Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0327/08
Data do Acordão:12/17/2008
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:JORGE DE SOUSA
Descritores:DISPENSA DE PRESTAÇÃO DE GARANTIA
ÓNUS DE PROVA
PROVA DE FACTO NEGATIVO
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
Sumário:I – É sobre o executado que pretende a dispensa de garantia, invocando explícita ou implicitamente o respectivo direito, que recai o ónus de provar que se verificam as condições de que tal dispensa depende, pois trata-se de factos constitutivos do direito que pretende ver reconhecido.
II – A eventual dificuldade que possa resultar para o executado de provar o facto negativo que é a sua irresponsabilidade na génese da insuficiência ou inexistência de bens não é obstáculo à atribuição àquele do ónus da prova respectivo, pois essa dificuldade de prova dos factos negativos em relação à dos factos positivos não foi legislativamente considerada relevante para determinar uma inversão do ónus da prova, como se conclui das regras do art. 344.º do CC.
III – Na situação referida, não se está perante uma situação de impossibilidade prática de provar o facto necessário para o reconhecimento de um direito, que, a existir, poderia contender com o princípio da proibição da indefesa, que emana do direito constitucional ao acesso ao direito e aos tribunais (art. 20. da CRP), pois ao executado é possível demonstrar aquele facto negativo através de factos positivos, como são as reais causas de tal insuficiência ou inexistência de bens.
IV – Por outro lado, a acrescida dificuldade da prova de factos negativos deverá ter como corolário, por força do princípio constitucional da proporcionalidade, uma menor exigência probatória por parte do aplicador do direito, dando relevo a provas menos relevantes e convincentes que as que seriam exigíveis se tal dificuldade não existisse, aplicando a máxima latina «iis quae difficilioris sunt probationis leviores probationes admittuntur».
Nº Convencional:JSTA00065405
Nº do Documento:SAP200812170327
Data de Entrada:04/23/2008
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:AC TCA SUL - AC TCA SUL PROC1780/07 DE 2007/05/15.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL.
Área Temática 2:DIR CONST - GARANTIAS ADMI.
DIR PROC CIV,
Legislação Nacional:ETAF02 ART27 N1 B.
L 13/2002 DE 2002/02/19 ART2 N1 ART4 N2.
L 107-D/2003 DE 2003/12/31.
CPPTRIB99 ART279 N1 ART284 ART286 ART282 ART283 ART170 ART281 ART280.
CPTA02 ART152.
LGT98 ART54 N4 ART52 N4.
CCIV66 ART342.
Jurisprudência Nacional:ASS STJ PROC4/83 DE 1983/07/11 IN DR IS DE 1983/08/27.
Referência a Doutrina:ANTUNES VARELA DAS OBRIGAÇÕES EM GERAL PAG35.
ANTUNES VARELA E OUTROS MANUAL DE PROCESSO CIVIL 1ED PAG451.
MANUEL DE ANDRADE NOÇÕES ELEMENTARES DE PROCESSO CIVIL 1979 PAG203.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1 – A… apresentou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada uma reclamação de um despacho proferido pelo Senhor Chefe de Finanças de Setúbal num processo de execução fiscal, que indeferiu um pedido dispensa de prestação de garantia.
Aquele Tribunal julgou a reclamação improcedente.
O Reclamante, ora Recorrente, interpôs recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada para o Tribunal Central Administrativo Sul, que veio a negar provimento ao recurso.
Novamente inconformado, ora Recorrente interpôs recurso do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul para este Pleno, invocando oposição entre o acórdão recorrido e o acórdão do mesmo Tribunal de 15-5-2007, processo n.º 1780/07.
O Excelentíssimo Relator no Tribunal Central Administrativo Sul entendeu existir a invocada oposição de julgados.
O Recorrente apresentou alegações com as seguintes conclusões:
1 – Verificada a insuficiência dos bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, seria a Administração Fiscal o sujeito incumbido de provar o facto positivo da responsabilidade do executado nesse resultado;
2 – Sendo a alternativa a esta inversão do ónus da prova a inviabilização, na prática, do exercício do direito por parte daquele, tão difícil ou impossível seria a demonstração deste seu elemento constitutivo.
