Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01959/17.4BEPRT 0665/18
Data do Acordão:09/20/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:MARIA DO CÉU NEVES
Descritores:CAPACIDADE FUNCIONAL
ACIDENTE DE SERVIÇO
INCAPACIDADE PERMANENTE
Sumário:Capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão compatível
Requisitos para a atribuição de subsídio devido por situações de elevada incapacidade permanente em situações de acidentes em serviço
Nº Convencional:JSTA000P23604
Nº do Documento:SA12018092001959/17
Data de Entrada:08/23/2018
Recorrente:A............
Recorrido 1:CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES
Votação:MAIORIA COM 1 VOT VENC
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo
1. RELATÓRIO
A…………, devidamente identificado nos autos, intentou no TAF do Porto, contra a CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES, a presente acção administrativa de condenação à prática de acto devido, ao abrigo do disposto no nº 1 do artº 48º do DL nº 503/99 de 20.11, por forma a obter a condenação da Ré, a:
· «calcular a pensão do Autor com base na capacidade residual para o exercício de outra profissão compatível, acrescendo o montante anual de 1.345,23€;
· pagar ao Autor o subsídio por situações de elevada incapacidade no montante de 4.371,63€, ou 5.820,00€ conforme o que se vier a decidir relativamente à lei aplicável».
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O TAF do Porto, por decisão proferida em 22 de Dezembro de 2017, julgou a presente acção administrativa totalmente improcedente, absolvendo a ré dos pedidos contra ela formulados.
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Interposto, pelo Autor, recurso jurisdicional para o TCA Norte, este, por acórdão datado de 19 de Abril de 2018, negou provimento ao recurso interposto, confirmando a decisão recorrida.
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E é desta decisão que o autor, ora recorrente, vem interpor o presente recurso de revista, para o que alegou, apresentando as conclusões que se reproduzem:
«1 - A questão que se discute não é a valoração de uma incapacidade, mas a da capacidade (residual) para o exercício de outra profissão compatível.
2 - A avaliação desta última já não depende de conhecimentos de natureza técnica especializada, uma vez que a mesma resulta da avaliação da situação concreta da capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão compatível) ou seja, das reais possibilidades com que o sinistrado ficou para conseguir uma alternativa de trabalho.
3 - No cálculo da capacidade residual para outra profissão compatível intervêm outros fatores que não os eminentemente técnicos ou estritamente clínicos, como sejam a idade do sinistrado, as habilitações escolares e profissionais e a realidade do mercado de emprego, de modo a que a solução encontrada ou quantificada da capacidade residual para o exercício de outra profissão compatível seja minimamente realista em relação à possibilidade de essa alternativa poder ser alcançada - cfr. TNI, aprovada pelo DL 352/2007 de 23 de outubro, no nº 5.A das Instruções Gerais. No mesmo sentido, Ac. do STA de 07.07.2016, proc 0422/16, in www.dgsi.pt.
4- O Autor/recorrente alegou, no art. 9º da pi, o grau de incapacidade de que o sinistrado ficou a padecer com incapacidade absoluta para o trabalho habitual, a sua idade, habilitações académicas e profissionais, bem como a situação atual do mercado de trabalho.
5- Tais alegações são suficientemente concretizadoras do erro grosseiro, pois traduzem a alegada falta de consideração por parte da junta médica dos fatores a considerar na quantificação da capacidade residual para outra profissão compatível previstos no nº 5-A das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades, aprovada pelo DL 352/2007 de 23 de outubro.
6 - Ao considerar que os pareceres das juntas médicas são insindicáveis também na parte da fixação da capacidade residual para o exercício de outra profissão compatível, e que o autor não concretizou o erro grosseiro que alega, o acórdão de que se recorre padece de errada aplicação do direito aos factos e viola o disposto na Tabela Nacional de Incapacidades, aprovada pelo DL 352/2007 de 23 de outubro, no nº 5-A das Instruções Gerais.
7 - Na questão da atribuição do subsídio por situações de elevada incapacidade, é o próprio DL 503/99, de 20 de novembro, no seu art. 34º, n. 1, que remete para a lei geral, isto é, para a Lei 98/2009, de 04 de Setembro - cfr. Ac. do STA de 07.07.2016, Proc 0422/16.
