Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0183/12.7BEVIS
Data do Acordão:01/19/2023
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CA
Relator:SUZANA TAVARES DA SILVA
Descritores:UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Sumário:Não estão preenchidos os pressupostos do artigo 152.º do CPTA quando as decisões tenham sido proferidas ao abrigo de um quadro legislativo diferente.
Nº Convencional:JSTA000P30482
Nº do Documento:SAP202301190183/12
Data de Entrada:10/20/2022
Recorrente:S.N.B.P. – SINDICATO NACIONAL DOS BOMBEIROS PROFISSIONAIS (E OUTROS)
Recorrido 1:SINDICATO NACIONAL DOS TRABALHADORES DA ADMINISTRAÇÃO LOCAL – STAL (E OUTROS)
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo


I - Relatório

1 – BB, com os sinais dos autos, não se conformando com o teor do acórdão proferido pelo TCA Norte em 25 de Fevereiro de 2022, no âmbito do litígio em que eram AA. o STAL – Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Administração Local e o SNBP – Sindicato Nacional dos Bombeiros Profissionais, em representação dos seus afiliados (entre os quais se incluía o agora Recorrente), e recorrido o Município de Viseu, igualmente com os sinais dos autos, vem dele interpor recurso para uniformização de jurisprudência, para este Supremo Tribunal Administrativo, ao abrigo do disposto no art.º 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, invocando, como fundamento, a sua oposição com o acórdão proferido em 13 de Maio de 1997, pelo Supremo Tribunal Administrativo, no processo n.º 041399 (acórdão indicado em requerimento de 30.11.2022, após convite da Relatora para designar um único acórdão como fundamento), e remata as suas alegações com as seguintes conclusões:

«[…]

i. O objeto do presente Recurso versa sobre o direito do Recorrente (e os restantes Bombeiros Sapadores) ser remunerado pelas horas de trabalho suplementar que realiza, quando se encontram “escalados” pelo seu superior hierárquico para estar de “prevenção” no quartel, a aguardar uma eventual ocorrência, que pode ou não acontecer. E, com estas escalas, ultrapassarem as 35 horas de trabalho semanal a que a própria legislação diz estarem vinculados (Art.º 23.º do Decreto-Lei 106/2002 de 13 de Abril).

ii. O Acórdão Impugnado, isto é, o douto Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte (TCA Norte), decidiu a questão que lhe foi submetida a apreciação da seguinte forma:

Deste modo, é mandatório concluir que “(…) qualquer ultrapassagem do limite normal de horas dos trabalhadores da função pública (as 35 horas) por parte dos bombeiros municipais deve ser enquadrada na figura da disponibilidade permanente (cfr. art. 25.º do DL n.º 106/2002, 13.04), a qual já beneficia de um suplemento remuneratório específico (art. 29.º do mesmo diploma), e não na figura das horas extraordinárias”. No que se refere ao descanso compensatório remunerado, a sua concessão está indissociavelmente ligada ao pagamento de horas extraordinárias (…)”

iii. Diferentemente do decidido supra, o Acórdão deste STA datado de 23/05/1996 vem dizer que “O suplemento de remuneração pelo ónus específico de prestação de trabalho, risco e disponibilidade permanente de que gozam os bombeiros sapadores estabelecido no Decreto-Lei n.º 373/93 de 4 de Novembro é cumulável com a remuneração do trabalho extraordinário, noturno e em dias de descanso e feriados prevista no estatuto da função pública.”

iv. Nesse mesmo sentido contrário ao Acórdão ora recorrido, veja-se o Acórdão do STA de 16/01/1997, que diz que “O acréscimo remuneratório pela prestação efetiva de trabalho em dia feriado, atribuído aos trabalhadores da função pública em geral pelo art.º 28.º do DL 187/88-4/11, é cumulável com o suplemento remuneratório especial estabelecido pelo art.º 3.º do DL 373/93-27/5 para os bombeiros sapadores.”

v. Ou ainda, o Acórdão de 13/05/1997, que diz “O suplemento de remuneração pelo ónus específico de prestação de trabalho, risco e disponibilidade permanente de que gozam os bombeiros sapadores, estabelecido pelo dec.-lei n. 373/93 de 4 de Novembro, é cumulável com a remuneração do trabalho extraordinário, nocturno e em dias de descanso e feriados prevista no estatuto da função pública”

vi. Neste contexto, o Recorrente considera existir uma objetiva contradição entre o Acórdão Impugnado e os Acórdãos Fundamento relativamente ao objeto do presente recurso, pelo que é indubitável o preenchimento, in casu, deste primeiro requisito.

vii. Os bombeiros Sapadores estão sujeitos ao regime da duração do horário de trabalho da Administração Pública, com a possibilidade de se efetuarem doze horas de trabalho contínuas. (Decreto-Lei n.° 106/2002 de 13/04, Artigo 23.º).

viii. O período normal de trabalho para os trabalhadores em funções públicas é de 35 horas por semana. (Lei n.º 35/2014, de 20 de Junho, Art.º 105.º)

ix. Sempre que os Bombeiros Profissionais trabalham para lá das 35 horas semanais, estão a laborar em regime de trabalho suplementar, devendo então ser remunerados de acordo com as regras estabelecidas para a Função Pública, face à sua vinculação aquele regime.

x. O Estatuto de pessoal dos bombeiros profissionais da administração local determina que a partir da publicação daquele diploma, estes passariam a ter um [s]uplemento pelo ónus específico da prestação de trabalho, risco e disponibilidade permanente atribuído aos bombeiros sapadores (...) integrado na escala salarial da respetiva carreira. (Art.º 29.º n.º 2) – acrescentando o n.º 4 daquele, que tal suplemento corresponde a um adicional de 2% sobre o vencimento base, que representa €5,33 mensais (quando dividido pelos 3 suplementos).

xi. O artigo 38.º daquele diploma prescreve que, [A] partir da data da entrada em vigor do presente diploma, e com a aplicação do disposto no artigo 29.º, não poderá ser atribuído aos bombeiros profissionais qualquer suplemento com a mesma natureza, designadamente relativo ao ónus específico da prestação de trabalho, risco, penosidade e insalubridade e disponibilidade permanente. Sublinhado nosso.

