Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0734/09
Data do Acordão:05/19/2010
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:RECURSO POR OPOSIÇÃO DE ACÓRDÃOS
MATÉRIA COLECTÁVEL
AVALIAÇÃO INDIRECTA
MANIFESTAÇÕES DE FORTUNA
IRS
Sumário:I - A admissibilidade dos recursos por oposição de acórdãos, tendo em conta o regime previsto nos artigos 27.º, alínea b) do ETAF e 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, depende de existir contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão invocado como fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito, sendo que a oposição de soluções jurídicas pressupõe identidade substancial das situações fácticas, entendida esta não como uma total identidade dos factos mas apenas como a sua subsunção às mesmas normas legais.
II - Evidenciada a aquisição, pela recorrente, de um imóvel com valor de aquisição superior a 250.000,00 €, quando ela declarara rendimentos líquidos inferiores em 50% relativamente ao rendimento padrão (que foi fixado pelo legislador em 20% do valor da aquisição - cfr. tabela constante do n.º 4 do art.º 89.º-A da LGT), consideram-se verificados os pressupostos legais para a avaliação indirecta do seu rendimento tributável.
III - Para prova da ilegitimidade deste acto de avaliação indirecta só deve dar-se relevância à justificação total do montante que permitiu a “manifestação de fortuna”, pelo que a justificação meramente parcial não afasta a aplicabilidade da determinação indirecta dos rendimentos que permitiram tal manifestação de fortuna.
IV - Já assim não é, contudo, no que respeita à fixação do rendimento sujeito a tributação como “incremento patrimonial” em sede de IRS, onde a justificação parcial há-de relevar para a fixação presuntiva do montante do “acréscimo patrimonial não justificado” sujeito a imposto, atenta a natureza das normas em causa – concernentes à incidência objectiva do imposto -, a proibição constitucional de presunções legais absolutas de rendimentos derivada do princípio da capacidade contributiva, o disposto no artigo 73.º da Lei Geral Tributária - que determina que «as presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário» -, e bem assim a busca de um cânone interpretativo conforme aos princípios da igualdade, da capacidade contributiva, da tributação dos rendimentos reais, e do Estado de Direito Democrático, que a solução adoptada no acórdão recorrido não permite alcançar.
V - Assim, embora a justificação parcial não afaste a aplicação do método de avaliação indirecta previsto no artigo 89.º-A da LGT, não pode deixar de ser considerada na quantificação do rendimento tributável que vai ser determinado por esse método, entendendo-se que a quantificação do rendimento tributável da recorrente deve ser igual a 20% do valor de aquisição, deduzindo-se a este valor de aquisição o montante do empréstimo bancário que a recorrente demonstrou ter efectuado para a aquisição do imóvel, já que este montante não está, nem pode estar, sujeito a IRS, não podendo, consequentemente, ser presumido ou considerado como rendimento sujeito a tributação.
VI - Não tendo a administração tributária efectuado a dedução relativa ao empréstimo bancário na avaliação do rendimento tributável da recorrente a que procedeu, há manifesto excesso na quantificação, o que fere de ilegalidade o acto fixou à ora recorrente o rendimento tributável de €75.000,00 com recurso a avaliação indirecta.
Nº Convencional:JSTA00066432
Nº do Documento:SAP201005190734
Data de Entrada:09/02/2009
Recorrente:A...
Recorrido 1:DIRFIN DE LISBOA
Votação:MAIORIA COM 4 VOT VENC
Meio Processual:REC OPOS JULGADOS.
Objecto:AC TCA SUL DE 2009/04/21 - AC TCA SUL PROC2259/08 DE 2008/03/04.
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR PROC FISC GRAC - MATÉRIA COLECTÁVEL.
Legislação Nacional:LGT98 ART73 ART85 N1 ART87 N1 D ART89-A N3 N4.
CCIV66 ART350.
CIC63 ART14 PAR2.
CONST97 ART2 ART13.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC19532 DE 1996/06/19.; AC STA PROC276/05 DE 2005/05/18.; AC STJ PROC87156 DE 1995/04/26.; AC STA PROC761/08 DE 2009/01/28.; AC STA PROC403/09 DE 2009/05/27.; AC TC 348/97 DE 1997/04/29.
Referência a Doutrina:JORGE DE SOUSA CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO VII 5ED PAG814.
XAVIER DE BASTO IRS INCIDÊNCIA REAL E DETERMINAÇÃO DOS RENDIMENTOS LÍQUIDOS PAG368 PAG369 NOTA415.
CASALTA NABAIS O DEVER FUNDAMENTAL DE PAGAR IMPOSTOS PAG497 PAG498.
CASALTA NABAIS PRESUNÇÕES INILIDÍVEIS E PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA ACÓRDÃO N348/97 PROCESSO 63/96 IN FISCO N84/85 PAG89 - PAG95.
PEDRO MACHETE ESTADO DE DIREITO DEMOCRÁTICO E ADMINISTRAÇÃO PARITÁRIA.
JOÃO SÉRGIO RIBEIRO A TRIBUTAÇÃO PRESUNTIVA DO RENDIMENTO UM CONTRIBUTO PARA REEQUACIONAR OS MÉTODOS INDIRECTOS DE DETERMINAÇÃO DA MATÉRIA TRIBUTÁVEL PAG301 - PAG305.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório -
1 – A..., com os sinais dos autos, não se conformando com o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 21 de Abril de 2009 (fls. 210 a 220), que negou provimento ao recurso por si interposto da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgou improcedente o recurso interposto do despacho de 13/11/2008 do Director de Finanças de Lisboa que decidiu fixar-lhe o rendimento tributável em sede de IRS no ano de 2004 com recurso a avaliação indirecta, ao abrigo do disposto nos artigos 87.º, alínea d) e 89.º da LGT, dele vem, nos termos dos números 2 e 3 do artigo 280.º e artigo 284.º do CPPT, interpor recurso para este Supremo Tribunal, por oposição com o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 4 de Março de 2008, proferido no recurso n.º 2259/08, formulando as seguintes conclusões:
A. O douto acórdão recorrido não fez a interpretação conforme o espírito do legislador no que se refere à desconsideração do montante do crédito bancário, para calcular o valor base para efeitos de determinação do rendimento padrão, estribando a posição no acórdão deste douto TCA Sul, datado de 20.03.2007 – proc.° n.° 1678/07.
