugnante foi notificada para exercer o direito de audição prévia sobre o projecto de decisão de indeferimento da reclamação graciosa, referida em G — cfr. fls. 22 a 32 do processo administrativo tributário, Vol. II, apenso;
1) Por despacho de 30/06/2003, proferido pelo Director de Finanças Adjunto da 1.ª Direcção de Finanças de Lisboa, foi convolado em definitivo o projecto de decisão de indeferimento da reclamação, por a Reclamante não ter exercido o direito de audição prévia - cfr. fls. 33 e 34 do processo administrativo tributário, Vol. II, apenso;
J) Pelo ofício n.° 07697 de 02/07/2003, a Impugnante foi notificada da decisão de indeferimento da reclamação referida em I - cfr. fls. 35 a 37 do processo administrativo tributário, Vol. II, apenso;
K) Em 20/05/2003, a Impugnante apresentou resposta à audição prévia, apresentada no Posto de Recepção n.° 4/90 da Direcção de Finanças de Lisboa — cfr. carimbo a fls. 40 e fis. 40 a 47 do processo administrativo tributário, Vol. II, apenso;
L) Em 31/07/2003, foi recepcionada a resposta à audição prévia apresentada pela ora Impugnante, com data de recepção de 20/05/2003 — cfr. fls. 38 a 47 do processo administrativo tributário, Vol. II, apenso;
M) Por despacho de 07/10/2003, proferido pelo Director de Finanças Adjunto da 1.ª Direcção de Finanças de Lisboa, foi convolado em definitivo o projecto de decisão de indeferimento da reclamação e revogado o despacho proferido em 30/06/2003 e notificado em 04/07/2003, atendendo ao teor do exercício do direito de audição prévia, referido em L - cfr. fls. 57 a 59 do processo administrativo tributário, Vol.II, apenso;
N) Pelo ofício n.° 11550 de 07/10/2003, a Impugnante foi notificada da decisão de indeferimento da reclamação referida em I - cfr. fls. 60 a 62 do processo administrativo tributário, Vol. II, apenso;

O) Em 18/07/2003, foram apresentados os presentes autos de impugnação - cfr. carimbo a fls. 2;
P)…..
Q).”
2- DE DIREITO
2.1. A questão a apreciar e decidir
Vem o presente recurso interposto pela Fazenda Pública contra a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial deduzida pela A……, S.A., contra a liquidação de IRC do exercício de 1997, na parte relativa à correcção atinente à majoração dos prejuízos fiscais integrados na base tributária consolidada, por aplicação do art. 59º, nº11, do CIRC.
Resulta da matéria dada como provada que, no caso sub judice, na sequência da saída de uma sociedade do grupo do perímetro de consolidação, por alienação do respectivo capital, a ora recorrida, empresa dominante, declarou em singelo a diferença entre os prejuízos fiscais gerados por esta empresa que foram integrados na base tributável consolidada e os que teriam sido considerados para efeitos fiscais, caso a mesma empresa tivesse sido tributada autonomamente em IRC.
Por sua vez, a Administração fiscal, considerando que a recorrida não se devia ter limitado a declarar tal diferença em singelo e que deveria ter majorado essa diferença em 50%, de acordo com o disposto no n.º 11 do art. 59.° do CIRC, procedeu à correcção referida na alínea B) dos factos provados, que se repercutiu na consequente liquidação adicional de IRC e respectivos juros compensatórios, para que fosse reposto o valor da diferença.
Contra esta actuação se insurgiu a ora recorrida, impugnado a liquidação na parte em que teve origem nessa correcção com o fundamento de que, estando em causa uma situação de simples saída de sociedades do perímetro de consolidação, que não originou a caducidade da autorização, não é aplicável a majoração a que se reporta o n.º 10 do art. 59.° do CIRC.