xii. Mas não refere em lado algum que qualquer um daqueles suplementos visa o pagamento do trabalho suplementar.

xiii. O suplemento é pago de forma permanente, e o suplemento para o pagamento de trabalho suplementar consta do elenco de suplementos da alínea a) do n.º 3 do Art.º 159.º da LTFP, que se refere aqueles que são pagos de forma anormal ou transitória.

xiv. Por outro lado, aquele suplemento correspondia à em que foi criado a € 0,17 diários, ou se quisermos traduzir para os dias de hoje, corresponde a cerca de € 0,24 diários (€ 16,00 / 3 suplementos / 22 dias), e, não queremos acreditar que se legislasse um suplemento deste montante para o pagamento de todo o trabalho suplementar – até porque, seria violador de diversos direitos fundamentais, começando pelo Art.º 1.º da Constituição da República Portuguesa, que nos remete à dignidade da pessoa humana.

xv. No caso dos autos recorridos as 13 horas de trabalho suplementar semanal estariam a ser remuneradas a € 0,01 cada.

xvi. Entendeu o douto Acórdão recorrido, que o Município de Viseu não teria que pagar tais horas de trabalho suplementar porque “(…) qualquer ultrapassagem do limite normal de horas dos trabalhadores da função pública (as 35 horas) por parte dos bombeiros municipais deve ser enquadrada na figura da disponibilidade permanente (cfr. art.º 25.º do DL n.º 106/2002, 13.04), a qual já beneficia de um suplemento remuneratório específico (art.º 29.º do mesmo diploma), e não na figura das horas extraordinárias”. O que se discorda totalmente – porque se entende que se faz uma má apreciação do Instituto Jurídico da Disponibilidade Permanente.

xvii. A Disponibilidade Permanente vem definida no Art.º 25.º DL n.º 106/2002, 13.04, que no seu n.º 2 diz que [r]eporta-se às funções decorrentes do exercício da missão dos corpos de bombeiros, enunciadas nas alíneas a) a d) do artigo 3.º do Regulamento Geral dos Corpos de Bombeiros, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 295/2000, de 17 de Novembro.

xviii. O Recorrente não peticionou as horas em que estendeu a sua jornada diária de trabalho por força de um acidente, ou de um incêndio, ou de uma catástrofe, que implicasse que ao invés de realizar 12 horas naquele turno, tivesse estendido por 13, ou 14 horas.

xix. O que foi peticionado foram as horas “escaladas pelos superiores hierárquicos(e atente-se ao negrito e ao sublinhado) para estar de “prevenção” no quartel a cumprir um turno de 12 horas, a aguardar uma eventual ocorrência, que poderia ou não acontecer.

xx. O que significa que, 4 turnos semanais de 12 horas cada, correspondem a 48 horas semanais, ultrapassando assim em 13 horas as 35 horas a que o mesmo diploma refere estarem os bombeiros vinculados (23.º - Os corpos de bombeiros profissionais estão sujeitos ao regime da duração e horário de trabalho da Administração Pública, com a possibilidade de se efetuarem doze horas de trabalho contínuas.

xxi. A prevenção não está incluída nas alíneas a) a d) do artigo 3.º do Regulamento Geral dos Corpos de Bombeiros, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 295/2000, de 17 de Novembro, que se referem apenas à prestação de socorro efetivo.

xxii. Aliás, o n.º 1 do Art.º 25.º do Estatuto dos Bombeiros Profissionais, e que define a Disponibilidade Permanente, começa por dizer que os Bombeiros Sapadores são obrigados a assegurar tal serviço “quando convocados” (n.º 1 do Art.º 25.º) ao abrigo da disponibilidade permanente, sendo que a “prevenção” se encontra de fora do que a legislação prevê para o Instituto da Disponibilidade Permanente.

xxiii. E o número 2 define quando é que podem ser convocados, explicitando que tal só pode acontecer quando exista um incêndio, uma inundação, uma catástrofe, etc., que careça da intervenção imediata e efetiva do seu serviço, e não para estar de prevenção no quartel, a aguardar se a sirene tocará ou não.

xxiv. A prevenção, vem definida na alínea e) do artigo 3.º do Regulamento Geral dos Corpos de Bombeiros, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 295/2000, de 17 de Novembro, e está excluída da disponibilidade permanente, que só determina as alíneas a) a d).

xxv. O douto Acórdão recorrido incluiu assim no instituto da Disponibilidade Permanente as horas 13 horas de prevenção semanais extra (porque para lá das 35 horas), quando o próprio diploma legal exclui.

xxvi. Diz o n.º 2 do Art.º 25.º que a disponibilidade permanente reporta-se às funções decorrentes do exercício da missão dos corpos de bombeiros, enunciadas nas alíneas a) a d) do artigo 3.º do Regulamento Geral dos Corpos de Bombeiros, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 295/2000, de 17 de Novembro.

xxvii. E, aquelas alíneas (e somente aquelas), referem-se à prestação efetiva de serviço, e não à prevenção no quartel a cumprir uma escala de trabalho.

xxviii. Ou seja, o instituto da Disponibilidade Permanente serve para ser acionado apenas e só quando existe uma calamidade, ou um incêndio, ou um náufrago, ou algum acontecimento que necessite da intervenção do Bombeiro, que mesmo estando no seu período de descanso, tem que estar disponível, pois a sua missão sobrepõe-se aos restantes valores sociais e fundamentais.

xxix. O que distingue um Bombeiro Sapador, dum advogado, dum mecânico, dum professor, ou da larga maioria das profissões existentes, é a necessidade extrema que a sociedade tem da sua intervenção em caso de catástrofe, o que implica que este profissional tenha que abdicar obrigatoriamente doutros valores fundamentais, para agir em prol do socorro.

