Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0881/14
Data do Acordão:10/15/2014
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ASCENSÃO LOPES
Descritores:TAXA DE EXIBIÇÃO DE PUBLICIDADE
ESTRADA NACIONAL
LICENCIAMENTO
COMPETÊNCIA
Sumário:Depois da entrada em vigor da Lei nº 97/88, a EP – ESTRADAS DE PORTUGAL, S.A deixou de ter competência para liquidar taxas pelo licenciamento de afixação de mensagens publicitárias, uma vez que a sua intervenção se limita à emissão de parecer, obrigatório e não vinculativo, no âmbito do procedimento de licenciamento, da autoria das câmaras municipais, nos termos dos disposto no art. 2º, nº 2, da Lei nº 97/88.
Nº Convencional:JSTA00068945
Nº do Documento:SA2201410150881
Data de Entrada:07/11/2014
Recorrente:EP- ESTRADAS DE PORTUGAL, S.A.
Recorrido 1:A....., S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF BRAGA
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL.
DIR FISC - TAXA.
Legislação Nacional:DL 13/71 DE 1971/01/13 ART1 ART3 ART8 ART10 N1 B.
L 97/88 DE 1988/08/17 ART1 N1 N2 ART2.
CPPTRIB99 ART205.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0232/13 DE 2014/06/26.; AC STA PROC01730/13 DE 2014/06/04.; AC STA PROC01854/13 DE 2014/02/20.; AC STA PROC01597/13 DE 2014/02/20.; AC STA PROC01786/13 DE 2014/02/20.; AC STA PROC01814/13 DE 2014/02/20.; AC STA PROC01340/13 DE 2014/02/20.; AC STA PROC01415/13 DE 2014/02/20.; AC STA PROC01813/13 DE 2014/02/20.; AC STA PROC01500/13 DE 2014/02/20.; AC STA PROC0604/13 DE 2014/02/20.; AC STA PROC01417/13 DE 2014/02/20.; AC STA PROC0983/13 DE 2014/02/20.; AC STA PROC01815/13 DE 2014/04/03.; AC STA PROC073/14 DE 2014/04/29.
Referência a Doutrina:VIEIRA DE ANDRADE - LIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO 2ED PAG142-146.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1 – RELATÓRIO
– A……. SA, deduziu Impugnação Judicial, contra o acto de liquidação da taxa pela fixação de publicidade instalada junto à EN 14, Km 22- 750LE relativo ao ano de 2011 e 2012, por parte da EP – Estradas de Portugal, S.A. (Delegação Regional de Braga) no montante de 4.316,04 Euros.

Por sentença de 10/04/2014, o TAF de Braga, julgou procedente a impugnação judicial anulando as liquidações em causa.

Reagiu a Estradas de Portugal, S.A., interpondo o presente recurso cujas alegações integram as seguintes conclusões:

