Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0278/14.2BALSB
Data do Acordão:11/22/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:TERESA DE SOUSA
Descritores:RECURSO CONTENCIOSO
DOMÍNIO PÚBLICO HÍDRICO
LICENCIAMENTO DE CONSTRUÇÃO
LEGITIMIDADE
PROPRIEDADE PRIVADA
PLANO DE ORDENAMENTO DA ORLA COSTEIRA
Sumário:I - A ilegitimidade procedimental da requerente da licença de construção do apoio de praia, aqui Recorrida teria que resultar de forma imediata e, desde logo, transparente quando requereu junto da Câmara Municipal de Albufeira “a construção de nova barraca de apoio de praia” a realizar no “Domínio Público Marítimo”.
II - Não cabe à entidade licenciadora averiguar sobre a propriedade (ou a existência de outro direito real) sobre o imóvel, o que tem que ser aferido pelos tribunais comuns em meio processual adequado ao caso, não se verifica a invocada inexistência de legitimidade da requerente, uma vez que esta detinha um título habilitador que lhe permitiu proceder às obras na parcela em questão.
III - Conforme resulta dos preceitos do DL nº 468/71 citados – arts. 3º, nºs 1 e 2 e 5º, nº 1 -, consideram-se do domínio público do Estado as margens das águas do mar, sendo certo que estas incluem as faixas de terreno contíguas ou sobranceiras à linha que limita o leito das águas e têm a largura de 50 m; E, como se vê da previsão do citado art. 8º (como posteriormente do art. 15º, nº 1 da Lei nº 54/2005) é aos particulares que cabe provar a propriedade privada.
IV - Não havendo qualquer prova nos autos de que o terreno tenha sido objecto de desafectação (art. 8º, nº 4 citado), não há notícia da existência de acção de demarcação e o Estado também não providenciara pela realização de Processo de Delimitação do Domínio Público Marítimo, atendendo à localização da estrutura aqui em causa não era possível, na data em que foi praticado o acto recorrido, afirmar que a implantação da estrutura conforme foi autorizada, viola o direito de propriedade da Recorrente.
V - Antes sendo de presumir que foi construída em área do domínio público marítimo (presunção iuris tantum), cabendo à Recorrente a prova do seu direito (cfr. art. 342º do Cód. Civil), ilidindo a presunção de pertença do terreno ao domínio público, o que não logrou reportado à data do acto impugnado.
VI - Se a primitiva licença não caducou, antes se procedeu à adaptação da estrutura para a adequar às exigências do POOC, não estamos perante uma nova construção, mas perante uma alteração à pré-existente, sendo aplicável a excepção prevista no art. 4º, nº 2, al. a) do DL nº 93/90, de 19/3.
Nº Convencional:JSTA000P23865
Nº do Documento:SA1201811220278/14
Data de Entrada:03/03/2014
Recorrente:FUNDITUR - FUNDO ESPECIAL DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO FECHADO
Recorrido 1:CÂMARA MUNICIPAL DE ALBUFEIRA E OUTRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo

1. Relatório

A…………….., SA, deduziu, no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, recurso contencioso de anulação da deliberação de deferimento do pedido de licença de construção apresentado por B…………… - Actividades Hoteleiras, Lda, pela Câmara Municipal de Albufeira, em 7 de Janeiro de 2003 e titulada pela alvará n° 103/03, de 28 de Fevereiro de 2003.

Por sentença datada de 2013.07.18, o TAC de Lisboa julgou este recurso improcedente.

Notificada da sentença e com esta não concordando, vem desta recorrer para a Secção do Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal Administrativo, apresentando alegações com conclusões do seguinte teor:
“ 1. O presente recurso jurisdicional tem por objeto a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa em 18 de julho de 2013, que considerou não padecer de qualquer invalidade a deliberação de deferimento do pedido de licença de construção apresentado pela sociedade B………., tomada pela Câmara Municipal de Albufeira em 7 de janeiro de 2003 e titulada pelo alvará n.º 103/03, de 28 de fevereiro de 2003.
2. O Tribunal a quo errou no seu julgamento ao não considerar devidamente, conforme decorria dos factos alegados pela ora Recorrente, que o apoio de praia se insere, na sua totalidade, no prédio da A………….., ou, pelo menos, que o local e área requeridos no licenciamento pela B…………. não coincidem com o âmbito da sua licença provisória de utilização do domínio público marítimo, tendo a entidade recorrida licenciado uma obra em prédio alheio sem autorização para o efeito, pelo que a sentença recorrida é nula, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil, e deve, por isso, ser revogada.
3. O Tribunal a quo errou ainda, pois, ao contrário do defendido na sentença recorrida, não houve uma adaptação do anterior apoio de praia, mas uma verdadeira construção nova, com várias obras novas que foram implantadas sobre uma área mais de duas vezes superior à área anteriormente utilizada, razão pela qual saiu violada manifestamente a proibição de construção imposta pelo artigo 4.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 93/90, de 19 de março, pelo que a sentença recorrida é também por este motivo nula, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil, e deve, assim, ser revogada.
Nestes termos e nos melhores de Direito, sempre com o douto suprimento de V. Exas., deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, e revogada a douta sentença recorrida, com as demais consequências legais, assim se fazendo JUSTIÇA”.

Não foram apresentadas contra-alegações.

O Exmo Magistrado do Ministério Público emitiu parecer, a fls. 464 dos autos, no sentido de que a “(…) sentença recorrida, é pois, inatacável e deve ser mantida”.

A fls. 473 dos autos, veio a recorrente requerer a junção aos autos da sentença de 27.10.2016, proferida no processo nº 2882/15.2T8PTM da Comarca de Faro, na acção declarativa de processo comum, que, entretanto, a recorrente propôs contra o Estado Português, com vista à afirmação da dominialidade privada e da sua propriedade sobre imóvel, sendo-lhe reconhecida a propriedade “sobre os prédios rústicos descritos na Conservatória do Registo Predial de Albufeira sob os n.ºs 9018 e 13631, ficando assim ilididada a presunção de dominialidade dos referidos prédios a favor do Estado Português”, declarando-se reconhecer o direito de propriedade privada, a favor do autor sobre os mesmos. Sentença transitada em julgado em 30.11.2016, sendo a respectiva junção do documento admitida por despacho de fls. 504 destes autos - cfr. fls. 482 a 500.
Notificada do despacho de fls 504, vem, a recorrida B…………Actividades Hoteleiras, Lda requerer que se julgasse improcedente o recurso de anulação por não provado, mantendo-se o acto de deferimento do pedido de licença de construção apresentado pela Recorrida, tomado pela CMA em 07.01.2003 e titulado pelo alvará nº 103/03, de 28 de Fevereiro de 2003.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

