Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0836/18.6BESNT
Data do Acordão:06/26/2019
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:SÃO PEDRO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
SUBSÍDIO DE DOENÇA
Sumário:Não se justifica admitir revista de acórdão que através de discurso jurídico plausível e seguindo jurisprudência constante do TCA SUL intimou a ARS a fornecer a uma seguradora os dados clínicos do seu segurado.
Nº Convencional:JSTA000P24725
Nº do Documento:SA1201906260836/18
Data de Entrada:05/07/2019
Recorrente:ADMINISTRAÇÃO REGIONAL DE SAÚDE DE LISBOA E VALE DO TEJO, IP
Recorrido 1:A... – COMPANHIA DE SEGUROS VIDA SA.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Formação de Apreciação Preliminar – art. 150º, 1, do CPTA.

Acordam no Supremo Tribunal Administrativo (art. 150º, 1 do CPTA)

1. Relatório

1.1. ADMINISTRAÇÃO REGIONAL DE SAÚDE DE LISBOA E VALE DO TEJO recorreu para este Supremo Tribunal Administrativo, nos termos do art. 150º, 1, do CPTA, do acórdão do TCA Norte, proferido em 7 de Março de 2018, que revogou a sentença proferida pelo TAF de Sintra e na ACÇÃO DE INTIMAÇÃO PARA PRESTAÇÃO DE INFORMAÇÕES CONSULTA DE PROCESSO OU PASSAGEM DE CERTIDÕES contra si instaurado por A…………….. – COMPANHIA DE SEGUROS VIDA S.A. a intimou a disponibilizar o acesso a documentos nominativos (cópia do processo clínico ou, em alternativa, relatório médico actualizado com menção das doenças e respectivas datas de diagnóstico de B…………., indicando para o efeito como médico conselheiro o Dr. C…………).

1.2. Justifica a admissibilidade da revista por entender que estão em causa direitos fundamentais como o direito de reserva à vida privada e à protecção de dados, bem como a preservação de informações de saúde, cujo acesso generalizado gera grande desconfiança no sistema.

1.3. A recorrida pugna pela não admissão da revista.

2. Matéria de facto

Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

3. Matéria de Direito

3.1. O artigo 150.º, n.º 1, do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». Como decorre do próprio texto legal e a jurisprudência deste STA, tem repetidamente sublinhado trata-se de um recurso excepcional, como de resto o legislador cuidou de sublinhar na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nºs 92/VIII e 93/VIII, considerando-o como uma «válvula de segurança do sistema», que só deve ter lugar, naqueles precisos termos.

3.2. A autora no seguimento do óbito de B…………, seu segurado, solicitou o envio de cópia do respectivo processo clínico ou em alternativa relatório actualizado com menção a doenças e respectivas datas de diagnóstico. Para legitimar essa pretensão juntou cópias das declarações de saúde assinadas pelo segurado, as quais são partes integrantes do contrato de seguro de vida grupo “Crédito à Habitação”.

3.3. A sentença da primeira instância julgou improcedente a pretensão da autora, negando o acesso aos dados relativos ao processo clínico de B………….. No essencial invocou a sentença que a autorização ou consentimento dado pelo titular não preenchia os requisitos do art.6º, n.º 5 da LADA, por não conter expressamente a “finalidade e o tipo de dados” que abrangia e ainda porque o interesse invocado pela autora apesar de ser directo, pessoal e legítimo não era “constitucionalmente protegido”, não estando deste modo preenchido também o art. 6º, 5, b) da LADA.

3.3. O TCA Sul revogou a sentença invocando referindo, desde logo, a existência de jurisprudência em sentido diverso, embora no âmbito de vigência da Lei 46/2007, proferida em situações de facto semelhante – acesso aos dados de saúde pelas seguradoras no seguimento da morte do segurado – ac. do TCA Sul de 1-3-2012, proc. 08472; do TCA Sul no processo 08471; do TCA Sul de 5-4-2018, processo 2585/17.3BELSB; do TCA Sul de 1-3-2012, proc. 8472/12; TCA Sul de 18-5-2018, processo 000674/17.3BECBR.

Entendeu o acórdão, em suma, que a autora era titular de um interesse constitucionalmente protegido, pois pretendia aceder à informação de saúde do um seu segurado face à participação de um sinistro relacionado com a saúde do mesmo e à possibilidade de pagamento de um capital decorrente do contrato, portanto concluiu o acórdão “(…) estão em causa direitos económicos relativos à propriedade privada, bem como, ao exercício da sua actividade empresarial, com protecção constitucional, nos artigos 62º, n.º 1 e 86º, n.º 1 da CRP” .

3.4. De sublinhar ainda que a autora tinha apresentado queixa junto da Comissão de Acesso a Documentos Administrativos (CADA), a qual concluiu: “… a entidade requerida deverá facultar à requerente o acesso aos seguintes documentos: cópia do certificado de óbito; atestado médico onde se declarem as causas, início e duração da doença ou lesão que causou a morte, se aplicável; auto de polícia em caso de acidente, se aplicável; cópia do Relatório da autópsia sempre que realizada (…)”.

3.5. Neste recurso a recorrente invoca, em suma, que a declaração do segurado tida por relevante é genérica, pois não especifica os dados de saúde cujo acesso é autorizado, nem a finalidade autorizada para tal acesso e não se encontra devidamente autonomizada das restantes cláusulas que integram o contrato de seguro. Por outro lado, diz ainda que não estão em causa direitos económicos e patrimoniais do A……….. mas porventura e apenas dos herdeiros do segurado pois, nos termos em que o contrato em causa foi celebrado (e a não ser declarada a nulidade das cláusulas) não sendo apresentadas as informações de saúde, só aqueles ficarão prejudicados pelo não recebimento do capital seguro.

3.6. Expostos os termos da controvérsia julgamos não se justificar a intervenção do STA. Na verdade, existe uma jurisprudência do TCA Sul seguida pelo acórdão recorrido, que pode dizer-se constante no que respeita ao acesso das seguradoras aos dados de saúde dos seus segurados em caso de morte. No presente caso também a CADA entendeu que os dados de saúde solicitados deveriam ser – pelo menos em parte – fornecidos. Tal jurisprudência mostra-se fundamentada através de um discurso jurídico plausível. Não se vê, por outro lado, um interesse público especialmente relevante e prosseguido pela recorrente, cuja lesão, só por si justifique a reapreciação da questão.

Assim, face à existência de jurisprudência constante, à plausibilidade desse entendimento e inexistência de especial interesse público na pretensão da recorrente, as questões suscitadas não se apresentam com especial relevância jurídica ou social, nem se justifica a reapreciação da questão com vista a uma melhor interpretação e aplicação do direito.

4. Decisão

Face ao exposto não se admite a revista.

Custas pela recorrente.

Porto, 26 de Junho de 2019. – São Pedro (relator) – Costa Reis – Madeira dos Santos.