A sentença “a quo” acolheu a tese da impugnante, argumentando, para tanto, o seguinte:
· O incumprimento das disposições legais quanto à consolidação autorizada determina a aplicação de uma sanção, que consiste na utilização do coeficiente de 1,5 previsto no art. 59º, nº10, do CIRC;
· A saída de uma sociedade do grupo do perímetro de consolidação não revela qualquer incumprimento das disposições legais quanto à consolidação autorizada, nem qualquer comportamento susceptível de justificar a aplicação de uma sanção, como a majoração prevista no art. 59º, nº10, do CIRC para a caducidade da autorização.
Considerando esta fundamentação, a Mmª. Juíza do Tribunal a quo, acolheu a interpretação restritiva do n.º 11 do art. 59.° do CIRC no sentido de afastar a aplicação da referida penalização, nas situações de saída autorizada de uma das sociedades do perímetro de consolidação, no seguimento da jurisprudência adoptada no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, proc. nº 141/04, de 18/3/2010, que tem o seguinte sumário:
IRC-REGIME DE TRIBUTAÇÃO PELO LUCRO CONSOLIDADO-INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA DO ART 59º, Nº11 do CIRC
I- A aplicação do factor 1,5 prevista no nº10 do art. 59º do CIRC (na redacção da Lei nº 71/93, de 26 de Novembro) para a reposição da «diferença entre os prejuízos que foram efectivamente integrados na base tributável consolidada e os que teriam sido considerados para efeitos fiscais se as sociedades tivessem sido tributadas autonomamente», a aplicar quando da caducidade do Regime de Tributação pelo Lucro Consolidado (RTLC) por incumprimento das respectivas condições, tem natureza penalizadora ou sancionatória.
II-Assim, porque nas situações de saída voluntária e previamente autorizada de uma sociedade do perímetro de consolidação, que não gera a caducidade do RTLC, não há motivo para a aplicação de sanção alguma, o art. 59º, nº11, do CIRC, que remete para o número anterior, deve ser interpretado restritivamente, no sentido de que a reposição da «diferença entre os prejuízos dessa sociedade que foram integrados na base tributável consolidada e os que teriam sido considerados para efeitos fiscais se as sociedades tivessem sido tributadas autonomamente» será a efectuar em singelo e não sujeita ao factor 1,5”.
Contra esta interpretação se insurge a recorrente, considerando, entre o mais, que:
· O preceito a interpretar só comporta um sentido, não permitindo a letra do nº 11 do art. 59º do CIRC uma interpretação restritiva de modo a afastar a aplicação da majoração prevista no nº 10 do mesmo preceito nas situações em que ocorre a saída de uma sociedade do grupo do perímetro de consolidação.
· A lei não distingue qualquer tipo de comportamento susceptível de impor ou afastar a aplicação de uma sanção, limitando-se a consagrar de forma taxativa a majoração.
· Não está em causa a questão de saber se o comportamento da sociedade é ou não censurável, mas apenas acautelar efeitos que possam advir das especiais relações contratuais entre sociedades inseridas no mesmo grupo económico.
Em face das conclusões do recurso jurisdicional, que delimitam o âmbito do recurso, a questão a decidir é a de saber se a sentença “a quo”, ao concluir que o art. 59.°, n.º 11, do CIRC deve ser interpretado restritivamente, de forma a não ser aplicável a majoração (resultante da aplicação do coeficiente de 1,5) na determinação dos prejuízos a adicionar quando da saída de uma sociedade do grupo submetido ao RTLC, fez correcta interpretação e aplicação do disposto nos artigos 59º, nºs10 e 11 do CIRC, e 11º da LGT (cfr. conclusões das alegações VI a XI).
2.1.2. Do carácter não sancionatório da caducidade da autorização associada à majoração de 1,5 prevista no nº 10 do art. 59º do CIRC
O Regime de Tributação pelo Lucro Consolidado (RTLC) foi introduzido em Portugal pelo Decreto-Lei nº 414/87, de 31 de Dezembro, tendo-se mantido após a reforma Fiscal de 1998, através da incorporação das respectivas regras no CIRC, e assentava numa autorização prévia obrigatória por parte do Ministro das Finanças. Essa autorização permitia que o lucro tributável em IRC fosse calculado em conjunto para todas as sociedades do grupo mediante a consolidação dos balanços e das demonstrações de resultados das sociedades que o integravam (nº1 do art. 59º do CIRC), desde que verificados certos requisitos definidos na lei e de outros fixados pelo próprio Ministro das Finanças (nº. 2 do art. 59º do CIRC).