2. Os Factos:
A sentença recorrida considerou assentes os seguintes factos:
A) Em 16-03-1967 foi registada a aquisição a favor de C………… por compra do prédio rústico denominado …………, sito na freguesia de ……….., concelho de Albufeira, composto por cultura arvense, figueiras, mato, sobreiros e construção rural, com a área de 78.030m2, descrito na Conservatória do Registo Predial de Albufeira sob o n° 09018/940128 e inscrito na matriz predial rústica sob o art° 3°, secção BV (f 32 e 33, dos autos);
B) Da certidão de registo predial de fls 32 e 33, consta que o prédio identificado em A) confronta a Norte com ………., Sul, ………..; Nascente, ………; Poente, …………….;
C) Pela Apresentação 48/940128 foi registada a aquisição - provisória por dúvidas, a favor de D…………. na sucessão por morte de C…………. (fls. 33, dos autos);
D) Pela Ap 16/20030829, foi registada a aquisição a favor de A………….., SA do prédio identificado em A) (fls. 211, dos autos);
E) A Direcção Regional do Ambiente do Algarve atribuiu à B………..- Actividades Hoteleiras, Ld (doravante apenas contra interessada), o alvará de licença de Ocupação do Domínio Público n° 2/99, junto como fls. 38 a 39, que se dá por reproduzida para todos os efeitos legais e onde consta designadamente:
(…)
3° Esta licença é concedida a título provisório nos termos do art° 17.º do Decreto-Lei n°309/93, de 2 de Setembro, sem prejuízo de direitos de terceiros e com a condição expressa de que poderá ser revogada ou alteradas as suas cláusulas, nos termos previstos no art° 12° do Decreto-Lei no 46/94 de 22 de Fevereiro, sem que o seu titular tenha direito a qualquer indemnização;
4° Esta licença é válida até ao final da época balnear de 1999, ou até à aprovação do Plano de Ordenamento da Orla Costeira, nos termos do art° 170 do Decreto-Lei n°309/93 de 2 de Setembro, caso este entre em vigor antes daquela data;
5º Pela ocupação da área de 169,11m2 de terreno do Domínio Público Hídrico, conforme planta anexa ao processo em que 49,11 m2 são respeitantes ao restaurante e 120m2 à esplanada será paga a taxa anualmente prevista no Decreto-Lei nº 47/94 de 22 de Fevereiro;
(…)
12° Esta licença caduca nos termos previstos no Decreto-Lei nº 46/94 de 22 de Fevereiro;
(...).
F) Pela Resolução do Conselho de Ministros nº 33/99, de 27 de Abril, foi aprovado, ao abrigo do disposto no Decreto-Lei nº 309/93, de 2 de Setembro o Plano de Ordenamento da Orla Costeira de Burgau-Vilamoura (fls 40 a 65, dos autos);
G) Por ofício nº 3191, datado de 28 de Julho de 1999 a Câmara Municipal de Albufeira (doravante apenas recorrida) notificou a contra interessada do seguinte (fls. 66, dos autos):
ASSUNTO: Alvará de Licença nº 2/99, relativo a restaurante e esplanada denominado “A…………”, sito na praia ………..-Poente (Praia …………..) - Albufeira.
De acordo com o disposto no Plano de Ordenamento da Orla Costeira (POOC) referente ao troço Burgau - Vilamoura, publicado no Diário da República em 99/04/27, as normas constantes do Plano relativas a apoios de praia e equipamentos localizados no Domínio Hídrico entram em vigor no dia 1 de Outubro de 1999, pelo que o Alvará de licença do qual V. Exa é detentor caduca no dia 30 de Setembro de 1999.
Nestes termos e durante a próxima época balnear, a ocupação da área dominial mantém-se nas condições estipuladas no referido alvará.
Prevendo-se no POOC a manutenção da estrutura em causa na unidade balnear e caso V. Exa pretenda continuar a actividade, informa-se que deverá apresentar, até ao prazo máximo de 30 dias a contar da data de emissão do presente oficio, o questionário anexo devidamente preenchido, acompanhado de peças escritas e desenhadas ou outros elementos que esclareçam pormenorizadamente a situação actual da ocupação (incluir registo fotográfico).
Mais se informa que o pedido de emissão de licença a que se refere o n°4, do art° 17°, do Decreto Lei n° 309/93, deverá ser efectuado mediante requerimento apresentado à Direcção Regional do Ambiente do Algarve até ao próximo dia 30 de Setembro de 1999, após o que será atribuído um novo alvará de licença de ocupação do Domínio Público Hídrico, pelo prazo máximo de 2 anos, devendo, nesse período, V.Exª proceder às alterações da estrutura, por forma a dar cumprimento aos condicionamentos definidos no Plano os quais serão especificados no referido alvará.
Para conhecimento, junto se remete brochura relativa aos incentivos à requalificação de apoios de praia e equipamentos, que esclarece ainda a tramitação decorrente da aprovação dos Planos de Ordenamento da Orla Costeira.
H) Com data de 28 de Dezembro de 2000 a DRAOT notificou a contra interessada (fls. 107 a 109, dos autos):
ASSUNTO: POOC BURGAU - VILAMOURA - APOIOS DE PRAIA E EQUIPAMENTOS LOCALIZADOS NO DOMÍNIO PÚBLICO HÍDRICO — ESTABELECIMENTO
“B…………..” — Praia …………… (Poente) — Albufeira.
PROPRIETÁRIO: B…………., Actividades Hoteleiras, Lda.
Relativamente ao assunto em epígrafe, informa-se V.Exa que esta Direcção Regional, conjuntamente com as restantes entidades envolvidas no processo de adaptação das estruturas de apoio à actividade balnear às disposições regulamentares do Plano de Ordenamento da Orla Costeira (POOC) Burgau Vilamoura (Resolução de Conselho de Ministros n°33/99, de 27 de Abril), nomeadamente, Câmaras Municipais, Capitanias, Inspecção Regional dos Bombeiros, Administração Regional de Saúde (ARS) e Associação dos Industriais de Hotelaria e Similares do Algarve (AIHSA), constituiu cinco Grupos de Trabalho (um por Autarquia envolvida), com o objectivo de apoiar a elaboração, dos projectos a desenvolver (através da realização de reuniões de trabalho), assim como no processo de aprovação/licenciamento dos mesmos.
Nestes termos, junto se remete a V.Exa ficha técnica elaborada por estes Serviços, com o apoio do Grupo de Trabalho anteriormente referido, relativa às condições a que deverá obedecer o projecto a desenvolver, com os respectivos anexos, por forma a dar cumprimento às regras e disposições regulamentares do POOC Burgau Vilamoura e demasiada legislação aplicável.
