Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0692/10
Data do Acordão:11/02/2010
Tribunal:2 SUBSECÇÃO DO CA
Relator:JORGE DE SOUSA
Descritores:INTIMAÇÃO PARA PRESTAÇÃO DE INFORMAÇÕES
DIREITO A INFORMAÇÃO PROCEDIMENTAL
Sumário:I – O processo de intimação para prestação de informações, regulado pelos arts 104.º e seguintes do CPTA, visa tutelar judicialmente o direito ao acesso à informação procedimental, conferido pelo art. 61.º do CPA.
II – Não é aplicável tal regime relativamente a informação respeitante a queixas susceptíveis de originarem processos contra-ordenacionais ou judiciais.
Nº Convencional:JSTA00066663
Nº do Documento:SA1201011020692
Data de Entrada:09/13/2010
Recorrente:A...
Recorrido 1:PMIN
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:INTIMAÇÃO.
Objecto:PCM.
Decisão:INDEFERIMENTO.
Área Temática 1:DIR ADM CONT - MEIO PROC ACESSÓRIO/INTIMAÇÃO/INTIMAÇÃO INF CERT.
Legislação Nacional:CPTA02 ART13 ART104 ART105 ART106.
CONST76 ART212 N3 ART211 N1 ART20 N1 ART104 ART105 ART106 ART107.
CPA91 ART61.
LOFTJ99 ART18.
L 134/99 DE 1999/08/28 ART9 ART10 ART11 ART12.
DL 111/2000 DE 2000/07/04.
L 18/2004 DE 2004/05/11 ART12 ART13.
DL 433/82 DE 1982/10/27 ART41.
CPP87 ART86 ART87 ART88 ART89 ART90.
Jurisprudência Nacional:AC CONFLITOS PROC6/02 DE 2003/02/05.; AC CONFLITOS PROC267 DE 1996/09/26.
Referência a Doutrina:MANUEL DE ANDRADE NOÇÕES ELEMENTARES DE PROCESSO CIVIL 1979 PAG91.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
1 – A… intentou contra o Senhor Primeiro-Ministro o presente processo de intimação para prestação de informações.
O Senhor Primeiro-Ministro respondeu, defendendo, em suma, que não se inserem na competência dos tribunais administrativos e fiscais «os pedidos relativos ao Tribunal Judicial de Monção» e que deve ser negado provimento ao requerido, porque a prestação de informações não se refere ao exercício das suas competências.
Notificado para se pronunciar sobre a questão da incompetência referida, o Requerente apresentou a peça processual que consta de fls. 48-52, em que tece considerações sobre várias questões e em que termina pronunciando-se no sentido da improcedência da excepção de incompetência.
2 – Mostram os autos o seguinte, com interesse para a decisão:
a) Em 11-6-2010, o Requerente A… enviou ao Gabinete do Senhor Primeiro-Ministro, uma carta registada com aviso de recepção, que foi recebida em 14-6-2010 (documento de fls. 9);
b) A carta referida tem o teor que consta do documento de fls. 6 a 8, cujo teor se dá como reproduzido;
c) Não foi dada qualquer resposta à carta referida até 12-7-2010;
d) Em 12-7-2010, o Requerente apresentou no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa o presente processo de intimação.
3 – De harmonia com o preceituado no art. 13.º do CPTA «o âmbito da jurisdição administrativa e a competência dos tribunais administrativos, em qualquer das suas espécies, é de ordem pública e o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria».
Assim, é de apreciar prioritariamente a questão da inclusão da apreciação da questão que é objecto do presente processo no âmbito da jurisdição administrativa e fiscal, suscitada pelo Senhor Primeiro-Ministro.
A jurisdição dos tribunais administrativos e fiscais é genericamente definida pelo n.º 3 do art. 212.º da C.R.P., em que se estabelece que «compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais».
A jurisdição dos tribunais judiciais é constitucionalmente definida por exclusão,
sendo-lhe atribuída em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais (art. 211.º, n.º 1, da CRP). (Disposição esta que é reproduzida, na sua essência, no art. 18.º da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (Lei 3/99, de 13 de Janeiro).)
No entanto, a competência dos tribunais é aferida em função dos termos em que a acção é proposta, «seja quanto aos seus elementos objectivos (natureza da providência solicitada ou do direito para o qual se pretende a tutela judiciária, facto ou acto donde teria resultado esse direito, bens pleiteados, etc.), seja quanto aos seus elementos subjectivos (identidade das partes). A competência do tribunal – ensina REDENTI – “afere-se pelo quid disputatum (quid decidendum, em antítese com aquilo que será mais tarde o quid decisum)”, é o que tradicionalmente se costuma exprimir dizendo que a competência se determina pelo pedido do Autor. E o que está certo para os elementos objectivos da acção está certo ainda para a pessoa dos litigantes.» (MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, página 91.)