B. A recorrente defende posição contrária, estribada em jurisprudência mais recente, deste mesmo douto tribunal, fazendo referência ao acórdão de 04.03.2008, proc.° n.º 02259/08, jurisprudência segundo a qual, na aquisição de imóvel pelo preço de 375.000 euros, com recurso ao crédito de 250.000 euros, em que o montante de 125.000 euros restante, cai fora do âmbito de incidência do artigo 89.°-A da LGT.
C. O douto acórdão recorrido não faz a interpretação das diversas normas do artigo 89.º-A da Lei Geral Tributária em obediência ao definido nos números 1, 2 e 3 do artigo 9.º do Código Civil.
D. Da motivação do douto acórdão recorrido não se alcança porque é que "... na letra da lei não se prevê que se subtraia ao valor da aquisição o valor justificado por outras fontes para calcular o rendimento padrão", quando a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, de acordo com o n.º 1 do artigo 9.º do CC.
E. O pensamento legislativo, não será decerto, o de considerar a totalidade do valor da aquisição, para determinar o rendimento padrão, como se defende no douto acórdão recorrido, por resultar totalmente distorcida a aplicação da norma, como aconteceria no caso da aquisição de imóvel por 375.000 euros com recurso ao crédito de 374.999 euros, sendo a parte excedente 1 euro, em que a disponibilidade necessária do adquirente seria apenas de 1 euro, e o encargo com o pagamento do crédito é igual ao da situação em que o mútuo é de 375.000 euros.
F. As implicações fiscais são de uma diferença chocante; no primeiro caso o rendimento padrão é de 75.000 euros e no segundo é zero.
G. A norma ínsita no n.° 4 do artigo 89.°-A da LGT não pode ter outra interpretação distinta da que foi dada no acórdão do TCA Sul, in proc.° n.º 02259/08, de 04.03.2008 do Exmo. relator José Correia, uma vez que ao remeter para as situações previstas no n.° 1, pretende acautelar que situações, substancialmente diferentes, tenham um tratamento tributário diferente, como se demonstra pelos exemplos referidos nas alegações, onde se inclui o referido nestas conclusões, sob pena de existirem graves incongruências na aplicação da norma.
H. Ao fazer a interpretação da norma ínsita no artigo 89.°-A, (em especial os n.°s 3 e 4 da LGT), no sentido em que o fez, o douto acórdão recorrido violou normas constitucionais, designadamente, os artigos 13.º/1 e 104.º/3 da CRP.
I. Noutro aspecto em que o douto acórdão recorrido não fez a correcta aplicação do direito, é o que se refere à apreciação da prova documental apresentada com a p.i., facto esse, determinante para a decisão de improcedência do recurso, ao considerar que não ficou provada a origem do montante de 125.000 euros.
J. Os vendedores são o pai e a mãe da recorrente, que não receberam até à presente data a diferença entre o preço e o mútuo, e essa situação, corresponde sem margem para dúvidas, a um empréstimo concedido, para “pagar” o preço restante do imóvel, no acto da celebração da escritura em que declararam ter recebido, não existindo duas versões contraditórias, como referido na douta decisão recorrida.
K. Existindo dúvidas no espírito do julgador, bastaria deitar mão do disposto no artigo 13.º do CPPT, violado na douta sentença, para que fossem explicitadas as alegadas contradições, com vista ao conhecimento seguro da verdade material.
L. Seriam pertinentes e adequadas as diligências a levar a efeito pelo M.° Juiz, a coberto do artigo 13.º do CPPT se, se entendia existirem versões contraditórias, pese o facto de se tratar de um processo urgente, e do disposto no art.º 146.°-B do CPPT, não dispensa o juiz do poder/dever de ordenar as diligências que considere indispensáveis ao apuramento da verdade material, nos termos do artigo 13.°, n.° 1 do CPPT, conforme tem sido jurisprudência comummente aceite.
M. A douta sentença valora como facto relevante para a decisão, a indicação constante da escritura sobre o recebimento do preço, pese embora tratar-se de uma declaração formal, que vincula somente as partes intervenientes, o que implica que essa situação corresponda a um empréstimo dos vendedores, não havendo necessidade de alterar essa declaração formal, quase sempre pré elaborada pelo notário, como foi o caso, atendendo ao grau de parentesco entre compradores e vendedores, e quando já estava acordado que o restante preço seria pago a posteriori.
N. Conforme é jurisprudência comummente aceite, a prova exigida ao contribuinte é apenas quanto à fonte das manifestações de fortuna evidenciadas, de forma a determinar se as mesmas foram omitidas à declaração para efeitos de IRS.
O. A declaração assinada por todos os intervenientes na escritura e detentores do capital e da gerência da sociedade B..., Lda., demonstra a veracidade dos factos invocados pela recorrente, contudo não foi considerada na douta decisão recorrida, ainda que não tenha sido posta em causa a veracidade dessa mesma prova documental nem arguida a sua falsidade.