Realce-se que, no que diz respeito à elaboração do projecto, a mesma deverá ser acompanhada de reuniões de trabalho, a decorrer nas instalações desta Direcção Regional, devendo o Arquitecto que irá desenvolver o mesmo, obrigatoriamente, participar nas mesmas.
No que diz respeito à instrução do processo, após confirmação destes Serviços de que o mesmo está em condições de ser remetido às diferentes entidades, será de referir que:
1. O pedido de utilização do Domínio Público Hídrico para instalação de um Apoio de Praia Completo com Equipamento Associado, na Praia ………… (Poente) deverá ser apresentado pelo interessado, B…………., Actividades Hoteleiras, Lda. nesta Direcção Regional acompanhado dos seguintes elementos:
- Identificação do requerente;
- Finalidade da pretensão;
- Planta de Localização à escala 1:25000;
- Levantamento topográfico detalhado da zona onde irá incidir o projecto e área envolvente (vj. planta em anexo) a escala adequada (1:100, 1:200 ou 1:500);
- Plantas, cortes e alçados em escala adequada (1:100, 1:200 ou 1:500) com a localização do pedido relativamente à praia, caminhos existentes, e zonas de arribas (Base + Crista) ou dunas;
- Pormenores de construção a escalas adequadas;
- Memória descritiva e justificativa;
O processo a remeter a esta Direcção Regional, acompanhado de pedido de utilização do Domínio Público Hídrico, deverá conter 3 exemplares do projecto de arquitectura, devendo cada um dos exemplares ser capeado com o documento que consta no Anexo IV.
2. O pedido de licença de obras (Apoio de Praia e Equipamento) e de utilização para serviços de restauração e bebidas (Equipamento) deverá ser apresentado directamente pelo interessado à Autarquia, devendo o mesmo ser instruído de acordo com o Decreto - lei que regulamenta o licenciamento de obras particulares e ser acompanhado da documentação que consta no Anexo III, devidamente preenchida (Obra com Projecto - Pedido de Licenciamento; Folha de Registo do Movimento do Processo). Deverá igualmente, na mesma data ser dado conhecimento a estes Serviços da entrada da documentação na Autarquia.
O processo a remeter à Autarquia deverá conter 5 exemplares do projecto de Arquitectura, devendo cada um dos exemplares ser capeado com o documento que consta no Anexo IV.
No que diz respeito ao conteúdo do projecto, serão de referir os seguintes aspectos:
- O projecto de arquitetura deverá ser desenvolvido por arquitecto, devendo o processo incluir declaração de inscrição na Ordem dos Arquitectos:
- Todas as peças deverão ser implantadas tendo por base o levantamento topográfico a elaborar;
- O projecto deverá conter todos os elementos técnicos que permitam verificar a conforme com o POOC, no respeitante às características construtivas, estética e das instalações técnicas assim como da sua implantação no local e relação com os acessos;
- Independentemente das condições que constam da ficha anexada, o projecto a desenvolver, deverá ter em conta as disposições do Decreto-Lei 48/94, de 22 de Fevereiro, Resolução de Conselho de Ministros n° 33/99, de 27 de Abril, Decreto-Lei n° 168/97, de 4 de Junho, Decreto Regulamentar n° 38197, de 25 de Setembro com as alterações introduzidas pelo Decreto Regulamentar n° 4/99 de 1 de Abril, Portarias n°s 1063 e 1064 de 21 de Outubro e demais legislação aplicável;
- O projecto de arquitectura deverá igualmente incluir, esquematicamente, a solução prevista para as infra-estruturas (abastecimento de água, drenagem de águas residuais, energia eléctrica, telecomunicações e rede de águas para serviço de incêndio);
- A manifesta falta de qualidade estética ou inadequada integração paisagística constitui razão suficiente para esta Direcção Regional indeferir o projecto;
Mais se informa que a data a partir da qual se iniciará a contagem dos dois anos do prazo de adaptação só terá início a partir da data de emissão da licença de dois anos prevista no POOC, a emitir oportunamente,
Informa-se finalmente V.Exª da disponibilidade destes Serviços em apoiar tecnicamente a elaboração do projecto através da realização de reuniões de trabalho, a decorrer nas instalações desta Direcção Regional todas as 2ª e 6ª feiras (sujeito a marcação prévia), devendo o técnico que irá desenvolver o projecto, obrigatoriamente, participar nas mesmas.
Verificando-se que a estrutura em apreço se situa em parcela privada da margem das águas do mar, solicita-se a V. Exa., que em data anterior ao início da elaboração do projecto, envie comprovativo de posse da propriedade do terreno e/ou cópia do contrato/autorização do proprietário do mesmo que legitime a permanência da ocupação em causa, por forma a dar continuidade ao processo.
I) Em 16 de Março de 2001 foi emitido à contra interessada o alvará de ocupação do domínio público n° DSR/POOCBV-48/2001, junto como fls 67 e 68, que se dá por reproduzido, para todos os efeitos legais e contendo designadamente o seguinte:
O presente título a que corresponde o processo n° DPM.01/72-93 é concedido pela Direcção Regional do Ambiente e do Ordenamento do Território do Algarve ao abrigo do disposto no DL. n° 309/93 de 2 de Setembro, com a redacção que lhe foi dada pelos D.L. nº 218/94 de 20 de Agosto, DL 113/97 de 10 de Maio e atendendo ao estabelecido no DL. n° 46/94 de 22 de Fevereiro e demais legislação aplicável, nos termos seguintes:
IDENTIFICAÇÃO DO TITULAR
Nome: B…………, ACTIVIDADES HOTELEIRAS, LDA.
Morada: Praia ………… ……………..
Localidade: Albufeira Código Postal: 8200
Telefone: ……………..
Designação da instalação licenciada: B……………..”
LOCALIZAÇÃO
Local: PRAIA ……………..
Concelho: ALBUFEIRA
Capitania do Porto de: PORTIMÃO
CARACTERÍSTICAS DE UTILIZAÇÃO
A(s) instalação(ões) tem como função EQUIPAMENTO
fim que não pode ser alterado sem prévia autorização destes serviços. O serviço a prestar será o de:
RESTAURANTE E ESPLANADA
A área máxima de construção ocupada é de 169,11 rn2, com as características da tabela seguinte:

