Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0956/09
Data do Acordão:03/24/2010
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PIMENTA DO VALE
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL
INEPTIDÃO DA PETIÇÃO INICIAL
CAUSA DE PEDIR
INCOMPATIBILIDADE
Sumário: I – A ineptidão da petição inicial é, na verdade, nulidade insanável de conhecimento oficioso, nos termos do art.º 98.º CPPT, que só ocorre quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir, quando o pedido esteja em contradição com a causa de pedir ou quando se cumulem causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis (art.º 193.º CPC).
II – Se na petição inicial de oposição à execução fiscal se formulam causas de pedir substancialmente incompatíveis para apreciação no âmbito do meio processual utilizado (preterição de formalidades legais no processo de contra-ordenação e nulidade da decisão administrativa e ilegitimidade do responsável subsidiário) e se o oponente termina essa petição inicial pedindo que se julgue “procedente por provada a presente oposição e, consequentemente, se declare extinta a execução fiscal revertida”, há na petição indicação de pedido e fundamentos de oposição admissíveis, pelo que o processo pode prosseguir para a sua apreciação.
Nº Convencional:JSTA000P11621
Nº do Documento:SA2201003240956
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1 – A…, melhor identificado nos autos, não se conformando com o despacho do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que indeferiu liminarmente a oposição à execução fiscal para cobrança de dívidas de IVA, IRC, IRS e Coimas, relativas anos de 2003 a 2005, que conta si haviam revertido, dele vem interpor o presente recurso, formulando as seguintes conclusões:
1ª. O presente recurso vem interposto da douta decisão que julgou inepta a oposição à execução fiscal deduzida perante a instância a a quo, por considerar existir “cumulação de causas de pedir e de pedidos substancialmente incompatíveis e a que correspondem formas de processo diferentes”, já que, como vem exposto, a “invocação de fundamentos relativos à nulidade do processo de contra-ordenação tributário sustenta uma causa de pedir do recurso da decisão de aplicação de coima, nos termos do disposto no artigo 80º e ss do RGIT e não de uma oposição à execução em razão dos fundamentos admitidos no n° 1 do artigo 204° do CPPT, não se podendo apreciar nesta sede a ilegalidade da decisão ora controvertida”.
2ª. Ao julgar, com tais fundamentos, a petição de oposição como inepta nos termos do disposto na alínea a) do n° 1 do artigo 98° do CPPT e 193°, n° 2, al. c), do CPC, a douta decisão recorrida violou, por erro de direito, as referidas normas.
3ª. Na verdade, nos termos das referidas normas a ineptidão apenas ocorrerá naqueles casos em que os efeitos jurídicos pretendidos são por natureza contraditórios e inconciliáveis entre si em termos da requerida pronúncia da instância jurisdicional se haver também por contraditória quanto aos termos da pronúncia a proferir (cf. Ac. RP de 9.01.1990 — BMJ n° 393, p. 635) ou naqueles casos em que exista ininteligibilidade do pensamento do autor de modo a impossibilitar o tribunal de tomar decisão sobre qualquer dos pedidos formulados (Ac. RP de 12.10.1998 — BMJ 480, p. 542),
4ª. sendo que a formulação de pedidos alternativos de modo não permitido legalmente não torna inepta a petição inicial, por esse facto apenas contender da aferição da via/forma do processo, não se configurando como uma ineptidão substancial tal como o reclamado pelos citados preceitos.
5ª. O que é atestado pelo facto do pedido de anulação de um acto não ser substancialmente incompatível ou insanavelmente conflituante com o pedido de inexigibilidade da dívida por ele causada, como aliás resulta da jurisprudência pacífica e unânime que jamais recusou conhecer de causas que contendem com a exigibilidade da dívida em processo de impugnação da legalidade do acto que a constitui.
6ª. A considerar-se existir uma cumulação ilegal de pedidos, devia o Tribunal recorrido ter feito aplicação do disposto no artigo 47º, nº 5, do CPTA, ex vi o disposto no artigo 2º, nº c), do CPPT, ou, quando muito, ter julgado ilegal a oposição na parte em que se considerou existir erro na forma do processo, prosseguindo o mesmo para o conhecimento jurisdicional das questões própria e legalmente aí convocadas como fundamento de oposição e que se corporizam em pedido próprio dessa específica forma processual.