2 - Contra-alegando, vem o Director de Finanças de Lisboa dizer que:
a) O objecto do presente recurso é o acórdão de 21/04/2009 no qual o Tribunal Central Administrativo do Sul considerou improcedente o recurso apresentado pela requerente e, em consequência, manteve a decisão que procedeu à correcção do rendimento colectável, por aquela declarado, em sede de IRS no ano de 2004, com recurso ao método indirecto consagrado no artigo 89.º-A da LGT;
b) Decorre dos autos que no ano de 2004 a recorrente efectuou a aquisição de um imóvel pelo valor de € 375.000,00 tendo, nesse mesmo ano, o seu agregado familiar declarado como rendimentos em sede de IRS o montante de € 15.860,60;
c) Verificados os pressupostos legais para a avaliação indirecta da matéria colectável e tendo-se, por via legal, invertido o ónus da prova, não logrou a recorrente justificar a proveniência de parte significativa do valor que desembolsou na aquisição;
d) Resultando da norma a aplicar que o valor do rendimento padrão corresponde, no caso de aquisição de imóveis, a vinte por cento do valor de aquisição e que em nenhuma situação, a lei manda subtrair ao valor de aquisição os montantes parcialmente justificados, constata-se que o acórdão recorrido expressa uma correcta interpretação da norma contida no n.º 4 do artigo 89.º-A da LGT.
3 - O Exmo. Magistrado do MP junto deste STA emite parecer no sentido de que o recurso deve considerar-se findo, nos termos do n.º 5 do artigo 284.º do CPPT, por inexistência de identidade de situação factual.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
- Fundamentação -
4 – Questões a decidir
Importa averiguar previamente se, no caso dos autos, estão reunidos os requisitos de admissibilidade do recurso por oposição de acórdãos, cuja não verificação impede o conhecimento do presente recurso.
Concluindo-se no sentido da verificação daqueles requisitos, haverá então que conhecer do seu mérito, sendo a questão que constitui o objecto do presente recurso a da interpretação do disposto no artigo 89.º-A da LGT nas situações em que o contribuinte apenas demonstra a origem de parte dos rendimentos que lhe permitiram o acréscimo patrimonial em que se consubstanciou a manifestação de fortuna.
5 – Matéria de facto
Mostra-se assente a seguinte factualidade:
A. A... (doravante identificada como recorrente) declarou rendimentos no ano de 2004, em sede de IRS e em conjunto com o seu marido C..., no montante de € 15.860,60 (quinze mil, oitocentos e sessenta euros e sessenta cêntimos) – processo administrativo apenso.
B. Através de escritura celebrada em 14 de Julho de 2004, a recorrente adquiriu a seus pais, D... e E..., com a concordância do seu irmão F... e mulher G..., o prédio urbano inscrito na matriz predial da freguesia de Carcavelos, concelho de Cascais, sob o artigo 2087.º, pelo valor de € 375.000,00 (trezentos e setenta e cinco mil euros) - doc. de fls. 13/16.
C. Da escritura referenciada na alínea que antecede consta que os alienantes já receberam o preço acordado - doc. de fls. 13/16.
D. Para esta aquisição, a recorrente utilizou crédito concedido pelo H..., actual Banco I..., no montante de € 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil euros), através de contrato de mútuo celebrado em 14 de Julho de 2004 - doc. de fls. 17/27.
E. Atentos os valores de aquisição do imóvel e do rendimento declarado no ano de 2004, a Direcção de Finanças de Lisboa (DFL) desencadeou acção de inspecção para consulta e recolha de elementos tendentes à averiguação da situação patrimonial da recorrente - doc. de fls. 65/119 e PAT apenso.
F. Notificada para exercício do direito de audição, a recorrente declarou que o imóvel em causa foi adquirido e pago com recurso a empréstimo bancário, no montante de € 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil euros), conforme contrato de mútuo com hipoteca e fiança que juntou, tendo a parte restante (€ 125.000,00) origem em poupanças feitas desde 1990, guardadas em casa, resultantes das explicações que dava e do exercício de funções no LNEC, bem como empréstimos obtidos junto de familiares - doc. de fls. 89/91 e PAT apenso.
G. Por decisão de 13 de Novembro de 2008, o Director de Finanças de Lisboa decidiu a fixação à ora recorrente do rendimento tributável de € 75.000,00 (setenta e cinco mil euros), a enquadrar na categoria G (incrementos patrimoniais) de IRS, do ano de 2004 - doc. de fls. 65/119 e PAT apenso.
H. A recorrente é sócia-gerente, com uma quota no valor nominal de €8.750,00 (oito mil, setecentos e cinquenta euros), da sociedade "B..., Lda.", que tem um capital de €22.500,00 (vinte e dois mil e quinhentos euros) - doc. de fls. 28/31.
I. D..., E..., F..., a recorrente e seu marido C... assinaram declaração, datada de 26/11/2008, da qual consta que os pais da recorrente não receberam desta a quantia de €125.000, que falta pagar do preço de venda do imóvel urbano inscrito sob o artigo 2087.° da freguesia de Carcavelos, correspondendo a mesma a um empréstimo familiar, cujo pagamento será efectuado através da alienação da quota da recorrente na sociedade "B..., Lda.", e/ou dos suprimentos e prestações suplementares de capital que detém na mesma sociedade - doc. de fls. 51.
6 – Apreciando.
6.1 Dos requisitos de admissibilidade do recurso por oposição de acórdãos
Vem a recorrente interpor o presente recurso do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 21 de Abril de 2009 (fls. 210 a 220 dos autos) que negou provimento ao recurso por si interposto da sentença do Mmo. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgou improcedente o recurso por si interposto do despacho do Director de Finanças de 13/11/2008 que decidiu fixar-lhe o rendimento tributável em sede de IRS referente ao ano de 2004, mediante avaliação indirecta, ao abrigo do disposto nos artigos 87.º e 89.º da LGT, com fundamento em oposição com o acórdão do mesmo Tribunal de 4 de Março de 2008, proferido no recurso n.º 2259/08.
