Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0896/07
Data do Acordão:01/17/2008
Tribunal:1 SUBSECÇÃO DO CA
Relator:COSTA REIS
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
INTIMAÇÃO PARA PRESTAÇÃO DE INFORMAÇÕES
GOVERNO
DIREITO À INFORMAÇÃO
PRINCÍPIO DA COLABORAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO COM OS PARTICULARES
ADMINISTRAÇÃO ABERTA
Sumário:I - O nº 2 do art.º 268º da CRP impõe que a Administração paute a sua actividade pelos princípios da transparência e da publicidade de modo a que não só as suas decisões sejam públicas e acessíveis, mas também que o procedimento que as precede possa ser objecto de consulta e informação pois que só assim se promove a formação de uma opinião pública esclarecida e só assim se permite que os interessados conheçam as razões que determinaram os seus actos. II - O direito de acesso aos arquivos e registos administrativos vem sendo considerado como um direito fundamental cujo sacrifício só se justifica quando confrontado com direitos e valores constitucionais de igual ou de maior valia, como são os relativos à segurança interna e externa, à investigação criminal e à reserva da intimidade das pessoas.
III - O direito à informação materializa-se por diversos meios de que são exemplos a consulta do processo, a reprodução ou declaração autenticada de documentos, a prestação de indicações sobre a sua existência e conteúdo e a passagem de certidões. Por isso a postura da Administração perante um pedido de informação não pode ser meramente passiva.
IV - É certo que este dever de colaboração não compreende, como é lógico, a elaboração de dossiers estruturados ou sínteses da documentação existente nem a obrigação de produzir uma nova documentação administrativa com o propósito de satisfazer o pedido do Requerente porque tais actividades ultrapassam o dever legal de colaboração e de informação, mas também o é que a inexistência da obrigação de proceder a tais trabalhos não pode ser cobertura para uma interpretação minimalista do dever constitucional de prestar informações e de, na prática, constituir um boicote ao seu cumprimento.
Nº Convencional:JSTA00064791
Nº do Documento:SA1200801170896
Data de Entrada:10/22/2007
Recorrente:A...
Recorrido 1:PRESIDÊNCIA DO CM
Recorrido 2:OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC REVISTA EXCEPC.
Objecto:AC TCA.
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR ADM CONT - MEIO PROC ACESSÓRIO INTIMAÇÃO INF CERT.
Legislação Nacional:CPTA02 ART104 ART150.
CONST97 ART268.
CPA91 ART7 ART62 ART63 ART65.
L 65/93 DE 1993/08/26 ART1 ART4 ART7 ART10 ART12.
Referência a Doutrina:BARBOSA DE MELO IN BFDC V57 PAG269.
Aditamento:
Texto Integral: A… - ao abrigo do disposto no art. 104.º e segs do CPTA - requereu, no TAF de Lisboa, a intimação da Presidência do Conselho de Ministros, do Ministério da Administração Interna, do Ministério dos Negócios Estrangeiros, do Ministério das Finanças e da Administração Pública, do Ministério da Defesa Nacional, do Ministério da Justiça, do Ministério da Economia e Inovação, do Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, do Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social, do Ministério da Saúde, do Ministério da Educação, do Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, do Ministério da Cultura e do Ministério do Ambiente do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional para que lhe fosse concedido o acesso à informação e documentação relativa à contratação de advogados ou juristas externos nos anos de 2005 e 2006, e aos respectivos custos.
Tal requerimento foi, no entanto, indeferido.
Inconformado, recorreu para o Tribunal Central Administrativo Sul mas sem êxito já que este, negando provimento ao recurso, confirmou aquele indeferimento.
Interpôs, então – a coberto do disposto no art.º 150.º do CPTA - o presente recurso de revista o qual foi admitido por ter sido entendido que a matéria aqui controvertida tinha a relevância social suficiente para justificar a intervenção deste Supremo Tribunal.
