Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01467/23.4BELSB-A
Data do Acordão:02/08/2024
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:FONSECA DA PAZ
Descritores:APRECIAÇÃO PRELIMINAR
SUSPENSÃO DE EFICÁCIA
RESOLUÇÃO DE CONTRATO
Sumário: É de admitir a revista que incide sobre a questão de saber se o decretamento da suspensão de eficácia do acto de resolução sancionatória do contrato que as requerentes celebraram com a entidade requerida é adequada a evitar o prejuízo de difícil reparação que para aquelas decorria do impedimento estabelecido pela al. l) do n.º 1 do art.º 55.º do C.C.P. quando se suscitam legítimas dúvidas sobre o acerto da solução que veio a ser perfilhada pelo acórdão recorrido.
Nº Convencional:JSTA000P31923
Nº do Documento:SA12024020801467/23
Recorrente:A..., SA (E OUTROS)
Recorrido 1:INFRAESTRUTURAS DE PORTUGAL, S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA FORMAÇÃO DE APRECIAÇÃO PRELIMINAR DA SECÇÃO DO CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO:
1. A..., S.A./B..., S.A.U./C..., S.L., intentaram, no TAC, processo cautelar, contra a INFRAESTRUTURAS DE PORTUGAL, SA (doravante IP), onde pediram a suspensão de eficácia da deliberação, de 24/1/2023, do Conselho de Administração Executivo da IP, que resolveu o contrato de prestação de serviços n.º ...16 para a elaboração do “Estudo de Viabilidade, Estudo Prévio, Estudo de Impacte Ambiental, Projeto de Execução e RECAPE para a Modernização da Linha da Beira Alta, no troço ... – ...” e decidiu exercer o direito indemnizatório decorrente do incumprimento deste contrato.
Foi proferida sentença que suspendeu a eficácia da deliberação suspendenda e julgou improcedente o pedido de condenação da entidade requerida como litigante de má-fé.
A entidade requerida apelou para o TCA-Sul, o qual, por acórdão de 12/12/2023, concedeu provimento ao recurso, revogou a sentença recorrida e julgou o processo cautelar improcedente.
É deste acórdão que os requerentes vêm pedir a admissão do recurso de revista, solicitando, ao abrigo do n.º 4 do art.º 143.º do CPTA, que ao recurso seja atribuído efeito suspensivo ou que sejam adoptadas as providências adequadas a evitar os danos que para elas resultariam da atribuição do efeito meramente devolutivo.
No TCA-Sul foi proferido despacho a admitir o recurso e a recusar-lhe a atribuição de efeito suspensivo.

2. Tem-se em atenção a matéria de facto considerada pelo acórdão recorrido.

3. O art.º 150.º, n.º 1, do CPTA, prevê que das decisões proferidas em 2.a instância pelos tribunais centrais administrativos possa haver excepcionalmente revista para o STA “quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental” ou “quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”.
Como decorre do texto legal e tem sido reiteradamente sublinhado pela jurisprudência deste STA, está-se perante um recurso excepcional, só admissível nos estritos limites fixados pelo citado art.º 150.º, n.º 1, que, conforme realçou o legislador na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nos. 92/VIII e 93/VIII, corresponde a uma “válvula de segurança do sistema” que apenas pode ser accionada naqueles precisos termos.
A sentença, para julgar procedente o processo cautelar, considerou demonstrado o requisito do “periculum in mora”, na vertente da produção de prejuízos de difícil reparação, por a não suspensão da deliberação de resolução sancionatória do contrato implicar a verificação do impedimento previsto na al, l) do n.º 1 do art.º 55.º do CCP de participação das requerentes em procedimentos de contratação pública, referindo para tanto o seguinte:
“(…)
Este efeito é automático e, portanto, tem aptidão para gerar prejuízos cuja reparação será muito difícil, sendo que a mensuração desses prejuízos, em relação à Requerente FASE pode traduzir-se na perda de mais de 50% da faturação anual, tendo por referência o ano de 2022.
Ainda que não tenha sido determinada a dimensão da perda de faturação expectável das demais Requerentes, o certo é que, seja qual for esse impacto no volume de negócios que detenham em Portugal, com origem no mercado dos contratos públicos, se encontram colocadas numa situação em que, por efeito da adoção da decisão de resolução sancionatória do contrato, estão impedidas de participar em procedimentos de contratação pública - o que gera, por si mesma, um prejuízo de difícil reparação.
(…)”.
Entendimento contrário veio a ser sustentado pelo acórdão recorrido que considerou não estar demonstrada a verificação do requisito do "periculum in mora", concluindo, para o efeito, o seguinte:
Pelas razões aduzidas entendemos que falece a premissa do Tribunal a quo para o deferimento da providência baseada nos efeitos derivados (automaticamente) do art.º 55.º, n.º 1 al. l) do CCP, para as Requerentes que ficariam impedidas de concorrer a futuros concursos públicos. Na medida em que a eventual suspensão de efeitos da presente decisão cautelar, como se expôs, não pode obstar a que em futuros procedimentos a que as Requerentes possam vir a concorrer as entidades adjudicantes fiquem impedidas de aferir das condições impeditivas ou não de participação no respectivo procedimento.
(…)”.
As requerentes justificam a admissão da revista com a relevância jurídica e social da questão a decidir - por afectar todas as relações jurídicas de contratos públicos, tendo a virtualidade de se vir a repetir em situações futuras - e com a necessidade de se proceder a uma melhor aplicação do direito, por o acórdão recorrido incorrer em erro de julgamento quando considera não verificado o requisito do “periculum in mora” com o fundamento que a suspensão de eficácia do acto de resolução sancionatória do contrato de prestação de serviços não era apta a impedir os efeitos decorrentes da citada al. l) do art.º 55.º, n.º 1, interpretação que sempre enfermaria de inconstitucionalidade, por violação dos artºs. 2.º, 18.º, 20.º e 268.º, todos da CRP, não se podendo invocar, em seu apoio, o Acórdão “Meca Srl/Comuni di Napoli”, proferido pelo TJUE em 19/6/2019, nem qualquer pretensa violação da reserva de decisão da Administração Pública.
Resulta do exposto que as instâncias decidiram de forma dissonante a questão fundamental sobre que incide a revista que é a de saber se o decretamento da suspensão de eficácia do acto de resolução sancionatória do contrato que as requerentes celebraram com a entidade requerida é adequado a evitar o prejuízo de difícil reparação que para aquelas decorria do impedimento estabelecido pela al. l) do n.º 1 do art.º 55.º do CCP.
A questão é juridicamente relevante e reveste-se de alguma complexidade, que, aliás, é indiciada pela divergência das instâncias no seu tratamento, suscitando-se legítimas dúvidas quanto ao acerto da solução que veio a ser perfilhada pelo acórdão recorrido.
Convém, pois, que o Supremo reanalise o caso que suscita interrogações jurídicas e que, tendo potencialidade de repetição, reclama uma clarificação de directrizes, quebrando-se, assim, a regra da excepcionalidade de admissão das revistas.
4. Pelo exposto, acordam em admitir a revista.

Sem custas.

Lisboa, 8 de Fevereiro de 2024. – Fonseca da Paz (relator) – Teresa de Sousa – José Veloso.