Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0467/08.9BECTB
Data do Acordão:11/24/2022
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:JOSÉ VELOSO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
AJUDAS COMUNITÁRIAS
Sumário:Não é de admitir a revista se as questões suscitadas desmerecem tanto por não se divisar a necessidade de uma melhor aplicação do direito, como por, face aos contornos particulares do caso concreto, elas não terem vocação «universalista».
Nº Convencional:JSTA000P30259
Nº do Documento:SA1202211240467/08
Data de Entrada:11/08/2022
Recorrente:IFAP-INSTITUTO DE FINANCIAMENTO DE AGRICULTURA E PESCAS-IP
Recorrido 1:A..........
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em «apreciação preliminar», na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
1. INSTITUTO DE FINANCIAMENTO DA AGRICULTURA E PESCAS, I.P. [IFAP] - demandado nesta acção administrativa «especial» - vem, invocando o artigo 150º do CPTA, interpor recurso de revista do acórdão do TCAS - de 23.06.2022 - que negando provimento à sua apelação da sentença do TAC de Lisboa - datada de 15.02.2016 - e concedendo provimento à apelação subordinada da autora da acção – A…….. -, decidiu manter a anulação do acto impugnado - decisão de 04.02.2004, do Vogal do Conselho de Administração do IFAP, que rescindiu unilateralmente o contrato de atribuição de ajudas ao abrigo das Medidas Agro-Ambientais -projecto número 1998600053106 - e determinou a restituição do valor das ajudas que foram pagas à autora, acrescido de juros calculados até Fevereiro de 2004, no valor total de 64.310,93€ - e condenar o IFAP a retomar o procedimento sobre o pedido de transferência de titularidade, apresentado pela autora da acção em 26.03.2001.

Alega que o «recurso de revista» deve ser admitido em nome da «necessidade de uma melhor aplicação do direito» e em nome da «relevância jurídica e social da questão».

A recorrida – A…….. - contra-alegou, defendendo, além do mais, a não admissão do recurso de revista por falta dos necessários pressupostos legais - artigo 150º, nº1, do CPTA.

2. Dispõe o nº1, do artigo 150º, do CPTA, que «[d]as decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

Deste preceito extrai-se, assim, que as decisões proferidas pelos TCA’s, no uso dos poderes conferidos pelo artigo 149º do CPTA - conhecendo em segundo grau de jurisdição - não são, em regra, susceptíveis de recurso ordinário, dado a sua admissibilidade apenas poder ter lugar: i) Quando esteja em causa apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental; ou, ii) Quando o recurso revelar ser claramente necessário para uma melhor aplicação do direito.

3. A autora da acção administrativa - então qualificada de «especial» - pediu ao tribunal que declarasse nulo o acto impugnado - já supra identificado - que rescindiu unilateralmente o contrato de atribuição de ajuda - ao abrigo de medidas agro-ambientais - e lhe determinou a restituição do valor já recebido, com juros de mora. Mais pediu que fosse a «entidade demandada condenada a reconhecer a transferência de titularidade do contrato a favor de B……..».

A rescisão unilateral desse contrato teve por fundamento «irregularidades» detectadas aquando do controlo físico feito pela «Direcção Regional de Agricultura do Alentejo» - a 20.02.2001 - à exploração em causa, tendo sido verificada «situação de incumprimento da legislação aplicável uma vez que a propriedade em apreço tinha sido vendida» a um terceiro [B……..].

Ambas as instâncias se decidiram pela anulação do acto impugnado, com fundamento - no essencial - em que a venda da exploração objecto do contrato de atribuição de ajuda não constitui incumprimento contratual susceptível de fundamentar rescisão unilateral do mesmo, pelo que esta decisão administrativa violava o regime de ajudas «instituído pelo Regulamento [CEE] 2078/92, do Conselho, de 30.06, e o disposto no artigo 6º, nº1, do DL nº31/94, de 05.02, conjugado com o artigo 44º, nº1, do Regulamento de Aplicação do Regime de Ajuda às Medidas Agro-Ambientais, aprovado pela Portaria nº85/1998, de 19.02».

O tribunal de 2ª instância, para além disso, conhecendo de apelação subordinada - que foi interposta pela autora da acção - revogou a sentença de 1ª instância «na parte em que julgou improcedente o pedido condenatório» e, em substituição, «condenou o IFAP a retomar o procedimento sobre o pedido de transferência da titularidade, apresentado pela autora em 26.03.2001».

Na sua senda decisória, o tribunal de apelação julgou improcedente erro de julgamento de facto invocado na apelação principal - onde se pretendia, no fundo, o aditamento de três «factos» - e «julgou prejudicado o conhecimento da ampliação da mesma», que fora pedida pela autora da acção. Relativamente à confirmação da anulação do acto impugnado, diz-se no acórdão - além do mais - que «em lado algum se estabelecem condições de elegibilidade referentes ao título que o beneficiário deve deter sobre o prédio em que é exercida a exploração objecto do contrato […]» pois que «uma coisa é a actividade de exploração e outra a propriedade sobre o prédio onde é exercida».