Nele se formulam as seguintes conclusões:
A. Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 150.º do CPTA, o recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo, só é admissível a título excepcional, desde que estejam em causa matérias que, pela sua relevância jurídica ou social, se revelem de importância fundamental ou que a sua admissão seja necessária para uma melhor interpretação e/ou aplicação do direito;
B. O acesso dos cidadãos aos arquivos e registos administrativos é assegurado pelo n.º 2 do artigo 268.º da CRP;
C. Sendo o Recorrente jornalista, também no seu Estatuto é regulado pela alínea a) do n.º 1 do artigo 82 da Lei 1/99 de 13/01, o direito de acesso às fontes de informação, o qual deve ser assegurado pelos órgãos da Administração Pública, sendo considerado que o interesse desse no acesso às fontes de informação, é sempre legítimo, para os termos e efeitos do previsto nos artigos 61.º a 63.º do CPA;
D. Portugal é um Estado de Direito Democrático, que respeita o pluralismo de expressão e assegura o respeito e presta garantias de efectivação dos direitos e liberdades fundamentais - artigo 22.º da CRP;
E. Ora, um desses direitos, liberdades e garantias pessoais, são a liberdade de expressão e informação consagrado no artigo 37.º da CRP, que engloba o direito dos cidadãos de informar, de se informar e de ser informados;
F. As Requeridas fazem parte integrante de um órgão de soberania - o Governo -, pelo que devem pautar a sua actividade pelo cumprimento integral dos deveres que recaem sobre a administração e devem respeitar os direitos, liberdades e garantias pessoais, constitucionalmente consagrados;
G. O acesso aos documentos administrativos é uma matéria com grande relevância social e política;
H. Por outro lado, o presente recurso deve ser admito, também, porque a interpretação do direito que foi efectuada no acórdão recorrido põe em causa o exercício efectivo do direito de acesso a documentos, invertendo os pressupostos que a lei prevê para os mesmos;
I. Já que o artigo 104.º do CPTA, prevê expressamente que pode ser intentado o processo de intimação em causa, quando não seja dada integral satisfação aos pedidos formulados, mas a interpretação dada pelo acórdão recorrido, violou esses pressupostos de direito que permitem o exercício desse direito;
J. Logo, estando em causa matérias que, pelo seu relevo social, legitimam a intervenção do STA, por via do presente recurso de revista, até para uma melhor interpretação e aplicação do direito, deve o presente recurso de revista ser admitido;
K. Pese embora ser mencionado pelo tribunal a quo, o Recorrente no pedido que dirigiu às Recorridas não solicitou a elaboração de um documento de síntese, mas sim o acesso aos dados com a informação solicitada, que só é possível através da consulta dos respectivos documentos;
L. O Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa, alegou que cabia ao Recorrente demonstrar que o acesso aos documentos lhe foi recusado, o que não teria sido feito, sendo que, as Recorridas teriam manifestado expressamente a disponibilidade para facultar tal acesso;
M.Só 4 das Recorridas é que responderam ao Recorrente e sem cumprirem integralmente o Parecer da CADA, pois este determinou que todas elas deveriam facultar o acesso aos documentos que possuam e que contenham a informação solicitada;
N. Sendo que a omissão de pronúncia sobre quais as respostas e datas, determinam a NULIDADE do acórdão, nos termos do disposto na alínea d) do nº 2 1 do art.º 668.º, por remissão do n.º 1 do artigo 716.º ambos do CPC, aplicável ex vi do artigo 1.º do CPTA;
O. O artigo 7.º da Lei 65/93 de 26/08 - LADA - prevê que o direito de acesso aos documentos administrativos, compreende não só o direito de obter a sua reprodução, bem como o direito de ser informado sobre a sua existência e conteúdo o seu artigo 15.º da LADA prevê também a forma e tipos de resposta que a entidade administrativa deve prestar e qual o prazo;
P. Ora na aplicação do direito aos factos em causa nos presentes autos, foi "esquecido" todo o disposto na LADA e foi efectuada uma interpretação estranha dos pressupostos do processo de intimação para a prestação de informações, consulta de processo e passagem de certidão;
Q. Assistia ao Recorrente nos termos do artigo 16.º da LADA, o direito de queixa à CADA no prazo de 20 dias após: o indeferimento expresso, a falta de decisão ou a decisão limitadora do direito de acesso, o que fez;
R. As Recorridas no prazo de 15 dias após o Parecer da CADA não comunicaram fundamentadamente a sua decisão final, pelo que se considera haver falta de decisão;
S. Pelo que, tinha o Recorrente o direito de recurso previsto no artigo 172 da LADA, por meio do presente processo e no caso estão preenchidos os pressupostos previstos no artigo 1042º do CPTA;
T. Verificou-se por isso, clara violação da lei, ao considerar que com as respostas dadas somente por 4 Recorridas e no prazo em que foram dadas, foi integralmente satisfeito o solicitado pelo Recorrente;
U. Por tudo o que se disse, o acórdão proferido violou o disposto nos:
Artigos 2.º, 37.º, 108.º, 109.º e 268.º da CRP.