SERVIÇOÁREA COBERTAÁREA DESCOBERTA
Restaurante e Esplanada49,11120

PRINCÍPIOS E CLÁUSULAS
O fundamento da(s) instalação(ões) está sujeito ao cumprimento das seguintes cláusulas:
1. A presente licença é concedida nos termos do artigo 17º, do DL. n° 309/93, de 2 de Setembro, a título provisório pelo prazo máximo de dois (2) anos, obrigando-se o seu titular a cumprir o disposto no Regulamento do POOC Burgau-Vilamoura (R.C.M. n°33/99, de 27 de Abril) tanto no que respeita aos requisitos gerais como aos resultantes do exercido da actividade.
2. Durante o prazo de dois anos previsto no número anterior, o titular da licença, deverá apresentar o projecto de recuperação e regularização do estabelecimento, de acordo com as condições/indicações expressas na Ficha Técnica remetida através do ofício DSR n°5880, de 2000/12/28, (recebido em 2001/01/03, conforme registo de recepção n°47735) que faz parte integrante da presente licença.
a) se as alterações forem concluídas no prazo de um (1) ano a atribuída uma licença por um período de 9 anos;
b) se as alterações forem concluídas no prazo de dois (2) anos é atribuída uma licença por um período de cinco (5) anos;
c) findo o prazo de dois anos, previsto no n°1, sem que se verifique a adaptação às disposições do POOC Burgau-Vilamoura esta licença é revogada.
4. O titular da licença obriga-se a respeitar todas as leis e regulamentos aplicáveis e munir-se de todas as outras licenças que sejam exigíveis, nomeadamente a licença de utilização a emitir pela Câmara Municipal de Albufeira
5. A licença só poderá ser transmitida mediante autorização da D.R.A.O.T.-Algarve, de acordo com o disposto no artigo 13° do DL. 46/94, de 22 de Fevereiro
6. A licença caduca com o decurso do prazo nele previsto, bem como com a morte da pessoa singular ou a extinção da pessoa colectiva, titular da mesma nos termos do artigo 14° do DL n°46/94, de 22 de Fevereiro.
7. A licença será objecto de revogação perante a não observância das cláusulas nelas impostas e nos demais casos previstos no artigo 12° do DL. n° 46/94, de 22 de Fevereiro.
8. As cláusulas fixadas na presente licença poderão ser objecto de revisão quando se verifique alteração significativa das circunstâncias de facto existentes à data da sua outorga e nos demais casos previstos no artigo 12° do DL. n° 46/94, de 22 de Fevereiro.
(…)
12. A presente licença anula todas as outras anteriores referentes à ocupação do Domínio Público Marítimo
J) A 30 de Outubro de 2001 a B………… - Actividades Hoteleiras, Lda requereu junto da Câmara Municipal de Albufeira autorização para a construção de nova barraca de apoio de praia a realizar no Domínio Público Marítimo (fls 25 e 26, dos autos);
K) Em 31 de Outubro de 2011, pelo ofício nº 7630, a recorrida notificou a contra interessada nos seguintes termos (fls 72 a 74, dos autos):
ASSUNTO: POOC Burgau Vilamoura - Apoios de Praia e Equipamentos localizados no Domínio Hídrico- Estabelecimento B……… sito na Praia ……………… Concelho de Albufeira.
Proprietário: B…………… — Actividades Hoteleiras Lda.
No âmbito do processo de adaptação das estruturas de apoio à actividade balnear às disposições regulamentares do Plano de Ordenamento da Orla Costeira (POOC) Burgau- Vilamoura, foi, nos termos do art° 17º do Dec. Lei n° 309/93 de 2 de Setembro concedido a V. Exa.. o Alvará de Licença n° DSR/POOC BV-48/2001, datado de 16/03/2001, referente à manutenção de um restaurante e esplanada, sito na Praia ………….., denominado B…………., concelho de Albufeira, pelo prazo máximo de dois anos, sendo de referir:
. Se a adaptação às disposições do Plano ocorrer no prazo de um ano, ou seja, se em 15/03/2002, o v/ estabelecimento se encontrar devidamente requalificado, vistoriado e munido da licença necessária para o seu funcionamento, será atribuída a V. Exa uma nova licença de ocupação do Domínio Público Hídrico pelo prazo de nove anos, sem rE prévia de concurso público;
. Se o cumprimento das disposições do POOC se proceder no prazo de dois anos, isto é, se a conclusão das obras ocorrer até 15/03/2003 será atribuída a V. Exa uma nova licença de ocupação do Domínio Público Hídrico pelo prazo máximo de cinco anos sem que haja lugar a realização de concurso público findo este prazo
. Se a data de 15/03/2003, for ultrapassada sem que o v/ estabelecimento se encontre devidamente requalificado, vistoriado e munido da licença necessária para o seu funcionamento, de acordo com as disposições no POOC Burgau - Vilamoura, a licença de utilização em vigor será revogada perdendo definitivamente V. Exa. todos os direitos de ocupação do Domínio Hídrico.
Nestes termos, solicita-se a V. Exa que sejam desenvolvidos os esforços necessários no sentido de promover maior celeridade à conclusão do projecto, a fim de que o processo de aprovação/ licenciamento do mesmo possa verificar-se a tempo de se iniciarem as obras de requalificação em data imediatamente posterior ao término da época balnear, a partir de 01/10/2001.
Mais se informa que relativamente à utilização de veículo motorizado de acordo com o Dec. Lei n° 218/95, de 26 de Agosto é proibida a circulação de veículos automóveis e ciclomotores nas praias, dunas, falésias e reservas integrais pertencentes ao Domínio Público bem como em zonas para o efeito definidas nos Planos de Ordenamento da Orla Costeira (POOC)”. Consideram-se excepção no âmbito do referido DL., o exercício de actividades legalmente previstas como as agrícolas, florestais e piscatórias, missões de manutenção, urgência e socorro fiscalização ou segurança bem como a decorrente das actividades devidamente licenciadas, nos termos constantes das respectivas licenças. Nestes termos e caso o acesso ao v/ estabelecimento implique o atravessamento de zonas incluídas no âmbito do referido diploma, informa-se V. Exa da necessidade de solicitar a esta Direcção Regional no prazo máximo de 15 dias seguidos contados do presente autorização para circular remetendo para o efeito os seguintes elementos:
1-Cartografia do percurso à escala adequada (escala:1:2000. 1/500 ou 1/200?
2-Identificação e matrícula dos veículos a autorizar.
Junto se anexa igualmente algumas orientações/ recomendações relativas ao arranque de espécies exóticas (chorão, acácia), no sentido de apoiar V. Exa, no âmbito do processo de adaptação ao POOC, nomeadamente no tratamento da zona envolvente ao apoio, caso a situação se justifique.
L) Com data de entrada de 31 de Outubro de 2001 a contra interessada requereu, ao abrigo do artº 18º do Decreto-Lei nº 555/99, de 16 de Dezembro, junto da Câmara Municipal de Albufeira “a construção de nova barraca de apoio de praia” a realizar no “Domínio Público Marítimo” (fls 75 dos autos);
M) A contra interessada fez acompanhar o requerimento referido no ponto anterior com a Memória Descritiva e Justificativa, que se dá por reproduzida para todos os efeitos legais, da construção a levar a efeito “sensivelmente no mesmo local da existente” e onde consta, designadamente (fls 76 a 83, dos autos):
(...).
De uma Forma resumida o Apoio do Praia / Equipamento apresentam a seguinte orgânica:








