Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01454/12
Data do Acordão:02/20/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO DELGADO
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
PRAZO
FACTO SUPERVENIENTE
Sumário:I - Facto superveniente, para efeito da contagem do prazo para dedução de oposição à execução fiscal previsto na alínea b), n.º 1 do artigo 203.º do CPPT, será aquele que respeita aos fundamentos de oposição aduzidos pelo oponente, não integrando esse conceito os factos processuais da própria execução.
II - O decurso do prazo da prescrição, dependendo do decurso do tempo e dos trâmites do processo, constitui facto objectivo cuja possibilidade de conhecimento é manifesta, não dependendo de quaisquer circunstâncias subjectivas e não constitui facto superveniente para o efeito do disposto na alínea b), n.º 1 do artigo 203.º do Código de Procedimento e Processo Tributário.
III - A possibilidade de convolar apenas acontece no caso de utilização de meio processual inadequado e já não na hipótese do seu uso para além do prazo para o efeito legalmente estabelecido.
Nº Convencional:JSTA00068143
Nº do Documento:SA2201302201454
Data de Entrada:12/18/2012
Recorrente:A......, SA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF LISBOA
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXECUÇÃO FISCAL / OPOSIÇÃO
Legislação Nacional:CPPT08 ART203 N1 B ART209 N1 A
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0634/10 DE 2011/10/26; AC STA PROC01236/03 DE 2004/02/18
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


1 – A………, SA, melhor identificada nos autos, vem recorrer para este Supremo Tribunal do despacho do Tribunal Tributário de Lisboa de 21 de Setembro de 2012, que indeferiu liminarmente por extemporaneidade a petição de oposição à execução nº 1520200201068474 que contra si corre, por divida resultante de liquidação do imposto Municipal de Sisa referente ao ano de 1996.

Termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
«1. Nos presentes autos verifica-se uma situação de ocorrência superveniente da prescrição pelo que não se pode aplicar o raciocínio expendido no despacho recorrido que se refere ao conhecimento superveniente da prescrição.
2. A prescrição é um facto superveniente que respeita aos fundamentos da oposição que pode ser invocado no prazo previsto no art.º 203º, n.º 1, b) do CPPT.
3. Ocorrendo a prescrição posteriormente aos 30 dias posteriores à citação, a mesma não podia ser invocada naquele prazo, mas pode ser invocada no prazo previsto no art.º 203º, n.° 1, b) do CPPT.
4. A prescrição pode/deve ser conhecida em oposição a deduzir ao abrigo da alínea a) do art.º 203º, podendo/devendo ser igualmente conhecida em igual processo ao abrigo da alínea b) do art.º 203º, não podendo a superveniência factual retirar-lhe esse meio de reação.
5. Tendo o legislador previsto a possibilidade de ser apresentada oposição à execução por factos supervenientes, não há razão para o aplicador da lei restringir essa aplicação a determinados casos/fundamentos.
6. Não compete ao aplicador do direito determinar se o facto superveniente é relevante para efeitos de oposição à execução nos termos do art.º 203.º, n.º 1 b) do CPPT quando o legislador não faz qualquer limitação à aplicação de semelhante regime e não resulta do espírito da lei qualquer razão para tal restrição.
7. No presente caso não existem fundamentos para o Tribunal a quo interpretar restritivamente o art.º 203º, n.º 1 b) do CPPT, pelo que a interpretação sufragada no despacho recorrido viola o princípio da legalidade, previsto no art.º 203.º da CRP.
8. Verifica-se uma tendência para alargar o escopo de determinados processos de forma a no âmbito dos mesmos se poder ver apreciada a prescrição e se alcançar “uma tutela mais eficaz e efetiva do direito do contribuinte” (Acórdão do TCA Sul, de 18.05.2012, proferido no processo 003373/09), não se compreendendo como se pretende ver negada a apreciação do mesmo facto, no meio processual em que a mesma é fundamento.
9. A prescrição é de conhecimento oficioso pelo que o juiz deve conhecer da prescrição quando o órgão de execução fiscal não o tenha feito que foi precisamente o caso. Não conhecendo da prescrição o tribunal a quo violou os artigos 20º e 268. °, n.º 4 da CRP.
10.Ao decidir não conhecer da invocada prescrição da divida exequenda o tribunal a quo praticou um ato de denegação de justiça e violou os artigos 175.°, 203.° do CPPT.
11.Caso se verificasse efetivamente a extemporaneidade deveria haver lugar à convolação pois a convolação deverá ser admitida sempre que não seja manifesta a improcedência ou intempestividade do meio processual para que se convola, para além da idoneidade da petição para o efeito (Cfr, Acórdão do STA, de 3.06.2009, proferido no processo 0142/09, disponível em www.dgsi.pt)

2 – A Fazenda Publica não apresentou contra alegações.

