Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01961/13
Data do Acordão:01/29/2014
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO DELGADO
Descritores:EXECUÇÃO FISCAL
CREDOR COM GARANTIA REAL
VENDA JUDICIAL
OMISSÃO DE NOTIFICAÇÃO
NULIDADE PROCESSUAL
Sumário:I - No processo de execução fiscal tem aplicação supletiva o disposto no artº. 812º do Código de Processo Civil.
II – Assim, o credor com garantia real tem necessariamente que ser notificado, nomeadamente do despacho que altera o preço de venda inicialmente fixado, após frustrada a venda anterior por propostas em carta fechada e por negociação particular.
III – A omissão de notificação de tal despacho constitui nulidade processual que justifica a anulação da venda nos termos dos artigos 195.º, n.º 1, e 839.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil, aplicáveis por força do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 257.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
Nº Convencional:JSTA00068570
Nº do Documento:SA22014012901961
Data de Entrada:12/30/2013
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A............, SA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF ALMADA
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT.
Legislação Nacional:CPC96 ART886-A N1 N2 ART201 N1 ART909 N1 C.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0700/12 DE 2012/10/10.; AC STA PROC0431/09 DE 2009/07/08.; AC STA PROC0222/08 DE 2008/07/14.; AC STA PROC0667-A/12 DE 2013/01/27.; AC STA PROC0244/10 DE 2010/11/03
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


1 – Vem o representante da Fazenda Publica recorrer para este Supremo Tribunal da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada que julgou procedente a reclamação apresentada pelo A………… SA, melhor identificado nos autos, o qual pediu anulação da venda de metade da fracção autónoma designada pela letra V, inscrita na matriz predial urbana sob o artigo 2003 e descrita na Conservatória do registo Predial do ……… sob o numero 3209, efectuada no processo de execução fiscal nº 21942008753, no qual é executado B………….

Termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
«I - Não se concorda com o Tribunal “a quo”, quando considera que a Autoridade Tributária não notificou o credor com garantia real das diversas modalidades de venda, tendo sido omitida formalidade prescrita na lei, constituindo tal omissão nulidade, nos termos do disposto no art.º 201º do CPC, pois “a falta de notificação de todas as modalidades da venda praticadas inviabilizou a intervenção do credor com garantia real sobre o imóvel na fase da venda deste bem, o que nos permite precisar que a omissão dessa notificação não constitui uma mera irregularidade, sem consequências, na medida em que esse acto não atingiu o seu fim: assegurar a participação do reclamante credor na fase da venda e proteger os seus interesses, proporcionando-lhe quer o acompanhamento do desenvolvimento processual normal, quer a realização de diligências no sentido de alcançar a melhor proposta possível de venda e evitar ou minimizar a degradação do respectivo preço, garantindo que a venda se realize pelo preço mais alto possível”;
II - Tendo sido remetido à Reclamante, juntamente com a notificação para reclamação de créditos e do Despacho de determinação da venda dos bens penhorados, cópia do “Edital — Venda e Convocação de Credores”, o qual fez parte integrante daquela notificação, e do qual constavam, nomeadamente, a modalidade de venda (modalidade regra, do art.º 248.º do CPPT) e as modalidades subsequentes, com as respetivas datas e valores base, foi a mesma notificada das várias modalidades e datas de venda;
III - A própria Reclamante reconhece que “Como facilmente se afere pela análise dos autos de execução em questão, as formalidades de notificação ao A………… prescritas no art.º 40.º acima citado, foram omitidas quanto à alteração da modalidade da venda, de leilão electrónico (a qual foi devidamente notificada) para a modalidade de venda mediante propostas em carta fechada e por último para leilão electrónico”;
IV - O que constou do Ofício notificado foi, nomeadamente “mais fica por este meio notificado, considerando-se a notificação efectuada na data de assinatura do aviso de recepção que acompanham esta carta, de que, por despacho do Chefe deste Serviço de Finanças, foi determinada a venda dos bens penhorados no processo de execução fiscal em referência tal como consta de edital elaborado e do qual se anexa cópia que faz parte integrante desta notificação”;
V - Considera, a Douta Sentença, tratarem-se de notificações condicionais. As quais não são por lei admitidas. A ser assim, e com todo o devido respeito, muitos atos ilegais são praticados diariamente pelos tribunais nacionais. A título de exemplo, as notificações realizadas para comparência de testemunhas no âmbito de audiências de julgamento, sendo indicado que, caso a audiência não se realize na 1.ª data, fica desde logo marcada para a 2.ª ou as notificações feitas aos mandatários das partes, nas quais se indica que fica provisoriamente marcada uma data, a qual se tornará definitiva caso nenhum deles se oponha;
VI — Como ficou dito pela Divisão de Justiça Tributária em Informação ao pedido de anulação da venda, “com o acto de citação para reclamar os seus créditos, o credor hipotecário foi chamado ao processo judicial de execução fiscal, adquirindo, assim, imediatamente, o estatuto de sujeito processual para todos os efeitos legais, nomeadamente para os previstos no artigo 886.º-A do CPC, razão porque foi notificado, simultaneamente com a citação, da data e hora marcada para a venda e da modalidade de venda imposta por disposição legal, nos termos do n.º 1 e n.º 2 do art.º 248.º do CPPT — modalidade de leilão electrónico, ficando assim, habilitado a tomar a iniciativa de acautelar os seus direitos, comparecendo no acto de abertura e encerramento do leilão ou formulando proposta de aquisição de modo a evitar a degradação do preço de venda”;
VII - Existe um regime regra legalmente fixado no art.º 248.º do CPPT — o leilão electrónico. Só assim não será, se a lei dispuser de forma contrária, ou se tal for impossível;
VIII - Foi a Reclamante, como reconhece, notificada da modalidade regra. A partir do momento em que está fixada, pelo Órgão de Execução Fiscal, a venda pela modalidade regra, o art.º 248.º manda que, verificando-se a frustração desta, “imediatamente”, se proceda à modalidade seguinte — propostas em carta fechada. Não sendo apresentadas, manda a lei seguir para abertura de novo leilão electrónico, que decorre durante 15 dias.
IX - E se é verdade, como dito supra, que o dirigente máximo do serviço, ab initio, pode determinar a venda em outra modalidade prevista no Código de Processo Civil, in casu, tal não ocorreu. Ficando a partir daí vinculado às seguintes modalidades e valores do art.º 248.º CPPT;
X - Entende o Exm.º Sr. Juiz Conselheiro Jorge Lopes de Sousa — obra citada:
“A Lei nº. 55- A/2010 de 31 de Dezembro, ampliou as possibilidades de escolha da forma de venda, pois como decorre do n.º 5 do art.º 248. e da alínea e) do n.º 1 do art.º 252.º do CPPT, o dirigente máximo do serviço sempre pode determinar a venda em outra modalidade prevista no CPC (...) Nestas situações em que há a possibilidade de livre opção pelo órgão da execução fiscal relativamente à determinação da modalidade de venda, justifica-se (antes ou depois da aplicação do regime da Lei nº 55-A/2010) a audição prévia do executado e credores com garantia real sobre o bem a vender, pois está-se perante uma situação idêntica à prevista no art.º 886.º A, nº 1, do CPC (...) Por outro lado, o art.º 886.º-A do CPC está vocacionado para aplicação em todas as situações em que há escolha da modalidade da venda.”
XI - Não nega a Reclamante que o Serviço de Finanças o notificou da modalidade da venda — por leilão electrónico (não se tendo vindo opor ou propor outra qualquer modalidade, distinta da “modalidade regra”). A partir daqui não pode haver já decisão errada do Órgão de Execução Fiscal, pois o citado artigo não o permite. Não há já possibilidade de erro na determinação, por parte do Órgão de Execução Fiscal, nem pode vir qualquer dos intervenientes solicitar a sua alteração. Porque a actuação, após a decisão por aquele regime, é vinculada;
XII - Recorre, a Douta Sentença, ao Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 23.01.2013, proc.º 667A/12, o qual, chama, por sua vez, à colação o Acórdão n.º 1656/2010, de 28.04.2010, do Tribunal Constitucional (TC), no qual se analisa da aplicabilidade do art.º 886-A do CPC ao processo de execução fiscal, a título subsidiário — o que nem se contestou na presente Reclamação;
XIII - Aliás, o que o n.º 6 o do art.º 886.º A do CPC, sob a epígrafe “Determinação da modalidade de venda e do valor base dos bens” estipula é: “A decisão é notificada pelo agente de execução ao exequente, ao executado e aos credores reclamantes de créditos com garantia sobre os bens a vender, preferencialmente por meios electrónicos.”. O n.º 7 dispõe “Se o executado, o exequente ou um credor reclamante discordar da decisão cabe ao juiz decidir; da decisão deste não há recurso”.
XIV - Ora, in casu, decidida a modalidade regra de venda, nos termos do art.º 248.º do CPPT, decorrem as outras necessariamente da primeira, sem que executado, exequente ou credor reclamante possam discordar delas — desde que, notificadas da primeira, com ela tenham concordado;
XV - Não se concorda, deste modo, como dito, com a chamada à colação do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), de 23.01.2013, proc.º 0667A/12, no qual estava em causa “A omissão da notificação do despacho determinativo da venda por negociação particular e do preço mínimo fixado pelo órgão da execução fiscal ao credor com garantia real sobre o bem imóvel penhorado e vendido”.
XVI - Os trâmites legais para a venda em processo de execução fiscal eram distintos daqueles que regularam a venda aqui em questão. Ou seja, com todo o respeito, também o decidido no Acórdão do TC parcialmente transcrito, não pode ser transferido tout court para o caso em apreciação, porque estamos perante normativos entretanto alterados – o artigo 248.º do CPPT não estabelece como regime regra, a venda por meio de propostas em carta fechada, logo, não tem a al. a) do nº 1 do artigo 252.º do CPPT aplicação subsequente à frustração do regime regra;
XVII - De utilidade do que ficou plasmado naquele Acórdão é, no entanto, o entendimento que dele parece emanar segundo o qual, não existindo discricionariedade na escolha da modalidade de venda pela Autoridade Tributária revelar-se, para esse efeito, desprovida de qualquer efeito útil a eventual audição prévia dos credores reclamantes com garantia real;
XVIII - No entanto, caso se entenda que tal notificação das modalidades da venda imperativamente decorrentes da primeira surge como necessária, não pode deixar de se concluir, que a omissão de tal notificação constitui mera irregularidade. Isto porque, sendo ou não notificado das modalidades de venda posteriores, não pode o credor com garantia real vir requerer outras, ou solicitar outro valor base;
XIX - Em boa verdade, a Reclamante, reconhece que “só existe nulidade por omissão de formalidade de notificação do credor reclamante titular da garantia sobre o bem a vender se tal omissão for, como disposto no artigo 201.º do CPC, susceptível de influenciar a venda”;
XX - No entanto, não concretizou (e muito menos provou), face aos dispositivos legais em vigor, de que forma viu os seus direitos prejudicados no caso concreto, ou que o resultado da venda seria diferente do que foi, ainda que tivesse sido notificada das várias fases da venda (e foi, não o esqueçamos);
XXI - Mais, o exequente não foi o único beneficiário da venda do imóvel.
O n.º 11 do artigo 864.º do CP, subsidiariamente aplicável ex vi da al. e) do art.º 2.º do CPPT, estabelece que a falta das citações prescritas nesse preceito (onde se inclui a citação dos credores com garantia real) “tem o mesmo efeito que a falta de citação do réu, mas não importa a anulação das vendas, adjudicações, remições ou pagamentos já efectuados, dos quais o exequente não haja sido exclusivo beneficiário (...)“. Se a omissão de citação do credor não acarreta a anulação da venda, muito menos terá esse efeito a falta de notificação do despacho que ordenou nova venda.
XXII —Ao decidir, como decidiu, a Douta sentença violou o disposto no art.º 248.º do CPPT e fez uma errada aplicação do art.º 886 A do CPC (actual art.º 812.º do CPC).»