Termos em que, a decisão recorrida violando o número 4 do artigo 52.º da Lei Geral Tributária, deve ser substituída por outra que julgue procedente a reclamação interposta pelo recorrente, na esteira do entendimento sufragado no acórdão fundamento.
Assim se fazendo JUSTIÇA
A Excelentíssima Representante da Fazenda Pública contra-alegou, concluindo da seguinte forma:
A admitir-se a invocada oposição entre os dois Acórdãos quanto a interpretação do artigo 52º, nº 4 da LGT, deverá ser confirmada a doutrina vertida nos sumários proferidos pelo TCAS quer no Acórdão recorrido quer no acórdão do proc. 00155/03:
a) Os pressupostos da dispensa de prestação de garantia, referidos no nº 4 do art. 52º da LGT, são a existência de prejuízo irreparável que seja causado pela prestação da garantia e a manifesta falta de meios económicos para a prestar. E em relação a ambos os casos, a lei impõe, ainda, que a insuficiência ou inexistência de bens não seja da responsabilidade do executado;
b) Ao executado incumbe provar que, apesar da insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, não houve dissipação de bens com intuito de diminuir a garantia dos credores;
c) Essa conclusão não é afastada pelo facto de vigorar, em geral, no direito tributário, o princípio do inquisitório, porque está conforme o princípio de que o ónus probatório impende sobre o interessado, que deverá alegar e provar a factualidade atinente aos factos constitutivos do direito invocado, para mais quando se trate de factos pessoais para os quais ninguém se encontra melhor colocado para o fazer do que o próprio contribuinte;
d) Ao adoptar tal doutrina o Acórdão recorrido não incorreu na invocada violação do art. 52º, nº 4 da LGT, pelo que o presente recurso deverá ser julgado improcedente.
O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer nos seguintes termos:
1. Objecto do recurso
A questão em análise nos presentes autos, e que deu causa à oposição de julgados, respeita à distribuição do ónus da prova dos diversos pressupostos da norma contida no art. 52 n.º 4 da L.G.T.
O acórdão recorrido (do Tribunal Central Administrativo Sul, a fls. 87 e segs.) decidiu que no caso de o executado se encontrar em alguma das situações subsumíveis à norma do art. 52º, nº 4 da Lei Geral Tributária a prova da culpa quanto à insuficiência ou inexistência de bens cabe ao executado e não à Fazenda Pública.
Alega a recorrente, apoiando-se na doutrina do acórdão fundamento de 15.05.2007, recurso 1780/07 do Tribunal Central Administrativo Sul (fls. 150 e segs.), que verificada a insuficiência dos bens penhoráveis para pagamento da dívida exequenda e acrescido, seria a Administração Fiscal o sujeito incumbido de provar o facto positivo da responsabilidade do executado nesse resultado.
E que a posição assumida pelo acórdão recorrido levaria à inviabilização, na prática, do exercício do direito de requerer a isenção da prestação de garantia.
2. Fundamentação
Afigura-se-nos que o recurso não merece provimento.
Com efeito, nos termos do art. 52º, n.º 4 da Lei Geral Tributária «a administração tributária pode, a requerimento do interessado, isentá-lo da prestação de garantia nos casos de a sua prestação lhe causar prejuízo irreparável ou manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, desde que, em qualquer dos casos a insuficiência ou inexistência dos bens não seja da responsabilidade do executado».
A manifesta falta de meios económicos pode, pois, ser revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido.
Defende-se no recurso, e com apoio na doutrina acolhida no acórdão fundamento, que não é sobre o recorrente que incide o ónus de demonstrar que os seus bens penhoráveis são insuficientes para pagamento da quantia exequenda e acrescido, mas sim sobre a Fazenda Pública.