Não obstante o Relator do acórdão recorrido ter proferido despacho em que reconhece a alegada oposição de acórdãos, importa reapreciar se a mesma se verifica, já que tal decisão, como vem sendo jurisprudência pacífica e reiterada deste Supremo Tribunal (vide, entre outros, o Acórdão de 7 de Maio de 2003, rec. n.º 1149/02), não só não faz caso julgado, como não impede ou desobriga o Tribunal de recurso de a apreciar (cfr. art. 685.º-C, n.º 5 do Código de Processo Civil - CPC) – cfr. também neste sentido JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário: Anotado e Comentado, volume II, 5.ª ed., Lisboa, Áreas Editora, 2007, p. 814 (nota 15 ao art. 284.º do CPPT).
O presente processo iniciou-se no ano de 2008, pelo que lhe é aplicável o regime legal resultante do ETAF de 2002, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, e 4.º, n.º 2, da Lei n.º 13/2002 de 19 de Fevereiro, na redacção que lhe foi conferida pela Lei n.º 107-D/2003 de 31 de Dezembro.
Assim, a admissibilidade dos recursos por oposição de acórdãos, tendo em conta o regime previsto nos artigos 27.º, alínea b) do ETAF e 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), depende de existir contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão invocado como fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito.
Como já entendeu o Pleno da Secção do Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal Administrativo (Acórdão de 29 de Março de 2006, rec. n.º 1065/05), relativamente à caracterização da questão fundamental sobre a qual deve existir contradição de julgados, devem adoptar-se os critérios já firmados no domínio do ETAF de 1984 e da LPTA, para detectar a existência de uma contradição:
- identidade da questão de direito sobre que recaíram os acórdãos em confronto, que supõe estar-se perante uma situação de facto substancialmente idêntica;
- que não tenha havido alteração substancial na regulamentação jurídica;
- que se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta;
- a oposição deverá decorrer de decisões expressas, não bastando a pronúncia implícita ou a mera consideração colateral, tecida no âmbito da apreciação de questão distinta (Acórdãos do Pleno desta Secção do STA de 26 de Setembro de 2007, 14 de Julho de 2008 e de 6 de Maio de 2009, recursos números 452/07, 616/07 e 617/08, respectivamente).
A alteração substancial da regulamentação jurídica relevante para afastar a existência de oposição de julgados verifica-se «sempre que as eventuais modificações legislativas possam servir de base a diferentes argumentos que possam ser valorados para determinação da solução jurídica» (v. Acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA de 19 de Junho de 1996 e de 18 de Maio de 2005, proferidos nos recursos números 19532 e 276/05, respectivamente).
Por outro lado, a oposição de soluções jurídicas pressupõe identidade substancial das situações fácticas, entendida esta não como uma total identidade dos factos mas apenas como a sua subsunção às mesmas normas legais (cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, op. cit., p. 809 e o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26 de Abril de 1995, proferido no recurso n.º 87156).
Vejamos, então, se tais pressupostos se verificam.
Desde logo, importa referir que o acórdão tido por fundamento já transitou em julgado (vide fls. 294).
A questão que constitui o objecto do presente recurso é a interpretação do disposto no artigo 89.º-A da LGT nas situações em que o contribuinte apenas demonstra a origem de parte dos rendimentos que lhe permitiram o acréscimo patrimonial em que se consubstanciou a manifestação de fortuna.
Assim, a questão que se pretende submeter à apreciação deste Tribunal reside em saber se, na determinação da matéria tributável ao abrigo do disposto no supra citado preceito legal se deve considerar o rendimento padrão decorrente da tabela, ou se o mesmo deverá ser calculado apenas sobre o montante que o contribuinte não logrou demonstrar ou justificar.
Já quanto à invocada errada aplicação do direito alegadamente feita no acórdão recorrido no que se refere à apreciação da prova documental apresentada pela recorrente [conclusões I) e seguintes das alegações] da mesma se não conhecerá por se mostrar fora do âmbito do presente recurso que visa resolver a oposição de julgados e não reapreciar a decisão recorrida em 3.º grau de jurisdição.
Defende o Excelentíssimo Procurador Geral Adjunto junto deste Tribunal que as situações de facto verificadas nos acórdãos recorrido e fundamento lhe parecem ser distintas porquanto neste último a Administração tributária não terá dado oportunidade ao contribuinte para demonstrar a origem dos rendimentos com que pagou o remanescente do valor do imóvel depois de deduzido o valor do mútuo, o que não aconteceu no acórdão recorrido, em que a recorrente teve oportunidade de se pronunciar.
Todavia, não cremos que assim seja.
Com efeito, a identidade substancial das situações fácticas que se exige, como supra já deixámos escrito, deve ser entendida não como uma total identidade dos factos mas apenas como a sua subsunção às mesmas normas legais.
E, na verdade, é isso mesmo que sucede.
Tanto num acórdão como noutro, estamos perante situações em que os contribuintes adquiriram imóveis em 2004 por um valor superior a € 250.000,00, quando um deles apenas apresentou na declaração de IRS referente a esse mesmo ano rendimentos no montante de € 15.860,00 e o outro nem sequer chegou a apresentar tal declaração.
Ambos os contribuintes apenas fizeram prova de que utilizaram nessas aquisições crédito bancário no valor de € 250.000,00.
Perante estes factos, entendeu a Administração tributária que estavam verificados os pressupostos legais a que alude o artigo 89.º-A da LGT para avaliação indirecta da matéria colectável, tendo-lhe fixado rendimentos, a enquadrar na categoria G de IRS, no montante do rendimento padrão apurado nos termos do n.º 4 daquele normativo, ou seja, 20% do valor de aquisição dos imóveis em causa.