«1 - A recorrida defende que a EP não tem competência para licenciar a publicidade em causa nos autos, nem tão-pouco proceder à cobrança de qualquer taxa, uma vez que a entidade competente para o licenciamento da publicidade é a Câmara Municipal.
2 - O tribunal a que entendeu que aqueles vícios se verificavam e declarou nulo o ato de liquidação e cobrança de taxa e em consequência considerou que a taxa liquidada é geradora de dupla tributação.
3 - Resulta da legislação atualmente em vigor que:
a) Fora dos aglomerados urbanos o legislador não permite a afixação de publicidade, pelo que a questão do licenciamento só se coloca nos casos de exceção ao regime de proibição (alínea a) do artigo 4º do Decreto-lei nº105/98);
b) Dentro dos aglomerados urbanos, existe um concurso aparente ou real de competências sobre o Licenciamento da publicidade, apesar de ser evidente que os terrenos à margem das estradas nacionais estão dentro zona de proteção sobre os quais se verificam permissões condicionadas à aprovação, autorização ou licença da JAE (faixa de respeito (cfr. alínea b), do artigo 3º do decreto-Lei nº 13/719.
4 - Por sua vez, a competência da Recorrente para conceder licença e liquidar as taxas devidas pela implantação de publicidade decorre da conjugação das disposições do Decreto-Lei nº 13/71 e da Lei n 97/88, isto é:
a) O Decreto-Lei n.º 13/71 no seu artigo 10.º, nº 1, al. a) estabelece que depende de aprovação ou licença da EP a implantação de tabuletas ou objectos de publicidade, comercial ou não, numa faixa de 100m para além da zona non aedificandi respetiva, contando que não ofendam a moral publica e não se confundam com a sinalização da estrada;
b) O artigo 15.º, nº 1; al. j) do mesmo diploma legal determina que para cada autorização ou licença emitida pela implantação de tabuletas ou objetos de publicidade é divida uma taxa de €56,79, por cada metro quadrado ou fração dos mesmos,
c) A Lei nº 97/88 no artigo 1º, nº 1, prevê que a afixação de mensagens publicitárias obedece às regras gerais sobre publicidade e depende do licenciamento prévio das autoridades competentes;
d) No n.º 2, daquele artigo 1.º, é dito que “sem prejuízo de intervenção necessária de outras entidades, compete às câmaras municipais…”.
e) A Lei nº 97/88 (tal somo o anterior Decreto-Lei nº 637/76) no revogou o Decreto-Lei nº 13/71 quanto ao poder concedido à JAE, hoje EP, para licenciar a aposição de publicidade na denominada zona de proteção à estrada e cobrar a respetiva taxa (cfr.: artigos 1,º, 2º, 3º, 10º e 15º, todos do Decreto-Lei nº 13/71).
5 - Mesmo que e aceite a concorrência de duas competências (duas jurisdições) com a intervenção de duas entidades distintas no mesmo procedimento, ela resulta das diferentes atribuições que cada uma destas entidades assegura.
6 - Assim, compete às Câmaras Municipais a definição dos critérios de licenciamento para salvaguarda do equilíbrio urbano e ambiental, nos termos do nº 2, do artigo 1º da Lei nº 97/88, enquanto à Recorrente lhe cabe averiguar se a estrada ou a perfeita visibilidade de trânsito não são afetadas (cfr nº 1, do artigo 12.º do Decreto-Lei nº 13/71 de 23 de Janeiro).
7 - É que os serviços prestados pelas Câmaras e pela EP não são os mesmos, pelo que não se podem confundir.
8 - Por isso, a intenção do legislador ao publicar o Decreto-Lei n.º 637/76 e depois a Lei nº 97/88, foi, inequivocamente, a de salvaguardar o regime especial previsto nas normas de proteção às estradas nacionais mais propriamente no Decreto-Lei n.º 13/71 de 23 de janeiro.
9 - Assim, o regime estabelecido pelo Decreto Lei n.º 13/71 vigora e aplica-se a todas s estradas sob jurisdição da EP.
10 - As normas do Decreto-Lei nº 13/71, de 23 de janeiro relativas à afixação de publicidade nos prédios confinantes com as estradas nacionais, estão em vigor, pelo que, nos termos da al. b) do nº 1 do artigo 10º desse diploma legal, a EP é órgão competente para licenciar publicidade numa faixa de 100m para além da zona de servidão non aedificandi das estradas sob sua jurisdição e liquidar a taxa prevista na al. j) do nº 1 do seu artigo 15º não havendo assim duplicação de coleta.