Mas não é isso que resulta da análise e interpretação conjugada dos arts. 52º, n.º 4 da Lei Geral Tributária e art. 170º, nº 3 do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
É que nos termos do referido normativo da Lei Geral Tributária a isenção de prestação de garantia só será concedida desde que a insuficiência e inexistência dos bens não seja da responsabilidade do executado.
Como referem Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, na sua Lei Geral Tributária, comentada e anotada, reimpressão, pág. 153 «a responsabilidade do executado, prevista na parte final do n.º 4, deve entender-se em termos de dissipação de bens com intuito de diminuir a garantia dos credores, e não mero nexo de causalidade desprovido de carga de censura ou simples má gestão dos seus bens».
E é sobre o executado que incumbe o ónus da prova da insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido e de que não houve dissipação de bens com intuito de diminuir a garantia dos credores.
O que resulta quer do regime geral da prova quer, expressamente, do disposto no art.170º, n.º 3 do Código de Procedimento e de Processo Tributário – «o pedido a dirigir ao órgão da execução fiscal deve ser fundamentado de facto e de direito e instruído com a prova documental necessária».
Neste sentido se pronunciam também Alfredo José de Sousa e José da Silva Paixão, no seu Código de Procedimento e de Processo Tributário, comentado e anotado, edição Almedina, pág. 422: «o pedido deve ser alicerçado em razões de facto e de direito, justificativas, designadamente, do prejuízo irreparável ou da manifesta falta de meios económicos.
E deve ser instruído com a indispensável prova documental».
Ademais resulta dos princípios gerais da prova, designadamente do artº 342º do Código Civil que quem invoca um direito ou pretensão tem o ónus da prova dos respectivos factos constitutivos, cabendo à contraparte, a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos Vide, neste sentido Antunes Varela, obrigações, pág. 35: «o ónus consiste na necessidade de observância de determinado comportamento, não para satisfação do interesse de outrem, mas como pressuposto da obtenção de uma vantagem para o próprio, a qual pode inclusive cifrar-se em evitar a perda de um benefício antes adquirido»..
Em face do exposto conclui-se que o acórdão recorrido não merece censura ao decidir que a norma do art.º 52.º n.º 4 da Lei Geral Tributária permite a dispensa da prestação de garantia a requerimento do executado, nos casos de a sua prestação lhe causar prejuízo irreparável, ou perante a manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis, desde que em qualquer dos casos a insuficiência ou inexistência de bens não seja da responsabilidade do executado, cabendo ao executado, e não à Fazenda Pública, efectuar tal prova como condição de obter a procedência da sua pretensão.
Termos em que o presente recurso dever ser julgado improcedente.
As partes foram notificadas deste douto parecer e nada vieram dizer.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
2 – O presente processo iniciou-se depois do início do ano de 2004, pelo que lhe é aplicável o regime legal resultante do ETAF de 2002, nos termos dos arts. 2.º, n.º 1, e 4.º, n.º 2, da Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro, na redacção dada pela Lei n.º 107-D/2003, de 31 de Dezembro.
No art. 27.º, n.º 1, alínea b), do ETAF de 2002 estabelece-se que cabe ao Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo conhecer de «recursos para uniformização de jurisprudência», não se indicando quais os recursos abrangidos por essa designação.
Ao recurso jurisdicional por «oposição de acórdãos», previsto no art. 284.º do CPPT, não é atribuída a designação de «recurso para uniformização de jurisprudência», pelo que se pode questionar se ele subsiste em relação aos processos a que se aplica o ETAF de 2002, uma vez que apenas se prevê a intervenção do Pleno em recurso para uniformização de jurisprudência e não se prevê qualquer formação ou tribunal com competência para o conhecimento de recursos com fundamento em «oposição de acórdãos».
No entanto, apesar de o CPPT já ter sido alterado por várias vezes desde a entrada em vigor do ETAF de 2002 e do CPTA, não foi introduzida qualquer alteração legislativa no regime de recursos jurisdicionais previsto no CPPT, pelo que é de entender que se pretendeu que ele seja mantido.