Nos dois processos, os contribuintes vieram defender ter ilidido a presunção prevista no n.º 3 do artigo 89.º-A da LGT, comprovando que correspondem à realidade os rendimentos declarados e ser outra a fonte das manifestações de fortuna evidenciadas, além de alegarem que para apuramento do rendimento padrão deveria ter sido considerado apenas o valor de aquisição dos imóveis deduzido do valor dos empréstimos utilizados, o que determinaria a que a situação descrita caísse fora do âmbito de incidência do n.º 4 do artigo 89.º-A da LGT.
Ora, enquanto no acórdão recorrido se entendeu mostrarem-se verificados os pressupostos legais para a avaliação indirecta da matéria colectável e se considerou como rendimento tributável em sede de IRS, a enquadrar na categoria G, o rendimento padrão apurado nos termos da tabela constante do n.º 4 do artigo 89.º-A da LGT, que, tratando-se de imóveis, é de 20% do valor de aquisição, já no acórdão fundamento se decidiu ter o contribuinte ilidido a presunção de evasão fiscal relativamente aos rendimentos do ano em causa, com a justificação do recurso ao crédito. Mas, mesmo que assim se não entendesse, sempre se deveria considerar que o rendimento padrão teria de ser calculado apenas sobre o montante não justificado, ou seja, ao valor de aquisição sem recurso ao crédito.
E, assim sendo, há, efectivamente, oposição de julgados justificativa da admissibilidade do presente recurso, pelo que haverá que conhecer do seu mérito.
6.2 Da interpretação do artigo 89.º-A da Lei Geral Tributária (LGT)
Dispõe o art.º 89.º-A da LGT, na redacção anterior à Lei n.º 53-A/06 de 29/12 e à Lei n.º 19/08 de 21/4, que “há lugar a avaliação indirecta da matéria colectável quando falte a declaração de rendimentos e o contribuinte evidencie as manifestações de fortuna constantes da tabela prevista no n.º 4 ou quando declare rendimentos que mostrem uma desproporção superior a 50%, para menos, em relação ao rendimento padrão resultante da referida tabela”.
Por sua vez, estabelece o seu n.º 2 que, entre as manifestações de fortuna previstas na tabela supra referida estão as aquisições de imóveis, cujo valor de aquisição seja igual ou inferior a 50.000 contos (€ 249.398,95), adquiridos no ano em causa ou nos três anos anteriores adquiridos pelo sujeito passivo ou qualquer elemento do agregado familiar (al. a)) e os bens que aqueles fruam, adquiridos nesse ano ou nos três anos anteriores, por sociedade na qual detenham, directa ou indirectamente, participação maioritária, ou por entidade sediada em território de fiscalidade privilegiada ou cujo regime não permita identificar o titular respectivo (al. b)).
Por último, determina o seu n.º 3 que, “verificadas as situações previstas no n.º 1, cabe ao sujeito passivo a prova de que correspondem à realidade os rendimentos declarados e de que é outra a fonte das manifestações de fortuna evidenciadas, nomeadamente herança ou doação, rendimentos que não esteja obrigado a declarar, utilização do seu capital ou recurso ao crédito”.
No caso dos autos, a recorrente apenas provou a proveniência de parte do preço que pagou pelo imóvel, mostrando os rendimentos por si declarados uma desproporção superior a 50%, para menos, em relação ao rendimento resultante da tabela do n.º 4 do artigo 89.º-A da LGT (na redacção vigente no ano de 2004).
A alegação da recorrente de que, no caso em apreço, por via da justificação parcial efectuada no âmbito do presente recurso, já não existiria desproporção entre os rendimentos declarados e o rendimento padrão – 20% do valor de aquisição, subtraído do valor justificado – de modo a legitimar a aplicação do método indirecto de avaliação da matéria colectável, não tem suporte legal, como se decidiu já no acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA 28/1/09, no recurso n.º 761/08, e também no acórdão da mesma Secção de 27/5/09, no recurso n.º 403/09, onde expressamente se afirma que o valor justificado por outras fontes de rendimento ou património apenas releva para a tentativa de demonstração de que, apesar da verificação em abstracto dos pressupostos legais da avaliação indirecta, esta não deve ocorrer porque as manifestações de fortuna evidenciadas foram adquiridas com aquele valor.
Assim, uma vez evidenciada a aquisição, pela recorrente, de um imóvel com valor de aquisição superior a 250.000,00 €, quando ela declarara rendimentos líquidos inferiores em 50% relativamente ao rendimento padrão (que foi fixado pelo legislador em 20% do valor da aquisição - cfr. tabela constante do n.º 4 do art.º 89.º-A da LGT), têm de considerar-se verificados os pressupostos legais para a avaliação indirecta do seu rendimento tributável.
Com efeito, cabendo à Administração tributária o ónus de prova da verificação dos pressupostos legais vinculativos da sua actuação, cabe-lhe provar que o rendimento líquido declarado pelo sujeito passivo mostra uma desproporção superior a 50%, para menos, em relação ao rendimento padrão fixado na referida tabela.
O rendimento padrão serve assim, numa primeira fase, para verificar se ocorrem os pressupostos legais para o recurso a métodos indirectos de determinação do rendimento tributável. E uma vez provados esses pressupostos, passa a competir ao sujeito passivo o ónus de prova da ilegitimidade do acto por erro nos pressupostos, pela demonstração de que correspondem à realidade os rendimentos declarados e de que é outra a fonte da manifestação de fortuna evidenciada, nomeadamente herança ou doação, rendimentos que não esteja obrigado a declarar, utilização do seu capital ou recurso ao crédito (n.º 3 do artigo 89.º-A da LGT).