8 - Entendendo-se que não se aplica o disposto no art. 67º da Lei 98/2009, de 04 de setembro, mas o disposto no art. 37 do DL 503/99, de 20 de novembro, ainda assim o autor tem direito ao subsídio por situações de elevada incapacidade, já que a redação do art. 23º da Lei 100/97, de 13 de setembro (o antecessor do art. 67º da Lei 98/2009, de 4 de setembro) é igual à redação do art. 37º do DL 503/99, de 20 novembro. Logo, a jurisprudência invocada, ainda que se refira à interpretação do art. 23º da Lei 100/97, sendo a redação exatamente igual à do art. 37º da Lei 503/99, tem de ser a mesma, independentemente de esta ser uma lei especial relativamente àquela.
9 - Sendo a redação igual em ambos os preceitos (as ínfimas diferenças no texto são irrelevantes para o sentido do mesmo) toda a doutrina e Jurisprudência firmada para este normativo há-de aplicar-se à interpretação do artº 37º do DL 503/99.
10 - Aquele preceito reporta-se à “incapacidade absoluta”, sendo que a jurisprudência, designadamente do Supremo Tribunal de Justiça, tem sido dominante no sentido de que o subsídio de elevada incapacidade a que se refere o artigo 23° citado, em situações de incapacidade permanente para todo e qualquer trabalho e de incapacidade permanente para o trabalho habitual corresponde a 12 vezes a remuneração mínima mensal garantida à data do acidente, sem qualquer ponderação de grau de incapacidade, que apenas se aplica aos casos de incapacidade permanente parcial igual ou superior a 70%.
11 - No mesmo sentido, Acs.: STJ de 24.10.2012, proc 383/10.4TTOAZ.P1.S1; de 04.05.2011, proc. 199/07.STTVCT.P1.S1; de 02.02.2006, proc 05S3820; RP de 15.10.2007, proc 0711660; de 08.05.2006, proc 0515903, de 16.11.2015, prc 263/08.3TTOAZ.2.P1; RL de 16.12.2015, proc de 08.02.2012, proc 270/03.2TTVFX.L1-4; de 19.10.2011, proc 218/10.8TTALM.L1-4; de 28.05.2008, proc. 3670/2008-4, todos in www.dgsi.pt.
12 - Pelo que, o acórdão de que recorre ao considerar que o subsídio por situações de elevada incapacidade é atribuível a casos de incapacidade cujo grau seja igual ou superior a 70%, desconsiderando as situações de incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho e/ou para o trabalho habitual, cujo grau seja inferior a 70%, está a violar o disposto nos art. 37º do DL 503/99, de 20 de novembro.
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A recorrida CGA apresentou contra alegações que concluiu da seguinte forma:
«A) Não pode conhecer-se do presente recurso, por, nos termos do nº 1 do artigo 150° do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), não ser legalmente previsível a sua admissibilidade, já que a questão em apreço não atinge um grau de relevância fundamental, por não se estar perante uma questão jurídica de elevada complexidade. Trata-se outrossim apenas de uma situação pontual sem qualquer relevância substancial e de fácil entendimento por uma pessoa normal e diligente.
B) Não pode igualmente conhecer-se do presente recurso, por não estar em causa um assunto de relevância social fundamental com repercussão de grande impacto na comunidade nem apresenta contornos indiciadores de que a solução pode ser um paradigma ou orientação para se apreciarem outros casos quando a sua relevância revista clamorosamente uma importância primordial.
C) Com efeito, a competência para a avaliação das incapacidades permanentes é matéria há muito definida pela jurisprudência uniforme e constante do STA que considera a CGA a única entidade com competência sobre esta matéria, designadamente, os Acórdãos do STA proferidos nos Processos nºs 061/16, de 2018-05-03, 01029/15, de 2017-10-11 e 0496/14, de 2015-03-12, as quais se encontram publicamente disponíveis na base de dados do IGFEJ em www.dgsi.pt
D) Acresce que se trata de matéria jurídica, que já foi tratada pelo Supremo Tribunal Administrativo, que já se pronunciou sobre a matéria, em caso semelhante, no Acórdão do STA, de 26 de setembro de 2016, proferido no Processo nº 422/16, (disponível na base de dados do JTJ em www.dgsi.pt) e no facto de existir dupla conforme entre a decisão proferida pela 1ª instância e o Acórdão de que ora o Autor recorre.