Artigos 104.º e 105.º do CPTA
Artigos 61.º, 63.º, e 65.º CPA
Artigos 7.º, 15.º, 16.º e 17.º da LADA
Artigo 8.º da Lei 1/99 de 13/1 .
Artigos 668.º e 716.º do CPC
V. Nesta conformidade, deve ser admitido o recurso de revista e, em consequência, deve ser declarado nulo o Acórdão proferido, ordenando-se a remessa dos autos ao Tribunal a quo com vista à prolação de um novo que analise todos os documentos juntos pelo Recorrente com o requerimento inicial e, aplicando-se o direito aos mesmos, nos termos peticionados por este.
A Presidência do Conselho de Ministros concluiu as suas contra alegações do seguinte modo:
1. O recurso de revista excepcional apresentado pelo recorrente não deve ser admitido já que não se encontram preenchidos os requisitos fixados no n.º 1 do artigo 150.º do CPTA.
2. Ainda que assim se não entenda, sem conceder, deve ser negado provimento ao recurso, já que a sentença impugnada não é nula, tendo-se pronunciado adequadamente sobre o thema decidendum, indicando os factos relevantes para tal bem como as normas jurídicas aplicáveis, e tendo julgado correctamente da inexistência de recusa de acesso à informação contida em documentos administrativos na posse da Presidência do Conselho de Ministros e das restantes entidades requeridas.
À posição manifestada pela Presidência do Conselho de Ministros aderiram o Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, o Ministério da Educação, o Ministério da Saúde, o Ministério da Defesa Nacional, o Ministério das Finanças e da Administração Pública, o Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social, o Ministério da Cultura e o Ministério da Justiça.
Apresentaram alegação própria em sentido idêntico os Ministérios do Ambiente do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional; o Ministério da Administração Interna e o Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações.
A Exma Procuradora Geral Adjunta emitiu parecer no sentido do provimento parcial do recurso.
FUNDAMENTAÇÃO
I. MATÉRIA DE FACTO
A decisão recorrida julgou provados os seguintes factos:
1. O requerente, através de requerimento datado de 22/07/2006, solicitou a cada uma das entidades requeridas que, relativamente aos respectivos Ministérios, lhe fosse facultado o acesso aos dados relacionados com o custo total dos advogados externos contratados, fazendo as seguintes perguntas:
- O Ministério liderado por Vossa Excelência contratou advogados ou juristas externos para aconselhamento jurídico de Estado?
- Em caso afirmativo, qual(ais) a(s) sua(s) identidade(s), para que efeito/dossier foi(ram) contratado (s), para que escritório de advogados trabalha(m) e qual o seu número total?
- Qual o custo total dessas contratações para o Estado em 2005 e em 2006 (até à presente data)? - cf. doc. n.º 1, junto com o requerimento inicial, fls. 15 a 43 dos autos.
2. O requerente apresentou em 28/09/2006 queixa junto da CADA que veio dar origem ao parecer n.º 297/2006, que consta em cópia a fls. 50 a 55 dos autos e se dá por integralmente reproduzido.