2 – A entidade recorrida, o A…………, SA apresentou as suas contra alegações, concluindo da seguinte forma:
«A) Vem o presente recurso da Douta Decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada que, julgando procedente a reclamação apresentada pelo A…………, credor com garantia real, anulou a venda da metade indivisa do imóvel sobre o qual se mostrava inscrita hipoteca a favor do Banco ora Recorrido, bem como os atos que dela dependessem absolutamente.
B) Não poderá proceder o argumento do Recorrente de acordo com o qual a cópia do edital para venda remetida ao A…………, em simultâneo com a citação para efeitos de reclamação de créditos, vale como notificação para a modalidade da venda.
C) A admitir-se válido esse ato, estar-se-ia a admitir a validade de notificações condicionais, porque dependentes da verificação de sucessivas condições, transferindo-se, assim, para, o credor um especial dever de informação, incompatível com os princípios da boa fé da cooperação
D) Se é desprovida de qualquer efeito útil a notificação dos credores com garantia real para definição do valor e da modalidade da venda em processos de execução fiscal, já assim não sucede no que concerne às notificações que, em cada momento, fixam a modalidade e o seu valor,
E) A ausência de notificação desses atos — com as sucessivas alterações da modalidade e do valor base — inviabilizam a intervenção do credor com garantia real nessas diligências de forma a proteger os seus interesses, impedindo o acompanhamento do desenvolvimento do processo e das diligências efetuadas de forma a obter a melhor proposta de venda possível ou, pelo menos, para evitar a degradação do preço.
F) Desse modo, ao prever uma condição suspensiva para produção dos seus efeitos que os visados não podem conhecer senão de forma insustentavelmente onerosa para a sua posição jurídica, a notificação da primeira modalidade, de venda, torna-se ineficaz relativamente às vendas efetuadas posteriormente à primeira.
G) Dos Doutos Acórdão referidos na Sentença posta em crise ressalta a ratio subjacente ao direito à notificação, titulado pelos visados nos processos de execução fiscal, de todos os despachos que determinem todas modalidades de venda executiva que ocorram — onde se inclui não apenas a modalidade da venda propriu sensu, mas tudo o que demais o n° 2 do artigo 812.º do CPC determina, incluindo o resultado da venda anterior.
H) Ora, a par da natureza fundamental desse direito dos visados a serem notificados dos despachos que afetem os seus interesses e direitos, aqueles Acórdãos permitem demonstrar também que a omissão da notificação de alguma das modalidades de venda é suscetivel de influir na decisão da causa — leia-se, de influenciar a venda— e, inquinando a venda do vício nulidade, determinar a sua anulação e a anulação de todos os atos subsequentes que da venda dependam absolutamente (cf. artigo 195°, nºs 1 e 3 do CPC, anterior 201° do CPC).
I) Havendo norma especial destinada a regular os casos de nulidade da venda (vd. artigo 839.º do CPC, que corresponde ao artigo 909.º do CPC aprovado pelo DL 44 129, de 28.12.1961), não fará sentido o recurso ao regime previsto no artigo 864.° do mesmo diploma legal.»