«A competência do tribunal não depende, pois, da legitimidade das partes nem da procedência da acção. É ponto a resolver de acordo com a identidade das partes e com os termos da pretensão do Autor (compreendidos aí os respectivos fundamentos), não importando averiguar quais deviam ser as partes e os termos dessa pretensão.»(Obra e local citados.)
Esta posição está em sintonia com a essência do direito dos cidadãos acederem aos tribunais para verem apreciados os seus direitos (art. 20.º, n.º 1, da CRP), que reclama que os particulares possam ver apreciados por um órgão jurisdicional os direitos que entendam arrogar-se.
Aquele entendimento doutrinal tem vindo a ser aceite, no essencial, pela jurisprudência. Inclusivamente pelo Tribunal dos Conflitos (Entre outros podem ver-se os acórdãos do Tribunal dos Conflitos de 31-1-91, proferido no processo n.º 217; de 7-5-91, proferido no processo n.º 231; de 6-5-91, proferido no processo n.º 230; de 26-9-96, proferido no processo n.º 267; de 5-2-2003, processo n.º 6/02.).
No caso em apreço, o Requerente da intimação pretende exercer do direito à informação procedimental, invocando o preceituado no art. 104.º do CPTA.
Relativamente ao ponto que o Senhor Primeiro-Ministro defende não se inserir na jurisdição administrativa e fiscal, o Requerente afirma pretender ser informado se foi aceite e processada uma queixa por discriminação racial contra o Tribunal de Monção e um pedido de retirar partes discriminatórias de processos judiciais, bem como ser informado do número do processo que tiver sido instaurado e quando será notificado para testemunhar [alíneas c) e d) do ponto 1 do requerimento inicial].
Como se vê pelos pontos referidos não está em causa no presente processo apreciar um pedido de que sejam retiradas partes de processos judiciais, mas sim decidir se o Requerente tem ou não do direito que se arroga de ser informado pelo Senhor Primeiro-Ministro do seguimento que deu à queixa que o Requerente apresentou.
Por outro lado está ínsita na invocação do art. 104.º do CPTA, que tem por objecto a apreciação de «pedidos formulados no exercício do direito à informação procedimental», que é este o direito em que o Requerente baseia a sua pretensão.
Isto é, assim, à face do requerimento inicial, está em causa saber se o Requerente tem ou não o direito de ser informado ao abrigo das normas que asseguram o direito à informação procedimental, designadamente o art. 61.º do CPA, que proclama esse direito.
A questão de saber se o Requerente tem ou não esse direito, tem a ver com o mérito da sua pretensão e não com a competência para a apreciar.
A apreciação desta questão insere-se manifestamente no âmbito da jurisdição administrativa, uma vez que está em causa a tutela de um direito de um particulares directamente fundado em normas de direito administrativo [art. 61.º do CPA e art. 4.º, n.º 1, alínea a), do ETAF].
Improcede, assim, a questão prévia suscitada pelo Senhor Primeiro-Ministro.
4 – O art. 104.º do CPTA estabelece que «quando não seja dada integral satisfação aos pedidos formulados no exercício do direito à informação procedimental ou do direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, o interessado pode requerer a intimação da entidade administrativa competente, nos termos e com os efeitos previstos na presente secção».
No caso em apreço, o Requerente afirma no requerimento inicial que solicitou ao Senhor Primeiro-Ministro o seguinte:
a)
Ser informado se a queixa apresentada pelo requerente contra a Alta Comissária … e … está a ser instruída;
b)
Ser informado do número do processo, respeitante a queixa referida no n.º 1 supra citado, e da sua notificação para testemunhar.
c)
Ser informado se foi aceite e processado a sua queixa por discriminação racial contra o Tribunal de Monção bem como o pedido de retirar as partes discriminatórias do âmbito dos processos 165/07.0TBMNC e 165/07.0TBMNC-A.
d)
Ser informado do número do processo, respeitante a queixa referida no n.º 3 supra citado e quando será notificado para testemunhar.
O único meio de prova que o Requerente apresentou para prova do que afirma é a carta de fls. 6 a 8, de que não consta o que o Requerente refere no requerimento inicial do presente processo, nos termos que indica.