3. A Presidência do Conselho de Ministros, o Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social, o Ministério da Educação e o Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, através dos Chefes de Gabinetes dos respectivos Ministros, comunicaram através da carta recebida pelo Requerente, que os seus serviços dariam cumprimento ao disposto na lei nos termos do parecer antes referido. – fls. 56 a 59 dos autos.
II. O DIREITO.
O Recorrente requereu à Presidência do Conselho de Ministros e a treze Ministérios que lhe fosse prestada informação sobre se os mesmos, nos anos de 2005 e 2006, tinham contratado advogados ou juristas externos para aconselhamento jurídico e, em caso afirmativo, para que causas, qual a sua identidade, os escritórios a que pertenciam e o custo total dessa contratação.
Alegando só ter recebido duas respostas - a do Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações que lhe transmitiu que "a informação solicitada será disponibilizada logo que possível, uma vez que a mesma não se encontra totalmente coligida" e a do Ministro de Estado e da Administração Interna referindo que, "na sequência do conhecimento dos pedidos semelhantes" dirigidos "aos diversos Ministérios (…), a resposta às questões (...) suscitadas será centralizada pelo Gabinete de S. Ex.ª o Ministro da Presidência” - apresentou queixa à Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA).
Cada uma das entidades requeridas foi convidada a pronunciar-se sobre esta queixa tendo respondido apenas, em ofícios com o mesmo teor, os Ministros da Presidência, da Defesa Nacional, da Justiça, da Economia e Inovação, das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, do Trabalho e Solidariedade Social e da Educação onde afirmaram que:
"A Administração Pública não procede à elaboração de súmulas, dossiers estruturados ou sínteses da documentação existente sobre as entidades que lhe prestam serviços por sectores de actividade ou em razão da natureza dos serviços prestados;
Não existem, assim, documentos administrativos em que se tenha efectuado o tratamento da informação solicitada pelo jornalista A… sobre os advogados e juristas que prestaram serviços jurídicos a este Ministério, seus vários organismos e serviços - nos anos de 2005 e de 2006;
Como é sabido e constitui interpretação uniforme e consolidada, a Lei de Acesso aos Documentos Administrativos não impõe a obrigação de produzir uma nova documentação administrativa com o propósito de satisfazer o pedido do Requerente, pelo que não lhe assiste qualquer razão na queixa apresentada;
A informação requerida, tal como a relativa a outros prestadores de serviços, encontra-se, pois, dispersa em vários documentos administrativos, que poderão ser, nos termos e com os limites da lei, consultados nos serviços competentes".
Depois de analisar aquela queixa o CADA elaborou o Parecer n.º 297/2006 onde concluiu que os requeridos
“a) Deverão facultar o acesso aos documentos que possuam (e que contenham a informação pretendida);
b) Não têm de produzir um documento síntese com a informação pedida, embora o possam fazer.”
Na sequência deste Parecer a Presidência do Conselho de Ministros e os Ministérios do Trabalho e Solidariedade Social, da Educação e da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior enviaram ao Recorrente ofícios do mesmo teor onde referiram que, “na área da sua competência, darão cumprimento ao disposto na lei, nos termos do Parecer n.º 297/2006, de 20/12, da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA).
Insatisfeito, o Recorrente intentou no TAF de Lisboa o presente processo pedindo que as entidades acima identificadas fossem intimadas a conceder-lhe “o acesso integral à informação e/ou documentos relativos à contratação de advogados ou juristas externos para aconselhamento jurídico do Estado no período de 2005/2006, com indicação de que para efeito e/ou dossiers foram contratados, qual a indicação destes e o respectivo número, a que escritório pertencem e o custo total dessas contratações.”
Tal pedido foi, no entanto, indeferido por ter sido entendido que do n.º 1 do art.º 104.º do CPTA resultava que o “processo de intimação pressupõe a existência de um pedido que não tenha sido atendido cabendo ao Requerente demonstrar que o acesso lhe foi recusado, o que não aconteceu no caso dos autos. Antes, pelo menos as entidades requeridas acima indicadas mencionaram expressamente disponibilidade para facultar o acesso, faltando o impulso do Requerente, que não pode ser ultrapassado ou substituído.”