3 – O Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto e bem fundamentado parecer a fls. 141/142 nos autos, propondo o não provimento do recurso e a confirmação da sentença recorrida, argumentando, em síntese, que, antes de se passar para uma modalidade de venda seguinte, em que o preço mínimo que é fixado sofre redução, será adequado que haja um momento de ponderação que permita às partes interessadas inteirar-se da situação, sendo que tal desiderato só será alcançado se lhes for comunicado o resultado da modalidade de venda.

4 – Com dispensa de vistos, dada a natureza urgente do processo, cumpre apreciar e decidir.

5- Em sede factual apurou-se em primeira instância a seguinte matéria de facto:

A) O reclamante A…………, SA, NIF ………, é credor do executado B…………, NIF ………, no processo de execução fiscal nº 2194200801038753 e apensos;
B) No exercício da sua actividade bancária o reclamante celebrou com o executado dois contratos de mútuo das quantias de €89.783,62 e de €35.216,38 e para garantia do capital mutuado, respectivos juros e demais despesas, o mutuário/executado constitui a favor do reclamante, duas hipotecas sobre a fracção autónoma penhorada e em que metade foi vendida no âmbito dos presentes autos, cfr. fls. 20 e sgs. dos autos;
C) Em 21/07/2011 foi efectuada penhora, sobre a quota-parte detida pelo executado, 1/2 do prédio urbano inscrito na respectiva matriz sob o artigo 11769 fracção “V” freguesia e concelho do ………, sito na Av. ………, n° ……, ……., ………, destinado a habitação e descrito na Conservatória do Registo Predial do ……… sob o registo n° 3209/19980323-V, para garantia do pagamento da dívida na quantia de € 93.700,54, proveniente da dívida de IVA no processo de execução fiscal supra referido, cfr. fls. 66 do PEF apenso;
D) O referido imóvel foi à praça nas seguintes datas:
1° - Leilão electrónico (venda nº 2194.2011.113) que decorreu entre 19.04.2012 e 04.05.2012, com valor base anunciado de € 37.838,50 (70% VPT), não tendo havido licitações;
2° - Proposta em carta fechada (venda n° 2194.2012.172) que decorreu de 05.05.2012 a 21.05.2012 com valor base anunciado de €27.027,50 (50% VPT), não tendo sido apresentada qualquer proposta;
3° - Leilão electrónico (venda nº 2194.2012.193), que decorreu de 28.05.2012 a 12.06.2012, tendo C…………, NIF ………, apresentado a proposta vencedora no montante de € 7.502,00, venda ora em crise;
E) Na sequência das hipotecas referidas em B) o reclamante foi citado para reclamar os créditos na presente execução, tendo-o efectuado, pelo valor de € 102.522,72, correspondente ao valor da dívida em 03/02/2012 e na mesma ocasião juntou procuração forense a favor dos mandatários que, para o efeito, constituiu;
F) O despacho que ordenou a venda por Leilão electrónico (venda n° 2194.2011.113), referida em D — 1°, em que não houve licitações, foi devidamente notificado ao reclamante em 25/01/2012, conforme o mesmo admite no artigo 12° da p.i., tendo juntamente com a notificação para reclamação de créditos e do despacho de determinação da venda de bens penhorados sido remetido cópia do “Edital — Venda e Convocação de Credores” conforme fls. 88 e 88v do PEF;
G) Do “Edital — Venda e Convocação de Credores” consta o seguinte (fls. 90 do PEF):
“(...) faz saber que se irá procederá venda judicial, nos termos do artigo 248° do CPPT do bem acima designado, penhorado ao executado infra indicado, para pagamento da dívida constante em processo de execução fiscal.
(...)
O valor base da venda (250° CPPT) é de €37.838,50.
(...)
O prazo para licitação tem início no dia 2012-04-19, pelas 14:30, e termina no dia 2012-05-04 às 14:30. As propostas, uma vez submetidas não podem ser retiradas, salvo disposição legal em contrário.
No dia e hora designados para o termo do leilão, o Chefe do Serviço de Finanças decide sobre a adjudicação do bem (artigo 6° da portaria n° 219/2011).
Caso se verifique a inexistência de propostas no leilão electrónico, determino que a venda se realize por meio de proposta em carta fechada, a decorrer entre o dia 2012-05-07 pelas 14:30 e 2012-05-22 às 14:30, devendo as propostas ser apresentadas até às 12:00 do dia da venda sendo o valor base das propostas o correspondente a 50% do valor determinado/fixado nos termos do art. 250° do CPPT. (valor patrimonial).
Inexistindo propostas nas situações anteriormente referidas, determino que a venda se realize através da abertura de novo leilão electrónico, entre o dia 2012-05-23 pelas 14:30 e o dia 2012-06-12 às 14:30, adjudicando-se o bem à proposta de maior valor.
(…)”
H) O reclamante não foi notificado da venda nº 21942012.172 (Proposta em carta fechada), referida em D — 2°, em que não foi apresentada qualquer proposta, nem tão pouco da venda nº 2194.2012.193 (Leilão electrónico), referida em D — 3°, em que C…………, NIF ………, apresentou a proposta vencedora no montante de € 7.502,00, conforme reconhece a Divisão de Justiça Tributária da Direcção de Finanças de Setúbal no seu parecer a fls. 140v do PEF;
I) Em 12/06/2012 C…………, NIF ………, adquiriu através de venda judicial realizada por meio de leilão electrónico, 34 do prédio urbano melhor descrito em C), tendo sido emitido o título de adjudicação em 06/07/2012, conforme fls. 101 e 101v do PEE apenso;
J) Em 19/09/2012 o reclamante A………… foi notificado da sentença de graduação e verificação de créditos, cfr. fls. 129 e sgs. do PEF apenso;
K) Em 02/10/2012 o reclamante, em requerimento dirigido ao Chefe de Serviço de Finanças do ………, apresentou um pedido de anulação de venda, fundado na nulidade por ausência de notificação (cfr. artigo 886°-A, nº 6 do CPC) nos termos dos artigos 257°, alínea c) do CPPT e 201° e 909°, nº 1, alínea c), ambos do CPC, conforme fls. 111 e sgs. do PEF apenso;
L) Em 01/04/2013 a Directora de Finanças de Setúbal, em Substituição, indefere o requerimento de anulação de venda, com os fundamentos constantes do Parecer de fls. 136 e sgs. do PEF apenso;
M) Em 24/04/2013 o reclamante foi notificado do indeferimento referido na alínea anterior, cfr. fls. 161/162 do PEF apenso;
N) A petição inicial da presente reclamação deu entrada no dia 07/05/2013 no Serviço.