Para melhor se perceber o sentido e alcance do art. 59º, nºs 10 e 11, importa ter presente o teor integral dos mesmos e que era o seguinte:
“1 - Existindo um grupo de sociedades, a sociedade dominante poderá solicitar ao Ministro das Finanças autorização para que o lucro tributável em IRC seja calculado em conjunto para todas as sociedades do grupo mediante a consolidação dos balanços e das demonstrações de resultados das sociedades que o integram.
[ ... ]
6 - A autorização caduca, porém, logo que deixe de se verificar alguma das condições referidas no n.º 2 ou não se satisfaçam os requisitos mencionados no n.º 4, não sendo já aplicável o regime previsto neste artigo no exercício em que o facto determinante dessa caducidade se verificar, sem prejuízo do disposto nos números seguintes.
7 - No caso de se verificar alteração na composição do grupo, designadamente por a sociedade dominante passar a ter o domínio total de uma ou mais sociedades que satisfaçam as condições do n.º 2, deverá obter-se autorização, nos termos do n.º 3, para que o novo grupo seja abrangido pelo regime deste artigo, sob pena de a autorização concedida à sociedade dominante caducar a partir do exercício seguinte, inclusive, àquele em que se verificou a alteração na composição do grupo.
[ ... ]
10 - Nos casos em que se verifique caducidade da autorização, nos termos dos nºs 6 ou 7 será, sem prejuízo do disposto no n.º 8, quando aplicável, adicionada para efeitos de determinação do lucro tributável do último exercício em que o regime for aplicado uma importância correspondente ao produto de 1,5 pelo valor da diferença entre os prejuízos que foram efectivamente integrados na base tributável consolidada e os que teriam sido considerados para efeitos fiscais se as sociedades tivessem sido tributadas autonomamente.
11 - O disposto no número anterior é igualmente aplicável nos casos de saída de uma ou mais sociedades do grupo sem que haja lugar a caducidade da autorização, aplicando-se nesse caso relativamente à diferença entre os prejuízos dessas sociedades que foram integrados na base tributável consolidada e os que teriam sido considerados para efeitos fiscais se as sociedades tivessem sido tributadas autonomamente.
(…)»
A sentença recorrida, acentuando a natureza sancionatória da caducidade associada à majoração prevista no art. 10º do art. 59º do CIRC, concluiu que a mesma só alcança justificação em caso de incumprimento dos requisitos da autorização, ou seja, quando verificados os pressupostos da caducidade. Como na situação do nº 11 do art. 59º do CIRC não há caducidade, não há incumprimento, logo, não haveria lugar para aplicação de uma sanção.
A primeira questão a decidir traduz-se, desta forma, em saber se neste caso podemos falar em sanção e, não obstante autorizada doutrina falar aqui em “sanção específica” (Cfr. GONÇALO AVELÃS NUNES, Tributação dos Grupos de Sociedades pelos Lucros Consolidados em Sede de IRC, Almedina, Coimbra, 2001, p. 174. ), podemos, desde já, adiantar que só em sentido impróprio se pode usar esta terminologia.
Vejamos.
Com frequência, determinados actos administrativos incorporam, nos termos da lei, condições específicas para o exercício da actividade que habilitam, de tal modo que a sua violação ou incumprimento acarreta a cessação da eficácia desse acto. Diz-se, nestas circunstâncias, que as cláusulas de caducidade incorporadas em geral em actos ampliativos, como é o caso, consubstanciam verdadeiras condições resolutivas: a eficácia do acto ficaria condicionada ao cumprimento da condição pelo seu beneficiário no prazo fixado, sob pena de extinção dos seus efeitos.