O) Em 26 de Novembro de 2001 foi realizada reunião conjunta e elaborado o Relatório de Análise do Projecto (fls. 110 a 113, dos autos):
Apoio de Praia e Equipamento
Corresponde ao solicitado através da Ficha Técnica remetida.
ÁREA MÁXIMA
Deverá ser apresentado um organigrama cromático de áreas brutas (ou com diferentes grafismos) dos diferentes usos de espaços (Apoio de Praia, Equipamento, Esplanada e circulações — relacionadas diectamente com o funcionamento da estrutura + acesso à praia)
A área do projecto apresentado (221.10 m2 + 106.60 m2 de área de circulações, num total de 329.90 m2) é aceite, embora não correspondendo à área inicialmente atribuída (180 m2), mas deverá ser refeita a contabilização e constar do Pedido de Utilização do Domínio Público Hídrico, para efeitos de emissão da Licença, tendo em conta área bruta total ocupada, devendo esta ser especificada em função dos vários tipos de espaços (Apoio de Praia, Equipamento, Esplanada e circulações - áreas brutas parciais).
Área total — 329.90 m2 Área sem circulações —221.10 m2 Área atribuída — 160 m2 Apoio Praia — 27.50 m2 + Equipamentos — 121.30 m2 + Esplanada — 72.30 m2 + Circulações — 108.80 m2 ( m2 ? — estrutura + acesso praia)
(a área total deverão incluir o total circulações)
P) Com data de 30 de Janeiro de 2002 a DRAOT informou a Câmara Municipal do seguinte (fls 85 e 86, dos autos):
ASSUNTO: POOC Burgau Vilamoura — Envio de Parecer de apreciação do projecto de arquitectura da estrutura denominada “B……….”, sita na Praia …………. Poente — concelho de Albufeira.
REQUERENTE: B…………… —Actividades Hoteleiras, Lda.
No âmbito do processo de requalificação das estruturas de apoio à actividade balnear, vem esta Direcção Regional emitir Parecer favorável ao projecto de arquitectura da estrutura acima designada, remetido a estes Serviços e objecto de apreciação em reunião conjunta, ocorrida em 26 de Novembro de 2001.
De referir, ainda, que foram detectadas algumas pequenas falhas (por omissão) que se entende que, em fase de obra, facilmente serão ultrapassáveis, uma vez que estes Serviços irão efectuar o acompanhamento das obras, para o qual se conta com a colaboração do arquitecto responsável pelo projecto, nomeadamente na:
Definição do tipo de sinalética e respectiva localização a utilizar para identificação do Equipamento e dos vários espaços do Apoio de Praia (Posto de Socorros, Instalações Sanitárias, Comunicações de emergência), bem como a localização da Painel informativo do Apoio de Praia;
• Revestimento das paredes interiores do Posto de Socorros que deverá ser em materiais resistentes, impermeáveis e laváveis;
• Definição clara do espaço destinado a esplanada (seja ela através de delimitação por meio de barreira física ou marcação pela diferenciação de pavimentos ou elevação da cota de soleira ou outra).
Refira-se, finalmente, que esta Direcção Regional irá transmitir directamente ao requerente a necessidade de o mesmo remeter a estes Serviços:
• Novo documento de Pedido de Utilização do Domínio Público Hídrico onde a área bruta total ocupada contemple o total das circulações, bem como um organigrama cromático de áreas brutas dos diferentes u de espaços (de acordo com o Relatório remetido):
• Uma planta que apresentes solução esquemática prevista para as infra-estruturas;.
• O projecto de arranjos da zona envolvente à estrutura que preveja o balizamento da bolsa de estacionamento (frente de mar) e inclua um plano de plantação das áreas a recuperar (intenção manifestada através da Memória Descritiva), cuja apreciação será realizada autonomamente do presente processo;
• O projecto de iluminação dos espaços exteriores com a indicação dos cones de iluminação (para análise, por parte da Capitania, da sua interferência com a navegação);
Os elementos solicitados poderão ser remetidos aquando da entrega de dois exemplares completos do projecto de arquitectura (que incluam as alterações atrás referidas) a serem brevemente solicitados por esta Direcção Regional.
Solicita-se, finalmente, que esta Direcção Regional seja informada da data de emissão da Licença de Obras lembrando tendo a época balnear de 2001 já terminado, seria de toda a conveniência que o início das obras pudesse ocorrer com a máxima brevidade possível, uma vez que a construção da estrutura terá que estar concluída e a vistoria realizada antes do início da época balnear de 2002, que estes Serviços possam considerar que a mesma se adaptou, no primeiro ano, às definidas pelo POOC Burgau/Vilamoura.
Q) A 25 de Fevereiro de 2002 o Departamento de Planeamento e Projectos — Divisão de Gestão Urbanística, prestou a seguinte informação técnica (fls 87, dos autos):

R) Em Março de 2002 a recorrida notificou a contra interessada nos termos do oficio com a refª Obs Pº 561/01, que se dá por reproduzida para todos os efeitos legais (fls 88, dos autos);
S) Em 7 de Janeiro de 2003 a recorrida deliberou no deferimento do pedido de licença de construção apresentado pela contra interessada (fls. 25 dos autos);
T) Com data de entrada de 25 de Fevereiro de 2003 o recorrente apresentou um requerimento junto da DRAOT, que se dá por reproduzido para todos os efeitos legais, onde invocou ser o legítimo proprietário do prédio onde se encontrava a ser levada a efeito a construção da contra interessada (fls. 90 dos autos);
U) Com data de 25 de Fevereiro de 2003 o recorrente entregou junto da recorrida o requerimento junto a fls 89, dos autos, e anexando o requerimento referido no ponto anterior;
V) Em 28 de Fevereiro de 2003 foi emitida a licença de construção n° 193/03, em nome da contra interessada (fls 29 dos autos):




W) Em 12 de Março o recorrente requereu junto da Câmara Municipal de Albufeira a revogação da licença de construção e embargo imediato da obra (fls 96 dos autos);
X) A 27 de Junho de 2003, por sentença, que se dá por reproduzida para todos os efeitos legais, foi indeferido o procedimento cautelar do pedido de ratificação de embargo extra judicial de obra nova, da qual foi interposto recurso para a Relação de Évora que negou provimento (fls 213 a 224, dos autos);
Y) O Apoio de Praia da contra interessada encontra-se a servir o público desde a época balnear de 2003 (factos aceite).

3. O Direito
O presente recurso jurisdicional vem interposto da sentença proferida pelo TAC de Lisboa, em 18.07.2013, que julgou improcedente o recurso contencioso no qual se impugnou a deliberação da Câmara Municipal de Albufeira (CMA), datada de 07.01.2003, de deferimento do pedido de licença de construção apresentado pela Contra-Interessada (CI) B…………. – Actividades Hoteleiras, Lda, titulada pelo alvará nº 103/03, de 28.02.2003.
No recurso contencioso invocara a Recorrente a “violação da proibição de construção decorrente do Regime Jurídico da Reserva Ecológica Nacional”, com violação do art. 4º, nº 1 do DL nº 93/90, de 19/3, o que nos termos do art. 15º, determina a nulidade do acto recorrido; e “erro sobre os pressupostos da legitimidade do requerente do licenciamento”, porque o “local e área requeridas pela B…………….. não coincidem com o âmbito da sua licença provisória de utilização do domínio público marítimo, antes extravasando largamente dela”, sendo violado o direito de propriedade do Recorrente.