E) Quanto ao mais, oferece-se o merecimento dos autos, por se admitir haver maior facilidade de compreensão da relação material controvertida através da simples leitura das decisões judiciais, determinando o TCA Norte relativamente à existência de erro grosseiro que: “... por maioria de razão, não pode ser considerada estranha ao ponto de qualificável como erro grosseiro, a atribuição da capacidade residual de 100% para outra função compatível a um sinistrado ao qual foi atribuída uma IR» de 30% (89,9% no caso do acórdão do STA), ainda que acompanhada de incapacidade absoluta para o exercício da sua atividade profissional de agente da PSP, decerto mais exigente em termos de capacidade física que a atividade docente considerada no acórdão do STA.” e do subsídio de elevada incapacidade permanente que “…não se encontram preenchidos os requisitos de que depende a concessão do subsídio devido por situação de elevada incapacidade permanente em matéria de acidentes em serviço.... Não podem subsistir dúvidas sérias sobre o acerto da decisão, considerando que a situação está inequivocamente prevista em norma especial, o artigo 37° do DL n° 503/99, de 20 de novembro que aprovou o novo regime jurídico dos acidentes em serviço e das doenças profissionais no âmbito da Administração Pública.”
F) O presente recurso de revista não deve merecer conhecimento.
Não deve, pois, conhecer-se do recurso ou, se assim não se decidir, deve confirmar-se o Acórdão recorrido, na forma e com todas as consequências legais».
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O «recurso de revista» foi admitido por acórdão deste STA [formação a que alude o nº 5 do artigo 150º do CPTA], proferido a 12 de Julho de 2018.
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O Ministério Público, junto deste Tribunal, emitiu Parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
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Sem vistos.
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2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. MATÉRIA DE FACTO
A matéria de facto fixada nos autos é a seguinte:
«A) O Autor exerceu, funções de agente da Polícia de Segurança Pública no Comando Metropolitano da PSP do Porto, desde 19 de novembro de 1985 a 10 de dezembro de 2013 [cfr. admissão por acordo; informação de fls. 38 do processo administrativo];
B) Em 26 de novembro de 2012, o Autor participou à Polícia Municipal do Porto, o seguinte: “(...) No dia 25 de novembro de 2012, estando eu devidamente escalado para o turno das 19h00 às 1h00, ao descer defronte ao gabinete de apoio desta Polícia Municipal, sito no interior do Parque da Cidade, escorreguei com o pé direito nas folhas de árvore que ali se encontravam, perdendo o equilíbrio e consequentemente estatelei-me no solo, originando que as minhas pernas se afastassem uma da outra tipo esparregata, causando-me fortes dores nas virilhas, anca e joelho direito (…)” [ relatório a fls 101, termo de autuação a fls 102 e, participação a fls. 104 a 106, todos do processo administrativo, cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido; admissão por acordo];
C) A participação referida na alínea antecedente deu origem à instauração do processo de sanidade nº 2012PRT00263SAN [cfr. termo de autuação de fls. 102 do processo administrativo, cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido];
D) Em 10 de dezembro de 2013, o Autor foi submetido à Junta Superior de Saúde, a qual deliberou considerá-lo incapaz para todo o serviço [cfr. informação constante da alínea d) de fls. 143 do processo administrativo, cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido];
E) Em 24 de janeiro de 2014, o Subcomissário da Divisão Municipal de Policiamento da Polícia Municipal do Porto elaborou relatório no âmbito do processo nº 2012PRT000263AN, propondo, entre o mais, o seguinte: “(...) que o acidente que vitimou o agente principal n°s ……… - A…………, desta Policia Municipal do Porto, em 25 de novembro de 2012, pelas 19h00, seja considerado como acidente de trabalho (...)” [cfr. relatório de fls. 142 a 145 do processo administrativo, cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido];