Decisão que o TCA Sul confirmou por considerar que o Recorrente “só teria razão se comprovasse nos autos (e não o fez) que tinha pedido informação ou certidão sobre determinado contrato de assistência jurídica prestado ao Estado por profissional devidamente identificado. Porque o apuramento da existência desses contratos pertencia ao jornalismo de investigação, e não aos departamentos do Estado, a quem compete apenas assegurar o acesso aos seus arquivos e a passar as certidões que lhe foram solicitadas, bem como informar da inexistência em seu poder dos documentos, nos termos da lei. Por isso, não há que criticar a decisão recorrida, porque os requerimentos formulados por A… à P.C.M. e aos diversos Ministérios requeridos não podia deles exigir a elaboração de qualquer listagem, conforme notoriamente pretendido.”
Recorreu, então, para este STA – ao abrigo do disposto no art.º 150.º do CPTA – que admitiu o recurso por considerar que “a informação relativa à aquisição de serviços jurídicos e de advogados externos pelos Ministérios, os montantes envolvidos e o tipo de serviços adquirido é matéria importante para o conhecimento do público de modo a justificar, na medida em que estejam reunidos os requisitos para o efeito, que seja facultado o acesso nas condições legais. Por outro lado o STA não se pronunciou ainda sobre o quadro jurídico dos requisitos e modo de acesso à informação não procedimental tida abstractamente como relevante, com o fim de ser utilizada em meios de informação como os jornalísticos, de modo a precisar a interpretação do direito aplicável, designadamente a valoração jurídica de circunstâncias como as que definem os contornos do caso presente.”
Deste modo, e tendo em conta que a decisão recorrida considerou que, no exercício do direito à informação, cumpria ao Recorrente identificar os contratos que queria consultar e sobre os quais queria ser informado e que aos departamentos do Estado competia apenas assegurar o acesso a essa documentação, passar as certidões solicitadas, informar da inexistência dos documentos em seu poder e que, portanto, não lhe cabia elaborar qualquer listagem relativa àquela contratação, a questão a reclamar a nossa decisão é a de saber qual o conteúdo e extensão do direito à informação e a de densificar a forma como o acesso aos documentos e aos registos na posse da Administração se deve processar.
Será que - como decidiram as instâncias - o cumprimento do dever de informar por parte da Administração fica satisfeito quando esta se limita a não colocar entraves ao acesso aos documentos em seu poder e, portanto, quando se coloca numa altitude meramente passiva e se limita a não obstaculizar a sua consulta?
Ou será que o cumprimento dessa obrigação não se pode quedar por abrir os arquivos aos interessados, pressupondo a prestação dos esclarecimentos indispensáveis à sua profícua consulta e à obtenção de uma correcta informação e, portanto, exige, se necessária, uma atitude mais activa e colaborante com o requerente?
Vejamos.
1. Nos termos constitucionais os cidadãos têm o “direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, sem prejuízo do disposto na lei em matérias relativas a segurança interna e externa, à investigação criminal e à intimidade das pessoas” (n.º 2 do art.º 268.º da CRP). Por seu turno, o CPA estabelece queos interessados têm o direito de consultar o processo” e que “os funcionários competentes são obrigados a passar aos interessados … certidão, reprodução ou declaração autenticada de documentos … “(art.ºs 62.º/1 e 63.º/1) e a Lei 65/93 estatui quetodos têm direito à informação mediante o acesso a documentos administrativos de carácter não nominativo”, que “o direito de acesso aos documentos administrativos compreende não só o direito de obter a sua reprodução, bem como o direito de ser informado sobre a sua existência e conteúdo(n.ºs 1 e 2 do seu art.º 7.º com sublinhados nossos) e que o acesso a esses documentos pode fazer-se através de “a) Consulta gratuita, efectuada nos serviços que os detêm; b) Reprodução por fotocópia ou por qualquer meio técnico, designadamente visual ou sonora; c) Passagem de certidão pelos serviços da Administração”(seu art.º 12.º/1).
