Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0137/11
Data do Acordão:03/02/2011
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:VALENTE TORRÃO
Descritores:RESPONSÁVEL SUBSIDIÁRIO
FALÊNCIA
CRÉDITOS VENCIDOS APÓS DECLARAÇÃO DE FALÊNCIA
PROSSEGUIMENTO DA EXECUÇÃO
Sumário:I - Partindo duma interpretação restritiva do n.° 3 do artigo 154.° do Código dos Processos Especiais de Recuperação de Empresa e Falência no sentido da sua inaplicabilidade ao processo de execução fiscal, decorre da conjugação do disposto nos n.°s 1 e 6 do artigo 180.° do CPPT a admissibilidade da instauração de execução fiscal após a declaração de falência do executado, com a ressalva da mesma dever ser logo sustada e remetida para apensação ao processo de falência no caso de se reportar a créditos vencidos antes da declaração de falência.
II – Todavia, estando em causa créditos vencidos após a declaração de falência, nada impede que se instaure execução por esses créditos, prosseguindo a mesma contra os responsáveis subsidiários.
III- Tendo o responsável subsidiário - ora reclamante - sido declarado falido antes do vencimento de determinados créditos de IRC, instaurada execução por estes posteriormente à declaração de falência e decretada também a reversão contra aquele, não existe obstáculo legal à penhora de 1/6 do seu vencimento.
Nº Convencional:JSTA00066844
Nº do Documento:SA2201103020137
Data de Entrada:02/17/2011
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF PORTO PER SALTUM.
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR FISC - IRC.
Área Temática 2:DIR COM - SOC COM.
Legislação Nacional:CPPTRIB99 ART180.
CPEREF93 ART154 N3.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC887/07 DE 2008/01/31.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1. A Fazenda Pública veio recorrer da decisão do Mmº Juiz do TAF do Porto que julgou procedente a reclamação contra decisão do órgão de execução fiscal, que ordenou a penhora de um sexto do seu vencimento do reclamante A…, com os demais sinais nos autos, apresentando, para o efeito, alegações nas quais conclui:
A).Vem o presente recurso interposto da sentença que julgou procedente a reclamação dos actos do órgão de execução fiscal, instaurada contra o despacho proferido pelo Chefe do Serviço de Finanças do Porto 3 (SF), que ordena a penhora de 1/6 do vencimento do reclamante, no âmbito do PEF, que ali corre termos.
B). Entende a Fazenda Pública não ser de proceder a pretensão formulada na presente reclamação, porquanto a AT se encontrava legitimada, face à lei, para ordenar a prossecução do PEF, com a consequente reversão contra o aqui reclamante e a consequente penhora dos seus bens, em ordem à arrecadação da dívida exequenda, da responsabilidade do aqui reclamante.
C). Com efeito, agiu a AT em cumprimento do preceituado pelo legislador fiscal, em ordem ao princípio da legalidade que impera na sua actuação, pois, uma vez determinada a responsabilidade subsidiária do aqui reclamante, a penhora efectuada decorre do normal andamento do processo, após a citação para pagamento,
D). Sendo uma decorrência normal do PEF, conforme o disposto nos art°s 227° do CPPT e 824° do Código de Processo Civil, não padecendo a penhora efectuada (1/6 do vencimento) de qualquer vício.
E).Dispõe o n° 1 do art° 180° do CPPT que, depois de proferido despacho judicial determinando o prosseguimento do processo de recuperação de empresa ou de declaração de falência, os processos de execução fiscal que se encontrem pendentes na titularidade da sociedade serão sustados e avocados ao processo de falência.
F).Vem ainda consagrado que se admite a instauração de novos processos de execução fiscal, mas e conforme também se encontra legalmente determinado, de imediato é concretizada a respectiva suspensão,
G).Sendo também estes processos serão avocados pelo Tribunal competente, onde o Ministério Público reclamará o pagamento dos créditos pelos meios previstos.