A ser assim, o efeito extintivo é provocado pela verificação da condição resolutiva, não havendo lugar para manifestação de qualquer poder sancionatório da Administração (Cfr., entre outros, FRANCISCO V. CABALLERO, Las Cláusulas accesorias del acto administrativo”, Tecnos, Madrid, 1996, pp. 87 ss.) . A cominação da caducidade não é senão mera consequência do incumprimento das obrigações (condições) impostas ao beneficiário do acto, na decorrência do mero exercício de faculdades de controlo dos títulos habilitantes por parte da Administração, à margem de qualquer poder sancionador (Cfr. MARIA FERNANDA MAÇÃS, “A Caducidade no Direito Administrativo:Breves Considerações”, Separata de Estudos de Homenagem ao Conselheiro José Manuel Cardoso da Costa, Coimbra Editora, 2005, pp.161 ss. e bibliografia aí citada. Por sua vez, MARCELO MADUREIRA PRATES fala em medidas administrativas extintivas, entre as quais subsume a declaração de caducidade, cfr. Sanção Administrativa Geral, Autonomia e Autonomia, Almedina, Coimbra, 2005, pp.175 ss. e nota (396) da p. 176. ) .
Para alguma doutrina, quando a causa de caducidade se traduz no incumprimento de uma condição imposta ao destinatário do acto (condição potestativa), o efeito extintivo explica-se como sanção ou revogação, tornando-se, porém, necessário distinguir entre poder sancionatório da Administração e resolução de um acto jurídico. No fundo, os autores reconduzem a caducidade a um conceito amplo ou não técnico de sanção, que englobaria as denominadas sanções rescisórias de actos e contratos administrativos, por incumprimento das condições fixadas nos respectivos actos Cfr., entre outros, EDUARDO GARCIA DE ENTERRIA/TOMÁS-RAMÓN FERNANDEZ, Curso de Derecho Administrativo, 7ª ed., Civitas, Madrid, 2000, vol, II., p.161 e PASQUALE CERBO, Le Sanzioni Amministrative, Giuffrè Editore, Milão, 1999, pp. 2 ss. .
A esta concepção ampla e heterogénea de sanção a doutrina contrapõe uma noção de sanção em sentido “estrito” ou “técnico” que tem como função essencial punir o autor de uma infracção, pelo que não dispensa uma dimensão teleológico-funcional, além de elementos estruturantes (infracção e carácter desfavorável do acto). Assim, o fim primário das normas sancionatórias é o de impor uma desvantagem ou infligir um “mal” ao infractor a título de punição, relevando o interesse lesado apenas de forma mediata Ver, por todos, FRANCK MODERNE, Sanctions Administratives et Justice Constitutionnelle, Económica, Paris, 1993, p. 77 e MARCELO MADUREIRA PRATES, ob. cit., pp. 56-57.. Se, na presença de uma infracção, o instrumento repressivo adoptado pela Administração não for essencialmente dirigido a punir o responsável, mas a satisfazer um dado interesse público específico que se visa tutela, então não pode falar-se em sanção Cfr. MARIA FERNANDA MAÇÃS, ob. cit., p. 137..
Ora, em regra, a eliminação dos efeitos do acto por caducidade não tem como objectivo directo punir a violação dos deveres ou obrigações impostas, mas evitar que se prolongue no tempo a lesão do interesse público resultante do incumprimento. E, apesar da presença do elemento aflitivo, traduzido na perda da situação jurídica de vantagem derivada do acto extintivo, a prevalência está do lado da dimensão relativa à satisfação directa do interesse público específico, perturbado com a infracção.
Aplicando o exposto ao caso em análise, facilmente se conclui que o objectivo primário visado pelo legislador não é o de punir o infractor, mas sim alcançar determinados fins de interesse público de natureza extra fiscal.