O que de fundamental se recolhe nos transcritos normativos é a existência de um direito à informação o qual se materializa por diversos meios de que são exemplos a consulta do processo, a reprodução ou declaração autenticada de documentos, a passagem de certidões, o acesso aos documentos não nominativos A qualificação de um documento como não nominativo faz-se por exclusão de partes relativamente aos documentos nominativos os quais são “quaisquer suportes de informação que contenham dados pessoais”, isto é, “informações sobre pessoa singular, identificada ou identificável, que contenham apreciações, juízos de valor ou que sejam abrangidas pela reserva da intimidade da vida privada” (al.ªs b) e c) do n.º 1 art.º 4.º da Lei 65/93.). e à prestação de indicações sobre a sua existência e conteúdo. Ou seja, dito de outro modo, o que se retira daqueles preceitos é que a postura da Administração perante o direito à informação não pode ser meramente passiva, uma vez que a lei obriga-a não só a facultar o acesso à sua documentação mas também a informar os requerentes da existência e conteúdo desses documentos, a reproduzi-los e a passar as certidões que lhe forem pedidas, sendo certo ainda que o art.º 7.º do CPA lhe impõe “prestar aos particulares as informações e os esclarecimentos de que careçam” (vd. al.ª a) do seu n.º 1, com sublinhado nosso).
Esta legislação consagra, assim, o princípio do arquivo aberto o qual, como escreve Barbosa de Melo, se destina a “superar a tradicional «arcana imperii» tornando os arquivos administrativos acessíveis a qualquer um (...) e, sobretudo, na prática, às organizações dedicadas à promoção de interesses colectivos e aos representantes dos «mass media». Ele facultará aos cidadãos «uti universi» informações em primeira mão sobre as atitudes, orientações e projectos da Administração, munindo-os de meios indispensáveis à sua participação, enquanto agentes cívicos, em quaisquer campos da acção administrativa, sobretudo naqueles que mais interesse despertam na opinião pública. Sob este ponto de vista o princípio do arquivo aberto organiza, no plano administrativo, o direito cívico que se filia na liberdade de dar, de receber e de procurar informações. É, portanto, um instrumento do direito à informação, hoje incluído por muitos no catálogo dos direitos fundamentais do cidadão.” - "As garantias administrativas na Dinamarca e o princípio do arquivo aberto", in Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, vol. LVII, 1981, pág. 269.
Os referidos preceitos estabelecem, assim, o que vem sendo qualificado como o princípio da administração aberta Vd. art.º 65.º do CPA e art.º 1.º da Lei 65/93., que impõe que a Administração paute a sua actividade, entre outros, pelos princípios da transparência e da publicidade de modo a que não só as suas decisões sejam públicas e acessíveis, mas também que o procedimento que as precede possa ser objecto de consulta e informação pois que só assim se promove a formação de uma opinião pública esclarecida e só assim se permite que os interessados conheçam as razões que determinaram os seus actos e as possam sindicar eficazmente. E por isso, como vem sendo dito, na actividade administrativa a regra deve ser a informação e não o segredo.
Por isso é aquele direito vem sendo considerado pela doutrina e jurisprudência como um direito fundamental cujo sacrifício só tem justificação quando confrontado com direitos e valores constitucionais de igual ou de maior valia, como são os relativos à segurança interna e externa, à investigação criminal e à reserva da intimidade das pessoas (de resto excepcionados na norma constitucional) ou quando a recusa de informação se fundamente num dever funcional legalmente previsto como são, por ex., os casos do segredo de justiça, do segredo da correspondência ou da confidencialidade fiscal. Acresce, ainda, que a Administração pode recusar o acesso a documentos quando dele possa resultar o uso ilegítimo de informação, seja porque põe em causa segredos comerciais, industriais, ou sobre a vida interna das empresas, seja porque pode significar o desrespeito dos direitos de autor, dos direitos de propriedade industrial ou porque possam conduzir a práticas de concorrência desleal. – vd. art.º 10.º da Lei 65/93.
