Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02408/12.0BELSB
Data do Acordão:05/25/2023
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:TERESA DE SOUSA
Descritores:APRECIAÇÃO PRELIMINAR
INSTITUTO DE FINANCIAMENTO DA AGRICULTURA E PESCAS
REPOSIÇÃO
INCENTIVOS
FUNDOS COMUNITÁRIOS
Sumário:I - É de admitir revista na qual a questão de direito que vem suscitada é da aplicação, ou não, no caso, do art. 327º, nº 1 do CC, face ao previsto no art. 3º do Regulamento (CE EURATOM) nº 2988/95, tendo o acórdão recorrido considerado que a aplicação daquele preceito do art. 327º do CC, não era incompatível com a previsão do art. 3º do Regulamento.
II - Esta questão reveste relevância jurídica na interpretação e aplicação de normas comunitárias em matéria de prescrição, não respeitando apenas ao caso dos autos, tal como o mesmo se apresentou concretamente, sendo susceptível de se replicar em outros casos semelhantes, sendo que a solução do acórdão recorrido pode suscitar dúvidas que importa dilucidar.
Nº Convencional:JSTA000P31054
Nº do Documento:SA12023052502408/12
Data de Entrada:05/05/2023
Recorrente:A..., LDA
Recorrido 1:IFAP – INSTITUTO DE FINANCIAMENTO DA AGRICULTURA E PESCAS, IP
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Formação de Apreciação Preliminar

Acordam no Supremo Tribunal Administrativo

1. Relatório
A..., Lda, Autora na acção administrativa especial que intentou contra o IFAP – Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, IP (IFAP), vem interpor recurso de revista, nos termos do art. 150º do CPTA, do acórdão proferido pelo TCA Norte, em 10.02.2023, que concedeu provimento ao recurso que o R. interpôs da sentença do TAF de Viseu que julgou a acção procedente.
Alega que a revista é necessária por estar em causa questão de importância fundamental, pela sua relevância jurídica e social e para uma melhor aplicação do direito.

Não foram apresentadas contra-alegações.

2. Os Factos
Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

3. O Direito
O art. 150º, nº 1 do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo “quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de uma importância fundamental” ou “quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”.
Como resulta do próprio texto legal, e a jurisprudência deste STA tem repetidamente sublinhado, trata-se de um recurso excepcional, como, aliás, o legislador sublinhou na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nºs 92/VIII e 93/VIII, considerando o preceito como uma “válvula de segurança do sistema”, que só deve ter lugar, naqueles precisos termos.

Nos presentes autos está em causa a reposição de fundos de incentivos comunitários, no âmbito do regime de apoio à reconversão e reestruturação da vinha (VITIS), impugnando a A. a decisão do IFAP, IP constante do ofício ...12, de 04.07.2012 que determinou à Autora a restituição da quantia de €44.802,68.

O TAF de Viseu por sentença de 08.02.2022 julgou procedente a acção, anulando o acto impugnado.
Considerou para tanto, em síntese, que se encontrava prescrito o procedimento, ao abrigo do disposto no art. 3º do Regulamento (CE EURATOM) nº 2988/95, do Conselho, de 18/12.

O TCA divergiu desta decisão, tendo entendido no que respeita à invocada prescrição que a sentença não ajuizara correctamente, por ser aplicável ao caso o disposto no nº 1 do art. 327º do Código Civil (CC), conforme estipula o próprio art. 3º do Regulamento nº 2988/95, §2º, do nº 2. Não existindo qualquer incompatibilidade entre o disposto no nº 3 do art. 3º do referido Regulamento e o disposto no nº 1 do art. 327º do CC.
Concluiu que, não se pode sancionar a Entidade Demandada por não ter retomado o procedimento enquanto estava em curso, sem decisão final transitada em julgado, a acção nº 336/06.7BELSB (na qual o acto aí impugnado foi declarado nulo).
Considerou que, “Tendo a decisão final naquele processo transitado em julgado em 2012 ainda não se tinha esgotado o prazo de prescrição quando foi praticado o novo acto, precisamente o aqui impugnado, comunicado por ofício de 04.07.2012.”.
Assim, o acórdão concedeu provimento ao recurso, revogou a sentença recorrida e determinou a baixa dos autos à 1ª instância para aí serem conhecidos os demais vícios do acto.

A Recorrente na presente revista imputa ao acórdão recorrido erro de julgamento sobre a questão da prescrição, ao ter aplicado ao caso o art. 327º, nº 1 do CC, alegando que tal aplicação é incompatível com o estabelecido no Regulamento (CE, EURATOM) nº 2988/95, do Conselho, de 18.12, que tem uma norma própria no tocante ao regime da prescrição, devendo ser aplicada em detrimento da norma nacional, sob pena de, assim não se entendendo, ocorrer violação desse Regulamento e do princípio do primado do Direito Europeu.

Ora, como se vê as instâncias decidiram a questão da prescrição de modo divergente.
A questão de direito que vem suscitada na revista é da aplicação, ou não, no caso, do art. 327º, nº 1 do CC, face ao previsto no art. 3º do Regulamento (CE EURATOM) nº 2988/95, tendo o acórdão recorrido considerado que a aplicação daquele preceito do art. 327º do CC, não era incompatível com a previsão do art. 3º do Regulamento.
Ora, esta questão reveste relevância jurídica na interpretação e aplicação de normas comunitárias em matéria de prescrição, não respeitando apenas ao caso dos autos, tal como o mesmo se apresentou concretamente, sendo susceptível de se replicar em outros casos semelhantes, sendo que a solução do acórdão recorrido pode suscitar dúvidas que importa dilucidar.
Assim, uma vez que a situação dos autos tem relevância jurídica e social, e que como se verifica pela divergência das instâncias quanto à questão da prescrição, esta não é isenta de dúvidas, justifica-se a intervenção deste STA, para uma melhor dilucidação de tal questão suscitada na revista.

4. Decisão
Pelo exposto, acordam em admitir a revista.
Sem custas.

Lisboa, 25 de Maio de 2023. – Teresa de Sousa (relatora) – José Veloso – Fonseca da Paz.