Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:058/13
Data do Acordão:07/03/2013
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:DULCE NETO
Descritores:OPOSIÇÃO DE JULGADOS
REQUISITOS
Sumário:I - Não se verifica oposição de julgados no caso de a diversidade das soluções jurídicas encontrada nos arestos em confronto não resultar de entendimento inconciliável quanto à mesma questão fundamental de direito, mas antes do enfrentamento de realidades fácticas distintas, que levaram à apreciação de questões jurídicas diversas à luz de normas também diferentes.
II - E essa oposição também não ocorre quando o objecto do acórdão fundamento não constitui, sequer, objecto do litígio em curso no acórdão recorrido.
Nº Convencional:JSTA000P16043
Nº do Documento:SAP20130703058
Data de Entrada:05/29/2013
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. A…., interpôs para o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo recurso do acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte em 27/09/2012, no processo n.º 520/10.9BEPNF, invocando a sua oposição com o acórdão proferido pelo mesmo Tribunal em 10/11/2011, no processo nº 2021/10.6BEPRT, e, ainda, com o acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo em 17/12/2008, no processo n.º 0346/08.

1.1. O Excelentíssimo Desembargador Relator no Tribunal Central Administrativo Norte julgou verificada a oposição de julgados, argumentando que, «Efectivamente, sobre as mesmas questões de direito, se bem que equacionadas de modo distinto (devidamente identificadas pelo recorrente), sobre o enquadramento jurídico da nulidade da citação versus falta de citação e da nulidade derivada da falta de requisitos essenciais do título executivo (art. 165º nº 1 alínea b) do CPPT), existe divergência na solução entre o acórdão recorrido e os acórdãos fundamentos.
Entende-se, assim, numa visão ampla das questões em apreço, ocorrer a apontada “contradição de julgados” (…)».

1.2. O Recorrente apresentou alegações sobre o mérito do recurso, que rematou com as seguintes conclusões:

I. O recorrente entende que se verifica o antagonismo de soluções jurídicas, quanto à questão fundamental de direito equacionada pelo apelante, é de parecer que deve ser mantida a doutrina expendida no acórdão recorrido, em consonância com jurisprudência do TCAN e STA, que indica, e em homenagem ao princípio da interpretação e aplicação uniformes de direito.

Não vemos como pode o acórdão recorrido, dos factos dado como provados, extrair a conclusão de que o recorrente não foi prejudicado na sua defesa, que tomou conhecimento da extensão da dívida e dos meios que à sua disposição tinha, para exercer a sua defesa.

II . Note-se que, nos factos dados como provados na alínea d) foi dado como provado que o recorrente não foi citado para o PEF (dos autos).

III . Assim, a concluir-se que a falta de citação pode ter prejudicado a defesa do ora recorrente, estar-se-á perante uma nulidade insanável, que, naturalmente, por o ser, nunca poderá considerar-se sanada, independentemente das intervenções processuais que o executado tenha concretizado (cfr. art. 165º, nº 1, alínea a do CPPT).

IV . No caso em apreço, é manifesto que não se pode afastar a possibilidade de a falta de citação ter prejudicado a defesa do ora impetrante.

V . Na verdade, o facto de não ter vindo deduzir oposição na sequência da primeira intervenção que teve no processo, aponta no sentido de o ora recorrente não se ter apercebido de que, eventualmente, se poderia vir a entender que nesse momento já estivesse a decorrer o prazo de oposição, conclusão esta que é reforçada pela constatação de a norma que fixa o prazo de oposição e os seus termos iniciais não fazer referência a essa possibilidade.

VI . Por outro lado, afigura-se estarmos perante uma execução fiscal na qual o recorrente, não tendo sido citado, não pôde aperceber-se de toda a informação que desta lhe podia advir, não só sobre os montantes exactos e origem da dívida, mas também sobre as faculdades processuais de que dispunha (além da oposição, também a possibilidade de requerer dação em pagamento ou pagamento em prestações, como se estabelece no art.º 189º, nº 1, do CPPT).