11 - Sem prescindir, admitindo somente por dever de patrocínio, que a técnica legislativa utilizada aquando da elaboração do Decreto-Lei nº 637/76 e posterior Lei nº 97/88 não tenha sido a melhor e que o legislador distraído não tinha procedido à revogação expressa das normas que supostamente pretendia ver revogadas desde 1976 ou pelo merco desde 1988, designadamente os artigos 8º, n.º 1, al f), 10.º, nº 1, al. b) e 15,º, nº 1, al. j) do Decreto-Lei nº 13/71, conforme defende a mais recente jurisprudência do STA, devemos forçosamente questionar porque não procedeu a essa revogação expressa posteriormente.
12 - Pois, várias foram as oportunidades para o efeito, designadamente em 1998, com a publicação do Decreto-Lei nº 105/98, de 24 de abril, em 2006, com à publicação da Lei n.º 30/2006, de 11 de julho, em 2008 com a publicação do Decreto-Lei nº 83/2008, de 20 de Maio e especialmente em 2011, com a publicação do Decreto-Lei nº 48/2011, de 1 de abril, sanando assim definitivamente a questão.
13 - Aliás, tendo-se debruçado em 2006, com á publicação da Lei nº 30/2006, que procede à conversão em contraordenações das contravenções e transgressões em vigor, sobre a questão da afixação de publicidade ao revogar expressamente o Decreto-Lei nº 637/78, estranhamos que não tenha também revogado expressamente as normas do Decreto-lei n.º 13/71, alegadamente revogadas tacitamente.
14 - Estranhamos também, se a intenção de revogar essas normas era efetivamente inequívoca, o que apenas se admite por mera hipótese académica, que o seu silêncio se tenha mantido em 2011 sendo que, desde pelo menos 2004, as regras de legística para a elaboração de atos normativos do Governo que constam do Anexo ao Regimento do Conselho de Ministros do XVI Governo Constitucional, aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 126-A/2004, impõem que as revogações sejam expressas e discriminem as disposições revogadas (cfr. art.º 8., n.º 1 do Anexo relativo às Regras e Legística).
15 - Ora, tendo a regras de legística sido aprovadas para facilitar a compreensão dos textos normativos qualquer que seja o universo dos seus destinatários e favorecer a certeza e segurança jurídicas, não é de todo plausível que a distracção do legislador tenha sido tal que o conduziu a fazer tábua rasa dos mais elementares princípios que ele próprio estabeleceu, quando esses princípios são de fácil aplicação e sem qualquer tipo da custos para o erário público.
16 - Na medida em que o artigo 9.º, n.º 3 do CC. prevê que na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete deve presumir que o !legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, não podemos deixar de concluir que ao não proceder, apesar das várias oportunidades para o efeito, à revogação expressa das normas do Decreto-Lei nº 13/71, de 23 de janeiro, relativas à afixação de publicidade, apesar de a isso estar obrigado, este nunca pretendeu revogá-las mantendo-se as mesmas em vigor para a totalidade das estradas sob jurisdição da EP.
17 - Mais, o abuso der linguagem ou a utilização menos rigorosa de conceitos por vezes é feita referência a “autorização” em vez de licença’ - não faz desaparecer do ordenamento jurídico a al. b) do nº 1 do artigo 10.º do Decreto-Lei nº13/71, que, como sobejamente demonstrado, se encontra em vigor e aplica-se à questão sub judice, uma vez que o seu âmbito de aplicação é a totalidade das estradas sob jurisdição da Recorrente.
18 - Acresce que, ó facto do Decreto-Lei n.º 25/2004, de 24 de janeiro ter atualizado expressamente as taxas a pagar pelas autorizações e licenças concedidas pela EP (incluindo as relativas à publicidade), traduz a inequívoca intenção do legislador em manter a mencionada habilitação legal concedida pelo Decreto-Lei nº 13/71.
19 - Ao decidir como decidiu, o tribunal a quo violou, designadamente, o constante nos artigos 1º, 3º, 10º, nº 1, al. b) e 15.º, nº1,al. j) todos do Decreto-Lei nº 13/71, de 23 de janeiro, bem como os artigos 1º e 2º da Lei nº 97/88, de 19 de agosto, acabando por perfilhar solução oposta à jurisprudência maioritária deste tribunal.
Nestes termos e nos mais de direito, que Vossas Excelências doutamente suprirão, deve ser revogada a sentença recorrida e substituída por outra que declare a recorrente com competência para a prática do ato, sendo este por isso válido.»
Não foram apresentadas contra-alegações.