F) Por despacho de 4 de fevereiro de 2014, o Comandante da Polícia Municipal do Porto, determinou, entre o mais, o seguinte: “(...) concordo com o relatório elaborado pelo Instrutor do processo, constante de fls 29 a 40 e uma vez que se encontram verificados os pressupostos de qualificação como acidente de trabalho, o acidente em que foi vítima o Agente Principal n°s ………, A……….., no dia 25 de novembro de 2012, remeta-se ao Gabinete de Assuntos Jurídicos (Deontologia e Disciplina) para apreciação e decisão (...)” [cfr. despacho de fls. 146 do processo administrativo];
G) Por despacho de 18 de fevereiro de 2014, o Diretor do Gabinete de Assuntos Jurídicos da Polícia de Segurança Pública determinou a qualificação como acidente de trabalho, o acidente ocorrido no dia 25-11-2012, pelas 19h00, do qual foi vítima o ora Autor, bem como o envio do processo ao Comando Metropolitano da Polícia do Porto a fim de o Autor ser submetido à Junta Superior de Saúde, para efeitos de eventual IPP [cfr. despacho de fls. 150 do processo administrativo, cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido];
H) Em 2 de abril de 2014, o Autor declarou ter tomado conhecimento do conteúdo do despacho melhor identificado na alínea antecedente [cfr. declaração constante do ofício de fls 287 do processo administrativo];
I) Em 25 de novembro de 2014, pela Junta Médica da Caixa Geral de Aposentações foi elaborado auto, do qual consta, entre o mais, o seguinte: “(…) Está o examinado absoluta e permanentemente incapaz para o exercício das suas funções: Sim; O examinado sofre de incapacidade permanente e absoluta para toda e qualquer profissão ou trabalho: Não. (...)” [cfr. auto de fls 52 e ofício de fls 53 do processo administrativo, cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido];
J) Por ofício de 5 de outubro de 2015, com a referência 28561GDD12015, da Diretora do Gabinete de Deontologia e Disciplina da Polícia de Segurança Pública, dirigido ao Chefe do Serviço de Expediente e Contencioso das Reformas Militares da Caixa Geral de Aposentações, foi informado, entre o mais, o seguinte: “(...) Junto envio a V. Exª. a título devolutivo, o processo de sanidade de referência elaborado ao Agente Principal ……… A…………, do Comando Metropolitano de Policia do Porto, para efeitos de graduação ou confirmação da proposta de incapacidade permanente parcial. Mais informo que, o despacho a qualificar o acidente de trabalho, o Boletim de Acompanhamento médico e a proposta de IPP, encontram-se respetivamente a fls. 3, 54 e 55 (...)“ [cfr. ofício de fls. 99 do processo administrativo, cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido].
K) Por despacho de 5 de outubro de 2015, do Diretor Nacional da Polícia de Segurança Pública, com a referência NUP2012PRT00263SAN, foi determinado, entre o mais, o seguinte: “(...) concordo com o relatório do Instrutor, bem como, com o despacho de 18-05-2015, do Exmº Comandante do Comando Metropolitano de Polícia do Porto (fls 101); (...) No boletim de acompanhamento médico foi proposta a atribuição de 39,25% de incapacidade permanente parcial ao Agente Principal ……… A………… (fls 161); ratifico o despacho que qualificou como acidente de trabalho, o acidente ocorrido em 25.11.2012 pelas 19h00, bem como a incapacidade permanente parcial proposta; Envie-se o processo à Caixa Geral de Aposentações [cfr. despacho de fls 100, relatório de fls 143 e ficha de avaliação de incapacidade em fls 124, todos do processo administrativo, cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido; admissão por acordo];
L) Por ofício de 2 de setembro de 2016, sob o assunto “Junta Médica para confirmação de incapacidade nos termos do DL n° 503/99 de 20 de novembro”, os serviços da Ré informaram a Direção Nacional da Polícia de Segurança Pública, entre o mais, quanto ao seguinte: “(…) Informo V. Exª. de que o funcionário A………… deve comparecer no dia 4 de outubro de 2016, em Lisboa, pelas 14h00 (...) a fim de ser presente à Junta Médica da Caixa Geral de Aposentações [cfr. ofício de fls 223 do processo administrativo, cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido];
M) Em 4 de outubro de 2016, a Junta Médica da Caixa Geral de Aposentações deliberou, entre o mais, o seguinte: “(...) descrição das lesões: Queda com trauma na anca e joelho direito. Das lesões apresentadas resulta uma incapacidade permanente absoluta para o exercício das suas funções: sim; Das lesões apresentadas resulta uma incapacidade permanente absoluta de todo e qualquer trabalho: não; qual a capacidade residual para o exercício de outra opção compatível? 100 %; das lesões apresentadas resulta uma incapacidade permanente parcial? Sim. A Junta Médica confirma a capacidade parcial atribuída? Não. Qual o grau de incapacidade atribuído? 30 % (Trinta por cento) (...)“ [cfr. auto de fls. 227 do processo físico, cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido];