A sentença recorrida quanto à inserção do terreno de implantação da construção da CI na zona abrangida pela Rede Ecológica Nacional (REN), aprovada pela Resolução do Conselho de Ministros nº 82/96, de 16/5, considerou que a CI possuía O “Título de Ocupação de Domínio Público Marítimo nº DSR/POOCBV/-48/2001”, válido, atento o disposto no art. 4º, nº 2 do DL nº 93/90, de 19/3, na redacção do DL nº 213/92, de 1/10, e dos arts. 17º e seguintes do DL nº 309/93, não se verificando o vício de violação de lei invocado.
Quanto ao erro sobre os pressupostos invocado, após proceder à análise dos preceitos aplicáveis do referido DL nº 468/71, então em vigor, que considerava do domínio público do Estado as margens das águas do mar, consubstanciadas nas faixas de terreno contíguas ou sobranceiras à linha que limita o leito das águas e tem a largura de 50m (arts. 3º, nºs 1 e 3 e 5º, nº 1 do referido diploma), considerou o seguinte:
Não se mostra suficientemente provada que a estrutura/construção da contra interessada se situa em parcela privada designadamente atendendo à estrutura da contra interessada e daí não é possível afirmar-se com segurança que a mesma viole o direito de propriedade do recorrente.
Com efeito dos autos e designadamente da Memória descritiva e das plantas juntas não é possível extrair a conclusão de que a construção do apoio de praia da contra interessada se encontra implantado na propriedade do recorrente.
A informação técnica prestada e bem assim como o ofício da DRAOT de 28 de Dezembro de 2000 a que o recorrente faz referência (artºs 30º e 57º da PI) não são de molde a poder excluir que a mesma não se confina ao Domínio Público Marítimo; tal situação aplica-se igualmente às considerações formuladas quanto às áreas de implantação antes e depois da construção.” (…)
(…), a circunstância de um particular ser proprietário de uma parcela de terreno que pode situar-se nos actuais limites do domínio público (que não existia delimitado) não obsta a que possam subsistir direitos de natureza privada já existentes.”.
(…), essas faixas de terreno, qualificadas como margens, estão sujeitas a uma presunção juris tantum de propriedade pública, cabendo aos particulares que invoquem direitos de natureza privada, ilidirem essa presunção.
A recorrida [CMA] entende que a construção da contra interessada se insere no Domínio Público Marítimo não havendo notícia de que tenha sido ilidida a presunção de dominialidade, nos termos estabelecidos pelo artº 5º do DL nº 468/71 (e artº 15º da Lei nº 54/2005), a análise do caso sub Judice terá, sempre pressuposta a presunção de que a parcela em que a construção da contra interessada está edificada pertence ao domínio público.

Nas suas conclusões 2 e 3 a Recorrente imputa à sentença recorrida erros de julgamento, no assim decidido, bem como alega que a sentença é nula, nos termos da alínea c) do nº 1 do art. 615º do CPC.

Vejamos.
3.1 Das nulidades da sentença
Começaremos por apreciar as nulidades imputadas à sentença, quanto às duas questões que lhe foram suscitadas e de que conheceu.
Vem invocada pela Recorrente a nulidade de sentença prevista na alínea c) do nº 1 do art. 615º do CPC, por entender que ao não considerar, como resulta dos factos provados, que o apoio de praia se insere, na sua totalidade, no prédio da aqui Recorrente ou, pelo menos, que o local e área do licenciamento requerido pela CI não coincidem com o âmbito da sua licença provisória de utilização do domínio público marítimo, tinha a entidade recorrida licenciado uma obra de um prédio pertencente a um privado sem autorização deste para o efeito.
De acordo com o preceito referido é nula a sentença cujos fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.
Manifestamente a sentença recorrida não contém ambiguidade ou qualquer obscuridade, sendo absolutamente inteligível. E, igualmente os seus fundamentos não estão em oposição com o que decidiu.
Com efeito, esta nulidade da sentença consubstancia-se numa contradição entre as premissas de facto e de direito, e a conclusão, de tal modo que esta deveria ter logicamente um resultado oposto ao expresso na decisão (cfr., vg, Acs. STJ de 09.12.93, BMJ 432-342 e de 26.04.95, Col. Jur./Acs. STJ, 1995, 2-57). Naturalmente que esta nulidade da sentença não abrange um eventual erro de julgamento, quer de facto, quer de direito, nomeadamente, através de uma desconformidade da mesma com o direito substantivo (cfr. Ac. STJ de 21.05.98, Col. Jur./STJ, 1998, 2º-95).
Ora, a fundamentação constante da sentença, no sentido de que, embora tenha ficado provado o que consta em termos de registo de propriedade de imóvel não está em desconformidade com o facto de não se poder concluir que a licença concedida para a instalação do apoio de praia ocupa alguma parcela do imóvel propriedade da Recorrente, mas que esteja inserida no domínio público marítimo, o que conduziu logicamente à improcedência do vício invocado de “erro sobre os pressupostos da legitimidade do requerente do licenciamento.
Igualmente, a invocada violação pela sentença recorrida, do disposto no art. 4º, nº 1 do DL nº 93/90 é insusceptível de consubstanciar a nulidade arguida, pelos fundamentos já aduzidos, podendo, quanto muito, corresponder a um erro de julgamento.
Improcedem, consequentemente, as nulidades de sentença invocadas.

3.2 Quanto à invalidade da licença de construção emitida pela CMA
Defende a Recorrente que a licença de construção que foi emitida pela entidade recorrida a favor da contra-interessada é ilegal por a construção não estar circunscrita dentro do domínio público marítimo, antes se situando esta num prédio privado de sua pertença, pelo que a nova construção não podia dispor de licença de utilização do domínio público marítimo. Ou seja, a Recorrida CMA deu por verificada uma legitimidade da CI que não existia, por esta não ser titular de qualquer direito real sobre o prédio não possuir título habilitador.
A sentença recorrida considerou que o aqui recorrente não fez prova de que a parcela de terreno onde se implantou a nova construção era propriedade privada, através do procedimento do art. 8º do DL nº 468/71, de 5/11; e, por outro lado, foi considerado que a construção se insere no Domínio Público Marítimo não tendo sido ilidida a presunção de dominialidade pública, nos termos estabelecidos no art. 5º do DL nº 468/71.

Vem posta em causa a legitimidade procedimental da requerente da licença de construção do apoio de praia, aqui Recorrida.
No entanto, a sua ilegitimidade teria que resultar de forma imediata e, desde logo, transparente quando requereu junto da Câmara Municipal de Albufeira “a construção de nova barraca de apoio de praia” a realizar no “Domínio Público Marítimo”. Ou seja, perante os factos apresentados teria de ser manifesto para aquela entidade a ilegitimidade substancial e procedimental da interessada. É que não cabe à entidade licenciadora averiguar sobre a propriedade (ou a existência de outro direito real) sobre o imóvel, o que tem que ser aferido pelos tribunais comuns em meio processual adequado ao caso, não se verificando a invocada inexistência de legitimidade da B…………….. uma vez que esta detinha um título habilitador que lhe permitiu proceder às obras na parcela em questão.