Nas palavras de GONÇALO AVELÃS NUNES (Ob . cit., p. 55.), “os sistemas fiscais prosseguem hoje, e cada vez mais, outros fins que não os estritamente fiscais, nomeadamente objectivos de incentivo à actividade económica em geral e à actividade empresarial em particular”, apoiando a reestruturação e desenvolvimento das unidades produtivas, com vista a permitir-lhes sobreviver num mercado cada vez mais concorrencial e global. E é neste quadro que deve ser entendida a consagração do regime de integração fiscal para os grupos de sociedades, enquanto instrumento de apoio à reestruturação das empresas e de promoção da competitividade (Neste sentido, pode ler-se no preâmbulo do Decreto-Lei nº 442-B/88, de 30 de Novembro, que um dos vectores da reforma do IRC assentou na “necessidade de pela via da tributação não se criarem dificuldades à inserção de um apequena economia aberta, como a portuguesa, no quadro de um mercado caracterizado por elevados níveis de concorrência, o que levou à consideração, em especial, dos sistemas de tributação vigentes nos países da CEE.”).
Para outros autores, a regulamentação fiscal sobre a tributação do lucro consolidado teve em vista a necessidade de satisfazer expectativas criadas aos grupos de sociedades e promover a sua participação no reforço do tecido empresarial (Cfr. MARIA DOS PRAZERES LOUSA,“O Regime de Tributação pelo Lucro Consolidado”, Ciência e Técnica Fiscal, nº 355, 1989, p. 59.).
Referindo-se em concreto às vantagens do regime da tributação numa base consolidada, a mesma Autora considera-o um regime “com pontos fortes susceptíveis de o tornar atractivo para alguns grupos de sociedades”, favorecendo designadamente e, em primeira linha, “os grupos constituídos por sociedades em que umas apresentam lucros e outras prejuízos, devido à economia de impostos conseguida com a compensação dos resultados positivos e negativos” (Ob. cit. , p. 60.). Por conseguinte, este regime podia trazer consideráveis vantagens fiscais ao grupo, por permitir na consolidação deduzir os prejuízos das sociedades deficitárias do grupo aos lucros das restantes, o que no regime normal não era possível.
Por sua vez, do lado do Estado, os autores realçam que a maior desvantagem na aplicação deste regime se traduz na “perda de receita que estes sistema acarreta, ao permitir, nomeadamente, a compensação de perdas entre resultados das várias sociedades do mesmo grupo e a eliminação das operações internas para efeitos fiscais” (Cfr. GONÇALO AVELÃS NUNES, ob. cit., p. 58.).
Entrando agora na análise dos aspectos do regime que interessam ao caso em apreço importa sublinhar que, à luz do Decreto-Lei nº L 414/87, os grupos de sociedades dispunham de ampla margem de liberdade no tocante à composição do grupo, podendo nele ser incorporadas apenas as sociedades que propiciassem a obtenção de uma carga fiscal óptima. Por outro lado, como o diploma não previa em que circunstância se poderia verificar a caducidade da autorização nem as suas consequências, a composição do grupo estava sujeita a ser alterada qualquer exercício, com a simples exclusão das sociedades cuja situação fiscal não fosse conveniente para o grupo.
Com o Código do IRC (Aprovado pelo Decreto-Lei nº 442-B/88, de 30 de Novembro.), o art. 59º, nº1, ao dizer “existindo um grupo de sociedades….”, tornou o grupo uma realidade jurídica e económica, solucionando o problema “que antes se podia colocar de no seio do grupo se formarem, consoante as conveniências, um ou vários subgrupos em condições de terem acesso ao regime de consolidação fiscal. Tal situação deixou em princípio, de se poder concretizar na medida em que resulta claro que todas as sociedades do grupo - que satisfaçam as condições e requisitos exigidos - deverão ser incluídas para efeitos de consolidação” (Cfr. MARIA DOS PRAZERES LOUSA, ob. cit., pp. 63-64.).
Ainda segundo a mesma Autora, outra modificação significativa, traduziu-se na introdução, no nº 6 do art. 59º do CIRC, de que a autorização caducava logo que deixasse de se verificar em qualquer das sociedades do grupo alguma das condições e requisitos exigidos na lei, que implicava a perda do regime da tributação pelo lucro consolidado, passando cada uma das sociedades membros do grupo a ser tributada de modo diferente.