N) Por despacho de 12 de outubro de 2016, a Direção da Ré homologou, ao abrigo do artigo 38° do DL n° 503/99, de 20 de novembro, o parecer da Junta da Médica identificado na alínea antecedente [cfr. informação de fls 346 do processo administrativo, cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido];
O) Por ofício de 14 de outubro de 2016, a Ré comunicou ao Autor, entre o mais, o seguinte: “(...) Comunico a V. Exa. que o resultado da Junta Médica da Caixa Geral de Aposentações realizada em 4 de outubro de 2016, relativa ao acidente ocorrido em 25 de novembro de 2012, foi o seguinte: Das lesões apresentadas resultou uma incapacidade permanente absoluta para o exercício das suas funções; das lesões apresentadas não resultou uma incapacidade permanente absoluta de todo e qualquer trabalho; das lesões apresentadas resultou uma incapacidade permanente parcial de 30% de acordo com o Cap. 1, nº 10.2.4 alínea b) da T.N.I. (...)” [cfr. ofício de fls 11 do processo físico; admissão por acordo];
P) Por ofício de 21 de outubro de 2016, a Ré comunicou ao Autor, entre o mais, o seguinte: “(…) Comunico a Vª Exa. que, por decisão de 21 de outubro de 2016, da Direção da Caixa Geral de Aposentações, lhe foi fixada, uma pensão anual vitalícia de 11.210,28€ a que corresponde uma pensão mensal de 800,73€ (11.210,28/14), em consequência do acidente em serviço de que foi vítima. Do referido acidente resultou uma incapacidade permanente absoluta para o exercício das suas funções, com a desvalorização de 30%, e uma capacidade residual de 100%, para o exercício de outra função compatível, conforme parecer da Junta Médica desta Caixa, homologado por despacho da Direção da Caixa Geral de Aposentações de 2016-10-12. A pensão mensal, foi calculada nos seguintes termos: Retribuição anual: 22.420,56€; Pensão mensal (11.210,28/14) 800,73€; Subsídio de férias (11.210,28/14) 800,73€; Subsídio de Natal (11.210,28/14) 800,73€ (...)” [cf. ofício de fls 12 do processo físico; admissão por acordo];
Q) Em 30 de março de 2017, o Autor apresentou requerimento dirigido à Ré no qual peticionava o pagamento do subsídio de elevada incapacidade no montante de 4.371,63€, bem como a correção do cálculo da pensão anual e vitalícia que lhe fora atribuída, acrescido do montante de 1.345,23€ [cfr. requerimento de fls 14 do processo físico, cujo teor se dá por integralmente reproduzido; admissão por acordo];
R) Do assento de nascimento nº …… de 201 da Conservatória do Registo Civil de Vila Real consta que o Autor nasceu em 26 de novembro de 1962 [cfr. cópia do assento de nascimento a fls. 17 do processo físico, cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido];
S) No ano letivo de 1990/1991, o Autor concluiu, na Escola Secundária ………., Matosinhos, o Curso Geral Liceal [equivalente ao 9° ano de escolaridade] [cfr. certidão de fls 19 do processo físico, cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido];
T) Dá-se por reproduzido todo o teor dos documentos que integram os autos».
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2.2. O DIREITO
A presente acção administrativa de condenação à prática de acto devido, foi intentada pelo ora recorrente contra a Caixa Geral de Aposentações, formulando dois pedidos:
1. A condenação a calcular a pensão do autor com base na capacidade residual para o exercício de outra profissão compatível, acrescendo o montante anual de 1.345,23€;
2. A condenação a pagar ao autor o subsídio por situações de elevada incapacidade no montante de 4.371,63€ ou 5.820,00€, conforme o que se vier a decidir relativamente à lei aplicável.
O TAF do Porto julgou a acção improcedente, decisão esta, que foi confirmada pelo Acórdão recorrido proferido pelo TCAN.
Insurge-se o recorrente contra o decidido no Acórdão recorrido, reiterando os argumentos que vem produzindo, no sentido de que o legislador estabeleceu na TNI, aprovada pelo DL 352/2007 de 23 de outubro, no nº 5- A das Instruções Gerais, que na fixação da capacidade residual para outra profissão compatível deve atender-se à idade do sinistrado, qualificações profissionais e escolares e à possibilidade, concretamente avaliada, de integração profissional do sinistrado.