H). Porém, dispõe o n° 6 do art° 180° do CPPT que "(...) o disposto neste artigo não se aplica aos créditos vencidos após a declaração de falência ou despacho de prosseguimento da acção de recuperação da empresa, que seguirão os termos normais até à extinção da execução”.
I).Assim, no que respeita aos processos executivos ali referenciados, ou seja, aqueles processos relativos a dívidas que se venceram após a declaração de falência, devem os mesmos seguir os normais termos, inclusivamente com a reversão contra os responsáveis subsidiários, uma vez verificados os respectivos requisitos.
J).Desta forma, relativamente às dívidas vencidas após 1 ano subsequente ao trânsito em julgado da sentença de declaração de falência, deve a AT prosseguir com os normais termos do processo de execução fiscal através de reversão e arresto de bens dos responsáveis subsidiários (cfr. o disposto no art° 180°, n° 6 do CPPT).
K).Pois, in casu, como resulta provado nos autos, quer a sociedade, quer o reclamante, foram declarados falidos no ano de 2003, sendo o PEF instaurado em 2005 e a reversão concretizada em 2009.
L). Importará sublinhar que e porque os bens da originária devedora (i.e., da sociedade falida) se encontram adstritos e canalizados no processo falência, constituindo a massa falida, se o instituto da reversão não fosse atendível, poderia suceder que os valores que ora se exigem, ficariam desprovidos de qualquer tutela jurídica.
M). Só por via deste instituto se vai pois permitir à AT a efectiva defesa dos seus interesses, em ordem à prossecução do interesse público, nomeadamente da cobrança dos montantes em divida, porquanto outro modus operandi perante a situação de falência, não obteria qualquer resultado eficaz.
N). E o mesmo se diga em relação aos bens do aqui reclamante, sendo sempre de relevar o que dispõe o n° 5 do artigo 180° do CPPT, o qual prevê que, "Se a empresa, o falido ou os responsáveis subsidiários vierem a adquirir bens em qualquer altura, o processo de execução fiscal prossegue para cobrança do que se mostre em divida à Fazenda Pública”.
O). Desta forma, porque a instauração do PEF visa a cobrança coerciva da dívida exequenda, dívida esta certa, liquida, exigível e reconhecida em título executivo idóneo para a sua cobrança, efectuou a AT, as diligências necessárias à cobrança da dívida exequenda,
P). Não sendo razoável impor à AT o retardamento da cobrança de um crédito fiscal, em clara violação da lei.
Q). Releve-se ainda que o respeito pelos princípios da igualdade e da proibição do arbítrio impõem à AT a proibição de concessão de moratórias, bem como a suspensão da execução fiscal fora dos casos previstos na lei (cfr. artºs 36°, n° 3 da LGT e 85° do CPPT),
R).Revelando afloramentos do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários, genericamente enunciado no art° 30° da LGT, que proibem àquela administração retardar a cobrança dos tributos.
S). Conclui-se assim não enfermar de qualquer ilegalidade a actuação do Chefe do SF, no sentido de ordenar o prosseguimento do PEF relativo às novas dividas, liquidadas após declarações de falência (da sociedade e dos seus gerentes), por via da reversão da execução contra os responsáveis subsidiários,
T).Porquanto e conforme já referido supra, a não ser através deste instituto, existirá uma forte probabilidade de tais dívidas nunca serem satisfeitas.
U). Agiu pois a AT, sempre em cumprimento do preceituado pelo legislador fiscal, em ordem ao princípio da legalidade que impera na sua actuação,
V). Uma vez que, estando determinada a responsabilidade subsidiária do aqui reclamante, a penhora efectuada nos termos do n° 1 dos artºs 193° e 215°, ambos do CPPT, decorre do normal andamento do processo, após a citação para pagamento,
W). Sendo uma decorrência normal do processo de execução - cfr. o disposto nos art°s 227° do CPPT e 824° do Código de Processo Civil.