xxx. Ao contrário da grande maioria das pessoas, que podem organizar férias, fins de semana, jantares, ou o lazer com a família, estes profissionais sabem que, por estar vinculados a uma carreira de especial importância para a nossa sociedade e segurança, têm que estar disponíveis permanentemente, podendo a qualquer momento ser chamados, estejam onde estiverem, mesmo que de férias, de fim de semana, em descanso, com os filhos, ou com os amigos, e são obrigados a comparecer, de acordo com o n.º 1 do Art.º 25.º, que define a Disponibilidade Permanente.

xxxi. E, salvo melhor opinião, é isto que os € 5,33 (cinco euros e trinta e três cêntimos) mensais, ou, se quisermos, os € 0,24 (vinte e quatro cêntimos) diários pagam, - ainda que muito mal (na minha opinião, que tem pouca relevância).

xxxii. O instituto da Disponibilidade Permanente, não pode servir para que o Bombeiro Sapador esteja a cumprir uma escala de prevenção num quartel, a aguardar alguma ocorrência, que pode existir ou não.

xxxiii. O instituto da Disponibilidade Permanente foi criado unicamente para convocar os Bombeiros sempre e só quando exista uma situação efetiva que se subsuma nas alíneas a) a d) do Regulamento Geral dos Corpos de Bombeiros, e que os obriga a comparecer no local, face à sua Missão.

xxxiv. As alíneas a) a d) do artigo 3.º do Regulamento Geral dos Corpos de Bombeiros, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 295/2000, de 17 de Novembro tipificam [a] O combate a incêndios; [b] O socorro às populações em caso de incêndios, inundações, desabamentos, abalroamentos e em todos os acidentes, catástrofes ou calamidades; [c] O socorro a náufragos e buscas subaquáticas; [d] O socorro e transporte de sinistrados e doentes, incluindo a urgência pré-hospitalar; - ou seja, a prestação de trabalho efetivo, e urgente, justificado pela característica própria que faz sobrepor este trabalho, mesmo em regime extraordinário, ao bem-estar, e ao lazer, e ao descanso, previstos Constitucionalmente.

xxxv. Só depois, na alínea e) e seguintes, vem a prevenção. Mas, a alínea e) e seguintes já não consta no elenco das alíneas que o Estatuto dos Bombeiros Profissionais definiu como Disponibilidade Permanente.

xxxvi. Veja-se a alínea e) diz [e] A prevenção contra incêndios em edifícios públicos, casas de espetáculos e divertimento público e outros recintos, mediante solicitação e de acordo com as normas em vigor, nomeadamente durante a realização de eventos com aglomeração de público.

xxxvii. O Recorrente peticionou que o Município de Viseu lhe pagasse como trabalho suplementar, aquele em que ele foi escalado para estar de prevenção no quartel para além das 35 horas semanais, e não aquele em que ao abrigo do seu espírito de missão, e para a prestação de trabalho urgente e efetivo de socorro à população realizou.

xxxviii. Não foi peticionado o trabalho realizado para além da sua jornada de trabalho, porque o mesmo se encontrava a combater um incêndio, ou porque se encontrava a socorrer um sinistrado.

xxxix. Esse Supremo Tribunal, em 1997 pelo Juiz Conselheiro Relator Vítor Manuel Gonçalves Gomes, definiu claramente o que anos mais tarde o legislador veio a tipificar com o Regulamento Geral dos Corpos de Bombeiros Profissionais: “É certo que aquela norma atribui um suplemento que, além das condições específicas de prestação de trabalho e risco inerente ao tipo de serviço, visa compensar a disponibilidade permanente para prestar funções. Todavia a disponibilidade permanente não se confunde com a prestação efetiva de serviço em dias feriados. Do lado ativo a disponibilidade permanente é a potência para o chamamento; a prestação efetiva é o atuação dessa potência. Do lado passivo, a disponibilidade permanente significa o estado de sujeição ao chamamento, em qualquer momento, à prestação efetiva de serviço, com a inerente limitação de liberdade de organização da vida pessoal. É este ónus específico de condição de bombeiro que, a par de outros, se remunera com o referido suplemento. A prestação efetiva de serviço em dia feriado é realidade diferente, implicando para o prestador um sacrifício distinto daquela restrição da liberdade de organização de vida, relativamente a cuja contrapartida não há elementos de hermenêutica para incluí-la - numa espécie de cálculo a forfait - no referido suplemento. Posto isto, sendo que os bombeiros profissionais gozam dos direitos e estão sujeitos aos deveres previstos na lei geral para os funcionários da Administração Pública (art.º 15.º do DL 293/92) não havendo norma que os excetue do regime jurídico de duração e horário de trabalho de pessoal da função pública (cfr., p. ex., quanto ao pessoal docente e dos sectores da saúde e da justiça e ao pessoal civil das forças armadas e de segurança, a ressalva estabelecida pelo art.º 34.º do DL 187/88) - pelo contrário, estando a esse regime geral submetidos (art.º 19.º do DL 393/92) sem ressalva dos seus aspetos retributivos - nem outros elementos de hermenêutica que revelem a intenção do legislador no sentido de abranger no suplemento estabelecido pelo artº 3.º do DL 373/93 a compensação pecuniária pela prestação efetiva de serviço em dia feriado, a sentença impugnada, ao reconhecer ao ora recorrido o direito que peticiona e com esse fundamento anular o despacho que lhe indeferira o pedido de atribuição do acréscimo remuneratório pela prestação de trabalho no dia 1/1/95, feriado nacional, não violou as disposições legais indicadas nas conclusões das alegações do recorrente, devendo ser confirmada. (Bold e sublinhado nossos).

xl. Nesta data existia apenas uma diferença significativa - os Bombeiros Sapadores recebiam um subsídio de disponibilidade permanente correspondente a 14,50% sobre o vencimento – e ainda assim, esse Venerando Tribunal distinguiu a diferença entre a disponibilidade para o chamamento com as limitações daí inerentes, e a prestação efetiva de trabalho, depois do chamamento.

xli. Hoje, os pressupostos mantêm-se, com exceção do montante atribuído, que é de 2% sobre o vencimento, e já contempla 3 suplementos (ónus da prestação de trabalho, risco, e disponibilidade permanente).