O EMMP pronunciou-se emitindo o seguinte parecer:

«Recurso interposto por EP - Estradas de Portugal, S.A. no processo em que é impugnante A………, S.A.:
1. Matéria a apreciar:
- a legalidade da taxa aplicada com fundamento na competência da EP - Estradas de Portugal, S.A. para licenciar publicidade em zona de proteção à estrada, conforme previsto no art. 15.º do Dec.-Lei n.º 13/71, de 23/1, atualizado pelo Dec.-Lei n.º 25/04, de 17/1.
2. Posição que se defende.
Do regime instituído pelo Decreto-Lei n.º 13/71, de 23 de janeiro, importa, para a economia do parecer, ressaltar as vertentes que seguidamente se passam a analisar.
O Decreto-Lei n.º 13/71, veio regular a área de jurisdição da Junta Autónoma de Estradas (J.A.E.) em relação às estradas nacionais e as correspondentes atribuições, incluindo-se no mesmo as proibições e permissões de obras a efectuar nas estradas e nas respectivas zonas de protecção, as formas e processo de aprovação, autorização ou licenciamento dessas obras, bem como as correspondentes taxas.
A área de jurisdição da J.A.E. em relação às estradas nacionais abrange, para além da zona da estrada (englobando a faixa de rodagem, as bermas, as valetas, os passeios, as banquetas ou taludes, pontes e viadutos), a denominada zona de protecção à estrada (abrangendo a faixa com servidão non aedificandi e a faixa de respeito) - artigos 1.º a 3º.
E à Junta Autónoma de Estradas, após sucessivas reestruturações decorrentes de múltiplos diplomas legais, veio a suceder, na jurisdição e atribuições referidas, a EP - Estradas de Portugal, E. P. E., atualmente já sob a forma de sociedade anónima de capitais públicos, bem como o I.N.I.R.
A secção do Contencioso Tributário do S.T.A. tem adotado ultimamente, a respeito da questão controvertida da legalidade da dita taxa, posição uniforme em sentido contrário ao que se defende no recurso interposto em que se defende a sua legalidade com base na competência para autorizar o licenciamento se manter por parte da EP-Estradas de Portugal, E.P.E. e da EP-Estradas de Portugal, S.A. - assim, em acórdãos de 18-6-14 (proc. 205/14), 2-7-14 (processos 615/14 e 492/14) e 9-7-14 (processos 232/13, 135/14 e 483/14), todos acessíveis em www.dgsi.pt.
Apenas pode resultar estranho que pela alteração operada ao art. 15.º do Dec.-Lei n.º 13/71, de 23/1 pelo Dec.-Lei n.º 25/04, de 17/1, tenha sido atualizada a taxa de publicidade.
Contudo, pode a mesma ser devida pela emissão de parecer por parte da E.P.Estradas de Portugal, E.P.E., tal como foi entendido também no acórdão do Tribunal Constitucional nº 622/13, publicado no DR II s. de 6-11-13.
3. Concluindo:
Emite-se parecer no sentido de não ter existido fundamento legal para aplicar a taxa em causa com base na competência da EP-Estradas de Portugal, E.P.E. ou S.A. para decidir o licenciamento da publicidade em causa.
Assim, e sendo nulos os atos de liquidação, parece ser de julgar o recurso interposto improcedente.»