X). Pelo que não padece a penhora efectuada (1/6 do vencimento) de nenhum vício.
Y). É entendimento jurisprudencial que aplicando-se ao caso o disposto no CPPT, há-de reconhecer-se que a instauração da execução fiscal por créditos vencidos posteriormente à declaração de falência, encontra expresso apoio legal no disposto no n.° 6 do art° 180° do CPPT.
Z). Neste sentido, v. os doutos Acórdãos do STA, de 2010/04/14 - processo n° 051/10, de 2008/01/31 - processo n° 0887/07 e de 2006/11/29 - processo n° 0603/06.
AA). E ainda, no sentido de que os art°s 180°, n°s 1 e 6 do CPPT e 154°, n° 3 do CPEREF sendo disposições literalmente contraditórias, devem ser harmonizadas, atenta a unidade do sistema jurídico, por via de um entendimento restritivo daquela última disposição legal, considerando-se como não aplicável ao processo de execução fiscal que, assim, pode sempre ser instaurado, se pronunciou o TCA Norte, no douto Acórdão de 2007/10/18 - processo n° 00170/04.9BEBRG.
BB). De referir ainda, por ser consentâneo com a posição da Fazenda Pública, o douto Acórdão do STA, de 2008/01/31, proferido no processo n° 0887/07, no qual se pode ler: "- Só na hipótese da execução ser relativa a créditos vencidos após a declaração de falência se encontra legitimado o respectivo prosseguimento até a sua extinção."
CC). Ademais, quer porque as dividas só se venceram em data posterior às declarações de falência, quer porque a reversão só ocorreu no ano de 2009, nunca poderiam as mesmas ser reclamadas em qualquer das falências, sob pena de violação do n° 1 do artigo 280° do Código Civil.
DD). Não padece pois a penhora efectuada de nenhum vício, sendo de concluir, contrariamente à douta sentença do Tribunal ad quo, pela legalidade, quer do despacho controvertido, quer da penhora em litígio.
EE). Em conclusão, não se verificando a ilegalidade da penhora efectuada, a douta decisão recorrida padece de erro no julgamento na aplicação do direito, pois, decidindo como decidiu, errou na subsunção dos factos dados como provados às normas jurídicas aplicáveis in casu, mais concretamente as que regem os efeito do processo de recuperação da empresa e de falência na execução fiscal, ou seja, os arts 180° do CPPT, 154° do CPEREF.
Nestes termos, deve ser dado provimento ao presente recurso revogando-se a douta decisão recorrida, com as legais consequências.
2. Em contra-alegações, veio o recorrido concluir:
A). Não se conforma a Recorrente com a mui douta sentença que julgou procedente a reclamação dos actos do órgão de execução fiscal contra o despacho proferido pelo Chefe do Serviço de Finanças do Porto 3 que ordenou a penhora de 1/6 do vencimento do Reclamante ora Recorrido, no âmbito do processo de execução fiscal n.° 3360200501047493 e apensos, mais ordenando a revogação da referida penhora, a restituição das quantias entretanto penhoradas e a extinção da execução contra o Reclamante.
B). Todavia, e salvo o devido respeito por opinião contrária, não lhe assiste razão alguma porquanto outra não poderia ser a decisão tomada pelo Tribunal a quo, razão pela qual não poderá deixar o Recorrido de contra-alegar, o que faz no tempestivamente, porquanto foi notificado no passado dia 24 de Janeiro do despacho de admissão do recurso, nos termos do art.° 283.° n.° 3 do CPPT com a interpretação dada por JORGE LOPES DE SOUSA, em anotação a este artigo, in Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, II Volume, pág. 796.
C). E isto pela seguinte ordem de razões: baseia a Recorrente as suas motivações no facto de deverem os processos de execução fiscal seguir os normais termos, inclusivamente com a reversão contra os responsáveis subsidiários, no caso em que as dívidas se venceram após a declaração de falência, nos termos do n.° 6 do art.° 180.° do CPPT, imputando ao Ilustre Tribunal a quo o erro na aplicação do direito e erro de julgamento na subsunção dos factos dados como provados às normas jurídicas aplicáveis.