Posteriormente, com as alterações introduzidas pela Lei nº71/93, de 26 de Novembro, o legislador veio estabelecer um regime ainda mais estrito, aditando ao art. 59º do CIRC os nºs 10 e 11, passando a prever-se a aplicação da majoração, correspondente ao produto de 1, 5 pelo valor da diferença entre os prejuízos que foram efectivamente integrados na base tributável consolidada e os que teriam sido considerados para efeitos fiscais se as sociedades tivessem sido tributadas autonomamente, aos casos de caducidade e de saída de uma ou mais sociedades do perímetro de consolidação (respectivamente nºs 10 e 11 do art. 59º do CIRC).
Estamos agora em condições de perceber que a caducidade da autorização implica a perda de uma situação de vantagem que tinha em vista, em primeira linha, a reestruturação do tecido empresarial e a recuperação dos grupos económicos, através da promoção das sinergias entre empresas integradas num grupo, reforçando e consolidando o tecido empresarial, para assim alcançar maior competitividade e favorecer a concorrência.
Assim, quando o legislador comina o incumprimento dos requisitos da autorização com a caducidade associada à majoração de 1,5, o seu objectivo é precaver-se contra a utilização da situação de vantagem fiscal concedida aos grupos de sociedades para a prossecução de outros fins com frustração dos visados pelo legislador.
A vantagem fiscal concedida aos grupos de sociedades através do regime da tributação do lucro consolidado, que, como vimos, implica para o Estado perda de receitas, é justificada pelos potenciais efeitos positivos do ponto de vista económico que se visam alcançar com esse mecanismo. Ora, em caso de caducidade da autorização, as sociedades acabam por beneficiar da diminuição de impostos enquanto o grupo se manteve em actividade mas, em contrapartida, o Estado perde duplamente: não só vê diminuídas as suas receitas, como não atinge os efeitos de política económica pretendidos. Isto para não falar da necessidade de o legislador ter de se prevenir também contra a eventualidade de o regime poder ser utilizado pelos grupos de sociedades para efeitos exclusivamente fiscais, isto é, para apenas beneficiarem da diminuição do pagamento de impostos ou até para acautelar efeitos que possam advir das especiais relações contratuais entre sociedades inseridas no mesmo grupo económico, como alega a Fazenda pública nas suas alegações (conclusão VIII), situações em que não serão atingidos os efeitos económicos visados pelo legislador.
Em suma, a caducidade associada à majoração prevista no nº 10 do art. 59º do CIRC não passa de um mecanismo utilizado para desencorajar as sociedades a não cumprirem os requisitos legais ou a saírem do perímetro de consolidação, mantendo-se numa organização estável, na medida em que só assim se alcançam os objectivos visados pelo legislador com a instituição do RTLC.
Acresce que, como o regime é de adesão voluntária, caberá às sociedades, no uso da sua liberdade de organização, avaliar se devem agrupar-se e consolidar ou não em conformidade com os benefícios e custos que tal opção possa implicar.
Considerando o exposto, não podemos deixar de concluir que assiste razão à recorrente quando afirma que não está em causa saber se o comportamento da recorrida foi ou não censurável, pois não estamos a tratar da eventual violação de um qualquer ilícito, cuja violação implicaria a aplicação de uma sanção (Somente num sentido amplo ou não técnico se poderia falar em sanção, ou melhor dito, em caducidade - sanção. Para maiores desenvolvimentos, cfr. MARIA FERNANDA MAÇÃS, ob. cit., pp. 130 e ss., e Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria - Geral da República nº 40/1994-Complementar. ). Note-se que, mesmo que se concluísse, por mera hipótese académica, que a recorrida tinha utilizado a consolidação e consequente desconsolidação da B……., com a finalidade exclusiva de obter ganhos fiscais, ainda assim não estaria preenchido qualquer ilícito, uma vez que tais ganhos teriam sempre de se considerar lícitos porque propiciados pelo funcionamento do regime do RTLC.
Assim sendo, assiste razão à recorrente improcedendo a argumentação da sentença recorrida, que não pode, desta forma, manter-se.