7ª. Decidindo, em sentido contrário, como decidiu, o Tribunal a quo colocou-se nos antípodas da jurisprudência que admite a aplicação do regime do CPTA para a cumulação ilegal de pedidos e, também, de toda aquela que, justificadamente, considera que a sanção da ineptidão, por coarctar toda a possibilidade de apreciação do pedido formulado só se justifica quando a pretensão do autor é de conhecimento impossível ou quando o prosseguimento dos autos não conduza a qualquer resultado.
8ª. In casu, tendo sido alegados fundamentos próprios, constitutivos de causa de pedir idónea do processo de execução fiscal e tendo sido formulado o respectivo pedido — não sendo o mesmo manifestamente improcedente — não podia o Tribunal a quo ter decidido radicalmente pela ineptidão da petição inicial.
A Fazenda Pública não contra-alegou.
O Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao presente recurso.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
2 – Vem o presente recurso interposto do despacho do Mmº Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que indeferiu liminarmente a oposição à execução fiscal que o ora recorrente deduziu, já que, “atento que a invocação de fundamentos relativos à nulidade do processo de contra-ordenação tributário sustenta uma causa de pedir de um recurso da decisão de aplicação de coima, nos termos do disposto no artº 80º e segs, do RGIT e não de uma oposição à execução em razão dos fundamentos admitidos no nº 1, do artº 204º do CPPT, não se podendo apreciar nesta a ilegalidade da decisão ora controvertida.
Apenas as causas relativas à inexigibilidade da obrigação constituída com base nos actos tributários podem sustentar a dedução de oposição à execução. Assim,
Atento a cumulação de causas de pedir e de pedidos substancialmente incompatíveis e a que correspondem formas de processo diferentes, verifica-se uma nulidade insanável do processo judicial tributário por ineptidão da petição inicial, nos termos da alínea a), do nº 1, do artº 98º do CPPT e alínea c), do nº 2, do artº 193º do CPC”.
É contra o assim decidido que se insurge o recorrente nos termos que constam das conclusões da sua motivação do recurso, supra referidas.
Vejamos se lhe assiste razão.
A ineptidão da petição inicial é, na verdade, nulidade insanável de conhecimento oficioso, nos termos do artigo 98.º CPPT, que só ocorre se se verificar alguma das circunstâncias enunciadas no artigo 193.º CPC, aplicável em processo judicial tributário, ex vi da alínea e) do artigo 2.º CPPT.
Assim, será inepta a petição quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir, quando o pedido esteja em contradição com a causa de pedir ou quando se cumulem causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis.
O pedido é o efeito jurídico que se pretende obter com o recurso e a causa de pedir é o facto jurídico de que procede o pedido (art.º 498.°, n.°s 3 e 4, do CPC).
Porém, não serão relevantes para determinar a nulidade da petição meras deficiências de qualificação jurídica, designadamente a errónea qualificação dos factos invocados e a deficiente qualificação do efeito jurídico pretendido, devendo antes ser proferido despacho corrigindo o erro ou convidando as partes a corrigi-lo.
Como vimos, concluiu o Mmº Juiz “a quo” que a presente petição é inepta atenta a cumulação causas de pedir e pedidos substancialmente incompatíveis e a que correspondem formas de processo diferentes, impondo-se, por isso, o seu indeferimento liminar.
Considerou, em suma e para tanto, que, na petição apresentada, o autor, ora recorrente, invocou, por um lado, como fundamentos a preterição de formalidades no processo de contra-ordenação e a nulidade da decisão que aplicou a coima, fundamentos que não são adequados ao processo de oposição à execução fiscal, mas antes “sustenta uma causa de pedir de um recurso da decisão de aplicação de coima nos termos do disposto no artº 80º e segs, do RGIT”.
E, por outro, invoca também como causa de pedir da sua pretensão a sua ilegitimidade por não figurar no título executivo e não ser responsável pelo pagamento da dívida.
E o oponente termina a petição inicial pedindo que se julgue “procedente por provada a presente oposição e, consequentemente, declarar extinta a execução fiscal revertida…”.
Do que fica assim exposto, ressalta à evidência que a presente oposição à execução fiscal comporta fundamentos que não são próprios deste tipo de processo.