xlii. O Estatuto dos Bombeiros Profissionais, além de não prever a inclusão do pagamento do trabalho extraordinário, ainda o afasta, dizendo que a disponibilidade permanente reporta-se ao chamamento para o exercício efetivo de atividades.

xliii. O que tem vindo a ser esclarecido, com vários diplomas, como por exemplo o Regulamento da Companhia de Bombeiros Sapadores de Santarém, publicado no Diário da República n.º 89/2020, Série II de 2020-05-07, cujo Artigo 87.º sob a epígrafe “Disponibilidade Permanente” que prescreve: [1] - O serviço do pessoal dos corpos de bombeiros profissionais é de caráter permanente e obrigatório, devendo os funcionários assegurar o serviço quando convocados pelas entidades competentes. [2] - Para efeitos no número anterior, a disponibilidade permanente reporta-se às funções decorrentes do exercício da missão dos corpos de bombeiros, enunciadas nas alíneas a) a d) do artigo 3º do Decreto-Lei 248/2012 de 21 de novembro. [3] - Em caso algum, pode o recurso à disponibilidade permanente para o exercício de funções, ser utilizado para colmatar a falta de efetivos da Companhia de Sapadores Bombeiros de Santarém, decorrente do não cumprimento das dotações mínimas dos quadros de pessoal. [4] - O bombeiro que, nos casos e nos termos fixados por lei, seja convocado, pela entidade competente, para assegurar a prestação de serviço é considerado, para todos os efeitos legais, em prestação de trabalho suplementar, sendo-lhe também pago todo o acréscimo dos custos de transporte e alimentação relativamente aos custos de prestação em período normal de trabalho.

xliv. Nunca esquecendo que, o que o Recorrente reclamou foram as horas de prevenção no quartel, e não as horas em que o mesmo por algum motivo teve que prolongar o seu turno por se encontrar em combate efetivo a incêndios.

xlv. O douto Acórdão em crise, que determina estarem incluídas TODAS as horas de trabalho extraordinário, realizadas sejam a que título for, contraria não só a própria legislação que instituiu a Disponibilidade Permanente aos Bombeiros Sapadores, como também a restante legislação comunitária, e nacional.

xlvi. A Declaração Universal dos Direitos do Homem, adotada e proclamada, em 10 de dezembro de 1948, pela Resolução 217 A (III) da Assembleia Geral das Nações Unidas nos seus artigos 23.º e 24.º consagram que toda a pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha do trabalho, a condições equitativas e satisfatórias de trabalho e à proteção contra o desemprego. Todos têm direito, sem discriminação alguma, a salário igual por trabalho igual. Quem trabalha tem direito a uma remuneração equitativa e satisfatória, que lhe permita e à sua família uma existência conforme com a dignidade humana, e completada, se possível, por todos os outros meios de proteção social. Toda a pessoa tem o direito de fundar com outras pessoas sindicatos e de se filiar em sindicatos para a defesa dos seus interesses”. Toda a pessoa tem direito ao repouso e aos lazeres e, especialmente, a uma limitação razoável da duração do trabalho e a férias periódicas pagas.

xlvii. O artigo 7.º do Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais, adotado pela Organização das Nações Unidas, aprovado para ratificação pela Lei n.º 45/78, de 11 de julho, reconhece o direito de todas as pessoas de gozar de condições de trabalho justas e favoráveis, que assegurem, em especial, repouso, lazer e limitação razoável das horas de trabalho e férias periódicas pagas, bem como remuneração nos dias de feriados públicos (alínea d)].

xlviii. A Convenção n.º 132 da Organização Internacional para o Trabalho (OIT), relativa às férias anuais remuneradas, adotada pela Organização Internacional do Trabalho, concluída em Genebra, em 24 de julho de 1970, aprovada para ratificação pelo Decreto n.º 52/80, de 29 de julho.

xlix. A Convenção n.º 1 da Organização Internacional do Trabalho, sobre a Duração do Trabalho (Indústria), aprovada pelo Decreto-Lei n.º 15 361, de 3 de abril de 1928, cuja Carta de Confirmação e Ratificação foi publicada no Diário do Governo, I Série, n.º 207, de 8 de setembro de 1928 que visou limitar a oito horas por dia e a quarenta e oito horas por semana o número de horas de trabalho nos «estabelecimentos industriais», públicos ou particulares, na aceção definida nas alíneas a) a d) do seu artigo 1.º.

l. A Convenção n.º 30 da OIT que versou, igualmente, sobre a duração do trabalho no setor do comércio e escritórios, sendo certo que não foi ratificada por Portugal.

li. O artigo 31.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, atinente às Condições de trabalho justas e equitativas, que “[t]odos os trabalhadores têm direito a condições de trabalho saudáveis, seguras e dignas” (n.º 1) e que “[t]odos os trabalhadores têm direito a uma limitação da duração máxima do trabalho e a períodos de descanso diário e semanal, bem como a um período anual de férias pagas” (n.º 2).

lii. A Diretiva n.º 2003/88/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de novembro de 2003, publicada no Jornal Oficial da União Europeia, em 18 de novembro de 2003, que veio estabelecer uma disciplina uniforme sobre determinados aspetos da organização do tempo de trabalho, e que visou fixar prescrições mínimas de segurança e de saúde em matéria de organização do tempo de trabalho (n.º 1), aplica-se: a) aos períodos mínimos de descanso diário, semanal e anual, bem como aos períodos de pausa e à duração máxima do trabalho semanal; e b) a certos aspetos do trabalho noturno, do trabalho por turnos e do ritmo de trabalho (n.º 2) e é, ainda, aplicável a todos os setores de atividade, privados e públicos (n.º 3).