2.1.3. Da impossibilidade legal da interpretação restritiva do nº 11º do art. 59º do CIRC
Diz-se que a interpretação é restritiva quando o intérprete chega à conclusão de que o legislador adoptou um texto que atraiçoa o seu pensamento, na medida em que diz mais do que aquilo que pretendia dizer, o que significa que a ratio legis tem aqui uma palavra decisiva. O intérprete, em vez de se deixar arrastar pelo sentido aparente do texto, deve restringi-lo em termos de o tornar compatível com o pensamento legislativo, ou seja, com aquela ratio, em aplicação do brocardo latino cessante ratione legis cessat ejus dispositio.
Nesta sequência, estamos perante um caso que justifica lançar mão da interpretação restritiva quando o intérprete chega à conclusão de que o legislador adoptou um texto que atraiçoa o seu pensamento, na medida em que diz mais do que aquilo que se pretendia dizer. Em vez de se deixar arrastar pelo sentido aparente do texto, deve restringi-lo em termos de o tornar compatível com o pensamento legislativo.
Aplicando o exposto ao caso dos autos, desde já se adianta que não vemos fundamento para interpretar restritivamente os preceitos em causa, uma vez que, análise atenta do teor literal dos preceitos pertinentes leva-nos a concluir que a vontade do legislador se encontra claramente expressa.
Vejamos.
Constitui vontade inequívoca do legislador, correctamente expressa no nº 10 do art. 59º do CIRC, de que, designadamente em caso de caducidade da autorização, é de aplicar, para efeitos de determinação do lucro tributável, a majoração “de 1,5 pelo valor da diferença entre os prejuízos que foram efectivamente integrados na base tributável consolidada e os que teriam sido considerados para efeitos fiscais se as sociedades tivessem sido tributadas autonomamente”.
Por sua vez, ainda que no nº 11 do mesmo preceito não haja lugar a caducidade da autorização, o legislador quis igualmente e de forma inequívoca mandar aplicar a referida majoração nos casos de saída de uma ou mais sociedades do perímetro de integração de um grupo tributado pelo RTLC.
Da leitura conjugada dos dois preceitos resulta claramente que se pretende, através do nº 11, aplicar, no caso de alterações do perímetro do grupo, a mesma majoração que estabeleceu para as situações de caducidade. Dito por outras palavras, o legislador quis equiparar em termos de desvalor jurídico qualquer alteração do perímetro de consolidação do grupo às situações de caducidade por incumprimento dos requisitos da autorização. Equiparação essa que tem razão de ser, uma vez que, quer no caso de caducidade por incumprimento quer nas situações de saída de sociedades do grupo, não se alcançam os objectivos de interesse público atrás referenciados. Isto é, do ponto de vista jurídico, as consequências são as mesmas: frustração dos objectivos de política económica visados com o legislador através da instituição do RTLC.
Realce-se que a saída de uma ou mais sociedades do grupo vai precisamente ao arrepio do visado pelo legislador no sentido de promover o reforço e a consolidação do tecido empresarial através da integração de sociedades em dificuldade num grupo mais forte. E, como através da tributação pelo lucro consolidado se permite deduzir os prejuízos das sociedades deficitárias do grupo aos lucros das restantes, sem quaisquer constrangimentos, facilmente o regime poderia ser utilizado com finalidades exclusivamente fiscais. Note-se, que, da análise dos trabalhos preparatórios do proposta de lei nº 78/VI- alterações à Lei nº 30-C/92, de 28 de Dezembro, que originou a Lei nº 71/93, atendendo ao registo da discussão e votação na especialidade, pode ler-se, com pertinência para a compreensão das alterações introduzidas, que “Uma boa parte destas medidas de carácter fiscal aparecem sob o signo da necessidade de moralização do sistema (…). Isto é, o Governo entende agora que as medidas tomadas nos anos idos de 1989 e 1990, com objectivos de política económica muito nítidos e que se destinavam a facilitar a reestruturação do tecido empresarial português e a dinamizar o mercado de capitais, têm consequências muito preversas…” (Cfr. Reunião Plenária de 29 de Outubro de 1993, Diário da Assembleia da República, I Série, nº 6, 30 de Outubro de 1993, p. 149. ) (cfr. Reunião Plenária de 29 de Outubro de 1993, Diário da Assembleia da República, I Série, nº 6, 30 de Outubro de 1993, p. 149).