A entidade demandada - IFAP - pede revista do assim decidido, discordando do acórdão proferido pelo tribunal de apelação quer quanto à «confirmação da anulação» do acto impugnado quer quanto à «condenação a retomar o procedimento de transferência», sublinhando que ali se fez «errada interpretação dos factos e da legislação aplicável», e defendendo o julgamento de improcedência da anulação do acto impugnado. Alega que a revista é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, pois que o comportamento da beneficiária da ajuda constitui irregularidade que justifica a rescisão do contrato por violação dos respectivos «critérios de elegibilidade» nos termos do nº3 do artigo 3º do Regulamento [CEE] 2078/92, do Conselho, de 30.06. É que, explicita, o programa foi estabelecido por 5 anos, devendo a respectiva beneficiária «confirmar as condições de elegibilidade anualmente», o que não fez a partir de 2001, inclusive. Isto é, antes de ter procedido à venda da exploração, a beneficiária deveria ter assegurado a manutenção dos compromissos por si assumidos.

Compulsados os autos, importa apreciar «preliminar e sumariamente», como compete a esta Formação, se estão verificados os «pressupostos» de admissibilidade do recurso de revista - referidos no citado artigo 150º do CPTA - ou seja, se está em causa uma questão que «pela sua relevância jurídica ou social» assume «importância fundamental», ou se a sua apreciação por este Supremo Tribunal é «claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

Ora, como vem sublinhando esta «Formação», a admissão da revista fundada na clara necessidade de uma melhor aplicação do direito prende-se com situações respeitantes a matérias relevantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente, ou, até, de forma contraditória, a exigir a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa como essencial para dissipar as dúvidas sobre o quadro legal que regula essa concreta situação, emergindo, destarte, a clara necessidade de uma melhor aplicação do direito com o significado de boa administração da justiça em sentido amplo e objectivo. E que a relevância jurídica fundamental se verifica quando se esteja - designadamente - perante questão jurídica de elevada complexidade, seja porque a respectiva solução envolve a aplicação conjugada de diversos regimes jurídicos, seja porque o seu tratamento tenha já suscitado dúvidas sérias na jurisprudência ou na doutrina. Por seu lado, a relevância social fundamental aponta para questão que apresente contornos indiciadores de que a respectiva solução pode corresponder a paradigma de apreciação de casos similares, ou que verse sobre matérias revestidas de particular repercussão na comunidade.

A «questão» nuclear trazida à revista - para além de outras «satélites» - tem a ver com a responsabilização da autora por alegado incumprimento de compromissos assumidos - mormente confirmação anual das condições de elegibilidade - após ter «vendido o terreno» afecto ao projecto de exploração, e pedido a transferência da titularidade desta ao IFAP, pois foi - substancialmente - este fundamento que motivou a rescisão unilateral do seu contrato de atribuição de ajuda.

Constata-se que os tribunais de instância julgaram, de forma unânime, e juridicamente consistente, que a rescisão unilateral do contrato de atribuição de ajuda - aqui em causa - não se poderia manter com a fundamentação que a sustenta, pois que «em lado algum se estabelecem condições de elegibilidade referentes ao título que o beneficiário deve deter sobre o prédio em que é exercida a exploração objecto do contrato […]». Assim, da avaliação preliminar sumária que nos é pedida ressuma que a decisão de anular o acto impugnado, e, bem assim, a de prosseguimento do pedido de transferência da titularidade se nos apresentam como aceitáveis e juridicamente razoáveis. Deste modo, a questão enunciada, muito embora relevante, apresenta-se - aparentemente - bem resolvida no acórdão recorrido, pelo que não surge como claramente indispensável a sua revista em ordem a «melhor aplicação do direito».

É certo que o IFAP está vinculado ao princípio da legalidade, que se limita a aplicar no âmbito da atribuição das ajudas bem como no âmbito da recuperação daquilo que, na sua perspectiva jurídica, se mostra indevidamente recebido. Por isso mesmo, esta sua missão contende com um interesse à partida socialmente relevante, o qual, porém, se encontra no presente caso fortemente esbatido em face do aparente acerto decisório do acórdão recorrido. Daí que entendamos também não estar devidamente preenchido o pressuposto da importância fundamental da questão objecto da pretensão de revista. Aliás, quanto à sua vertente da «anulação do acto impugnado», a mais relevante, uma vez que condiciona a condenação no «prosseguimento do pedido de transferência», o presente recurso de revista consubstancia-se numa «pretensão de abertura de terceira instância», não permitida por lei.

Por isso, entendemos não se verificar qualquer um dos «pressupostos» justificativos da admissão da revista, não sendo o presente caso susceptível de quebrar a «regra» da excepcionalidade da admissão do respectivo recurso.

Nestes termos, e de harmonia com o disposto no artigo 150º do CPTA, acordam os juízes desta formação em não admitir a revista.

Custas pelo recorrente.

Lisboa, 24 de Novembro de 2022. – José Veloso (relator) – Teresa de Sousa – Carlos Carvalho.