VII . Sendo assim, é forçoso constatar que não se pode concluir com segurança que esteja sanada a falta de citação, sem que esta seja efectuada.

VIII . E, na observância dos requisitos previstos na lei, é à administração tributária naturalmente, que incumbe demonstrar que a citação foi efectuada.

IX . O ónus de alegação e prova que é imposto ao citando no referido n.º 6 do art. 190º deste Código restringe-se ao não conhecimento do teor do acto, nos casos em que se demonstre (demonstração que cabe à Administração Tributária) que ele foi devidamente praticado.

X . Os princípios da segurança jurídica e da confiança, com a sua vertente de proibição da indefesa, não permitem que, na dúvida sobre se o executado teve ou não a possibilidade de se defender num processo em que são afectados os seus direitos, se ficcione que ele teve essa possibilidade.

XI . Ora, no caso sub judice, não só nos factos dados como provados, ficou provado que o reclamante não foi citado para os PEF (dos autos), como não resulta dos autos que o executado ora recorrente se tenha socorrido dos demais meios legais ao seu dispor para fazer valer os seus direitos, nomeadamente deduzindo impugnação judicial ou oposição.

XII . Do cotejo da prova produzida nos autos, não se vislumbra que tenham sido levados ao conhecimento do citado o montante efectivo da quantia exequenda, os meios de pagamento ou de defesa, sendo certo que o conhecimento destes factos relevava para a sua defesa.

XIII . Note-se que toda a defesa do recorrente assenta, não num não reconhecimento de terem sido violadas no âmbito da citação, as formalidades legalmente exigidas, mas sim na alegação de que, em concreto da falta de citação, e em prol de tal violação, resultou prejudicado o recorrente, nos seus direitos.

XIV. Todavia, o certo é que não resultou apurado, como inequivocamente resulta do probatório, que tal prejuízo não se tenha verificado, já que forçoso era, para que tal pudesse ser concluído, que tivesse ficado comprovado que a haver citação notificação - que o recorrente não ficou prejudicado na sua defesa.

XV. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte (TCAN) de 10-11-2011, proclamado pela 2.ª Secção de Contencioso Tributário, in Processo 02021/10.6BEPRT; sumário: A falta de citação pessoal do executado constitui nulidade insanável quando de tal omissão possa resultar prejuízo para a defesa daquele. Apenas se pode concluir pelas não existência de tal nulidade e, consequentemente, pela irrelevância da falta de citação, se estiver comprovado nos autos que, no caso concreto, não obstante não ter sido pessoalmente citada, a revertida tomou tempestivamente integral conhecimento dos direitos que legalmente lhe assistem não tendo, por essa razão, ficado prejudicada na sua defesa, onde mais se expôs: “Alias, como é sabido, nesta matéria, e tratando concretamente esta questão específica e aqui suscitada, a jurisprudência tem, de forma reiterada, entendido que «(...) o que releva para efeito de saber se deve ser atendida a arguição de nulidade é a possibilidade de prejuízo para a defesa do executado e não a existência de um prejuízo efectivo, como se depreende da utilização daquela expressão e não de outra como «quando tenha prejudicado a defesa do citado» ou, simplesmente «prejudicar a defesa do citado» ou outra semelhante. Sendo assim, para existir nulidade não é exigível ao citado que alegue e prove a existência de um concreto prejuízo para a sua defesa, bastando que se apure que, no caso, não é de afastar a possibilidade de ter ocorrido tal prejuízo. (...) Assim, não tendo, in casu, sido apurada factualidade bastante para que o Tribunal a quo pudesse concluir pelo afastamento deste prejuízo no caso concreto, a decisão recorrida não merece qualquer censura pelo que deve ser confirmada.».

XVI . E, pelo Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 17-12-2008, preconizado pelo Pleno da Secção do Contencioso Tributário, in Processo 0364/08; sumário: A falta de requisitos do título executivo, que, quando não puder ser suprida por prova documental constitui nulidade insanável do processo de execução fiscal - art.º 165., nº 1, al. b) do CPPT -, não constitui fundamento de oposição, não sendo enquadrável na al. i) do nº 1 do seu art. 204º.