liii. FRANCISCO LIBERAL FERNANDES: em O Tempo de Trabalho num Mundo em Transformação, in Transformações Recentes do Direito do Trabalho Ibérico Livro Razão, Coordenadores FRANCISCO LIBERAL FERNANDES e M. REGINA REDINHA, Edição UP - Universidade do Porto., Biblioteca Revista Eletrónica de Direito, 2016, págs. 103-107, onde, numa visão crítica, lida com a propalada dicotomia entre tempo de trabalho e tempo de descanso, no âmbito da Organização Internacional do Trabalho, do direito comunitário e do direito pátrio — “(…) A qualificação do tempo de disponibilidade para o trabalho durante o qual o trabalhador não presta atividade constitui um problema que se vem colocando desde a Convenção nº 30 da OIT (relativa à duração do trabalho no comércio e serviços) – cujo art. 2.º define, como já se referiu, duração do trabalho como sendo o tempo durante o qual o trabalhador está à disposição do empregador, dele se excluindo os descansos em que uma tal disposição não se verifica. No âmbito daquela Convenção, tem-se admitido que o conceito estar à disposição do empregador abrange tanto as situações em que os trabalhadores estão adstritos nesse período à realização de uma obrigação laboral, como os casos em que o trabalhador permanece à disposição do empregador até que lhe seja indicada a atividade a realizar. Como se disse, a jurisprudência do TJ anteriormente citada considera que esses períodos de disponibilidade são tempo de trabalho se o trabalhador permanecer nas instalações do empregador ou no respetivo local de trabalho. Contudo, a circunstância de a expressão “estar à disposição do empregador” não excluir in limine a possibilidade de o trabalhador satisfazer interesses próprios tem conduzido a que, para fins de qualificação, se recorra ao critério do grau de liberdade pessoal de que o trabalhador dispõe durante aqueles períodos para realizar atividades pessoais; trata-se, como é evidente, de um critério cuja aplicação remete para o casuísmo das situações”.

liv. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 2 de novembro de 2004, na Revista n.º 340/04, que fez apelo à jurisprudência emanada do Tribunal de Justiça: "Conforme refere Albino Mendes Baptista, num estudo sobre esta problemática (Tempo de trabalho efetivo, tempos de pausa e tempo de terceiro tipo, "Revista de Direito e Estudos Sociais", Ano XLIII, Janeiro Março de 2002, pág. 29 e segts.), o acórdão do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias de 3 de Outubro de 2000 (acórdão SIMAP - Proc. 303/98, Col. I-7963), que se debruçou sobre a matéria, distingue duas situações: a) tempo de presença física na empresa; e b) tempo de localização. Na primeira, uma vez que o trabalhador (no caso tratava-se de analisar a situação de médicos das equipas de urgência) tem que estar presente e disponível no local de trabalho, com vista à prestação dos serviços, a atividade insere-se no exercício das suas funções, pelo que é de qualificar de tempo de trabalho. Na segunda, embora o trabalhador esteja à disposição da entidade patronal, na medida em que deve poder ser sempre localizado, ele pode gerir o seu tempo com menos constrangimentos que na situação anterior e poder dedicar-se a atos do seu próprio interesse, daí que, se bem que o trabalhador deva estar acessível permanentemente, apenas o tempo relacionado com a sua prestação efetiva de trabalho deve ser considerado "tempo de trabalho". Por isso, no dizer do referido autor (ob. cit., pág. 41): “...o conceito de trabalho efetivo deve ser construído tendo por base as ideias de disponibilidade e de presença física na empresa, sem prejuízo de uma abordagem específica para as profissões de exercício itinerante e do trabalho realizado pelo trabalhador no seu domicílio”.

lv. A Constituição da República Portuguesa, em sede dos direitos e deveres económicos, sociais e culturais, inscreveu, no âmbito do n.º 1 do artigo 59.º, em que proclamou os Direitos dos trabalhadores, nomeadamente, o direito à organização do trabalho em condições socialmente dignificantes, de forma a facultar a realização pessoal e a permitir a conciliação da atividade profissional com a vida familiar [alínea b)] e o direito ao repouso e aos lazeres, a um limite máximo da jornada de trabalho, ao descanso semanal e a férias periódicas pagas [alínea d)].

lvi. O artigo 59.º, n.º 1, alínea d), da Constituição da República Portuguesa consagra o direito ao repouso e os direitos com ele conexionados, que estão compreendidos entre os direitos análogos aos direitos, liberdades e garantias proclamados no artigo 17.º da mesma Lei Fundamental, beneficiando da força jurídica que lhes é própria, sendo, por isso, diretamente aplicáveis e impondo-se a entidades públicas e privadas (Vide, por todos, J.J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, artigos 1.º a 107.º, Coimbra Editora, 4.ª edição, 2007, pág. 773; JORGE MIRANDA e RUI MEDEIROS, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, Introdução Geral Preâmbulo, Artigos 1.º a 79.º, Coimbra Editora, 2005, págs. 605-609).

lvii. Por sua vez, o respetivo n.º 2 determina que incumbe ao Estado assegurar as condições de trabalho, retribuição e repouso a que os trabalhadores têm direito, mediante a fixação, a nível nacional, dos limites da duração do trabalho [alínea b)] (Cfr. MARIA DO ROSÁRIO PALMA RAMALHO, Tempo de trabalho e conciliação entre a vida profissional e a vida familiar: algumas notas, in Tempo de trabalho e tempos de não trabalho: o regime nacional do tempo de trabalho à luz do direito europeu e internacional / coordenação Maria do Rosário Palma Ramalho, Teresa Coelho Moreira, 1ª edição, AAFDL Editora, Lisboa, 2018, págs. 101116; FRANCISCO LIBERAL FERNANDES, Tempo de trabalho e tempo de descanso, In: Tempo de trabalho e tempos de não trabalho: o regime nacional do tempo de trabalho à luz do direito europeu e internacional, coordenação Maria do Rosário Palma Ramalho, Teresa Coelho Moreira, 1ª edição, AAFDL Editora, Lisboa, 2018, págs. 11-23).

lviii. No que concerne ao trabalho efetuado fora do horário normal de trabalho, o exórdio do Decreto-Lei n.º 421/83, de 2 de dezembro, que reviu o regime jurídico da duração do trabalho na sua disciplina específica do trabalho extraordinário, abandonou esta velha designação, passando a nomeá-lo como suplementar.