3 – O Exmº Procurador Geral Adjunto emitiu o douto parecer pronunciando-se no sentido de se julgar o recurso improcedente quanto à questão do indeferimento liminar por extemporaneidade na apresentação da oposição, e no sentido de se julgar o recurso procedente quanto à questão da convolação, dando-se prevalência a uma interpretação que a admita, com base nos arts. 97.º n.º 3 da L.G.T. e 98º n.º 4 do C.P.P.T.

4 – Colhidos os vistos legais, cabe decidir.

5. – Em sede factual resulta dos autos, com relevo para a decisão da causa, o seguinte:
1- Para cobrança da quantia exequenda de 948.341,12 €, relativa a Sisa e ainda juros compensatórios foi instaurado pelos serviços de finanças Loures, I, contra a A………, SA, o Processo de Execução Fiscal nº 1520200201068474.
2- A executada e ora recorrente foi citada em 19/11/2002, no âmbito do processo de execução fiscal referido em 1.
3- A oposição foi apresentada em 24/10/2011».

6- Colhidos os vistos legais, cabe decidir.

6.1. São duas as questões objecto do presente recurso:
a) Saber se a oposição à execução fiscal é tempestiva e, nomeadamente, saber se o decurso do prazo de prescrição da obrigação contributiva deve constituir facto superveniente para os efeitos previstos no artº 203º, nº 1, al. b) do Código de Procedimento e Processo Tributário;
b) Aferir da possibilidade de convolação da petição de oposição em requerimento dirigido ao órgão de execução fiscal;

2. Da tempestividade da oposição
Mostram os autos que a decisão recorrida considerou que, tendo a citação da oponente ocorrido em 19 de Novembro de 2002, há muito que decorreu o prazo legal de oposição à execução, sendo que a prescrição não pode ser considerada facto superveniente para o efeito da alínea b) do nº 1, do artº 203º do Código de Procedimento e Processo Tributário.
Contra tal entendimento se insurge a recorrente, alegando que «a prescrição é um facto superveniente no que respeita aos fundamentos da oposição».

Não lhe assiste, porém, razão.
Na verdade, e como já se salientou em Acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 26.10.2011, recurso 634/10, in www.dgsi.pt, o decurso do prazo prescricional não é um facto superveniente de que o oponente tenha tomado conhecimento na data em que deduziu oposição.
Nos termos do artº 203º, nº 1, al. b) do Código de Procedimento e Processo Tributário a oposição deve ser deduzida no prazo de 30 dias a contar da data em que tiver ocorrido o facto superveniente ou do seu conhecimento pelo executado.
E acordo com o nº 3 do mesmo normativo considera-se superveniente não só o facto que tiver ocorrido posteriormente ao prazo da oposição, mas ainda aquele que, embora ocorrido antes, só posteriormente venha ao conhecimento do executado, caso em que deverá ser este a provar a superveniência.
A doutrina e a jurisprudência têm também entendido que facto superveniente, para efeito da contagem do prazo para dedução de oposição, será aquele que respeita aos fundamentos de oposição aduzidos pelo oponente, não integrando esse conceito os factos processuais da própria execução, que são consequência normal desta, não fundando obviamente a oposição (cf. neste sentido, Código de Procedimento e Processo Tributário anotado de Jorge Lopes de Sousa, 6ª edição, vol. III, pag.432 e também Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 26.10.2011, recurso 634/10, 24.11.2010, recurso 54/10, de 18.02.2004, recurso 1236/03 e de 08.07.1999, recurso 23354, todos in www.dgsi.pt).
Ora, pese embora a prescrição constitua fundamento de oposição à execução fiscal o certo é que, constituindo o decurso do prazo de prescrição facto duradouro que se inicia a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verifica o facto tributário (No caso da Sisa.), forçoso é concluir que não constitui o mesmo facto superveniente, por se ter iniciado logo em data anterior à da citação.
Por outro lado o decurso do prazo da prescrição, dependendo do decurso do tempo e dos trâmites do processo, constitui facto objectivo cuja possibilidade de conhecimento é patente, não dependendo de quaisquer circunstâncias subjectivas, aliás nem invocadas pela recorrente.
Assim, caso ocorra posteriormente e para além do prazo de oposição, a prescrição deverá ser invocada perante o órgão donde está a correr o processo ( Neste sentido também Código de Procedimento e Processo Tributário anotado de Jorge Lopes de Sousa, 6ª edição, vol. III, pag. 432, e ainda, o mesmo autor, «Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária, Notas Práticas», pág. 20.), daí resultando a possibilidade de reclamação para o tribunal em caso de indeferimento do pedido.
Acresce dizer que não se vislumbra também qualquer violação do postulado no artº 203º da Constituição da República, que consagra a independência dos tribunais, nem a recorrente, de resto, a demonstra.
É certo que a recorrente alicerça tal imputação na alegação de que não existem fundamentos para o tribunal interpretar restritivamente o artº 203º, nº 1, al. b) do Código de Procedimento e Processo Tributário.
Mas como se viu o tribunal recorrido fez, do preceito, a interpretação mais acertada e próxima do pensamento legislativo, sem incorrer, por outro lado, em labor interpretativo de que resulte uma restrição do alcance aparente do texto legal.
E também não se verifica qualquer denegação de justiça ou violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva ( arts. 20º e 268º da Constituição da República).
Em primeiro lugar porque a caducidade do direito de deduzir oposição obsta à apreciação das questões de mérito, ainda que do conhecimento oficioso, designadamente da prescrição – cf. neste sentido, os seguintes arestos que ilustram a jurisprudência constante e uniforme que vem sendo prolatada pela secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo sobre esta matéria: Acórdãos de 21.05.2008, recurso 293/08, de 11.02.2009, recurso 802/08, e de 12.11.2009, recurso 875/09 e de 25.03.2009, processo 196/09, todos in www.dgsi.pt.
Por outro lado porque, tendo a oposição sido deduzida fora do prazo, ao tribunal nada mais restava senão rejeitar liminarmente a oposição, como, aliás, fez em cumprimento do disposto no artº 209º, nº1, al. a) do Código de Procedimento e Processo Tributário
E finalmente porque a extinção do direito de deduzir oposição por caducidade não obsta à possibilidade de exercer outro direito processual, que é o de suscitar a apreciação da questão da prescrição pelo órgão da execução fiscal, com os efeitos próprios do uso deste meio processual e com possibilidade de reclamação para o tribunal tributário de eventual decisão desfavorável passível (art. 276° Código de Procedimento e Processo Tributário).
Mostra-se assim assegurada também a garantia constitucional de acesso à Justiça consignada no artigo 268.º nº 4 da Constituição da República Portuguesa.