2 – FUNDAMENTAÇÃO

O Tribunal “a quo” deu como provada a seguinte factualidade:
Matéria de facto:
1 - Por carta datada de 11-02-2013 foi a impugnante notificada pelas Estradas de Portugal, dando-lhe a conhecer que no âmbito de uma fiscalização efetuada se constatou a existência de publicidade afixada à margem da EN nos termos constantes do fotográfico que junta, bem como, para querendo exercer o direito de audição, cfr. fls. 31 a 48 do PA e que aqui se dão por reproduzidas.
2 - A impugnante efetuou o pagamento em 26 de março de 2012 – fls. 115 dos autos;
3 - Em 22 de maio de 2013 foi enviada por correio a presente impugnação - fls. 119 dos autos.


3 – DO DIREITO

O meritíssimo juiz do TAF de Braga, julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A……. SA., condenando a ora recorrente. Estradas de Portugal S.A. no pedido de anulação das liquidações das taxas de publicidade supra enunciadas.
Para tanto entendeu que o licenciamento da publicidade em causa nos autos não é da competência das EP mas sim da Câmara municipal da área onde a publicidade é afixada, uma vez que a sua intervenção se limita à emissão de parecer, no âmbito do procedimento de licenciamento, da autoria das câmaras municipais, nos termos do disposto no artigo 2º nº2 da mesma Lei nº 97/88.

A questão a decidir neste recurso é, apenas de direito e consiste em saber quem é a entidade competente para licenciar e, consequentemente, tributar a afixação de tabuletas de publicidade na zona de protecção das estradas nacionais.

Trata-se de questão que actualmente tem obtido resposta idêntica tanto na Secção de Contencioso Tributário (na vertente da tributação do licenciamento) como na Secção de Contencioso Administrativo (na vertente do licenciamento em si), como se pode ver pelos acórdãos proferidos por esta Secção de 26/06/2013, no rec. nº 0232/13, e de 4/06/2014, no rec. nº 01730/13, e pela Secção de Contencioso Administrativo de 20/02/2014, nos recs. nºs 01854/13; 01597/13; 01786/13; 01814/13; 01340/13; 01415/13; 01813/13; 01500/13; 0604/13; 01417/13; 0983/13; de 20/03/2014, no rec. nº 01500/13; de 20/03/2014, no rec. nº 01814/13; de 3/04/2014, nos recs. nº 01815/13; 01896/13; 01600/13; 01741/13; 01792/13; 01499/13; 01556/13; 024/14; de 15/05/2014, nos recs. nº 0133/14; 0135/14; 0140/14; 01516/13; de 29/04/2014, no rec. nº 073/14, e de 26/06/2014, no rec. nº 0232/13, traduzindo uma jurisprudência que actualmente se pode considerar consolidada.

Esta resposta foi inicialmente dada pelo referido acórdão desta Secção no recurso nº 0232/13, cuja fundamentação sufragamos na íntegra, e que posteriormente foi acolhida pela Secção de Contencioso Administrativo.

Nesse acórdão deixou-se explicitado o seguinte:

«3.1. O art. 1º do Decreto-Lei nº 13/71, de 23 de Janeiro, que veio regulamentar a jurisdição da Junta Autónoma das Estradas em relação às estradas nacionais, estabeleceu que tal área de jurisdição abrangia, para além da “zona da estrada” (englobando a faixa de rodagem, as bermas, as valetas, os passeios, as banquetas ou taludes, pontes e viadutos), a denominada “zona de protecção à estrada” (constituída pelas faixas com servidão non aedificandi e pelas faixas de respeito) - arts. 1º a 3º.
Diz expressamente o art. 3º do Decreto-Lei nº 13/71 que a zona de protecção à estrada nacional é constituída pelos terrenos limítrofes em relação aos quais se verificam:
a) Proibições (faixa designadamente com servidão non aedificandi;
b) Ou permissões condicionadas à aprovação, autorização ou licença da Junta Autónoma de Estradas (faixas de respeito)”.
O art. 8º, sob a epígrafe, “Proibições em terrenos limítrofes da estrada”, dispõe que é proibida a construção, estabelecimento, implantação ou produção de “Tabuletas, anúncios ou quaisquer objectos de publicidade, com ou sem carácter comercial, a menos de 50 m do limite da plataforma da estrada ou dentro da zona de visibilidade, salvo no que se refere a objectos de publicidade colocados em construções existentes no interior de aglomerados populacionais e, bem assim, quando os mesmos se destinem a identificar instalações públicas ou particulares.”
Por sua vez, segundo o disposto no art. 10º, nº 1, alínea b), depende da aprovação ou licença da Junta Autónoma da Estrada, a “Implantação de tabuletas ou objectos de publicidade, comercial ou não, numa faixa de 100 m para além da zona non aedificandi respectiva”.
Em face do quadro legal exposto, a questão essencial a decidir é a de saber se a recorrente mantém competência para liquidar taxas de publicidade, em especial nas situações referenciadas no art. 10º, nº 1, alínea b), do Decreto-Lei nº 13/71, de 23 de Janeiro, sobretudo depois da entrada em vigor da Lei nº 97/88, de 17 de Agosto.
Este diploma, que sucedeu ao Decreto-Lei nº 637/76, de 29 de Junho, veio definir o enquadramento geral da publicidade exterior, sujeitando-a a licenciamento municipal prévio e remetendo para as câmaras municipais a tarefa de definir, à luz de certos objectivos fixados na lei, os critérios que devem nortear os licenciamentos a conceder na área respectiva.
Embora o diploma não revogue expressamente o Decreto-Lei nº 13/71 nem sequer algumas das suas normas, a verdade é que aquela lei veio universalizar a licença municipal de afixação ou instalação de publicidade no espaço exterior, dizendo expressamente que esta depende do licenciamento prévio das autoridades competentes (nº 1 do art. 1º da Lei nº 97/88).
Por seu turno, diz o nº 2 que “Sem prejuízo de intervenção necessária de outras entidades, compete às câmaras municipais, para salvaguarda do equilíbrio urbano e ambiental, a definição dos critérios de licenciamento aplicáveis na área do respectivo concelho”.
No preceito seguinte (art. 2º), sob a epígrafe “Regime de licenciamento”, refere no seu nº 1 que o pedido de licenciamento é dirigido ao presidente da Câmara Municipal da respectiva área, devendo, nos termos do estatuído no nº 2, “A deliberação da câmara municipal deve ser precedida de parecer das entidades com jurisdição sobre os locais onde a publicidade for afixada, nomeadamente do Instituto Português do Património Cultural, da Junta Autónoma das Estradas, da Direcção-Geral de Transportes Terrestres, da Direcção de Turismo e do Serviço Nacional de parques, Reservas e Conservação da Natureza.”
Confrontando o teor deste preceito com o expressamente consagrado no art. 10º, nº 1, alínea b), do Decreto-Lei nº 13/71, facilmente se conclui que os preceitos estão em contradição na parte em que este último comete à recorrente, na área de jurisdição correspondente a 100 metros para além da zona non aedificadi, a competência para a aprovação ou licença, enquanto que o nº 2 do art. 2º da Lei nº 97/88 degrada essa intervenção na mesma matéria à mera emissão de parecer obrigatório.
Poderá dizer-se que constituindo a Lei nº 97/88 lei geral, em face do Decreto-Lei nº 13/71 que, pelo seu turno, consubstancia um regime especial, estaria afastada a possibilidade de este ser revogado por aquela lei.
Acontece que no caso de contradição entre normas da mesma hierarquia, a regra vai no sentido de que lex specialis derrogat legi generali ainda que esta seja posterior, excepto, neste caso, “se outra for a intenção inequívoca do legislador” (Cfr. Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 7ª reimpressão, Almedina, Coimbra, 1994, p. 170.).
Ora, afigura-se que a Lei nº 97/88 pretende de forma inequívoca regular a afixação e inscrição de mensagens de publicidade e propaganda atribuindo o licenciamento de forma universal às câmaras municipais, na área do respectivo concelho, sem prejuízo da intervenção obrigatória, através da emissão do respectivo parecer, por parte de entidades com jurisdição exclusiva para defesa de interesse públicos específicos que têm de ser tidos em conta na emissão de licença final pelo respectivo município.
Realce-se que esta é, aliás, a tese da recorrente.
Com efeito, nas suas conclusões a recorrente não refere em parte alguma qual a norma que lhe confere competência para a emissão do licenciamento em causa.
Pelo contrário, em vários pontos das Conclusões, designadamente, nos pontos 12, 15, 22, 23, 26 e 27, a recorrente fala sim na sua competência para a emissão de parecer.