lix. E, trilhando o caminho da recondução do trabalho suplementar à sua função natural, o referido complexo normativo veio reconhecer impor-se, quer a redução do número de horas em que podia ser prestado, quer o concomitante estabelecimento de mecanismos passíveis de pôr fim ao recurso, até então excessivo e indiscriminado, a esse género de trabalho.

lx. De resto, a uma mera análise perfunctória, deteta-se, neste diploma, a consagração do paradigma e diretrizes que, invariavelmente, nortearam a prestação do trabalho suplementar – maxime, (i) a obrigatoriedade da respetiva prestação, sem prejuízo das exceções contempladas, (ii) a estipulação das condições, dos limites e das formalidades a que ficou subordinado, (iii) a estatuição dos acréscimos na correspetiva retribuição – os quais materializam ideias e soluções que foram retomadas e desenvolvidas nos posteriores diplomas que previram e regularam este tipo de trabalho.

lxi. O Decreto-Lei n.º 187/88, de 27 de maio, que, pela primeira vez, no âmbito da Administração Pública, consagrou um instrumento legal que, de modo sistemático, reuniu os princípios fundamentais enformadores do regime jurídico da duração de trabalho.

lxii. A Lei Geral de Trabalho em Funções Públicas, não definiu em que consiste o trabalho suplementar, optando por importar esse conceito do direito do trabalho privatístico, onde o respetivo regime global se mostra exaustivamente tratado, em todas as suas vertentes.

lxiii. PAULO VEIGA E MOURA e CÁTIA ARRIMAR, comentam em anotação ao artigo 120.º: “O regime do trabalho suplementar dos trabalhadores detentores de um vínculo de emprego público é dado pelo disposto no presente artigo, no artigo imediatamente seguinte e ainda no art. 162.º, aplicando-se em tudo o mais o regime do Código do Trabalho em matéria de trabalho suplementar”.

lxiv. Por sua vez, atente-se na estatuição constante do artigo 162.º que, em comparação com o preceito análogo, plasmado no artigo 268.º do Código do Trabalho, ostenta um regime mais complexo e acabado, nos termos do qual perpassa a ideia fundamental da existência de limites objetivos estritos, na fixação, quer da duração do trabalho suplementar, quer de um período mínimo de descanso entre dois períodos diários de trabalho consecutivos do trabalhador a ele sujeito, quer da correspetiva remuneração. – que, com o devido respeito, não é um suplemento de € 5,33 mensais.

Por tudo o exposto,

lxv. Parece resultar deste entendimento, s.m.o., que, pese embora exista um ónus de disponibilidade permanente face à especificidade própria da atividade do Bombeiros Sapador, e pese embora exista um suplemento específico para que aquele trabalhador continue permanentemente disponível, não poderá o mesmo contar como tempo de trabalho, enquanto se mantiver apenas “disponível”.

lxvi. No entanto, a partir do momento em que deixa de estar disponível, para estar em serviço efetivo, porque foi convocado para tal, então é tempo de trabalho, e deverá ser remunerado condignamente, e de acordo com a remuneração da administração pública.

lxvii. E não obstante a existência dum suplemento de disponibilidade permanente atribuído à carreira de Bombeiro Sapador, sempre se dirá que nesta carreira em específico, esta disponibilidade está limitada às ações de socorro efetivo previstas nas alíneas a) a d) da Missão dos Corpos de Bombeiros.

lxviii. Não se podendo confundir com o facto dos superiores hierárquicos “escalarem” aleatoriamente o Recorrente para realizar turnos de prevenção no quartel, que não implicam a realização automática de socorro efetivo.

lxix. Até porque, o próprio Estatuto dos Bombeiros Profissionais vincula os mesmos ao horário da função pública, e o suplemento da disponibilidade permanente não o afasta – antes pelo contrário, delimita-o ao socorro efetivo.

lxx. O Recorrente não reclamou horas de socorro efetivo, ou dias em que os seus turnos de 12 horas se prolongaram face a um incêndio, a uma catástrofe, ou ao socorro efetivo, porque está bem consciente da sua missão.

lxxi. Reclamou sim, e não pode conformar-se, com o facto de “todas as semanas” ser escalado para estar de prevenção pelo menos 48 horas (4 turnos de 12 horas), quando o seu horário é de 35 horas semanais.

lxxii. Razão pela qual deverá ser revogado o douto Acórdão ora recorrido, determinando que o suplemento da disponibilidade permanente atribuído aos Bombeiros Profissionais não contempla o pagamento de todo o trabalho suplementar, porque o próprio diploma o afasta, especificamente o trabalho em realizado ao abrigo do escalonamento para o cumprimento de turnos, que ultrapassem as 35 horas semanais, por se tratar de prevenção e não de socorro efetivo.

lxxiii. Devendo as horas determinadas ao abrigo das escalas que ultrapassem as 35 horas de trabalho semanal serem pagas como trabalho suplementar de acordo com o estabelecido para a função pública, porque os bombeiros profissionais estão vinculados ao regime do horário dos trabalhadores da administração pública.

Termos em que, admitido nos termos do disposto no artigo 152º do CPTA, ao recurso deve ser dado provimento, com as legais consequências, com o que Vª Exª,

Venerandos Conselheiros, farão

Justiça!

[…]».


2 – O Município de Viseu contra-alegou, rematando com as seguintes conclusões:

«[…]

I. A admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência está dependente do cumprimento de quatro requisitos previstos no n.º 1 e 3 do artigo 152.º do CPTA.

II. Não se encontra preenchido o requisito da existência de contradição sobre a mesma questão fundamental de direito, já que o Acórdão impugnado e os Acórdãos Fundamento não incidem sobre o mesmo quadro normativo,

III. Nem tão, pouco a orientação perfilhada no acórdão impugnado não está de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo, pois que a jurisprudência recentemente consolidada pelo STA tem sido em sentido convergente com o Acórdão impugnado.

IV. Isto posto, é forçoso concluir que o recurso de uniformização de jurisprudência não deve ser admitido.

V. Sem em nada prescindir do antes exposto, sempre se diga que o douto Acórdão recorrido não merece, em nossa opinião, qualquer censura ou reparo, já que a sua fundamentação apresenta uma elevada correcção e profundidade na análise e justificação dos motivos, de facto e de direito, que conduziram à decisão final.