Importa, porém, ter em conta que a aplicação destas restrições deve fazer-se com observância dos princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade, por estes serem materialmente informadores de toda a actividade administrativa, e, por outro lado, que essas restrições só são legítimas se não se traduzirem numa injustificada denegação do direito à informação.
E, porque assim, será inaceitável que, perante um pedido de informação em que não está em causa nenhuma das limitações acima apontadas, a Administração responda com um “venha, consulte e informe-se”, na medida em que uma tal resposta não só viola o princípio de colaboração estabelecido no citado art.º 7.º do CPA como também viola o direito de ser informado sobre a existência e conteúdo dos documentos na posse da Administração estatuído no n.º 2 do art.º 7.º da Lei 65/93. Acrescendo que, em muitos casos, atenta a dificuldade em identificar a documentação onde se encontra a informação pretendida, uma tal resposta corresponderia a uma verdadeira denegação do direito à informação.
É certo que este dever de informação não compreende, como é lógico e evidente, a elaboração de dossiers estruturados ou sínteses da documentação existente e bem assim o seu tratamento ou sistematização, nem a obrigação de produzir uma nova documentação com o propósito de satisfazer o pedido do Requerente porque tais actividades ultrapassam o dever legal de colaboração e de informação, mas também o é que a inexistência da obrigação de proceder a tais trabalhos não pode ser cobertura para uma interpretação minimalista do dever constitucional de prestar informações e de, na prática, constituir um boicote ao seu cumprimento. Ou seja, também aqui, importa que quer o Requerente da informação como a Administração ajam segundo os princípios da boa fé, da proporcionalidade e da adequação e tenham em conta que a prossecução do interesse público se deve fazer sempre no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos (vd. art.º 4.º do CPA).
Pode, assim, concluir-se que a resposta da Administração não pode ser evasiva e tem de ser adequada às circunstâncias do caso concreto, o que quer dizer que, se necessário, poderá implicar a prestação das informações e dos esclarecimentos indispensáveis a uma profícua consulta. Mas, por outro lado, não compreende o tratamento, a sistematização ou a sintetização da informação solicitada. Ou seja, e dito de forma diferente, a resposta da Administração terá de ter em conta as circunstâncias de cada caso mas não poderá olvidar os direitos que assistem ao interessado e, por isso, nunca poderá constituir, sob a aparência da legalidade, uma verdadeira denegação ao direito de informação.
2. In casu, como sabemos, o Recorrente dirigiu-se à Presidência do Conselho de Ministros e aos Ministérios acima identificados solicitando-lhes que o informassem se, nos anos de 2004 e 2005, tinham contratado advogados e/ou juristas externos e, em caso afirmativo, quem tinham sido esses advogados e/ou juristas, para que causas ou dossiers, quais os escritórios para que trabalhavam e qual o seu custo total.
Contudo, e como só duas dessas entidades lhe responderam – concretamente, o Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações para lhe dizer que "a informação solicitada será disponibilizada logo que possível, uma vez que a mesma não se encontra totalmente coligida" e o Ministério de Estado e da Administração Interna para o informar que, " … a resposta às questões (...) suscitadas será centralizada pelo Gabinete de S. Ex.ª o Ministro da Presidência" – apresentou queixa na CADA que elaborou Parecer onde concluiu que entidades requeridas não tinham que “produzir um documento síntese com a informação pedida, embora o possam fazer” e que o cumprimento da sua obrigação de informar se bastava com “facultar o acesso aos documentos que possuam (e que contenham a informação pretendida) ”.
Na sequência desse Parecer apenas a Presidência do Conselho de Ministros e os Ministérios do Trabalho e Solidariedade Social, da Educação e da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior enviaram ofícios ao Recorrente referindo que na “área da sua competência” iram dar “cumprimento ao disposto na lei” nos termos daquele Parecer, o que significaria facultar o acesso dos documentos que contivessem as informações pretendidas.