Bem andou, pois, a decisão recorrida ao julgar que a oposição intempestiva, sendo certo que a oponente foi citada em 19/11/2002, no âmbito do processo de execução fiscal acima referido e a presente oposição foi apresentada em 24/10/2011, ou seja, muito para além do prazo de 30 dias previsto no artº 203º, nº 1, al. a) do Código de Procedimento e Processo Tributário.

3. Da possibilidade de convolação da petição de oposição em requerimento dirigido ao órgão de execução fiscal

Resulta do artº 97º, nº 3 da Lei Geral Tributária que deverá ordenar-se a correcção do processo quando o meio usado não for o adequado segundo a lei.
A jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a entender que a convolação deverá ser admitida sempre que não seja manifesta a improcedência ou intempestividade do meio processual para que se convola, para além da idoneidade da petição para o efeito (vide, entre outros, os acórdãos de 24.02.2011, recurso 871/10, de 21/06/00, no recurso n.º 24.605).
Todavia, é pressuposto da convolação, que não tenha sido utilizado o meio processual adequado segundo a lei (cf. referido artº 97º, nº 3 da Lei Geral Tributária e 98º, nº 4 do Código de Procedimento e Processo Tributário).
É aliás, o que resulta expressamente do art.º 98º, nº 4 do Código de Procedimento e Processo Tributário: «Em caso de erro na forma do processo, este será convolado na forma do processo adequada, nos termos da lei».
A possibilidade de convolar apenas acontece no caso de utilização de meio processual inadequado e já não na hipótese do seu uso para além do prazo para o efeito legalmente estabelecido (cf., neste sentido, Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 24.11.2010, recurso 054/10, e ainda a doutrina que resulta, a contrario dos Acórdãos 587/09, de 30.04.2009, e 626/09, de 30.09.2009).
No mesmo sentido, e na doutrina, se pode ver Jorge Lopes de Sousa no seu Código de Procedimento e Processo Tributário anotado, 6ª edição. vol. II, pag. pag. 92, o qual, pronunciando-se sobre a questão do erro parcial na forma do processo, defende que não há que proceder à convolação da oposição na forma processual adequada porquanto este mecanismo correctivo não é utilizável nas situações em que ocorre uma cumulação de fundamentos e relativamente a um desses fundamentos a forma processual eleita é a legalmente prevista.
Assim, se a forma do processo é a adequada, não há que fazer qualquer convolação, pois o processo tem de seguir a forma escolhida pelo interessado relativamente à apreciação do pedido para que essa forma de processo é adequada (Neste sentido Jorge Lopes de Sousa, ob. cit., vol. II, pag. 92. ).

Foi o que se fez no caso em apreço em que se julgou procedente a excepção da caducidade do direito a deduzir oposição.
Daí que se entenda que não há lugar à pretendida convolação.
Finalmente se dirá que questão da prescrição pode, eventualmente, ser suscitada perante o órgão de execução fiscal, sendo eventual decisão desfavorável passível de reclamação para o tribunal tributário (art. 276° CPPT).
Improcedem assim todas as conclusões de recurso.

VI- Decisão
Nestes termos, acorda-se em negar provimento ao recurso, confirmando-se, em consequência, o julgado recorrido.
Custas pelo recorrente.

Lisboa, 20 de Fevereiro de 2013. – Pedro Delgado (relator) - Ascensão Lopes - Valente Torrão.