6. Do objecto do recurso
São duas as questões objecto do presente recurso:
a) Em primeiro lugar saber se padece de erro de julgamento a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada que ao julgar por verificada a omissão de uma formalidade prescrita na lei, que justifica a anulação da venda nos termos estatuídos nos artigos 201º, nº 1 e 909º nº 1 alínea c) do Código de Processo Civil, por considerar que o credor com garantia real sobre o imóvel penhorado devia ter sido notificado de todas as modalidades da venda, nomeadamente das duas últimas modalidades (venda por carta fechada e por leilão electrónico),
b) Por outro lado, saber se igualmente incorre em erro de julgamento a decisão recorrida ao decidir que a falta de notificação de todas as modalidades de venda ao credor com garantia real constitui uma nulidade susceptível de anular a venda do imóvel, porquanto, na tese da recorrente, de acordo com o artº 864º, nº 11 do Código de Processo Civil, não tendo exequente sido o seu exclusivo beneficiário, não poderia tal venda ser anulada.

A sentença recorrida sufragando a posição firmada no acórdão deste Tribunal, proferido em 23/01/2013, no processo nº 0667-A/12, considerou que o credor com garantia real sobre o imóvel penhorado devia ter sido notificado de todas as modalidades da venda, nomeadamente das duas últimas modalidades (venda por carta fechada e por leilão electrónico), porque ao admitir como válido este acto, estar-se-ia admitir as notificações condicionais, o que é incompatível com o principio da boa fé e da cooperação.
Desta forma julgou por verificada a omissão de uma formalidade prescrita na lei, o que justifica a anulação da venda nos termos estatuídos nos artigos 201º, nº 1 e 909º nº 1 alínea c) do CPC.

É contra o assim decidido que se insurge a Fazenda Pública alegando que todas as formalidades prescritas na lei foram cumpridas com a notificação do despacho que determinou a venda do imóvel e na qual constavam encadeadas as diversas modalidades de venda e os diversos trâmites que se seguiriam caso não houvesse propostas em cada uma dessas modalidades de venda. E perante esse quadro bastaria que o recorrido acompanhasse essa tramitação para, querendo, poder intervir.

7.
Entendemos, porém, que carece de razão.
Vejamos.
Este Supremo Tribunal Administrativo, como certamente a Fazenda Pública não desconhecerá, já se pronunciou por diversas vezes sobre questão similar à ora suscitada.
E, tem-lo feito ultimamente, sem divergências, sempre em sentido contrário à tese que a Fazenda Pública persiste, aliás sem sucesso, em sustentar.
Com efeito, e na sequência da alteração legislativa que determinou que a reclamação de créditos passasse a preceder a venda, a jurisprudência deste Tribunal vem afirmando de modo uniforme que o art.º 886.º-A do Código de Processo Civil (artº 812º na actual redacção), em que se prevê a notificação da decisão sobre a venda prevista nos seus nºs 1 e 2 aos credores reclamantes de créditos com garantia sobre os bens a vender, é subsidiariamente aplicável ao processo de execução fiscal.
Assim no Acórdão 700/12 de 10.10.2012 ficou dito que no processo de execução fiscal tem aplicação supletiva o disposto no artº. 886°-A do Código de Processo Civil e que «o credor com garantia real tem necessariamente que ser notificado, nomeadamente do despacho que altera o preço de venda inicialmente fixado, após frustrada a venda anterior por propostas em carta fechada e por negociação particular».
Concluindo-se, naquele aresto, que a omissão de notificação de tal despacho constitui nulidade processual que justifica a anulação da venda nos termos dos artigos 201.º, n.º 1, e 909.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil, aplicáveis por força do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 257.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