Neste contexto, para prova da ilegitimidade deste acto de avaliação indirecta só deve dar-se relevância à justificação total do montante que permitiu a “manifestação de fortuna”. A justificação meramente parcial não afasta a aplicabilidade da determinação indirecta dos rendimentos globais que permitiram tal manifestação de fortuna.
Ora, não tendo a Recorrente justificado a totalidade do montante que lhe permitiu efectuar a referida aquisição, têm de se dar por verificados os pressupostos legais para a aplicação do método indirecto de avaliação do seu rendimento tributável, e legitimado o acto.
Assim, não se demonstra, pois, a ilegalidade do recurso à avaliação indirecta, como bem se entendeu no acórdão recorrido.
Entende-se, contudo, que já assim não é no que respeita à fixação do rendimento sujeito a tributação como incremento patrimonial em sede de IRS, onde a justificação parcial há-de relevar para a fixação presuntiva do montante do “acréscimo patrimonial não justificado” sujeito a imposto.
Embora se tenha presente a decisão recorrida seguiu a anterior jurisprudência deste Supremo Tribunal, designadamente a que resulta do supra citado aresto do Pleno desta Secção, e bem assim que a solução perfilhada é a que resulta literalmente da letra do n.º 4 do artigo 89.º-A da LGT, que apenas prevê de forma expressa a possibilidade de afastamento do valor determinado tendo por referência o “rendimento padrão” quando a administração tributária fixar rendimento superior, de acordo com os critérios fixados no artigo 90.º, entende-se, contudo, ser outra a solução imposta pelo espírito do sistema, conformado pelos princípios constitucionais e legais pertinentes atendendo à natureza das normas em causa.
Assim, no que à natureza das normas em causa respeita, parece dever entender-se que as normas previstas no n.º 4 do artigo 89.º-A da Lei Geral Tributária são, nesta segunda fase (em que em causa está a determinação e quantificação do rendimento sujeito a IRS), normas de incidência objectiva de IRS, integrantes da norma contida na alínea d) do n.º 1 do artigo 9.º do respectivo Código (neste sentido, JOSÉ GUILHERME XAVIER DE BASTO, IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra, 2007, pp. 368/369, nota 415), ou, pelo menos, normas que densificam e concretizam aquelas e, como tais, sujeitas a idênticas regras e princípios.
Ora, se assim é, então ter-se-á de considerar ser-lhes aplicável a proibição de presunções legais absolutas de rendimentos derivada do princípio da capacidade contributiva (neste sentido, JOSÉ CASALTA NABAIS, O Dever Fundamental de Pagar Impostos, Coimbra, Almedina, 1998, em especial pp. 497/498), que, no plano da lei ordinária, o artigo 73.º da LGT, ao dispor que «as presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário», expressamente consagra.
Não pode, pois, deixar de ser reconhecido ao contribuinte o direito de provar o manifesto excesso dessa quantificação, pela demonstração de que o seu rendimento tributável não pode ser igual ao rendimento padrão que a lei fixa ou presume, na medida em que logrou demonstrar a proveniência de parte do montante que permitiu a manifestação de fortuna e esse montante não está sujeito a declaração e tributação como rendimento para efeitos de IRS. Impedir o contribuinte de fazer essa prova ou defender que não se pode dar qualquer relevância à demonstração da proveniência parcial do rendimento utilizado na manifestação da fortuna, argumentando que a quantificação tem, necessariamente, de ser aquela que resulta da aplicação de um critério estritamente legal e que parte de uma ficção ou presunção de um determinado rendimento sujeito a tributação (rendimento padrão), constituiria, desde logo, uma clara e directa violação do artigo 73.º da LGT, pois que sendo a situação em apreço uma daquelas que bule com a incidência objectiva de IRS, há que dar à parte desfavorecida com esta presunção a possibilidade de a ilidir, mediante prova em contrário (n.º 2 do artigo 350.º do Código Civil).
Acresce que a solução a que conduziria o não relevo da justificação parcial da manifestação de fortuna, levaria a tributar de forma igual situações diversas e para as quais a Constituição parece impor tratamento tributário diverso, em conformidade com os princípios da igualdade, da capacidade contributiva e da tributação dos rendimentos reais.
De facto, mal se compreenderia, à luz dos referidos princípios, que, perante contribuintes relativamente aos quais se verificassem os pressupostos legais do recurso à avaliação indirecta por “sinais exteriores de riqueza” e que tivessem adquirido imóveis de valor idêntico, o contribuinte que nada justificou fosse tributado em sede de categoria G de IRS por montante exactamente igual ao contribuinte que justificou que parte significativa da fonte do acréscimo patrimonial não justificado lhe adveio do recurso a um empréstimo bancário, acrescendo, ainda que o montante obtido por via do empréstimo bancário acabaria também por ser tributado, não obstante tratar-se comprovadamente de montante não sujeito a tributação em sede de IRS.
Ora, a interpretação adoptada no acórdão recorrido conduz, inevitavelmente, a um tratamento grosseiramente igualitário de situações diversas e bem assim autoriza e valida a tributação de rendimentos que, comprovadamente, não estão sujeitos a tributação em sede de IRS, razões pelas quais deve ser rejeitada sob pena de afronta aos princípios da igualdade, da capacidade contributiva e da tributação dos rendimentos reais (Cfr., o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 348/97, de 29 de Abril de 1997, que julgou inconstitucional, por violação do princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da Constituição, a norma do §2 do artigo 14.º do Código do Imposto de Capitais, na parte em que não permite a elisão de onerosidade dos mútuos efectuados pelas sociedades a favor dos respectivos sócios e respectiva anotação de CASALTA NABAIS, que convoca também o princípio da capacidade contributiva para defesa de que a predita norma também é inconstitucional em si mesma, na medida em que permite a tributação de situações sem qualquer suporte na capacidade contributiva - «Presunções Inilidíveis e Princípio da Capacidade Contributiva: Acórdão n.º 348/97, processo n.º 63/96», Fisco, n. 84/85, Setembro/Outubro 1998, ano IX, pp. 85/95).