No mais, a nosso ver o entendimento da sentença é correcto.
Com efeito, conforme resultou provado nos autos, o prédio rústico denominado ……………, no ano de 1994, com 78,030m2, confrontava a Norte com …………., Sul com …………., Nascente com ……… e Poente com ……………. E que a CI explorava ao abrigo da licença de utilização do domínio público marítimo emitida em 1999, uma área de 169,11m2.
Subsequentemente o alvará nº 103/03 permitiu a ocupação do domínio público marítimo superior ao permitido anteriormente.
É certo que dos autos consta que a Recorrente tem inscrita no Registo Predial a seu favor o direito de propriedade sobre prédio rústico sito na ……………., inscrito na respectiva matriz predial sob o nº 4516 e descrito na respectiva Conservatória sob o nº 09018/940128.
Resulta igualmente provado que foi licenciada à CI, na Praia ………….. (praia …………….) uma área de 49,12 m2, para servir de restaurante/bar e a área de 120 m2 para servir de esplanada, anexa àquele (licença de Ocupação do Domínio Público nº 2/99) – cfr. E) do probatório.
Face ao Plano de Ordenamento da Orla Costeira (POOC) entre Burgau e o Molhe Poente de Vilamoura foi determinada a requalificação / adaptação da estrutura de apoio de praia já existente na Praia …………… e pertença da contra-interessada. O que fez que esta tenha enviado o projecto de arquitectura dessa estrutura, que viria a obter parecer favorável por parte da DRAOT – Algarve, da Administração Regional de Saúde do Algarve, do Serviço Nacional de Bombeiros e do Departamento de Planeamento e Projectos /Divisão de Gestão Urbanística da CMA, em 26 de Fevereiro de 2002, sendo emitido à interessada o alvará de obras de construção nº 103/03, para construção de um apoio de praia com a área de construção de 148,80m2 (cfr. al. V) dos FP).
Ao tempo o regime jurídico dos terrenos incluídos no chamado domínio público hídrico era regulado pelo DL nº 468/71, de 5/11 (sucessivamente alterado pelos DL nºs 53/74, de 15/2, 89/87, de 26/2 e Lei nº 16/2003, de 4/6).
Nos termos do respectivo art. 1º o seu âmbito de aplicação abrangia “Os leitos das águas do mar, correntes de água, lagos e lagoas, bem como as respectivas margens e zonas adjacentes”. Definindo os artigos seguintes as noções de leito e seus limites (art. 2º), de margem e sua largura (art. 3º) e de zona adjacente e sua largura (art. 4º), sendo estas definições mantidas nos diplomas que vieram em 2005 a estabelecer a titularidade dos recursos hídricos (Lei nº 54/2005, de 15/11) e as bases e o quadro institucional para a gestão sustentável das águas (Lei nº 58/2005, de 29/12), revogando o DL nº 468/71.
O art. 2º do DL nº 468/71 estabelecia sob a epígrafe (Noção de leito; seus limites), o seguinte:
1. Entende-se por leito o terreno coberto pelas águas, quando não influenciadas por cheias extraordinárias, inundações ou tempestades. No leito compreendem-se os mouchões, lodeiros e areias nele formados por deposição aluvial.
2. O leito das águas do mar, bem como das demais águas sujeitas à influência das marés, é limitado pela linha da máxima preia-mar de águas vivas equinociais. Essa linha é definida, para cada local, em função do espraiamento das vagas em condições de cheias médias, no segundo.
3. (…).
O art. 3º, sob a epígrafe (Noção de margem; sua largura), previa que:
1. Entende-se por margem uma faixa de terreno contígua ou sobranceira à linha que limita o leito das águas.
2. A margem das águas do mar, bem como a das águas navegáveis ou flutuáveis sujeitas à jurisdição das autoridades marítimas ou portuárias, tem a largura de 50 m.
3. (…)
4. (…)
5. Quando tiver natureza de praia em extensão superior à estabelecida nos números anteriores, a margem estende-se até onde o terreno apresentar tal natureza.
6. A largura da margem conta-se a partir da linha limite do leito. Se, porém, esta linha atingir arribas alcantiladas, a largura da margem será contada a partir da crista do alcantil.
Uma vez que o DL nº 468/71 reconhecia a incidência de propriedade privada sobre parcelas de leitos ou margens públicas o respectivo art. 5º sobre “A condição jurídica dos leitos, margens e zonas adjacentes” estabeleceu que:
1. Consideram-se do domínio público do Estado os leitos e margens de águas do mar e de quaisquer águas navegáveis ou flutuáveis, sempre que tais leitos e margens lhe pertençam, e bem assim os leitos e margens das águas não navegáveis nem flutuáveis que atravessem terrenos públicos do Estado.
2. Consideram-se objecto de propriedade privada, sujeitos a servidões administrativas, os leitos e margens das águas não navegáveis nem flutuáveis que atravessem terrenos particulares, bem como as parcelas dos leitos e margens das águas do mar e de quaisquer águas navegáveis ou flutuáveis que forem objecto de desafectação ou reconhecidas como privadas nos termos deste diploma.
3. Consideram-se objecto de propriedade privada, sujeitas a restrições de utilidade pública, as zonas adjacentes.
4. (…)”.
Por sua vez o art. 8º deste diploma estabelecia os meios através dos quais os particulares podiam obter o reconhecimento desse direito de propriedade, nos termos do citado nº 2 do art. 5.
Previa-se neste art. 8º, sob a epígrafe (Reconhecimento da propriedade privada sobre parcelas de leitos ou margens públicos), o seguinte:
1. As pessoas que pretendam obter o reconhecimento da sua propriedade sobre parcelas de leitos ou margens das águas do mar ou de quaisquer águas navegáveis ou flutuáveis devem provar documentalmente que tais terrenos eram, por título legítimo, objecto de propriedade particular ou comum antes de 31 de Dezembro de 1864 ou, se se tratar de arribas alcantiladas, antes de 22 de Março de 1868.
2. Na falta de documentos susceptíveis de comprovar a propriedade dos terrenos nos termos do n.º 1 deste artigo, presumir-se-ão particulares, sem prejuízo dos direitos de terceiros, os terrenos em relação aos quais se prove que, nestas datas, estavam na posse em nome próprio de particulares o na fruição conjunta de indivíduos compreendidos em certa circunscrição administrativa.
3. Quando se mostre que os documentos anteriores a 1864 ou a 1868, conforme os casos, se tornaram ilegíveis ou foram destruídos por incêndio ou facto semelhante ocorrido na conservatória ou registo competente, presumir-se-ão particulares, sem prejuízo dos direitos de terceiros, os terrenos em relação aos quais se prove que, antes de 1 de Dezembro de 1892 eram objecto de propriedade ou posse privadas.
4. Não ficam sujeitos ao regime de prova estabelecido nos números anteriores os terrenos que, nos termos da lei, hajam sido objecto de um acto de desafectação.
A Lei nº 54/2005 veio no seu art. 15º, nº 1 a prever que o reconhecimento da propriedade pelos particulares sobre parcelas de leitos ou margens das águas do mar ou de quaisquer águas navegáveis ou flutuáveis podia ser obtido mediante acção judicial a interpor nos tribunais comuns até 1 de Janeiro de 2014 (deixando de se estabelecer um prazo limite para o reconhecimento na redacção dada ao art. 15º da Lei 54/2005, pela Lei nº 34/2014, de 19/6).
Como já se disse a Recorrente tem inscrito a seu favor no Registo Predial o direito de propriedade sobre prédio rústico sito na ……………, inscrito na respectiva matriz predial sob o nº 4516 e descrito na respectiva Conservatória sob o nº 09018/940128.
O art. 7º do Código de Registo Predial prevê que o “registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define.”
As presunções são as ilações que a lei ou o julgador tiram de um determinado facto conhecido para extrair um facto desconhecido, podendo as presunções legais ser ilidíveis ou inilidíveis, as primeiras iuris tatum e as segundas iure et de iure (cfr. arts. 349º e 350º do Cód. Civil).
Esta presunção iuris tantum do art. 7º (art. 350º, nº 2 do Cód. Civil) tem, portanto, o alcance seguinte: i) a existência do direito que emerge do facto jurídico inscrito; ii) a titularidade desse direito fazer parte da esfera jurídica do beneficiário inscrito; iii) o objecto e conteúdo dos direitos, ónus ou encargos são os definidos no registo.
Mas, principalmente, ao nível de confrontações, áreas ou limites o registo nada prova. E, dos factos provados não resulta a prova de que a obra da contra-interessada entrou nos limites do prédio rústico inscrito naquele registo. Tal prova apenas poderia resultar da prévia fixação dos limites ou extremas do referido prédio, para se poder concluir que a construção aqui em causa “invadiu” a área desse prédio.
Conforme resulta dos preceitos do DL nº 468/71 citados – arts. 3º, nºs 1 e 2 e 5º, nº 1 -, consideram-se do domínio público do Estado as margens das águas do mar, sendo certo que estas incluem as faixas de terreno contíguas ou sobranceiras à linha que limita o leito das águas e têm a largura de 50 m.
E, como se vê da previsão do citado art. 8º (como posteriormente do art. 15º, nº 1 da Lei nº 54/2005) é aos particulares que cabe provar a propriedade privada.
Ora, não há qualquer prova nos autos de que o terreno tenha sido objecto de desafectação (art. 8º, nº 4 citado), não há notícia da existência de acção de demarcação e o Estado também não providenciara pela realização de Processo de Delimitação do Domínio Público Marítimo.
Assim, atendendo à localização da estrutura aqui em causa não era possível, na data em que foi praticado o acto recorrido, afirmar que a implantação da estrutura conforme foi autorizada, viola o direito de propriedade da Recorrente. Antes sendo de presumir que foi construída em área do domínio público marítimo (presunção iuris tantum), cabendo à Recorrente a prova do seu direito (cfr. art. 342º do Cód. Civil), ilidindo a presunção de pertença do terreno ao domínio público, o que não logrou reportado à data do acto impugnado (sendo para o caso irrelevante a sentença proferida em 27.10.2016).
Improcede, consequentemente, a conclusão 2ª do recurso, não tendo a sentença recorrida incorrido em erro de julgamento.