Também no Acórdão 431/09, de 08.07.2009, este Supremo Tribunal Administrativo afirmou que o artigo 886.º-A do CPC é subsidiariamente aplicável ao processo de execução fiscal, ex vi da alínea e) do artigo 2.º do CPPT, pois que a decisão órgão de execução fiscal é potencialmente lesiva dos interesses do credor com garantia real sobre o bem a vender, razão pela qual a garantia constitucional de tutela jurisdicional efectiva (artigo 20.º da Constituição) e o princípio da boa-fé e da cooperação entre os intervenientes processuais justificam plenamente que valha também para o processo fiscal o dever de notificação imposto nas execuções comuns (que, além do mais, não põe em causa a celeridade do processo).

E ainda no Acórdão de 14/7/2008, proc. 0222/08, ficou sublinhado que “A questão da aplicabilidade do disposto no art. 886º-A, nº 4, do CPC, não pode ser cindida quanto às decisões a comunicar”, uma vez que no nº 4 (correspondente ao actual nº 6) faz “referência à notificação da “decisão” e ela abrange, nos termos do nº 2 do mesmo artigo, quer a escolha da modalidade de venda, quer o valor base dos bens a vender, quer a eventual formação de lotes” e, “Por isso, a haver no processo de execução fiscal lugar a notificação, ela terá de reportar-se à globalidade da “decisão” referida”.
Para além destes arestos poderemos ainda citar, no mesmo sentido, e sem pretensões de exaustão, os Acórdãos 180/12, de 05.07.12, 667-A/12 de 27.01.13, 161/12, de 20.06.012, 353/11 de 22.06.11, 244/10, de 03.11.10 e 188/10 de 07.07.10, todos, tal como os anteriormente referidos, publicados in www.dgsi.pt.
Não vemos razão para alterar tal jurisprudência que merece a nossa concordância e cuja fundamentação jurídica tem plena aplicação também no caso vertente.
É certo que no caso subjudice ficou assente no probatório que o credor reclamante A………… foi notificado do despacho que ordenou a venda por Leilão electrónico (venda n° 2194.2011.113) em 25/01/2012, tendo recebido, juntamente com a notificação para reclamação de créditos e do despacho de determinação da venda de bens penhorados, cópia do “Edital — Venda e Convocação de Credores” (ponto F do probatório).
E é certo também que desse edital constava que a venda se iniciaria por leilão electrónico, tendo por base o valor de € 37.838,50 euros, a que se seguiriam outras modalidades de venda ali discriminadas, por ordem sucessiva e períodos também discriminados, caso não fossem apresentadas propostas, nos termos que constam dos nºs 2, 3 e 4 do artigo 248º do Código de Procedimento e Processo Tributário (ponto G do probatório).
Porém, como igualmente resulta do probatório – pontos H e I, o credor reclamante não foi notificado da venda nº 21942012.172 (Proposta em carta fechada), referida no ponto D — 2° do probatório, em que não foi apresentada qualquer proposta, nem tão pouco da venda nº 2194.2012.193 (Leilão electrónico), referida em D — 3°, em que C…………, NIF ………, apresentou a proposta vencedora no montante de € 7.502,00, e acabou por adquirir o bem por um valor correspondente a cerca de 19 % do preço base.
Ora a questão é precisamente a de saber se esta simples cópia do edital, remetida com a citação para efeitos de reclamação, constitui notificação das sucessivas modalidades de venda ao credor com garantia real nos termos e para os efeitos do artº 812º (886º-A do código revogado) do Código de Processo Civil.
Entendemos que não, como aliás se depreende da ratio subjacente ao preceito que é a de permitir a todos os interessados – exequente, executado e credores com garantia real - pronunciarem-se sobre a modalidade da venda relativamente a todos ou a cada categoria de bens penhorados, o valor base dos bens a vender e a eventual formação de lotes com vista à venda em conjunto dos bens penhorados, o que pressupõe que lhes seja dado conhecimento do resultado da venda anterior.
O que está em causa é pois conceder ao credor com garantia real a possibilidade de intervir na venda, dando-lhe conhecimento de todas as diligências e notificações que ocorreram no seu âmbito e não apenas, como sustenta a Fazenda Pública (recorrente), ouvi-lo para efeitos de fixação do valor e da modalidade da venda.
Acresce que a tese da Fazenda Pública põe até em causa os fins em vista com o processo de execução fiscal.
Na verdade se há um interesse público na celeridade processual não poderá deixar de se argumentar que há também um interesse público na boa cobrança das dívidas em processo de execução fiscal, finalidade essa que, como bem nota o Ministério Público no seu douto parecer, pode ficar igualmente prejudicada pelo resultado obtido, designadamente se o bem é vendido por preço irrisório, como ocorreu no caso concreto.
Ora é apodíctico concluir, tal como se concluiu no citado Acórdão 180/12 de 5/7, que se ao recorrido tivesse sido dado conhecimento dos diversos trâmites da venda e da frustração das diversas modalidades encetadas, melhor poderia acompanhar o desenvolvimento processual normal, quer a realização de diligências no sentido de alcançar a melhor proposta possível de venda e evitar ou minimizar a degradação do respectivo preço, garantindo que a venda se realizasse pelo preço mais alto possível.
Dando-lhe assim possibilidade de defender o seu crédito.