Tenha-se finalmente em conta que a natureza subsidiária da avaliação indirecta (artigo 85.º, n.º 1 da LGT) - de que, ao menos na perspectiva do legislador (cfr. a alínea d) do n.º 1 do artigo 87.º da LGT), a avaliação por sinais exteriores de riqueza comunga -, e bem assim a regra segundo a qual à avaliação directa se aplicam, sempre que possível e a lei não prescreva em sentido diferente, as regras da avaliação directa (artigo 85.º n.º 2 da LGT) parecem igualmente militar no sentido de que a justificação parcial feita pelo contribuinte do acréscimo patrimonial há-de reflectir-se na fixação do rendimento a sujeitar a imposto, tanto mais que o n.º 4 do artigo 89.º-A da LGT expressamente admite o afastamento da tributação do montante determinado pelo “rendimento padrão” quando existam indícios fundados, de acordo com os critérios previstos no artigo 90.º, que permitam à administração tributária fixar rendimento superior, o que permite afirmar o carácter supletivo do recurso ao rendimento padrão, ao menos na perspectiva da Administração tributária.
Ora, se assim é para a Administração tributária, perante meros indícios, embora fundados e consonantes com critérios legalmente definidos, não se vê que deva ser de outro modo quando a situação seja a inversa e o contribuinte disso faça prova.
É que, julgamos que também no plano procedimental tributário, o princípio do Estado de Direito Democrático (artigo 2.º da Constituição da República) postula esse justo equilíbrio, essa paridade de posições jurídicas recíprocas, nas situações em que não se vislumbra que um interesse público de especial relevo imponha solução diversa (cfr., sobre o tema em geral, PEDRO MACHETE, Estado de Direito Democrático e Administração Paritária, Coimbra, Almedina, 2007).
Diga-se finalmente que a solução propugnada é a sustentada pela mais recente doutrina que ex professo tratou a questão (cfr. JOÃO SÉRGIO RIBEIRO, A Tributação Presuntiva do Rendimento: Um Contributo para Reequacionar os Métodos Indirectos de Determinação da Matéria Tributável, Coimbra, Almedina, Abril 2010, pp. 301/305), o que não deve deixar de ser salientado.
Os argumentos supra expostos conduzem, assim, a que se entenda que a justificação parcial, embora não afaste a aplicação do método de avaliação indirecta previsto no artigo 89.º-A da LGT, não pode deixar de ser considerada na quantificação do rendimento tributável que vai ser determinado por esse método, entendendo-se que a quantificação do rendimento tributável da recorrente deve ser igual a 20% do valor de aquisição deduzido do montante do empréstimo bancário que demonstrou ter efectuado para a aquisição do imóvel em questão, já que este montante não está, nem pode estar, sujeito a IRS, não podendo, consequentemente, ser presumido ou considerado como rendimento sujeito a tributação.
Ora, atendendo a que, no caso dos autos, a administração tributária nenhuma dedução relativa ao empréstimo bancário efectuou na avaliação do rendimento tributável da recorrente a que procedeu, há manifesto excesso na quantificação, o que fere de ilegalidade o acto que constitui o objecto do presente recurso judicial - acto que fixou à ora recorrente o rendimento tributável de € 75.000,00 com recurso a avaliação indirecta –, pelo que se impõe a respectiva anulação judicial.
O acórdão recorrido que assim o não considerou, não pode, pois, manter-se.
O recurso merece provimento.
- Decisão -
7 - Termos em que, face ao exposto, acordam os Juízes do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso jurisdicional, revogar o acórdão recorrido e, julgando procedente o recurso judicial, anular o sindicado despacho do Director de Finanças de Lisboa.
Custas pela autoridade recorrida, na instância e neste Supremo Tribunal.
Lisboa, 19 de Maio de 2010. – Isabel Cristina Mota Marques da Silva (relatora) – Joaquim Casimiro Gonçalves – Dulce Manuel da Conceição Neto – João António Valente Torrão – Alfredo Aníbal Bravo Coelho Madureira – António José Martins Miranda de Pacheco – António Francisco de Almeida Calhau (vencido, nos termos do voto de vencido junto pelo Ex.mo Conselheiro Jorge Lino) – Domingos Brandão de Pinho (vencido nos termos da declaração de voto do Ex.mo Cons.º Jorge Lino) – Francisco António Vasconcelos Pimenta do Vale (vencido nos termos que constam do Acórdão do Pleno desta Secção prolatado no rec. Nº 761/08, de 28/01/09, de que fui Relator, bem como nos termos da declaração de voto do Ex.mo Conselheiro Jorge Lino) – Jorge Lino Ribeiro Alves de Sousa (Vencido conforme declaração que anexo).
Voto de vencido
1. O douto presente acórdão entende que, no caso, a quantificação do rendimento tributável deve ser igual a 20% do valor de aquisição do imóvel, deduzindo-se a tal valor o montante do empréstimo bancário efectuado para a aquisição do imóvel.
O acórdão defende que, para a quantificação do rendimento tributável, ao «valor padrão» [20% do valor de aquisição do imóvel] deva abater-se o valor do empréstimo efectuado para a aquisição do imóvel.