No entanto, a recorrente acaba por concluir, invocando jurisprudência deste Supremo Tribunal que “o licenciamento da publicidade é emitido pela Câmara Municipal que tem de ser precedido de um parecer da EP, E.P.E., quando a publicidade se situa na proximidade de uma estrada nacional, o que significa que aquela entidade não vem licenciar a publicidade, mas sim autorizar a sua afixação junto das estradas nacionais, que são campos de aplicação completamente diferentes.”
Concluindo-se que “(…) a aprovação ou licença concedida pela EP, E.P.E., para afixação de publicidade constante da alínea b) do n.º 1 do artigo 10º do DL 13/71, de 23/01, corresponde ao parecer mencionado no nº 2 do art.º 2º do DL 97/88, de 17/08, sendo de carácter vinculativo e obrigatório” (Acórdão proferido no processo 0243/09, de -25/6/2009)”.
Afigura-se, porém, que esta tese, além de não ter apoio legal, conduziria a resultados absurdos.
Vejamos.
3.2. Em primeiro lugar, o parecer a que se refere o nº 2 do art. 2º da Lei nº 97/88 não é vinculativo, mas tão só obrigatório. Nas palavras de VIEIRA DE ANDRADE (Lições de Direito Administrativo, 2ª ed., Imprensa da Universidade de Coimbra, Coimbra, 2011, p. 146.), os pareceres “enquanto avaliações jurídicas ou técnicas”, são obrigatórios ou facultativos, conforme tenham ou não de ser solicitados pelo órgão instrutor, e são vinculantes ou não vinculantes, conforme tenham, ou não, de ser seguidos pelo órgão decisor. E o autor termina dizendo que “os pareceres previstos em normas jurídicas são, salvo disposição expressa em contrário, obrigatórios e não vinculantes”.
Aplicando a doutrina mencionada ao caso dos autos, temos de concluir que os pareceres a que se refere o nº 2 do art. 2º da Lei nº 97/88 são obrigatórios mas não vinculativos.
Em segundo lugar, tratando-se de um parecer, ainda que obrigatório, o mesmo não se confunde com a figura da autorização nem da licença. Ao contrário dos pareceres que integram a categoria dos actos jurídicos instrumentais, mais propriamente instrutórios, na medida em que visam a assegurar a constituição de actos administrativos, as autorizações são, tal como as licenças, verdadeiros actos administrativos em sentido estrito (Cfr. VIEIRA DE ANDRADE, ob. cit., p. 142 e p.145.), embora com conteúdos diferentes.
As autorizações em sentido amplo são, segundo VIEIRA DE ANDRADE (Cfr. ob. cit., p. 145.), actos administrativos favoráveis porque conferem ou ampliam direitos ou poderes “administrativos” ou extinguem obrigações, distinguindo-se as autorizações propriamente ditas das licenças. As primeiras, também conhecidas por autorizações permissivas, caracterizam-se por permitirem “o exercício pelos particulares da actividade correspondente a um direito subjectivo pré-existente, apenas condicionado pela lei a uma intervenção administrativa”, destinada a remover um obstáculo por ela imposto. As segundas, também denominadas autorizações constitutivas, destinam-se a constituir “direitos subjectivos em favor dos particulares em áreas de actuação sujeitas a proibição relativa (preventiva) pela lei, uma vez acautelada no caso concreto a não lesão do interesse que justificou a proibição legal”.
Em face do exposto, a tese da recorrente conduziria ao absurdo de sobre a mesma situação recair simultaneamente uma autorização e uma licença que, embora da autoria de entidades diferentes, visaria o mesmo resultado: permitir (ou conferir o direito) à afixação ou inscrição de mensagens de publicidade comercial. O que conduziria a que duas entidades públicas tivessem competência para liquidar taxas sobre a mesma realidade fáctica, situação muito próxima da duplicação de colecta, proibida no art. 205º do CPPT.
Ora, o que a Lei nº 97/88 veio dizer, e é aceite pela recorrente, é que a afixação ou inscrição de mensagens publicitárias de natureza comercial depende do licenciamento prévio dos municípios, precedido de parecer das entidades com jurisdição sobre os locais onde a publicidade for afixada. O que significa que o legislador quis sujeitar a afixação de publicidade a um acto de licenciamento dos municípios e não a mera autorização, acto que tem de ser instruído com o parecer das autoridades com jurisdição nos locais de afixação da publicidade. Por esta via, o legislador consegue harmonizar os interesses visados pelos municípios, consistentes na salvaguarda do equilíbrio urbano e ambiental e, ao mesmo tempo, a segurança do trânsito das estradas nacionais. Todavia, segundo este modo de ver as coisas, existe apenas uma única entidade competente para o licenciamento e não duas como pretende a recorrente.
Em suma, em face de tudo o quanto vai exposto, é patente que a resposta à questão que vem posta não exige que se tome posição sobre o problema de saber até que ponto o Decreto-Lei nº 13/71 se encontra ou não revogado, nem tão pouco sobre se as áreas de jurisdição da recorrente consagradas no mencionado diploma ainda se mantêm ou não.
No caso em apreço, a questão sub judice traduz-se apenas em aferir da legalidade da liquidação de taxas de publicidade aplicadas às recorridas, nos termos da alínea j) do nº 1 do art. 15º do Decreto-Lei nº 13/71, de 23 de Janeiro, e actualizadas pelo Decreto-Lei nº 25/2004, de 24 de Janeiro. E o que se conclui é que, depois da entrada em vigor da Lei nº 97/88, a recorrente deixou de ter competência para liquidar taxas pelo licenciamento de afixação de mensagens publicitárias, uma vez que a sua intervenção se limita à emissão de parecer, no âmbito do procedimento de licenciamento, da autoria das câmaras municipais, nos termos dos disposto no art. 2º, nº 2, da Lei nº 97/88.».