O que, desde logo, evidencia que todos os restantes Ministérios requeridos não cumpriram o dever de informação e que, se não houvesse outras, esta razão bastaria para, pelo menos parcialmente, conceder provimento ao recurso.
Só que as respostas dadas pela Presidência do Conselho de Ministros e os Ministérios do Trabalho e Solidariedade Social, da Educação e da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, que se limitaram a informar o Recorrente de que seria autorizada a consulta dos documentos onde poderia ser obtida a informação pretendida, são insuficientes para se poder considerar cumprido o dever legal de informar. E isto porque, como já se referiu, a Administração está obrigada não só a facultar o acesso aos documentos não nominativos mas também prestar-lhes informação sobre a sua existência e conteúdo e a fazê-lo pela forma que melhor satisfizer as necessidades do requerente. E, se assim é, como é, cumpria-lhe não só possibilitar a consulta dos documentos referentes à contratação de advogados e/ou juristas externos aos Ministérios como também informar o Recorrente dos pontos que ele concretamente indicou.
Deste modo, é inaceitável que a Administração lhe tenha respondido de uma forma que pode ser assim resumida “a consulta dos documentos pretendidos está à sua disposição por isso pode vir, consultar e informar-se” visto que uma tal resposta não só se traduz numa violação dos princípios da colaboração e da administração aberta e do dever de informar a que os Requeridos estão vinculados como também, na prática, corresponde a uma verdadeira denegação do direito de acesso às informações pretendidas constantes da documentação em seu poder. Com efeito, como é evidente, é de muito difícil concretização, senão de concretização impossível, que qualquer cidadão ou instituição, perante os milhares de documentos existentes em cada Ministério pudesse, por si só, apurar as contratações de consultadoria jurídica que cada um fez e obter as informações ora em causa. Sendo certo que “a terem sido contratados advogados e juristas, foram-no com utilização de dinheiros públicos, relativamente aos quais qualquer cidadão tem o direito de saber como foram gastos Vd. Parecer da Ilustre Magistrada do Ministério Público. e que tratando-se de informação não reservada a Administração está obrigada a prestá-la.
Acresce que, ao contrário do que as Entidades Requeridas parecem supor, não lhe foi solicitada a elaboração de súmulas, dossiers estruturados e sistematizados ou sínteses da documentação existente nos seus serviços acerca da contratação de advogados e/ou juristas externos mas, apenas e tão só, que informassem se essa contratação existira e, em caso afirmativo, quem foram os contratados, para que causas e a que escritórios pertenciam e qual o custo total dessa contratação. Ora, a resposta a perguntas tão concretas e tão directas não exigiria nenhum daqueles supostos trabalhos mas apenas uma pesquisa e a passagem de certidão donde constassem os elementos requeridos.
Nesta conformidade, conclui-se que nenhuma das entidades requeridas – nem as que enviaram ao Recorrente um evasivo ofício informando-o de que “na área da sua competência, darão cumprimento ao disposto na lei, nos termos do Parecer n.º 297/2006, de 20/12, da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA) A Presidência do Conselho de Ministros e os Ministérios do Trabalho e Solidariedade Social, da Educação e da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior nem as que nenhuma resposta deram – cumpriu a sua obrigação legal de prestar ao Recorrente a informação que este lhes solicitara.
Termos em que acordam os Juízes que compõem este Tribunal em conceder provimento ao recurso e, revogando-se a decisão recorrida, julgar procedente o pedido de intimação condenando as entidades requeridas a informarem o Recorrente se, nos anos de 2004 e 2005, contrataram advogados e/ou juristas externos e, caso tal contratação tenha existido, quem foram os contratados e para que efeito ou dossiers, quais os escritórios a que pertenciam e qual o custo total dessa operação.
Sem custas.
Lisboa, 17 de Janeiro de 2008. – Costa Reis (relator) – Madeira dos Santos – Santos Botelho.