Ou seja: o acórdão defende que, quando o contribuinte não faça, como deve fazer, «a prova de que correspondem à realidade os rendimentos declarados», o «valor padrão» de rendimento tributável [de 20% do valor de «manifestações de fortuna evidenciadas»] seja diminuído até ao montante da prova justificativa que ele faça dessas «manifestações de fortuna».
2. E, assim – nessa lógica – se, por hipótese, o contribuinte tiver feito a prova justificativa de 20% do valor das «manifestações de fortuna evidenciadas», então parece que não haveria qualquer rendimento tributável… O que, por absurdo, está manifestamente fora da voluntas legis. E, não tendo, como não tem, «na letra da lei um mínimo de correspondência verbal», não pode tal interpretação gozar de alguma validade jurídica – cf. o n.º 2 do artigo 9.º do Código Civil.
3. Em casos que tais – e nos termos do n.º 4 do citado artigo 89.º-A da Lei Geral Tributária [na redacção, aqui aplicável, da Lei n.º 107-B/2003, de 31/12] – considera-se como rendimento tributável em sede de IRS, a enquadrar na categoria G, o rendimento padrão de 20% do valor de aquisição de imóveis de valor de aquisição igual ou superior a € 250.000, quando não existam indícios fundados, de acordo com os critérios previstos no artigo 90.º, que permitam à Administração Tributária fixar rendimento superior.
Segundo os termos da lei, uma realidade é o «valor de aquisição» das «manifestações de fortuna evidenciadas»; outra realidade é o «rendimento padrão», que a lei presume e fixa em 20% apenas daquele «valor de aquisição».
Esta presunção legal de «rendimento padrão», para efeitos de rendimento tributável, é claramente uma presunção juris tantum, elidível por meio da prova da presença de rendimentos proporcionados a suportar a totalidade do «valor de aquisição» das «manifestações de fortuna evidenciadas».
Realmente, para efeitos de combate à evasão fiscal – augúrio do normativo supracitado – a única solução razoável é a exigência da prova de meios ou rendimento igual, no mínimo, ao «valor de aquisição» das «manifestações de fortuna evidenciadas».
E não tem sentido sequer pensar-se que o contribuinte tem de provar, não o valor das «manifestações de fortuna evidenciadas», mas apenas o «rendimento padrão» legalmente presumido. De tal modo, a lei estaria precisamente a consentir a evasão fiscal que justamente pretende travar por meio do mecanismo legal em foco. É que este «rendimento padrão» é um rendimento presumido na suposição muito natural, conforme ao senso comum (id quod plerumque accidit), da existência de evasão fiscal fortemente indiciada por «manifestações de fortuna evidenciadas» em franca discrepância com rendimentos declarados.
4. Segundo a lei, o «valor padrão» não pode ser “descontado” ou baixado. Ao contrário: tal «valor padrão» poderá ser aumentado, se a Administração Tributária estiver na posse de elementos que lhe permitam fixar um rendimento superior. O rendimento tributável nunca poderá ser inferior ao «valor padrão».
O “desconto” dos valores provados na aquisição das «manifestações de fortuna evidenciadas» ao «rendimento padrão» tributável – que se defende no acórdão – só poderia compreender-se se o mecanismo legal em foco fosse o de uma determinação do rendimento tributável por método indirecto. E não é. Na verdade, a determinação do rendimento tributável pelo modo previsto no artigo 89.º-A da Lei Geral Tributária [na redacção, aqui aplicável, da Lei n.º 107-B/2003, de 31/12] constitui e integra um procedimento próprio, específico, que não é de avaliação indirecta - portanto, sem relação de subsidiariedade com o procedimento da avaliação directa.
Com efeito, entre a avaliação directa e a avaliação indirecta existe uma relação de subsidiariedade.
Mas essa relação de subsidiariedade não existe entre a avaliação directa e a determinação da matéria colectável com base em manifestações de fortuna. A avaliação directa «pressupõe que se conheça a categoria ou a fonte do rendimento», e, para a determinação do rendimento tributável por manifestações de fortuna, o único método possível para apurar esses «rendimentos ocultos» é, na verdade, o do mecanismo legal em presença, «isto porque este mecanismo pressupõe o desconhecimento da fonte do rendimento que se pretende apurar», «não sendo sequer concebível ou pensável uma aplicação da determinação directa». E o que é certo é que a presunção de rendimento [de 20% do valor de aquisição do imóvel] – legalmente elidível pela prova de rendimento, no mínimo, igual ao «valor de aquisição» das «manifestações de fortuna evidenciadas» –, traduz uma proposição prescritiva decorrente da impossibilidade de determinação directa da ocorrência do evento descrito no facto jurídico típico, para fins de desencadeamento válido da obrigação tributária, com vista a surpreender e atingir a real capacidade contributiva, e levar à prática, tanto quanto possível, o princípio constitucional da igualdade tributária (cf., neste sentido, João Sérgio Ribeiro, A Tributação Presuntiva do Rendimento: Um Contributo para Reequacionar os Métodos Indirectos de Determinação da Matéria Tributável, Coimbra, Almedina, Abril, 2010, pp. 279, 285 e 299; e, também, José Casalta Nabais, O Dever Fundamental de Pagar Impostos, pp. 497 e 498).
5. Neste entendimento, afigura-se que a jurisprudência do Pleno desta Secção do Supremo Tribunal Administrativo tem vindo, nestes casos, a trilhar um caminho amoldado ao «espírito do sistema, conformado pelos princípios constitucionais e legais pertinentes», de que fala o acórdão – caminho do qual é o mesmo presente acórdão que se afasta decididamente, sem razões convincentes, salvo o devido respeito.
Termos em que se confirmaria o acórdão recorrido.
Lisboa, 19 de Maio de 2010.
Jorge Lino Ribeiro Alves de Sousa.