D). Sucede, porém, que o n.° 6 do art.° 180.° do CPPT não tem aplicação nos presentes autos, pelo que bem andou o Tribunal a quo quando não o aplica, antes aplicando o preceituado no n.° 3 do art.° 154.° do CPEREF.
E). Isto porque, na esfera do responsável subsidiário, o crédito advém com o despacho de reversão, sendo que, só a partir do momento em que é determinada a reversão das dívidas contra aquele se verifica o nascimento da obrigação tributária.
F). Logo, não se trata de uma dívida já existente mas ainda não vencida aquando da declaração de falência, mas antes um crédito que, não só não venceu, como nem sequer existia aquando da declaração de falência, só vindo a existir, para o revertido aqui Recorrido, no momento em que este foi citado, na qualidade de responsável subsidiário, da execução fiscal que contra si passa a correr termos.
G).Aliás, por isso tem o revertido, com a citação, os mesmos direitos que ao responsável originário assistiram, nomeadamente, o pagamento da dívida sem juros nem custas e, bem assim, a possibilidade de discutir a legalidade dos actos tributários que subjazem à dívida exequenda.
H). Não caindo, assim, no âmbito de aplicação do n.° 6 do art.° 180.° do CPPT, pois que este pressupõe a existência de uma dívida em momento anterior à declaração de falência, mas ainda não vencida, só se vencendo em momento posterior.
I). O que manifestamente, pelas razões já apontadas, não é o caso dos presentes autos, pois que, pese embora o facto originário de imposto seja anterior à declaração de falência do revertido (2001, 2002 e 2003), certo é que as liquidações do mesmo só sucederam em 2005, e, no que ao Recorrido interessa, a reversão só foi determinada em 2008, sendo que só a partir desta data passa a existir tal obrigação tributária na esfera jurídica do Recorrido.
J). Pelo que, face a todo o exposto, excluída que se encontra a situação sub judicie do âmbito de aplicação do n.° 6 do art.° 180.° do CPPT, a declaração de falência do Recorrido obsta à instauração ou ao prosseguimento de qualquer acção executiva contra este, seja esta de natureza civil ou fiscal, competindo aos credores, incluindo o Ministério Público na defesa dos interesses que representa, reclamarem a verificação dos seus créditos, quer comuns, quer preferenciais, o que só não sucedeu por manifesta inércia ou negligência da Administração Fiscal, não podendo ao Recorrido ser assacada qualquer responsabilidade portal facto.
K). Caso se tivesse decidido como pretende a Representação da Fazenda Pública, sempre se estaria a dar cobertura à inércia e irresponsabilidade da Administração Fiscal, manifestando total desprezo pelas normas especiais que regulam o Instituto Falimentar, já que, ao admitir o prosseguimento da execução nos moldes em que é feita, atribui ao Estado um privilégio que este não tem, em desrespeito para com os demais credores.
L). Importará, ainda, referir que ao aqui Recorrido nem sequer pode ser imputada a responsabilidade -subsidiária - pelas dívidas tributárias "(…) cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo (...)", tal como foram revertidas as alegadas dívidas em crise, nos termos da alínea b) do n.° 1 do art.° 24.° da LGT, conforme despacho proferido pelo Exmo. Chefe do 3.° Serviço de Finanças do Porto que acompanhou a citação - cfr. Doc. n.° 1 junto à PI de reclamação, uma vez que o prazo legal de pagamento terminou em data que o ora Recorrido não exercia - nem podia exercer - a gerência de facto ou de direito.
M).Isto porque, desde a data da declaração da falência que deixaram, o ora Recorrido e demais gerentes, de ter poderes de gerência da sociedade falida, pertencendo estes ao liquidatário nomeado judicialmente aquando da declaração de falência - cfr. art.° 147.° do CPEREF.