XVII . Encontrando-se assim o douto acórdão recorrido em clara oposição com esta jurisprudência “acórdãos fundamento”, ambos os acórdãos foram proferidos num quadro normativo substancialmente idêntico.

XVIII. Está em causa uma divergente interpretação destas situações jurídica e factual, que resultaram na prolação de duas decisões opostas, sobre a mesma questão fundamental de direito - falta de citação.

XIX . A finalidade dos recursos por oposição de julgados, é a de assegurar o valor de igualdade na aplicação do direito.

XX . Na verdade, a causa a pedir além da já referida falta de citação, envolveu também a falta de requisitos do título executivo.

XXI . A sanação das deficiências dos títulos executivos, através de prova documental, prevista no art. 165º, nº 1, al. b) do CPPT, tem de ser feita até ao momento em que se procede à citação, quando estas deficiências afectam o conhecimento do executado sobre os elementos relevantes para decidir sobre o uso das faculdades processuais que a lei lhe proporciona.

XXII . Caso a falta de requisitos do título executivo não seja colmatada até ao momento da citação, não poderá mais essa falta ser suprida, nem mesmo por prova documental (art. 165º, nº 1, al. b) do CPPT), o que implica a sua inexequibilidade.

XXIII . Está em causa a falta de indicação dos factos tributários que são subjacentes à dívida exequenda, natureza e proveniência da dívida e indicação, por extenso, do seu montante. A falta de menção da proveniência da dívida não permite ao executado saber com segurança a que dívida se refere o título executivo, pelo que não estão eficazmente assegurados os seus direitos de defesa.

XXIV. Não tendo o executado tomado conhecimento deste requisito essencial do título executivo, não ficou regularizada a falta do requisito de proveniência da dívida, não podendo, naturalmente, a execução prosseguir como resultado da inexequibilidade do título.

XXV . Estando em causa a inexequibilidade do título executivo, a execução fiscal terá que ser extinta. A falta de requisitos do título executivo harmoniza-se, in totum, com a finalidade do processo de execução fiscal.

XXVI. No acórdão recorrido decidiu-se que os títulos executivos constantes dos autos, são suficientes para o recorrente relacionar o titulo com a correspondente liquidação de imposto que lhe está subjacente, e da qual teve, conhecimento se não antes no decorrer da execução fiscal.

XXVII . Este hipotético entendimento, para além de estar ao arrepio da unidade do sistema jurídico, que é o elemento primacial da interpretação jurídica, foi, decerto, uma solução desacertada.

XXVIII . Assim, parece-nos que o entendimento mais curial será de admitir a falta de requisitos do título executivo, porque afectou o conhecimento do executado sobre os elementos relevantes para decidir sobre o uso das faculdades processuais que a lei lhe proporciona.

XXIX . De acordo com o disposto na al. e) do nº 1 do art. 163º do CPPT, é requisito essencial do título executivo a menção da natureza e proveniência da dívida.

XXX . O que releva, neste âmbito, é que o título executivo permita ao executado a informação suficiente para saber com segurança qual é a dívida a que o título se refere, de forma a estarem assegurados eficazmente os seus direitos de defesa.

XXXI . Como resulta do exposto, ficou demonstrada a oposição entre o acórdão recorrido e o acórdão com solução oposta (cfr. douto acórdão do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo de 17-12-2008, in Processo 0364/08 e o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte (TCAN) de 10-11-2011, proclamado pela 2.ª Secção de Contencioso Tributário, in Processo 02021/10.6BEPRT), já que os mesmos versam sobre a mesma questão de direito.

XXXII . Não obstante, sendo a questão em apreço essencialmente de direito, o Venerando Tribunal não está limitado ao apreciá-la ao alegado pelo recorrente, sobre a existência daquela, como determina o principio geral do processo civil.

XXXIII . Por isso, nada obstará a que o Tribunal julgue reconhecida a existência de oposição por razões diferentes da invocada pelo recorrente.

XXXIV. Nestas circunstâncias, a eventual omissão da demonstração da existência da oposição, não deve obstar ao reconhecimento da alegada oposição.