Por outro lado, estabelecendo-se neste art. 284.º um regime especial de recurso para uniformização de jurisprudência, será ele o aplicável, em primeira linha, aos meios processuais a que se aplica o regime de recursos jurisdicionais previsto no CPPT, indicados no n.º 1 do art. 279.º.
Porém, não se estabelecendo neste art. 284.º do CPPT os requisitos dos recursos a que ele se refere terá de fazer-se apelo ao art. 152.º do CPTA, como legislação subsidiária nesta matéria, atenta a natureza do caso omisso [art. 2.º, alínea c), do CPPT], conclusão esta que é reforçada pelo facto de serem estes os únicos recursos do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal a que é dada a designação de «recursos para uniformização de jurisprudência» e por isso, é necessariamente a eles que se reporta o art. 27.º, n.º 1, alínea b), do ETAF de 2002, na parte em que o contencioso tributário não contém normas especiais.
Sendo assim, cabe ao Pleno da Secção do Contencioso Tributário conhecer destes recursos, uma vez que, sendo também fundados em oposição de acórdãos, caberão naquela designação de «recursos para uniformização de jurisprudência», que é de interpretar como reportando-se a todos os recursos jurisdicionais que visam tal finalidade e não apenas àqueles a que o CPTA ou o CPC atribuem tal designação.
O regime aplicável aos recursos por oposição de acórdãos a que se aplica o ETAF de 2002 é constituído, em primeira linha, pelas regras do art. 284.º, que consubstancia um tipo especial de recurso visando a uniformização de jurisprudência.
Para além disso, pressupõe-se neste art. 284.º a aplicação das regras gerais dos recursos jurisdicionais previstas no CPPT, designadamente quanto à legitimidade e quanto à forma e ao prazo de interposição. Na verdade, o n.º 1 deste art. 284.º inculca essa ideia, pois, referindo que «caso o fundamento for a oposição de acórdãos, o requerimento da interposição do recurso deve indicar...» infere-se que apenas se visa especificar as especialidades do requerimento, com aplicação das regras gerais nos pontos em que não se assinalam especialidades. Por outro lado, no n.º 5 deste art. 284.º remete-se para o n.º 3 do art. 282.º. A isto acresce que as regras dos n.ºs 4 a 7 desse mesmo artigo e do art. 286.º não contêm qualquer indicação que permita restringir a sua aplicação a algum ou alguns tipos de recursos.
Assim, são aplicáveis a estes recursos por oposição de acórdãos, depois das regras deste art. 284.º, as regras gerais constam dos arts. 280.º e 282.º do CPPT (( ) Este último inclui mesmo na sua epígrafe a expressão «Regras gerais».). Subsidiariamente, aplicam-se a estes recursos as regras do agravo em processo civil, como determina o art. 281.º deste Código.
No que não estiver regulado no recurso de agravo, será aplicável subsidiariamente o regime de recursos jurisdicionais do CPTA [art. 2.º, alínea c), do CPPT], com primazia para as regras do recurso para uniformização de jurisprudência.
É o que sucede, designadamente com as regras que estabelecem os requisitos de admissibilidade deste tipo de recursos, matéria em que é necessário fazer apelo às regras do art. 152.º do CPTA.
O regime que resulta, para o recurso por oposição de acórdãos, da aplicação destas normas é consideravelmente distinto do regime dos recursos para uniformização de jurisprudência, previsto no art. 152.º do CPTA.
Há, desde logo, uma diferença fundamental, quanto ao início do prazo de interposição de recurso, pois os recursos por oposição de acórdãos regulados pelo CPPT são interpostos antes do trânsito em julgado, no prazo referido no n.º 1 do art. 280.º deste Código, enquanto, no que concerne aos recursos que são regulados pelo CPTA, o prazo de interposição apenas se inicia com o trânsito em julgado da decisão de que se recorre.