Considerando o exposto, não podemos acompanhar a sentença recorrida quando conclui que a majoração prevista no nº 10 do art. 59º do CIRC só encontraria justificação nos casos em que existisse um incumprimento superveniente das condições que justificaram a autorização da tributação ao abrigo do RTLC e já não quando, como no caso dos autos, operasse uma mera alteração da composição do perímetro do grupo.
Em primeiro lugar, não há nenhum elemento de interpretação, em especial o racional, que aponte para a restrição da aplicação da majoração prevista no nº 10 do art. 59º do CIRC aos casos de caducidade por incumprimento superveniente das condições legais fixadas na autorização.
Pelo contrário, a interpretação sufragada na sentença “a quo” não tem na letra do preceito o mínimo apoio, sendo que, tendo por referência o art. 9º, nºs 1 e 2, do Código Civil, aplicável por remissão do art. 11º da LGT, a letra da lei é, naturalmente, o ponto de partida da interpretação, cabendo-lhe, desde logo, como assinala BAPTISTA MACHADO (Cfr. Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 2ª reimpressão, Coimbra, 1989, pp. 187 ss.), uma função negativa: eliminar aqueles sentidos que não tenham qualquer apoio, ou, pelo menos, qualquer correspondência ou consonância nas palavras da lei. No mesmo sentido, segundo OLIVEIRA ASCENSÃO (O Direito, Introdução e Teoria Geral, Lisboa, 1978, p. 350.), “a letra não é só o ponto de partida, é também um elemento irremovível de toda a interpretação. Quer dizer que o texto funciona também como limite de busca do espírito”.
Por outro lado, não há fundamento para a interpretação restritiva porque o “sentido decisivo da lei coincidirá com a vontade real do legislador, sempre que esta seja clara e inequivocamente demonstrada através do texto legal …” (Cfr. PIRES DE LIMA E ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, 4ª ed., vol. I, pp. 58/59.) , como é o caso, devendo além do mais presumir-se que “o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados” ( nº 3 do art. 9º do Código Civil).
O resultado a que chegou a sentença recorrida só foi possível através da denominada interpretação revogatória ou ab-rogante, que se justifica, quando seja necessário sacrificar parte ou a totalidade duma fórmula legislativa em obediência ao pensamento do legislador e que se justifica quando a fórmula legislativa é tão mal inspirada que nem sequer consegue aludir com clareza mínima às hipóteses que pretende abranger e, tomada à letra, abrange outras que decididamente não estão no espírito do legislador. Trata-se, porém, de uma modalidade de interpretação rara e que apenas tem lugar quando entre duas disposições legais exista uma contradição insanável (Cfr., entre outros, BAPTISTA MACHADO, ob. cit., p. 186.), o que não é o caso.
Assiste, pois, também aqui razão à recorrente, sendo de improceder a fundamentação em que se baseou a sentença recorrida.
III- Decisão
Face ao exposto, os Juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, dar provimento ao recurso, revogando a sentença recorrida, na parte impugnada, julgando totalmente improcedente a impugnação.
Custas do recurso e em 1ª instância pela Recorrida
Lisboa, 29 de Fevereiro de 2012. - Fernanda Maçãs (relatora) - Valente TorrãoFrancisco Rothes. (Vencido. Salvo o devido respeito, entendo que a questão em causa não se prende com o carácter sancionatório ou não da caducidade da autorização para a tributação pelo lucro consolidado, mas com a natureza sancionatória da aplicação do factor 1,5 previsto no n.º 10 do art.º 59º CIRC na redacção aplicável, que, a meu ver, não logra justificação nas situações do n.º 11 do mesmo preceito. Se mais não fosse, a aplicação nestas situações daquele factor sempre seria violadora dos princípios da proporcionalidade e da tributação pelo lucro real.)