XXXV . In casu, encontramo-nos perante uma matéria que suscita fundadas dúvidas, tendo a mesma, originado uma divisão na jurisprudência e na doutrina, gerando incerteza e instabilidade na resolução dos litígios.

XXXVI . Crê-se, por isso, estarem preenchidos os pressupostos determinantes da admissibilidade do recurso previsto no art. 150º do CPTA.

XXXVII .O acórdão recorrido violou e interpretou erroneamente os dispostos nos termos dos art. 163º, 165º, 189º, 190º do CPPT e art. 2º e 20º, nº 4 da CRP; Deveria ter interpretado e aplicado tais normas, de modo a decidir em consonância com os acórdãos fundamento.

XXXVIII . Pelo exposto, deve o acórdão recorrido ser revogado e substituído por outro que julgue declarando conforme se enunciou nas antecedentes conclusões.

XXXIX . Não pode, portanto, manter-se o acórdão recorrido que decidiu em contrário.


1.3. A Fazenda Pública, ora Recorrida, apresentou contra-alegações, a fls. 575 e segs., para defender, em suma, que os acórdãos fundamento não se encontram em oposição com o acórdão recorrido relativamente às duas questões colocadas, não existindo contradição entre as doutrinas adoptadas por cada uma dessas duas decisões até porque que incidiram sobre factualidade diversa; para o caso de assim não se entender, sustentou que a decisão correcta sempre seria a acolhida pelo acórdão recorrido.

1.4. O Excelentíssimo Procurador-Geral-Adjunto, referindo-se à invocada oposição do acórdão recorrido com o acórdão proferido pelo TCAN em 10/11/2011, emitiu douto parecer no sentido de se julgar findo o recurso por inexistência de oposição de soluções.

1.4. Colhidos os vistos dos Excelentíssimos Conselheiros Adjuntos, cumpre apreciar em Pleno da Secção.

2. O presente recurso tem por base a oposição do acórdão proferido pelo TCA Norte em 27/09/2012, no processo n.º 520/10.9BEPNF (acórdão recorrido), com o acórdão proferido pelo mesmo Tribunal em 10/11/2011, no processo nº 2021/10.6 BEPRT, e com o acórdão proferido pela Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em 17/12/2008, no processo n.º 0346/08 (acórdãos fundamento).

Apesar de o Exmº Desembargador Relator do acórdão recorrido ter admitido a existência da alegada oposição de acórdãos, importa reapreciar se a mesma se verifica, pois tal como tem sido reiteradamente afirmado pela jurisprudência deste Supremo Tribunal, que aqui nos dispensamos de enumerar por tão exaustiva, essa decisão não faz caso julgado e não impede nem desobriga o Tribunal de recurso de a apreciar, em conformidade com o disposto no artigo 687º, nº 4, do Código de Processo Civil.

Trata-se de um recurso por oposição de acórdãos interposto em processo de reclamação deduzida contra acto do órgão de execução fiscal instaurado em 5/10/2005, ao qual é, assim, aplicável o ETAF de 2002 ( Cfr., sobre o tema, o acórdão do Pleno desta Secção, de 26/09/2007, no recurso n.º 0452/07.), pelo que o seu conhecimento, tendo em conta o regime previsto no artigo 27º, nº 1, alínea b), do ETAF, artigo 152º, nº 1, alínea a), do CPTA e artigo 284º do CPPT, depende da verificação cumulativa dos seguintes requisitos legais:

- que se verifique contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito;

- que não ocorra o caso de a decisão impugnada estar em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada do STA.