Uma outra diferença é a de que nos recursos jurisdicionais regulados por este art. 284.º, há duas fases de alegações, uma sobre a questão preliminar da existência de oposição entre o acórdão de que se recorre e o acórdão ou acórdãos invocados com fundamento do recurso (n.º 3 deste art. 284.º) e outra sobre a questão do mérito do recurso (nos termos do n.º 3 do art. 283.º, para que remete o n.º 5 deste art. 284.º), enquanto no recurso previsto no art. 152.º do CPTA há uma única alegação do recorrente (n.º 2 deste artigo).
No caso em apreço, o recurso foi tempestivamente interposto, antes do trânsito em julgado do acórdão recorrido, não é questionada a legitimidade do Recorrente e foi seguida a tramitação adequada prevista no referido art. 284.º.
Assim, nos termos do art. 284.º, n.º 5, passará a apreciar-se se verifica a «oposição exigida» a que se refere o n.º 3 do mesmo artigo, o que se reconduz a apreciar se se verificam os requisitos necessários para o prosseguimento do recurso. (( ) Como vem entendendo este Supremo Tribunal Administrativo, a decisão a que se refere o n.º 5 do art. 284.º do CPPT, substituiu, atribuindo competência ao relator no Tribunal ou formação «a quo», a que, anteriormente, era da competência do Pleno, prevista na alínea c) do art. 30.º do ETAF de 1984.)
3 – A admissibilidade dos recursos de acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo por oposição de acórdãos, tendo em conta o regime previsto no art. 152.º do CPTA e a necessária adaptação ao contencioso tributário, depende da satisfação dos seguintes requisitos:
– o acórdão invocado como fundamento do recurso ter sido proferido pelo STA, no âmbito da Secção do Contencioso Tributário ou respectivo Pleno;
– existir contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão invocado como fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito;
– a decisão impugnada não estar em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo.
A questão que é objecto do presente recurso jurisdicional é a de saber se, para efeitos da dispensa de prestação de garantia prevista no art. 52.º, n.º 4, da LGT, o executado tem de provar que a insuficiência ou inexistência de bens penhoráveis para pagamento da dívida exequenda e do acrescido não é da sua responsabilidade.
No acórdão recorrido entendeu-se que o executado, requerente da dispensa de prestação de garantia, tem o ónus da prova de que a insuficiência ou inexistência de bens penhoráveis não é da sua responsabilidade.
No acórdão fundamento entendeu-se que impende sobre a administração tributária a prova do facto positivo, que é o de que a insuficiência ou inexistência de bens do executado lhe é imputável.
Assim, é manifesta a contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento, sobre esta questão.
Por outro lado, não há jurisprudência consolidada deste Supremo Tribunal Administrativo sobre esta questão.
Por isso, não há obstáculo à apreciação do mérito do presente recurso jurisdicional.
4 – O art. 52.º, n.º 4, da LGT estabelece que
4. A administração tributária pode, a requerimento do executado, isentá-lo da prestação de garantia nos casos de a sua prestação lhe causar prejuízo irreparável ou manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, desde que em qualquer dos casos a insuficiência ou inexistência de bens não seja da responsabilidade do executado.
O art. 170.º do CPPT estabelece, no seu n.º 3, que «o pedido a dirigir ao órgão da execução fiscal deve ser fundamentado de facto e de direito e instruído com a prova documental necessária».
As regras básicas sobre a repartição do ónus da prova constam do art. 342.º do CC, que estabelece o seguinte:
Artigo 342.º
Ónus da prova
1. Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado.
2. A prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita.
3. Em caso de dúvida, os factos devem ser considerados como constitutivos do direito.
Aquela regra básica do ónus da prova, enunciada no n.º 1 do art. 342.º do CC, é adoptada também no âmbito do procedimento tributário, por força do disposto no art. 74.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque».
As situações genéricas em que há inversão do ónus da prova são indicadas no art. 344.º, em que se determina tal inversão «quando haja presunção legal, dispensa ou liberação do ónus da prova, ou convenção válida nesse sentido, e, de um modo geral, sempre que a lei o determine» e «quando a parte contrária tiver culposamente tornado impossível a prova ao onerado».