N). Donde se conclui que, à data do prazo de pagamento voluntário das alegadas dívidas tributárias em crise, o ora Reclamante não exercia a gerência, nem de facto, nem de direito.
O). Pelo que, também por este facto, a decisão do tribunal a quo não podia deixar de ser a doutamente proferida, já que é manifestamente ilegal o despacho que ordena a prossecução da presente execução reclamado nos presentes autos, por manifesta violação dos art.°s 23.° e 24.° da LGT e 153.° do CPPT.
P). Ora, não tendo o ora Recorrido praticado qualquer acto de gestão na sociedade devedora principal nos períodos a que se referem os presente autos, não lhe pode legitimamente, e, sob pena de violação do disposto no art.° 24.° da LGT e do art.° 103°, n.° 3 da Constituição da República Portuguesa, ser imputada qualquer responsabilidade pela inobservância das disposições legais e contratuais de protecção de credores, e bem assim, qualquer responsabilidade nas dívidas aqui aduzidas.
Q). Tanto mais que as dívidas fiscais em crise resultaram não de impostos recebidos de terceiros pelo sujeito passivo e que lhe incumbia entregar ao credor Estado, mas foram resultado de liquidações oficiosas de IRC e, portanto, de imposto calculado com base em métodos indirectos e de cuja ilegalidade se curou em sede própria, por terem sido as mesmas produzidas no pressuposto de actividade operacional e obtenção de rendimentos da sociedade devedora originária, o que manifestamente não corresponde à verdade, pois que desde o início de 2001 que inexiste qualquer actividade da mesma, e, consequentemente, inexistindo, em absoluto, qualquer facto tributário cuja prática (inexistente, repita-se) geraria a obrigação de pagamento de qualquer imposto.
R). Assim, e em jeito de conclusão, face a todo o sobredito, é manifesto que não poderá a execução prosseguir contra o recorrido, impondo-se a sua extinção, com a consequente revogação da penhora e restituição dos montantes indevidamente penhorados.
3. O MºPº emitiu o parecer que consta de fls. 672/673 no qual defende a improcedência da reclamação.
4. Dispensados os vistos, cabe agora decidir.
5. Com interesse para a decisão foram dados como provados em 1ª instância os seguintes factos:
A). Em 05/10/2005 foi instaurado contra "B…", o processo executivo n° 3360200501047493 e aps., por dívidas de IRC, relativas aos anos 2001, 2002 e 2003, cf. P.E. incorporado nos autos.
B). Em 27/08/2008 foi proferido despacho de reversão do processo executivo supra identificado, contra A…, aqui reclamante cf. fls. 189 dos autos.
C). O reclamante foi citado para a reversão em 18/11/2009, cf. fls. 202 dos autos.
D).Em 10/11/2003, foi proferida sentença no Processo n° 354/03.8TYVNG do 2° Juízo do Tribunal de Comércio de Vila Nova de Gaia, com trânsito em julgado, na qual foi declarado falido A…, aqui reclamante, cfr. fls. certidão de fls. 29 35 dos autos cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
E). Em 15/12/2009, o reclamante deu conhecimento ao Serviço de Finanças que foi decretada a sua falência pessoal, por sentença transitada em julgado, cfr. fls. 22 a 24 dos autos.
F). Em 01/02/2010 procedeu-se à penhora de 1/6 do vencimento do aqui reclamante, cf. informação de fls. 7 dos autos.
6. A única questão a conhecer no presente recurso é a de saber se, decretada a falência do reclamante - responsável subsidiário – em 10.11.2003, poderia ter lugar a execução contra a executada originária e consequente reversão, por dívidas de IRC dos anos de 2001 a 2003, vencidas em 2005 e 2006, datas em que ocorreu o termo dos prazos para pagamento voluntário.