E como também tem sido repetidamente explicitado pelo Pleno desta Secção, relativamente à caracterização da questão fundamental de direito sobre a qual deve existir contradição de julgados, devem adoptar-se os critérios já firmados no domínio do ETAF de 1984 e da LPTA para detectar essa contradição, e que são os seguintes:

- identidade da questão de direito sobre que recaíram os acórdãos em confronto, o que supõe estar-se perante uma situação de facto substancialmente idêntica - ou seja, é necessária tanto uma identidade jurídica como factual, o que pressupõe identidade substancial das situações fácticas, entendida esta não como uma total identidade dos factos mas apenas como a sua subsunção às mesmas normas legais;

- que não tenha havido alteração substancial na regulamentação jurídica - a qual se verifica sempre que as eventuais modificações legislativas possam servir de base a diferentes argumentos que possam ser valorados para determinação da solução jurídica;

- que se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta, e que essa oposição decorra de decisões expressas, não bastando a simples oposição entre razões ou argumentos enformadores das decisões finais ou a invocação de decisões implícitas ou a pronúncia implícita ou consideração colateral tecida no âmbito da apreciação de questão distinta (Cfr., entre tantos outros, os acórdãos de 6/05/2009, no recurso nº 0617/08, de 26/09/2007, no recurso nº 0452/07, de 28/01/2009, no recurso nº 0981/07 e de 22/10/2008, no recurso nº 0224/08.).

Vejamos, então, se no caso se encontram preenchidos os citados requisitos.

O acórdão recorrido decidiu as questões que o executado colocou no recurso jurisdicional da sentença que julgara improcedente a reclamação que deduzira contra o despacho do órgão da execução fiscal que lhe havia indeferido o pedido de reconhecimento da nulidade processual que aí teria sido cometida, questões que se traduziam em saber se a sentença incorrera em erro de julgamento por ter julgado que: i) não ocorrera nem a falta do acto de acto de citação nem uma irregularidade do acto determinante da sua anulação nos termos do art. 165º, nº 1, alínea a), do CPPT; ii) não ocorrera a nulidade prevista na al. b), da mesma disposição legal, já que o título executivo continha os requisitos essenciais.
E o presente recurso tem por base a oposição deste acórdão com o acórdão proferido pelo TCAN em 10/11/2011, no proc. nº 2021/10.6 BEPRT (quanto à primeira questão) e com o acórdão proferido pelo STA em 17/12/2008, no proc. nº 0346/08 (quanto à segunda questão).

Na sentença proferida na reclamação judicial sindicada no acórdão recorrido, o Mmº Juiz do Tribunal de 1ª instância julgou improcedente a reclamação por ter entendido, por um lado, que o reclamante fora efectivamente citado nos termos da citação-notificação que recebeu em 16/11/2009, e, por outro lado, que além de não ter provado que tal citação-notificação fosse irregular por falta de elementos essenciais, pois «(…) o reclamante não fez prova dos títulos executivos que faziam parte da citação (…)», a invocação desta nulidade da citação era intempestiva, em conformidade com o disposto nos arts. 198º, nºs. 1 e 2, do CPC, 203º, nº 1, do CPPT, 203º, nºs. 1 e 2, e 205º, nº 1, ambos do CPC; e, finalmente, que não se verificava a nulidade prevista no art. 165º, nº 1, al. b), do CPPT, porquanto os títulos executivos juntos aos autos continham os requisitos essenciais previstos nos arts. 88º e 163º do CPPT.

Advogando que essa decisão padecia de erro de julgamento, no recurso que dela interpôs para o TCAN o reclamante continuou a defender que ocorrera falta de citação com prejuízo para a sua defesa e que a citação-notificação que recebera não continha os elementos essenciais, devendo, por isso, ser anulada, e que os títulos executivos não observavam os requisitos legais, o que consubstanciava a nulidade prevista na al. b) do nº 1 do art. 165º do CPPT.

Todavia, o acórdão do TCAN manteve a decisão recorrida, enfatizando o seguinte:

«Como bem se refere na sentença recorrida, são distintas as situações em que ocorre no processo de execução fiscal falta de citação e nulidade de citação. (…)
No caso dos autos, não se está perante qualquer das situações indicadas no referido art. 195º do CPC em que se considera ocorrer falta de citação. Por outro lado, o ora Recorrente não alegou nem demonstrou que não chegou a ter conhecimento do acto, por motivo que lhe não foi imputável e, pelo contrário, demonstra-se, por uma série de actos sucessivos elencados na sentença sob recurso, constantes da matéria assente, que o mesmo teve pleno conhecimento da citação-notificação efectuada e dos respectivos termos em que a mesma ocorreu.
Assim, por força do disposto no n.º 5 do art. 190º e em sintonia com o referido art. 195º do CPC tem de entender-se que não ocorre falta de citação, pelo que a situação dos autos não pode enquadrar-se na referida alínea a) do nº 1 do art. 165º do CPPT.
Por outro lado, não se estando perante uma situação qualificável como falta de citação, fica irremediavelmente afastada a possibilidade de enquadrar a situação na referida norma, sendo irrelevante que a irregularidade da citação efectuada tenha prejudicado a defesa do ora Recorrente.
Na verdade, havendo meras irregularidades na citação efectuada, estar-se-ia perante uma mera nulidade de citação, enquadrável no art. 198º do CPC. (…)
Assim, sendo é manifesta a intempestividade da arguição feita pelo ora Recorrente (a primeira intervenção processual do recorrente na execução ocorreu em 31.12.2009 - vide itens “F)” e “G)” da matéria assente, e a arguição de nulidade foi feita apenas em 18.05.2010 perante o Serviço de Finanças), em conformidade com o decidido na 1ª instância.
Em jeito de ultimação, mais se diga que é ao Recorrente/executado quem na qualidade que citando pode saber qual o conteúdo da citação que lhe foi entregue e se foram ou não observadas as formalidades da lei. E o que temos é que o executado não o fez perante o tribunal recorrido apesar de devidamente notificado para o efeito.(…)
E não se contraponha que o ónus de prova recai sobre a administração tributária. Porque a demonstração de que a citação foi efetuada faz-se precisamente com a apresentação do aviso de receção, devidamente assinado. E a demonstração de que foram cumpridas as formalidades respetivas só se justificava se o incumprimento dessas formalidades tivesse sido oportunamente arguido.
Resta pois, por último, aferir da invocada nulidade derivada da falta de requisitos essenciais do título executivo e do erro de julgamento de direito invocado pelo recorrente ao juízo da mesma na sentença sob recurso (…) .
Os títulos executivos têm, desde logo, como função a de informar o executado sobre a dívida em cobrança coerciva para que este possa, se assim o entender, organizar devidamente a sua defesa. (…)
Retomando o caso dos autos, temos que ao Executado foi enviada uma carta registada com aviso de recepção que se mostra assinado pelo próprio em 16 de Novembro de 2009 e do qual consta tratar-se de carta para “citação-notificação”. (cf. documento de fls. 59 e documento de fls. 62 verso), sendo que os títulos executivos cujo teor consta dos documentos de fls. 50 a 59, 76 a 81, 84, 85 e 94 dos autos, contêm os requisitos essenciais previstos nos arts. 88.º e 163º do CPPT.
Quer isto dizer que, quanto a este específico requisito, os títulos asseguram o seu preenchimento, sendo de concluir, inequivocamente, que estes elementos são suficientes para o aqui Recorrente relacionar o título com a correspondente liquidação de imposto que lhe está subjacente e da qual teve, conhecimento se não antes no decorrer da execução fiscal, nos termos supra referenciados.
Em suma, à certidão de dívidas em análise não faltam os requisitos respeitantes à indicação da natureza e proveniência da dívida, cumprindo as mesmas, de forma cabal, a função que lhe deixámos indicada, ou seja, de informar o executado sobre a dívida em cobrança coerciva. Assim sendo, não se verifica a invocada nulidade prevista no artigo 165º, nº 1, al. b) do CPPT.».

