Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01462/23.3BELSB
Data do Acordão:02/08/2024
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:JOSÉ VELOSO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
DIRECÇÃO GERAL DOS SERVIÇOS PRISIONAIS
SUBSÍDIO
TÉCNICO SUPERIOR
Sumário:É de admitir a revista cuja «questão» se traduz na determinação do universo pessoal dos técnicos superiores dos serviços prisionais e reinserção social com direito a receber «subsídio pelo ónus de função».
Nº Convencional:JSTA000P31922
Nº do Documento:SA12024020801462/23
Recorrente:DIRECÇÃO GERAL DE REINSERÇÃO E DOS SERVIÇOS PRISIONAIS
Recorrido 1:SINDGRSP – SINDICATO DOS TÉCNICOS DA DIRECÇÃO-GERAL DE REINSERÇÃO E SERVIÇOS PRISIONAIS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em «apreciação preliminar», na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
1. DIRECÇÃO GERAL DE REINSERÇÃO E DOS SERVIÇOS PRISIONAIS [DGRSP] - demandada nesta acção administrativa dos «procedimentos de massa» - vem, invocando o artigo 150º do CPTA, interpor «recurso de revista» do acórdão do TCAS - datado de 13.12.2023 - que decidiu negar provimento à sua «apelação» e confirmar inteiramente a sentença do TAC de Lisboa - datada de 01.09.2023 - que decidiu julgar procedente a acção administrativa dos «procedimentos de massa» [artigo 99º do CPTA] intentada pelo SINDICATO DOS TÉCNICOS DA DIRECÇÃO-GERAL DE REINSERÇÃO E SERVIÇOS PRISIONAIS [STDGRSP] e, assim, anular o acto aí impugnado - acto administrativo consubstanciado na abertura do concurso com vista à «constituição de reserva de recrutamento para a carreira e categoria de técnico superior do mapa de pessoal da DGRSP», publicado no DR de 27.07.2021 pelo Aviso nº...21.

Alega que o recurso de revista deverá ser admitido em nome da «necessidade de uma melhor aplicação do direito» e em nome da «importância fundamental» da questão.

O sindicato autor, e ora recorrido, apresentou «contra-alegações» nas quais defende, além do mais, a não admissão da revista por falta dos necessários pressupostos legais - artigo 150º, nº1, do CPTA.

2. Dispõe o nº1, do artigo 150º, do CPTA, que «[d]as decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

Deste preceito extrai-se, assim, que as decisões proferidas pelos TCA’s, no uso dos poderes conferidos pelo artigo 149º do CPTA - conhecendo em segundo grau de jurisdição - não são, em regra, susceptíveis de recurso ordinário, dado a sua admissibilidade apenas poder ter lugar: i) Quando esteja em causa apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental; ou, ii) Quando o recurso revelar ser claramente necessário para uma melhor aplicação do direito.

3. O STDGRSP - SINDICATO DOS TÉCNICOS DA DIRECÇÃO-GERAL DE REINSERÇÃO E SERVIÇOS PRISIONAIS - demandou a DGRSP - DIRECÇÃO GERAL DE REINSERÇÃO E DOS SERVIÇOS PRISIONAIS - visando obter a anulação do acto administrativo de abertura do concurso para a constituição de uma «reserva de recrutamento para a carreira e categoria de técnico superior do mapa de pessoal» desta última - publicado no DR de 27.07.2021 pelo Aviso nº...21 - por considerar que o procedimento do concurso não cumpre a legalidade no que respeita à concessão aos concorrentes a técnicos superiores de «suplementos remuneratórios, subsídio de risco e ónus de função».

Na linha do que foi alegado e defendido pelo sindicato autor, o tribunal de 1ª instância - TAC de Lisboa - julgou procedente a sua acção, por considerar que «o ponto 13, alínea b), do aviso de abertura do concurso em causa, viola o artigo 67º, nº6 alínea b), do DL nº204-A/2001, de 26.07». Para o efeito, escreveu-se na respectiva sentença, além do mais, o seguinte: - Resulta da matéria de facto provada que o réu abriu um procedimento concursal para a constituição de reserva de recrutamento na carreira e categoria de técnico superior. Mais se provou que no respectivo aviso de abertura do concurso consta, no ponto 13, a atribuição de dois suplementos remuneratórios - um subsídio de risco e um ónus de função. Relativamente ao ónus de função, diga-se desde já que assiste razão ao autor. Com efeito, para se ter direito ao ónus de função previsto no artigo 67º, nº6, b), do DL nº204-A/2001, de 26.07, é necessário o exercício das funções desenvolvidas para a prossecução das atribuições previstas nas alíneas b) a f) do nº1 do artigo 3º desse mesmo diploma. Conforme resulta dos conteúdos funcionais das carreiras de Técnico Superior de Reinserção Social e Técnico Superior de Reeducação, supra descritos, é a estas carreiras especiais que cabe assegurar o cumprimento das atribuições do Instituto constantes das alíneas b) a f) do nº1 do referido artigo 3º, e não à carreira geral de Técnico Superior. Ora, o suplemento remuneratório de ónus de função só pode ser atribuído a quem possa exercer estas funções, que, no caso, serão os técnicos superiores de reinserção social e técnicos superiores de reeducação, consoante a função em causa. Caso contrário, se a carreira geral de técnico superior pudesse exercer estas funções ficaria totalmente esvaziado o conteúdo funcional das carreiras especiais de técnico superior de reinserção social e técnico superior de reeducação, o que não pode acontecer. Assim, importa concluir pela procedência da acção, uma vez que o ponto 13, b), do aviso do concurso, viola o artigo 67º, nº6, b), do DL nº204-A/2001, de 26.07, devendo, em conformidade, ser anulado o acto impugnado por procedência do alegado vício.