VI. Ao contrário do que sustenta o Recorrente, não se pode entender que o trabalho realizado pelos Bombeiros para além das 35 horas semanais seja considerado trabalho extraordinário.

VII. O trabalho extraordinário tem caráter excepcional, pelo que só se se verificarem todos os pressupostos descritos na previsão legal, no n.º 1 do artigo 34.º do Decreto­ Lei n.º 259/98, é que surge a obrigação do seu pagamento.

VIII. Nos autos não houve uma extensão do período de trabalho, os Bombeiros apenas cumpriram o seu horário de trabalho que já se encontrava previamente estabelecido, e consequentemente não foi prestado trabalho extraordinário.

IX. Ademais, tal trabalho extraordinário, face ao que dispõe o artigo 11.º do Regulamento do Período de Funcionamento do Horário de Trabalho e Controlo de Assiduidade do Município de Viseu, teria forçosamente de ser previa e expressamente autorizado pelo Presidente da Câmara Municipal ou pelo Vereador com competência delegada, o que não aconteceu, nem o Recorrente demonstra ter acontecido.

X. Pelo que o trabalho exercido pelos Bombeiros para além do limite das horas dos trabalhadores da função pública, enquadra-se no instituto da disponibilidade permanente, pelo qual estes recebem um suplemento remuneratório específico.

XI. Assim, em face do arrazoado ora concluído, considera o Recorrido estarem as alegações do Recorrente votadas ao insucesso, pelo que o recurso, caso seja admitido, deve ser considerado improcedente, o que só por dever de patrocínio se aventa,

Com o que se fará inteira

Justiça!

[…]».

3 – A Representante do Ministério Público junto deste STA, notificada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º do CPTA, pronunciou-se no sentido de o recurso não ser admitido e, caso assim não se entendesse, ser julgado improcedente.

Cumpre apreciar a decidir.


II – Fundamentação

II. 1. De facto

1.1. O acórdão recorrido deu como provado o seguinte:

«[…]
1) O STAL é uma associação sindical constituída pelos trabalhadores nele filiados que, independentemente do seu vínculo, tipo de regime ou de contrato, exerçam atividade profissional na Administração Pública, Local ou Regional, nas empresas públicas ou concessionárias de serviços públicos ou em quais quer entes públicos ou privados que se encontrem investidos em poderes de autoridade na prossecução de fins públicos ou prossigam atividades de utilidade pública local, regional ou inter-regional.
2) Os trabalhadores supra identificados eram associados do STAL, tendo emitido declarações de interesse e consequentemente de não oposição para Este propor a presente ação, cfr. docs. n°s 1 a 28 juntos com a petição inicial;
3) Os trabalhadores supra identificados, com exceção de C.., deixaram de ser representados pelo STAL e passaram a ser representados pelo SNBP - Sindicato Nacional dos Bombeiros Profissionais, vide procuração e declarações que instruíram o requerimento apresentado em 10-05-2012;
4) Os trabalhadores associados supra identificados, são representados pelos serviços jurídicos do STAL, prestados gratuitamente, e posteriormente pelo SNBP, sendo que o seu rendimento ilíquido não é superior a 200 UCs, o que os isenta do pagamento de quaisquer custas, conforme o preceito do art. 4°, n° 1, alínea h) do Regulamento das Custas Processuais, para além da isenção prevista na al. f) deste mesmo artigo;
5) Os trabalhadores associados dos Sindicatos, ora Autores, são trabalhadores da Câmara Municipal de Viseu, através de contrato de trabalho por tempo indeterminado, factualidade não controvertida;
6) No ano de 2010 a prestação de trabalho por parte dos associados dos AA ocorreu em quatro piquetes mensais para os quais foram determinados os horários que se encontram expressos nos quadros juntos, no que diz respeito aos meses de janeiro a junho do mesmo ano de 2010, vide docs. n° 29 a 52 juntos com a petição inicial e processo administrativo;
7) Os AA através de requerimentos apresentados nos competentes serviços da Entidade demandada em 16/03/2011 requereram ao Sr. Presidente da Câmara Municipal de Viseu a compensação legal pelo trabalho que prestaram nos meses de janeiro a junho de 2010 - cfr. docs. n°s 53 a 66 juntos com a petição inicial e PA.
8) Não foi proferida qualquer decisão sobre esses mesmos requerimentos no competente prazo legal de que a Entidade Demandada dispunha para o efeito.
9) No Município de Viseu estava vigente o “Regulamento do Período de Funcionamento do Horário de Trabalho e Controlo de Assiduidade do Município de Viseu”, determina que os Bombeiros estejam abrangidos por uma prestação de trabalho em regime de turnos permanente total - cfr. doc. 1 junto com a contestação.
10) O Presidente da Câmara Municipal de Viseu ou Vereador com competência delegada para o efeito, não deram autorização prévia para a realização de trabalho extraordinário.
11) Os vários Despachos e Ordens de Serviço da Câmara Municipal de Viseu sobre esta matéria, definem os limites absolutos máximos que as diversas áreas municipais poderão atingir em gastos com trabalho extraordinário, prevendo-se um montante máximo de €10.000,00 sujeito a despacho prévio do Ex.mo Senhor Presidente da Câmara precedido de protocolo de tramitação também aí definido - cfr. docs. 2 a 6 juntos com a contestação.
II Facto não provado
Que os associados dos AA. tivessem prestado trabalho fora e para além do seu horário normal de trabalho. Os requerimentos que apresentaram apenas incluem horas que se compreendem naquele horário, o que resultou das escalas, organizadas em quatro piquetes e que constam dos docs. 29 e segs., conjugadas com os requerimentos que constituem os docs. 53 e segs. Estes elementos não são afastados, contraditados pelos depoimentos que as testemunhas ouvidas prestaram.
[…]».