3.3 Da violação do POOC
Alega a Recorrente que a construção autorizada viola o art. 4º, nº 1 do DL nº 93/90, de 19/3.
Os Planos de Ordenamento da Orla Costeira (POOC) surgem com o DL nº 309/93, de 2/9 (com as sucessivas alterações dos DL nºs 218/94, de 20/8, 15/95, de 24/6 e 113/97, de 19/5) que regulamentou a sua elaboração e aprovação (cfr. respectivo art. 1º).
Nos termos do seu preâmbulo visaram a protecção de zonas particularmente sensíveis, como são o litoral e a orla costeira, caracterizadas por “uma grande sensibilidade ambiental e por uma grande diversidade de usos, constituindo simultaneamente suporte de actividades económicas, em particular o turismo e actividades conexas com o recreio e lazer”. Têm por objectivos os definidos no respectivo art. 2º, constituindo objecto de tais instrumentos de gestão territorial, as águas marítimas costeiras exteriores e interiores e respectivos leitos e margens, com faixas de protecção a definir em cada plano, incluindo uma “faixa marítima de protecção” e uma “zona terrestre de protecção” (cfr. art. 3º, nºs 1 e 2).
Inserindo-se na tipologia de planos especiais de ordenamento do território os POOC prevalecem sobre os planos municipais e intermunicipais e vinculam tanto as entidades públicas, como os particulares (cfr. Lei nº 48/98, de 11/8 – arts. 10º, nº 4 e 11º, nº 2 e DL. nº 380/99, de 22/9 - art. 3º).
A Resolução do Conselho de Ministros nº 43/95, de 4/5, aprovou o Plano Director Municipal de Albufeira, e dele resulta que o terreno de implantação da construção aqui em causa se situa em área abrangida pela Reserva Ecológica Nacional (REN),
O DL nº 93/90, de 19/3, disciplina a REN, tendo estabelecido no seu art. 4º (na redacção dada pelo DL nº 213/92, de 12/10), o seguinte:
1 – Nas áreas incluídas na REN são proibidas as acções de iniciativa pública ou privada que se traduzam em operações de loteamento, obras de urbanização, construção de edifícios, obras hidráulicas, vias de comunicação, aterros, escavações e destruição do coberto vegetal.
2 – Exceptuam-se do disposto no número anterior:
a) A realização de acções já previstas ou autorizadas à data da entrada em vigor da portaria prevista no n.º 1 do artigo anterior;
(…)
No caso dos autos a licença foi concedida ao abrigo do art. 17º do DL nº 309/93, de 2/9.
Ora, por força da entrada em vigor do POOC Burgau-Vilamoura a B…………. requereu o licenciamento de um apoio de praia com vista à adaptação do existente ao novo regime de gestão urbanística, sendo certo que não ocorreu a caducidade da licença por força da entrada em vigor daquele POOC. O que só poderia ter acontecido se a CI não tivesse respeitado o clausulado do alvará de ocupação do domínio público indicado na alínea I) dos factos provados (nomeadamente pontos 1 e 2).
Assim, a primitiva licença não caducou, antes se procedeu à adaptação da estrutura para a adequar às exigências do POOC, pelo que, contrariamente ao que defende a Recorrente, não estamos perante uma nova construção, mas perante uma alteração à pré-existente (cfr. al. K) dos FP).
Como tal, é aqui aplicável a excepção prevista no art. 4º, nº 2, al. a) do DL nº 93/90, como entendeu a sentença recorrida, que não incorreu no erro de julgamento que lhe é imputado na conclusão 3ª.
Improcede, consequentemente, o presente recurso

Pelo exposto, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.
Custas pela Recorrente

Lisboa, 22 de Novembro de 2018. – Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa (relatora) – Jorge Artur Madeira dos Santos – Carlos Luís Medeiros de Carvalho.