À face destas regras, é de concluir que é sobre o executado, que pretende a dispensa de garantia, invocando explícita ou implicitamente o respectivo direito, que recai o ónus de provar que se verificam as condições de que tal dispensa depende, pois trata-se de factos constitutivos do direito que pretende ver reconhecido.
Aliás, mesmo que se entenda que se está perante uma situação de dúvida sobre este ponto (e a jurisprudência contraditória do Tribunal Central Administrativo Sul recomenda que se considere a questão como duvidosa), terão de considerar-se todos os factos de que depende a prestação de garantia como constitutivos do direito do executado, por força do disposto no n.º 3 do citado art. 342.º do CC.
Para além disso, o texto do n.º 3 do art. 170.º do CPPT aponta no mesmo sentido, ao estabelecer que o pedido deve ser instruído com a prova documental necessária, o que pressupõe que toda a prova relativa a todos os factos que têm de estar comprovados para ser possível dispensar a prestação de garantia seja apresentada pelo executado, instruindo o seu pedido, pois a prova de todos esses elementos é necessária para o deferimento da sua pretensão.
A eventual dificuldade que possa ter o executado em provar o facto negativo que é a sua irresponsabilidade na génese da insuficiência ou inexistência de bens não é obstáculo à atribuição ao executado do ónus da prova respectivo, pois essa dificuldade de prova dos factos negativos em relação à dos factos positivos não foi legislativamente considerada relevante para determinar uma inversão do ónus da prova, como se conclui das regras do art. 344.º do CC. (( ) Neste sentido, pode ver-se ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA, e SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, 1.ª edição, página 451, nota (2) (página 467, na 2.ª edição), em que se refere que «já se tem entendido, erroneamente, que a extrema dificuldade de prova do facto pode inverter o critério legal de repartição do ónus da prova».)
É certo que por força do princípio constitucional da proibição da indefesa, que emana do direito de acesso ao direito e aos tribunais reconhecido no art. 20.º, n.º 1, da CRP, não serão constitucionalmente admissíveis situações de imposição de ónus probatório que se reconduzam à impossibilidade prática de prova de um facto necessário para o reconhecimento de um direito.
Mas, por um lado, no caso em apreço não se está perante uma situação de impossibilidade prática desse tipo, pois a prova do facto negativo que é a irresponsabilidade do executado pode ser efectuada através da prova de factos positivos, por via da demonstração das causas de tal insuficiência ou inexistência de bens.
Por outro lado, a acrescida dificuldade da prova de factos negativos deverá ter como corolário, por força do princípio constitucional da proporcionalidade, uma menor exigência probatória por parte do aplicador do direito, dando relevo a provas menos relevantes e convincentes que as que seriam exigíveis se tal dificuldade não existisse, aplicando a máxima latina «iis quae difficilioris sunt probationis leviores probationes admittuntur». (( ) Essencialmente neste sentido, pode ver-se MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, página 203, cujos ensinamentos são seguidos no Assento do Supremo Tribunal de Justiça n.º 4/83, de 11-7-1983, publicado no Diário da República, I Série, de 27-8-1983.)
Estas regras, nesta situação, conduzirão, no mínimo, a dever-se considerar provada a falta de culpa quando o executado demonstrar a existência de alguma causa da insuficiência ou inexistência de bens que não lhe seja imputável e não se fizer prova positiva da concorrência da sua actuação para a verificação daquele resultado.
Pelo exposto, é correcta a posição adoptada no acórdão recorrido.
Termos em que acordam em negar provimento ao recurso e em confirmar a decisão recorrida.
Custas pelo Recorrente, com
Lisboa, 17 de Dezembro de 2008. – Jorge Manuel Lopes de Sousa (relator) – Domingos Brandão de Pinho – Lúcio Alberto de Assunção Barbosa – Francisco António Vasconcelos Pimenta do Vale – António Francisco de Almeida Calhau – Jorge Lino Ribeiro Alves de Sousa – António José Martins Miranda de Pacheco.