E se mais não fosse, diremos ainda, essa obrigação resultaria naturalmente, como corolário do direito fundamental de todos os interessados serem notificados dos despachos que afectem os seus interesses e direitos, que decorre também dos princípios da boa-fé e da cooperação consagrados nos arts. 226º e 226º-A do CPC, que impõem que as partes tenham conhecimento de todos os actos que as possam prejudicar, a fim de poderem providenciar pela defesa dos seus interesses, em sintonia com a imposição constitucional de notificação dos actos administrativos e com o princípio geral de proibição da indefesa (arts. 268º n° 3 e 20°, n° 1, da Constituição da República) – cf. neste sentido, jurisprudência citada, nomeadamente os acórdãos 222/08 e 180/12.
Por fim se dirá que igualmente não procede a tese da recorrente, no sentido de que não pode ser anulada a venda dado o exposto no artº 864º, nº 11 do Código de Processo Civil (786º, nº no Código na redacção da Lei 41/2013.), já que o exequente não foi o seu exclusivo beneficiário.
Como ficou consignado no Acórdão deste Supremo Tribunal de 22/4/2009, proc. nº 146/09 e reiterado nos Acórdãos de 3/11/2010, recurso nº 244/2010 e de 23.01.13, recurso nº 667-A/12, “esta disposição legal tem a ver com a estabilidade das relações jurídicas, impedindo assim que uma venda, efectuada por exemplo anos atrás, venha ser anulada por falta de citação de algum dos interessados, que não o próprio executado (vide art. 909º, nº 1, b) do CPC). Ao passo que a situação que analisamos tem a ver com uma nulidade processual, a arguir em prazo curto. O que é coisa diferente.”

Em face de tudo o exposto haveremos de concluir que não pode afastar-se a possibilidade de a omissão da referida notificação poder ter influenciado o resultado e o valor da venda, constituindo, assim, tal irregularidade, uma nulidade nos termos do art. 195º nº 1 do Código de Processo Civil (201º, nº 1 na anterior redacção), que importa não só a nulidade do acto da venda em si (artº 839º, nº 1, al. c) do Código de Processo Civil (909, nº 1, al. c) na anterior redacção.)), como dos actos subsequentes que dele dependam absolutamente.
A sentença recorrida, que assim decidiu, não merece censura e deve ser confirmada.

8. Decisão:
Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.

Custas pela Fazenda Pública.

Lisboa, 29 de Janeiro de 2014. - Pedro Delgado (relator) - Isabel Marques da Silva - Casimiro Gonçalves.