Com efeito e como se decidiu recentemente nesta Secção do STA, no Acórdão de 25/11/09, in rec. nº 812/09, “quando as coimas e outras sanções pecuniárias não forem pagas nos prazos legais, serão objecto de cobrança coerciva em processo de execução fiscal. E o processo de execução fiscal abrange a cobrança coerciva, dentre outras dívidas ao Estado, das coimas e outras sanções pecuniárias fixadas em decisões, sentenças ou acórdãos relativos a contra-ordenações fiscais. Servirá nesse caso de base ao processo de execução fiscal certidão da decisão aplicadora da coima.
O título executivo pode ser administrativo, quando extraído pelos serviços oficiais competentes ou por outros serviços administrativos do Estado ou de entidade equiparada – cf. Alfredo de Sousa e Silva Paixão, no Código de Processo Tributário Comentado e Anotado, em anotação 2. ao artigo 248.º.
O ora recorrente não terá reagido judicialmente contra a decisão administrativa que está na base da presente execução fiscal, a que ora se opõe – pelo que essa decisão se volveu em caso "decidido" ou "caso resolvido", com força equiparável à do "caso julgado" no domínio do direito processual civil.
Com efeito, quando uma decisão judicial adquire força obrigatória, por dela não se poder já reclamar nem recorrer por via ordinária, forma-se caso julgado. Sendo a decisão judicial uma sentença que verse a matéria de fundo da acção, a sua força obrigatória não se limita ao processo em que foi proferida, manifestando-se fora dele. Esta obrigatoriedade da sentença transitada em julgado, dentro do processo e fora dele, caracteriza o caso julgado material, nos termos do artigo 671.º, n.º 1, do Código de Processo Civil – estatuindo o artigo 673.º do Código de Processo Civil que a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga.
O ora recorrente bem que poderia ter reagido no respectivo processo de contra-ordenação, lançando mão aí de todos os meios permitidos em direito, inclusivamente o de recurso jurisdicional nesse processo.
Mas, pelos vistos, nada fez. Sibi imputet.
Cf., entre outros, o acórdão desta Secção do Supremo Tribunal Administrativo, de 1 de Outubro de 2008, proferido no recurso n.º 408/08”.
Pelo que “a oposição à execução fiscal só pode ter por fundamento facto ou factos susceptíveis de serem integrados em alguma das previsões das várias alíneas do das n.º 1 do artigo 204.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário”.
Mas, também não é menos verdade que o recorrente invoca factos - nomeadamente a sua ilegitimidade - que constituem fundamento da oposição à execução fiscal, nos termos do disposto no artº 204º, nº 1, al. b) do CPPT.
Ora, como escreveu, a este propósito, o Ilustre Conselheiro Jorge Sousa, in CPPT Anotado, 5ª ed., pág. 116, anot. 17, “em situações deste tipo, havendo uma cumulação de pedidos e ocorrendo erro na forma de processo quanto a um deles, a solução é considerar sem efeito o pedido para o qual o processo não é adequado, como se infere da solução dada a uma questão paralela no n.º 4 do art. 193.º do C.P.C..
Na verdade, refere-se nesta norma, para o caso de cumulação de pedidos substancialmente incompatíveis que “a nulidade subsiste, ainda que um dos pedidos fique sem efeito, por incompetência do tribunal ou por erro na forma de processo”.
Não se estará, decerto, perante um caso aqui directamente enquadrável, pois não haverá cumulação de pedidos substancialmente incompatíveis.
No entanto, nesta norma pressupõe-se que a solução legal para a apresentação de um pedido para o qual o processo é inadequado é a de que ele “fique sem efeito”, prosseguindo o processo para a apresentação do pedido para o qual o processo é adequado”.
Assim, no caso em apreço, havendo na petição indicação de pedido e fundamentos de oposição admissíveis, o processo pode prosseguir para sua apreciação, ficando, deste modo, prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas no presente recurso (vide conclusão 6ª da motivação do recurso).
3 – Nestes termos e com este fundamento, acorda-se em conceder provimento ao recurso, revogar o despacho recorrido e ordenar a baixa do processo ao TAF de Sintra, a fim de apreciar o pedido de extinção da execução, baseado nos fundamentos invocados na petição inicial que constituem pressupostos da oposição à execução fiscal, se a tal não obstar motivo diferente do invocado no despacho recorrido.
Sem custas.
Lisboa, 24 de Março de 2010. - Pimenta do Vale (relator) - Valente Torrão - Isabel Marques da Silva.