Tanto a Fazenda Pública como o MºPº entendem que, face ao disposto no artºs 180º, nº 6 do CPPT e 154º, nº 3 do CPEREF, a instauração da execução verificada em 05.10.2005 (facto da A) do probatório) era legalmente permitida. E, assim sendo, não existindo bens da executada originária, era também admissível a reversão da execução contra o ora reclamante.
O reclamante, por sua vez, entende que o nº 6 do artº 180º do CPPT é inaplicável ao caso, antes se devendo aplicar o disposto no artº 154º, nº 3 acima citado, louvando-se no seguinte:
Não se trata de uma dívida já existente mas ainda não vencida aquando da declaração de falência, mas antes um crédito que, não só não venceu, como nem sequer existia aquando da declaração de falência, só vindo a existir, para o revertido aqui Recorrido, no momento em que este foi citado, na qualidade de responsável subsidiário, da execução fiscal que contra si passa a correr termos.
O n.° 6 do art.° 180.° do CPPT, pressupõe a existência de uma dívida em momento anterior à declaração de falência, mas ainda não vencida, só se vencendo em momento posterior.
O que manifestamente, não é o caso dos presentes autos, pois que, pese embora o facto originário de imposto seja anterior à declaração de falência do revertido (2001, 2002 e 2003), certo é que as liquidações do mesmo só sucederam em 2005, e, no que ao Recorrido interessa, a reversão só foi determinada em 2008, sendo que só a partir desta data passa a existir tal obrigação tributária na esfera jurídica do Recorrido.
Pelo que, excluída que se encontra a situação sub judicie do âmbito de aplicação do n.° 6 do art.° 180.° do CPPT, a declaração de falência do Recorrido obsta à instauração ou ao prosseguimento de qualquer acção executiva contra este, seja esta de natureza civil ou fiscal, competindo aos credores, incluindo o Ministério Público na defesa dos interesses que representa, reclamarem a verificação dos seus créditos, quer comuns, quer preferenciais, o que só não sucedeu por manifesta inércia ou negligência da Administração Fiscal, não podendo ao Recorrido ser assacada qualquer responsabilidade portal facto.
Vejamos então qual destas teses colhe o apoio legal.
6.1.Conforme resulta da A) do probatório supra, a execução por dívidas de IRC dos anos de 2001 a 2003, foi instaurada em 05.10.2005.
Como também resulta dos docºs de fls. 233, 387 e 433, tais dívidas só se venceram em 2005 e 2006, tendo também o seu termo de pagamento voluntário ocorrido em vários meses de 2005 e em inícios de 2006 (v. os citados documentos junto no apenso).
O reclamante - responsável subsidiário - foi declarado falido por sentença de 10.11.2003,conforme alínea D) do probatório supra, portanto antes do vencimento daquelas dívidas.
6.2.O artº 180º do CPPT estabelece o seguinte:
Artigo180º
Efeito do processo de recuperação da empresa e da falência na execução fiscal
1. Proferido o despacho judicial de prosseguimento da acção de recuperação da empresa ou declarada falência, serão sustados os processos de execução fiscal que se encontrem pendentes e todos os que de novo vierem a ser instaurados contra a mesma empresa, logo após a sua instauração.
2. O tribunal judicial competente avocará os processos de execução fiscal pendentes, os quais serão apensados ao processo de recuperação ou ao processo de falência, onde o Ministério Público reclamará o pagamento dos respectivos créditos pelos meios aí previstos, se não estiver constituído mandatário especial.
3. Os processos de execução fiscal, antes de remetidos ao tribunal judicial, serão contados, fazendo-se neles o cálculo dos juros de mora devidos.
4. Os processos de execução fiscal avocados serão devolvidos no prazo de oito dias, quando cesse o processo de recuperação ou logo que finde o da falência.
5. Se a empresa, o falido ou os responsáveis subsidiários vierem a adquirir os bens em qualquer altura, o processo de execução fiscal prossegue para a cobrança do que se mostre em dívida à Fazenda Pública, sem prejuízo das obrigações contraídas por esta no âmbito do processo de recuperação, bem como sem prejuízo da prescrição.