1.2. O acórdão fundamento deu como assentes os seguintes factos:

«[…]
a) - O recorrente, e ora recorrido, é sapador bombeiro do Batalhão de Sapadores Bombeiros do Porto;
b) - Nessa qualidade, prestou serviço nos dias 1, 8 e 25 de Dezembro de 1994;
c) - O vencimento do recorrido referente ao mês de Dezembro de 1994, não teve qualquer acréscimo em virtude de aqueles dias 1, 8 e 25 de Dezembro terem sido feriados;
d) - Em 1-2-95, o recorrido requereu ao Presidente da Câmara Municipal do Porto o processamento e respectivo pagamento do acréscimo referido na alínea c);
e) - Sobre esse requerimento, até 25 de Junho de 1996, não tinha recaído qualquer despacho.
[…]».

II. 2. De Direito

2.1. Da admissibilidade do recurso

Nos termos do disposto no artigo 152.º do CPTA, o exercício do poder de uniformização da jurisprudência pressupõe a existência de uma efectiva contradição entre o decidido nos acórdãos que se alega estarem em oposição entre si quanto à decisão da mesma questão fundamental de direito.
Importa, por isso, antes de mais, verificar se ocorre a invocada oposição entre os arestos.
Lembre-se que os requisitos de admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência são os seguintes:
i. que exista contradição entre acórdãos do TCA ou entre um acórdão de um TCA e um acórdão anterior do STA ou ainda entre acórdãos do STA;

ii. que essa contradição recaia sobre a mesma questão fundamental de direito;

iii. que se tenha verificado o trânsito em julgado do acórdão impugnado e do acórdão fundamento;

iv. que não exista, no sentido da orientação perfilhada no acórdão impugnado, jurisprudência mais recentemente consolidada no STA.

Acresce que se mantêm os princípios que vinham da jurisprudência anterior (da LPTA) segundo os quais:
i. para cada questão relativamente à qual se alegue existir oposição deve o recorrente eleger um e só um acórdão fundamento;

ii. só é figurável a oposição em relação a decisões expressas e não a julgamentos implícitos;

iii. é pressuposto da oposição de julgados que as soluções jurídicas perfilhadas em ambos os acórdãos - recorrido e fundamento - respeitem à mesma questão fundamental de direito, devendo igualmente pressupor a mesma situação fáctica;

iv. só releva a oposição entre decisões e não entre a decisão de um e os fundamentos ou argumentos de outro

(cfr. entre muitos outros o acórdão STA Pleno de 20 de Maio 2010 no proc. 0248/10).

Assim, considera-se que é a mesma a questão fundamental de direito quando:
i. as situações fácticas em ambos os arestos sejam substancialmente idênticas, entendendo-se, como tal, para este efeito, as que sejam subsumidas às mesmas normas legais;
ii. o quadro legislativo seja também substancialmente idêntico, o que sucederá quando seja o mesmo o regime jurídico aplicável ou quando as alterações legislativas a relevar num dos acórdãos não interfiram, nem directa nem indirectamente, na resolução da questão de direito controvertida.

Atenta a complexidade destes requisitos o legislador impõe, além do mais, que na petição do recurso sejam identificados, de forma precisa e circunstanciada, os aspectos de identidade que determinam a contradição alegada – n.º 2 do artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.


2.2. Ora, no caso dos autos é manifesta a inexistência de identidade face à questão fundamental de direito, uma vez que a questão jurídica suscitada pela factualidade assente em ambos os arestos – o pedido de remuneração do trabalho alegadamente extraordinário – não é regulada pelas mesmas normas legais.

No caso do acórdão fundamento, cuja factualidade respeita a 1995, o diploma legal em vigor que regulava a questão era o Decreto-Lei n.º 373/93, de 4 de Novembro. Já no caso do acórdão recorrido, cujos factos ocorreram em 2010, o diploma legal em vigor era o Decreto-Lei n.º 106/2002, de 13 de Abril. E esta diferença é suficiente para que não estejam preenchidos os pressupostos de admissibilidade do recurso previstos no artigo 152.º, n.º 1 do CPTA, mais precisamente por inexistência de oposição em relação à mesma questão fundamental de direito.

2.3. Além disso, o recurso seria também inadmissível nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 152.º do CPTA, por – como bem se explicou no acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 23 de Junho de 2022, que não admitiu o recurso de revista previamente interposto no âmbito deste processo – sobre esta questão existir já jurisprudência produzida por várias formações do Supremo Tribunal Administrativo em que se julgou improcedente o pedido:

“(…) Passando, então, à concreta análise temos que a alegação expendida por cada um dos Recorrentes não se mostra persuasiva, tudo apontando, presentes os contornos do caso sub specie, no sentido de que as instâncias acabaram por decidir com acerto presente a jurisprudência que foi produzida por várias formações deste Supremo Tribunal sobre a quaestio juris e quadro normativo igualmente convocado [cfr., nomeadamente, o Ac. de 12.04.2018 - Proc. n.º 0785/17, e, bem assim, em especial o Ac. de 26.04.2018 - Proc. n.º 01458/16], o que vale por dizer que a admissão do recurso não é necessária para uma melhor aplicação do direito [vide, ainda, os acórdãos do STA/Formação de Admissão Preliminar de 20.02.2020 - Proc. n.º 014/14.3BECBR, e de 07.05.2020 - Proc. n.º 0739/09.5BEVIS] (…)”.


III – Decisão
Em face do exposto, os juízes do Pleno da Secção do Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal Administrativo acordam em não admitir o recurso.
Custas pelo Recorrente, que nesta acção deixou de estar representado pelo Sindicato e que, por essa razão, deixou de beneficiar da isenção do artigo 4.º, n.º 1, al. h) do RCP.

D.N., sem que haja lugar no caso ao cumprimento do n.º 4 do art. 152.º do CPTA.

Lisboa, 19 de Janeiro de 2023. – Suzana Maria Calvo Loureiro Tavares da Silva (relatora) - Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa - Carlos Luís Medeiros de Carvalho - José Augusto Araújo Veloso - José Francisco Fonseca da Paz - Ana Paula Soares Leite Martins Portela - Maria do Céu Dias Rosa das Neves - Adriano Fraxenet de Chuquere Gonçalves da Cunha - Cláudio Ramos Monteiro.