Já no caso apreciado no acórdão fundamento proferido pelo TCAN no processo nº 2021/10.6 BEPRT, estava em causa uma reclamação deduzida contra o acto do órgão de execução fiscal que indeferira um requerimento em que a executada pedira o reconhecimento da nulidade da sua citação sob a invocação de que, tendo o acto sido realizado numa terceira pessoa, dele não havia tomado conhecimento por motivo que não lhe era imputável, o que prejudicara a sua defesa.
A 1ª instância julgou a reclamação procedente, determinando a anulação da citação por entender que « …) no caso sub judice, não só o órgão de execução fiscal admite ter indevidamente citado a Reclamante, em terceira pessoa, como não resulta dos autos que a executada ora Reclamante se tenha socorrido dos demais meios legais ao seu dispor para fazer valer os seus direitos, nomeadamente deduzindo Impugnação Judicial ou Oposição.(…)
Do cotejo da prova produzida nos autos não se vislumbra que tenham sido levados ao conhecimento da citanda o montante efectivo da quantia exequenda, os meios de pagamento ou de defesa, sendo certo que o conhecimento destes factos relevava para a “defesa” da revertida. (…)
Destarte, não se mostrando a citação feita de forma regular e não podendo o Tribunal concluir com segurança que o teor da citação, levada a efeito em desconformidade com a lei, tenha sido transmitido por F… (sócio gerente da primitiva devedora e alegado (ex)marido da impetrante) à Reclamante, impera expurgar o despacho reclamado da ordem jurídica, para que outro seja proferido em conformidade com vertido supra(…)».
A Fazenda Pública recorreu dessa sentença, invocando erro de julgamento por entender que, não obstante se mostrarem incumpridas as formalidades da citação, esta não devia ser anulada dado que a irregularidade não havia prejudicado a Reclamante quanto ao exercício dos seus direitos.
O TCAN, no acórdão fundamento, confirmou a decisão recorrida, argumentando que «(…) toda a defesa da Recorrente assenta, não, como já mencionamos, num não reconhecimento de terem sido violadas, no âmbito da citação, as formalidades legalmente exigidas, que aquela reconhece que não foram observadas, mas sim na alegação de que, em concreto, de tal violação não resultou prejudicada a Recorrida nos seu direitos.
Todavia, se tal factualidade foi alegada, o certo é que não resultou apurado, como inequivocamente resulta do probatório, que tal prejuízo não se tenha verificado já que forçoso era, para que tal pudesse ser concluído, que tivesse ficado comprovado que a citação, ainda que realizada na pessoa de F… (sócio gerente da primitiva devedora e alegado (ex)marido da impetrante) lhe havia sido integralmente transmitida.
O que, não aconteceu, sendo por isso impossível concluir peremptoriamente, como pretende a Recorrente, que a Recorrida não ficou prejudicada na sua defesa.». E, seguindo a orientação de jurisprudência dominante, no sentido de que a relevância da falta se afere ante a mera possibilidade de ocorrência de prejuízo, concluiu que «(…) não tendo, in casu, sido apurada factualidade bastante para que o Tribunal a quo pudesse concluir pelo afastamento deste prejuízo no caso concreto, a decisão recorrida não merece qualquer censura pelo que deve ser confirmada.».

Constata-se, assim, que o acórdão recorrido e o acórdão fundamento recaíram sobre situações fácticas distintas, com implicações jurídicas diversas:

· no acórdão recorrido questiona-se quer a efectivação da citação para a execução fiscal, quer a regularidade da citação-notificação realizada na própria pessoa do executado por, alegadamente, não conter os elementos essenciais, tendo-se concluído, em face do quadro factual fixado, que a citação ocorrera com o recebimento, pelo executado, da citação-notificação, sem que, por outro lado, este provasse a invocada ausência de elementos essenciais, sendo, ademais, intempestiva a arguição dessa nulidade nos termos do art. 198º do CPC.

· no acórdão fundamento a irregularidade do acto de citação não é controvertida, por reconhecidamente ter sido realizada numa terceira pessoa, tendo-se apreciado, tão-só, a questão da sua nulidade em face da possibilidade de prejuízo do exercício dos direitos de defesa da executada, tendo-se concluído que essa possibilidade de prejuízo se verificava no caso em apreço.

Não há, pois, oposição entre os dois arestos susceptível de ser dirimida mediante o presente recurso fundado em oposição de acórdãos.