6. O disposto neste artigo não se aplica aos créditos vencidos após a declaração de falência ou despacho de prosseguimento da acção de recuperação da empresa, que seguirão os termos normais até à extinção da execução.
Por sua vez, o nº 3 do artº 154º do CPEREF determina que: “A declaração de falência obsta à instauração ou ao prosseguimento de qualquer acção executiva contra o falido…”
Ora, conforme se escreveu no Acórdão deste Supremo Tribunal e Secção, de 31.01.2008 – Recurso nº 0887/07,
“Constitui jurisprudência firme deste Supremo Tribunal o entendimento de acordo com o qual, partindo de uma interpretação restritiva da disposição constante do artigo 154.°, n.° 3 do CPEREF no sentido da sua inaplicabilidade ao processo de execução fiscal, se torna admissível a instauração de uma execução fiscal após a declaração de falência da executada, com a ressalva da mesma dever ser logo sustada e remetida para apensação ao processo de falência no caso de se reportar a créditos vencidos antes da declaração de falência.
Só na hipótese da execução ser relativa a créditos vencidos após a declaração de falência se encontra legitimado o respectivo prosseguimento até à sua extinção.
Assim, é possível legalmente a instauração da execução fiscal, após a declaração de falência, mas para imediata sustação e avocação pelo Tribunal Judicial e apensação àquele processo - artigos 180.º, nº 1 e 2, do CPPT e 154.°, n.° 3 do CPEREF, ou, tratando-se de créditos vencidos, após a declaração de falência, prosseguindo a execução mas apenas se forem penhorados bens ali não apreendidos”.
6.3. No caso dos autos, estando em causa créditos vencidos posteriormente à declaração da falência, o citado artº 180º, nº 6 permite a instauração de execução fiscal relativamente aos créditos vencidos após a declaração de falência.
E, assim, instaurada esta e constatando-se a inexistência de bens da executada originária, nada obstava ao decretamento da reversão contra o ora reclamante e a prossecução da execução contra ele, o que efectivamente sucedeu.
Uma vez que a sentença que decretou a falência do reclamante era também anterior ao vencimento dos créditos em causa nos autos, inexistia também qualquer obstáculo legal à penhora do seu vencimento.
6.4. O recorrido, nas conclusões L) e segs. das suas alegações, veio invocar que:
L). … nem sequer pode ser imputada a responsabilidade -subsidiária - pelas dívidas tributárias "(…) cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo (...)", tal como foram revertidas as alegadas dívidas em crise, … uma vez que o prazo legal de pagamento terminou em data que o ora Recorrido não exercia - nem podia exercer - a gerência de facto ou de direito.
M). Isto porque, desde a data da declaração da falência que deixaram, o ora Recorrido e demais gerentes, de ter poderes de gerência da sociedade falida, pertencendo estes ao liquidatário nomeado judicialmente aquando da declaração de falência - cfr. art.° 147.° do CPEREF.
Ora, estes factos constituem fundamento de oposição à execução fiscal, não podendo, por isso, ser apreciados nos presentes autos de reclamação de decisão do órgão da execução fiscal.
Por outro lado, constata-se que esta matéria não foi invocada na petição de reclamação, não tendo sido objecto de apreciação na sentença recorrida. Sendo assim, porque os recursos se destinam a apreciar as decisões recorridas e não a conhecer de novas questões, este Supremo Tribunal não pode conhecer de tal matéria.
7. Nestes termos e pelo exposto, concede-se provimento ao recurso, revoga-se a decisão recorrida e julga-se improcedente a reclamação, com a consequente manutenção da ordem jurídica da penhora para cobranças das dívidas acima referidas.
Custas pelo reclamante em 1ª instância e neste Supremo Tribunal, uma vez que produziu contra-alegações.
Lisboa, 2 de Março de 2011. - Valente Torrão (relator) – Dulce Neto - Casimiro Gonçalves.