Por conseguinte, de acordo com o enquadramento legal explicitado, mesmo admitindo que o Decreto-Lei nº 13/71, de 23 de Janeiro, se mantém em vigor, a verdade é que não oferece dúvidas que, por força, primeiro do Decreto-Lei nº 637/76 e, posteriormente, da Lei nº 97/88, o inciso “aprovação ou licença” constante do art. 10º, nº 1, alínea b), do Decreto-Lei nº 13/71, foi derrogado e desgraduado na emissão de “parecer” das entidades com jurisdição sobre os locais onde a publicidade for afixada. Deve, assim, o procedimento ser iniciado junto das câmaras municipais que procederão à consulta das entidades competentes para a emissão do respectivo parecer.

E limitando-se a competência da recorrente (EP) à emissão de parecer, no âmbito do procedimento de licenciamento, da autoria das câmaras municipais, nos termos do disposto no art. 2º, nº 2, da Lei nº 97/88, não lhe pode competir a iniciativa de liquidar as taxas por tal licenciamento.

A sentença não merece, pois, qualquer censura, devendo ser confirmada.

4 - DECISÃO:

Termos em que acordam os juízes deste Supremo Tribunal em negar provimento ao recurso.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 15 de Outubro de 2014. - Ascensão Lopes (relator) - Ana Paula Lobo - Dulce Neto.