Na verdade, o pedido de informação que o Requerente apresentou ao Senhor Primeiro-Ministro foi, quanto às questões colocadas, o seguinte:
Questão 1. Concorda que discriminação racial indirecta tal como abrangida pela Directiva 2000/43/EC é ilegal? Por favor responda “sim” ou “não” e depois, se assim desejar, acrescente qualquer informação substantiva de seguida.
Questão 2. Aceita que o princípio do “ónus da culpa partilhado” é essencial para poder investigar queixas por discriminação racial indirecta de forma apropriada, justa e integral? Por favor responda “sim” ou “não” e depois, se assim desejar, acrescente qualquer informação substantiva de seguida.
Questão 3. Aceitou a minha queixa por discriminação racial contra … e …? Por favor responda “sim” ou “não” e depois, se assim desejar, acrescente qualquer informação substantiva de seguida.
Questão 4. Se a resposta à questão 3 é “sim”, por favor informe-me do número do processo e ainda se e quando serei entrevistado como testemunha aqui em Monção.
Questão 5. Pode por favor aceitar e processar a minha queixa por discriminação racial contra o Tribunal de Monção e ainda a minha moção para retirar as partes discriminatórias do processo 165107.OTBMNC / 165/07.OTBMNC-A? Por favor responda “sim” ou “não” e depois, se assim desejar, acrescente qualquer informação substantiva de seguida.
Questão 6. Se a resposta à questão 5 é “sim”, por favor informe-me do número do processo e ainda se e quando serei entrevistado como testemunha aqui em Monção.
É pois em face destas «questões» e não do que se refere no requerimento inicial deste processo que há que apreciar se há dever de informação procedimental.
4 – O art. 61.º do CPA estabelece que «os particulares têm o direito de ser informados pela Administração, sempre que o requeiram, sobre o andamento dos procedimentos em que sejam directamente interessados, bem como o direito de conhecer as resoluções definitivas que sobre eles forem tomadas» e que «as informações a prestar abrangem a indicação do serviço onde o procedimento se encontra, os actos e diligências praticados, as deficiências a suprir pelos interessados, as decisões adoptadas e quaisquer outros elementos solicitados».
No caso em apreço, depreende-se do documento que o Requerente junta que terá apresentado uma «queixa por discriminação racial contra o Tribunal de Monção» e um pedido para serem retiradas partes discriminatórias de processos judiciais, que indica, mas não junta qualquer documento comprovativo dessa apresentação: o documento junto é um pedido de informação, apresentado na sequência da referida queixa e não o texto desta, pelo que se desconhece o seu teor.
De qualquer forma, pelo que consta dos autos, não se detecta que haja ou devesse existir qualquer procedimento administrativo relativo à queixa referida.
Na verdade, não se vislumbra que procedimento administrativo poderia ter sido instaurado em relação a uma queixa e a um pedido dos tipos referidos, pois, por um lado, a referida queixa poderá dar origem a um processo de contra-ordenação, de harmonia com o preceituado nos arts. 9.º a 12.º da Lei n.º 134/99, de 28 de Agosto, no DL n.º 111/2000, de 4 de Julho, e nos arts. 12.º e 13.º da Lei n.º 18/2004, de 11 de Maio. Ora, relativamente aos processos contra-ordenacionais, o direito à informação é regulado pelos arts. 86.º a 90.º do Código de Processo Penal, aplicáveis por força do art. 41.º do DL n.º 433/82, de 27 de Outubro, devendo ser apreciado nesses mesmos processos pelas autoridades que os dirigem, com possibilidade de impugnação das decisões junto dos tribunais judiciais.
Por outro lado, a alteração do conteúdo de processos judiciais, qualquer que seja, inclusivamente a retirada de «partes discriminatórias» que o Requerente refere também não pode ser levada a cabo através de decisões administrativas, mas apenas com base em decisões judiciais, pelo que não se vê também que procedimento administrativo poderia ser instaurado para satisfazer a sua pretensão.
O acesso à informação procedimental, regulado pelo CPA e tutelado judicialmente pelos arts 104.º a 107.º do CPTA, visa assegurar ao acesso à informação de procedimentos administrativos e não de processos contra-ordenacionais ou processos judiciais, pelo que é de concluir que a requerida prestação de informações não pode ordenada ao abrigo destas normas.
Assim, não se demonstrando que se esteja perante uma situação em que esteja em causa o acesso à informação procedimental, que o processo previsto nos arts. 104.º a 106.º do CPTA visa assegurar, não pode ser deferida a pretensão do Requerente.
Nestes termos, acordam em indeferir o pedido.
Custas pelo Requerente.
Lisboa, 2 de Novembro de 2010. – Jorge Manuel Lopes de Sousa (relator) – António Bento São Pedro – Rosendo Dias José.