O tribunal de 2ª instância - TCAS - negou provimento à «apelação» que lhe foi dirigida pela entidade demandada - DGRSP - confirmando inteiramente a sentença aí recorrida. Escreve-se no respectivo acórdão do tribunal de apelação, e em sede conclusiva, que a adequada interpretação do artigo 67º, nº6, b), do DL nº204-A/2001, de 26.07, é a de que o suplemento em questão apenas pode ser atribuído a estes técnicos superiores de reinserção social e de reeducação, pelo ónus do exercício das funções desenvolvidas para a prossecução daquelas atribuições. Distinto entendimento, de técnico superior da carreira geral poder exercer estas funções, e receber o suplemento em questão, redundaria, como sublinha o tribunal «a quo», num esvaziamento do conteúdo funcional das carreiras de técnico superior de reinserção social e técnico superior de reeducação. Como tal, bem se andou ao concluir que o ponto 13, b), do aviso do concurso viola o disposto no artigo 67º, nº6, alínea b), do DL nº204-A/2001, de 26.07.

De novo a entidade demandada, e apelante, discorda do assim decidido, e imputa ao acórdão do tribunal de apelação erro de julgamento de direito. Defende afincadamente que o entendimento adoptado pelos tribunais de instância não tem apoio no «regime jurídico» chamado a intervir nem corresponde à vontade do legislador. Diz que desse regime jurídico em que a norma legal em causa se integra - artigo 67º nº6, b), do DL nº204-A/2001, de 26.07 - ressuma, ao contrário do entendido no «acórdão recorrido», que aquilo que deve ser considerado para efeitos de atribuição do suplemento de ónus de função não é a carreira a que pertencem os trabalhadores mas as funções que desempenham, e que, por ser assim, a interpretação efectuada, de «restringir o seu recebimento aos técnicos superiores de reinserção social e de reeducação», não tem qualquer apoio no disposto no artigo 67º, nº6 alínea b), do DL nº204-A/2001, de 26.07. Trata-se, conclui, de errada aplicação da lei, com repercussões muito consideráveis, que importa corrigir.

Compulsados os autos, importa apreciar «preliminar e sumariamente», como compete a esta Formação, se estão verificados os «pressupostos» de admissibilidade do recurso de revista - referidos no citado artigo 150º do CPTA - ou seja, se está em causa uma questão que «pela sua relevância jurídica ou social» assume «importância fundamental», ou se a sua apreciação por este Supremo Tribunal é «claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

A «questão» que a ora recorrente pretende submeter ao tribunal de revista tem a ver, pois, com a determinação do universo pessoal dos técnicos superiores a que assiste o direito de receber o subsídio pelo ónus do exercício de determinadas funções, ou seja, tem a ver com a interpretação e aplicação correcta do artigo 67º, nº6 alínea b), da Lei Orgânica do Instituto de Reinserção Social - DL nº204-A/2001, de 26.07, diploma revogado pelo DL nº126/2007, de 27.04. Está em causa, assim, o recebimento de um suplemento pelo ónus de função num considerável conjunto de unidades orgânicas, nas quais coabitam técnicos superiores de carreiras especiais e de carreira geral. A interpretação da referida norma legal, enquadrada no respectivo regime jurídico, extravasa em muito os opositores do procedimento do concurso em causa, podendo afectar vasto conjunto de trabalhadores de diferentes carreiras que recebem aquele subsídio desde a sua criação em 2001. Daí que estejamos face a uma acção integrada no dito «procedimento de massa».

É certo que os tribunais de instância foram unânimes na decisão de julgar procedente a acção, mas, em abono da verdade, as «alegações» da entidade ora recorrente são contundentes, e justificam a «revista» do assim decidido, tendo em conta, para mais, a relevância jurídica e social da questão ainda litigada.

Assim, quer em nome da necessidade de uma maior segurança na decisão de questão juridicamente relevante, quer em nome da necessidade de buscar uma melhor e mais clara decisão de direito, é de admitir a presente revista.

Importa, pois, quebrar neste caso a regra da excepcionalidade dos recursos de revista, e admitir o aqui interposto pela DGRSP.

Nestes termos, e de harmonia com o disposto no artigo 150º do CPTA, acordam os juízes desta formação em admitir a revista.

Sem custas.

Lisboa, 8 de Fevereiro de 2024. – José Veloso (relator) – Teresa de Sousa – Fonseca da Paz.