E é manifesto que também não ocorre a invocada oposição relativamente ao acórdão fundamento proferido pelo STA no processo n.º 0346/08, já que o objecto desse acórdão não constitui, sequer, objecto do litígio em curso no acórdão recorrido. Com efeito, como se viu, a questão que se colocava no acórdão recorrido era a de saber se os concretos títulos executivos continham os elementos essenciais, e constatando-se que os documentos juntos aos autos preenchiam os requisitos previstos nos arts. 88º e 163º do CPPT, julgou-se inverificada a nulidade prevista no art. 165º, nº 1, al. b), do CPPT, confirmando-se, também nesta parte, a decisão de improcedência da reclamação proferida na 1ª instância.

Ora o acórdão fundamento não se pronunciou, expressa ou implicitamente, sobre os requisitos do título executivo. Nesse acórdão, prolatado em recurso por oposição de julgados, interposto na sequência de acórdão proferido pelo TCAS que confirmara a decisão de rejeição liminar de oposição a execução fiscal, a questão que se colocava era antes a de saber se a nulidade do título executivo - por falta de requisitos essenciais insuprível por prova documental – constitui ou não fundamento de oposição à execução fiscal nos termos da alínea i) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT. E nesse acórdão do Pleno foi decidido que «(…) a nulidade da falta de requisitos essenciais do título executivo – nos termos do artigo 165.º, n.º 1, alínea b), do CPPT – não é fundamento de oposição à execução fiscal por não enquadrável no seu artigo 204.º, n.º 1, alínea i)».

Em conclusão se dirá, pois, que o acórdão recorrido e o acórdão fundamento incidiram sobre factualidade dissemelhante, julgando questões de natureza jurídica substancialmente diversa, à luz de normas também diferentes, não havendo, por conseguinte, nenhuma oposição de soluções quanto à mesma questão de direito que seja susceptível de ser dirimida mediante recurso fundado em oposição de acórdãos.

Inexistindo oposição de soluções jurídicas entre os acórdãos em confronto, o presente recurso tem de ser julgado findo por falta dos pressupostos para a sua aceitação, em conformidade com o disposto no nº 5 do artigo 284º do CPPT.

Uma referência final para o facto de o Recorrente aventar, nas conclusões XXXVI e XXXVII das suas alegações, a hipótese de as questões suscitadas serem apreciadas no âmbito do recurso previsto no artigo 150º do CPTA.
Ora, a convolação, que legal e fundamentalmente se justifica por razões de economia processual, tem como pressuposto a verificação de erro na forma de processo utilizada a que aludem os arts. 97º, nº 3, da LGT e 98º, nº 4, do CPPT. E, no caso, é patente a inexistência de qualquer erro na forma de processo/recurso utilizado, já que o Recorrente usou, e bem, o recurso previsto no art. 284º do CPPT para invocar a oposição do acórdão recorrido com os dois acórdãos que elegeu e que teriam, na sua perspectiva, consagrado soluções opostas. Recurso que foi, como acabou de se ver, apreciado quanto à questão preliminar da existência do pressuposto concernente à oposição de acórdãos, tendo-se julgado pela sua inexistência, razão por que será julgado findo.
Posto de outro modo, o Recorrente não visou, com este recurso, submeter à apreciação do Supremo Tribunal a apreciação de uma questão que, pela sua importância jurídica ou social, tenha importância fundamental, ou pedir a pronúncia do Supremo Tribunal sobre determinada questão por ela ser claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, pelo que não se verifica uma situação em que o recorrente, tendo visivelmente pretendido interpor um recurso de revista excepcional previsto no art. 150º do CPTA, tenha inadvertidamente utilizado para o efeito o recurso por oposição de acórdãos previsto no art. 284º do CPPT.
Não tendo havido erro na forma de processo/recurso utilizado, não pode haver lugar a qualquer convolação.

3.Termos em que, face ao exposto, acordam os Juízes do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA em julgar findo o recurso.
Custas pelo recorrente.

Lisboa, 3 de Julho de 2013. – Dulce Manuel da Conceição Neto (relatora) – João António Valente Torrão – Joaquim Casimiro Gonçalves – Isabel Cristina Mota Marques da Silva – José da Ascensão Nunes Lopes – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes – Pedro Manuel Dias Delgado – Maria Fernanda dos Santos Maçãs.