Mais adianta que “Não é crível que a junta médica atendesse a algum destes critérios, pois que se o tivesse feito não poderia, nas circunstâncias atuais de mercado de trabalho, considerar que uma pessoa de 53 anos de idade, como é o caso do sinistrado, e com uma incapacidade de 30% tem a mesma capacidade residual para o exercício de uma profissão que não a de agente da PSP, que uma pessoa da mesma idade mas sem qualquer incapacidade parcial, ou uma pessoa de 25 anos de idade, sem qualquer incapacidade parcial, ou mesmo com uma IPP de grau igual à do sinistrado. Aliás, nem nas atuais circunstâncias do mercado de trabalho, que são muito adversas desde há vários anos, nem em quaisquer outras circunstâncias”, concluindo que a questão que se discute não é a valoração de uma incapacidade, mas antes a da capacidade (residual) para o exercício de outra profissão compatível, sendo esta questão susceptível de ser conhecida pelo Tribunal.
Alega, ainda que o Acórdão recorrido se limitou a entender que o recorrente discorda do grau de capacidade funcional de 100% que lhe foi atribuído pela junta médica da Caixa Geral de Aposentações, não sendo, tal discordância, suficiente para evidenciar erro grosseiro ou manifesto, pelo que lhe imputa erro de julgamento e violação do disposto na Tabela Nacional de Incapacidades, aprovada pelo DL nº 352/2007 de 23.10, no nº 5-A das Instruções Gerais.
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Quanto ao 2º segmento de discórdia, respeitante à atribuição de subsídio por situações de elevada incapacidade, o recorrente alega que deveria ter sido aplicado o disposto no artº 67º da Lei nº 98/2009 de 04.09, ex vi do disposto no artº 34º, nº 1 do DL nº 503/99 de 20.11; caso assim não seja entendido, então aplicar-se-ia à situação dos autos o disposto no artº 37º do DL nº 503/99 de 20.11 e, tendo tal norma uma redacção igual à do artº 23º da Lei nº 100/97 de 03.11 (o antecessor da Lei nº 98/2009), a jurisprudência por ele invocada, independentemente de esta ser uma lei especial relativamente àquela.
E ainda que, contrariamente ao assim entendido pelo recorrente, o Acórdão recorrido sufragou a tese de que, aos trabalhadores que exercem funções públicas, é aplicável o disposto no artº 37º do DL nº 503/99, por ser norma especial face à constante do artº 67º da Lei nº 98/2009 de 04.09, não se tendo pronunciado sobre a interpretação dada pela jurisprudência indicada pelo recorrente à letra daquele preceito legal, enquanto formulação literal face ao artº 23º da Lei nº 100/97, antecessora da Lei nº 98/2009.
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Vejamos, pois, do acerto da decisão recorrida quanto a estes dois pontos fulcrais.
(i) Em relação à 1ª questão, entendeu-se na decisão proferida pelo TAF do Porto que, não estando em causa a inobservância de aspectos vinculados do acto, nem a violação dos princípios que balizam a actividade administrativa, designadamente, os da proporcionalidade, da imparcialidade e da adequação, essa actividade de natureza eminentemente técnica, escapa ao poder de sindicância jurisdicional, salvo caso de erro grosseiro ou manifesto. E mais se entendeu que o erro grosseiro ou manifesto não ocorreu uma vez que [o erro grosseiro invocado pelo Autor radica no entendimento de que “(...) um sinistrado que ficou a padecer de uma IPP de 30%, totalmente incapacitado para exercício de uma função habitual, com a idade de 53 anos, que nunca exerceu outra atividade profissional que não a de agente da PSP e nas condições do mercado de trabalho atual, nunca poderá ficar uma capacidade residual para o exercício de outra profissão de 100%. (...)], quando se refere capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão compatível, está-se a fazer referência a uma outra profissão onde o acidentado possa aplicar o saber e a experiência que acumulou na sua vida profissional anterior, isto é, na sua profissão habitual e, por isso, onde a sua reintegração profissional não só seja possível como também esteja facilitada e que, por outro lado, seja igualmente valorizada.
Daí que a Tabela Nacional de Incapacidades, na fixação da capacidade funcional residual para outra profissão compatível com a incapacidade absoluta para o trabalho habitual determine que se atenda “à idade, qualificações profissionais e escolares e a possibilidade, concretamente avaliada, de integração profissional do sinistrado ou doente” [Anexo 1, Ponto 5-A, alínea a)].
Por fim também se entendeu que, nada do alegado pelo recorrente poderá evidenciar um juízo de censura por referência à verificação de um erro grosseiro na atribuição de uma capacidade funcional residual de 100% para o exercício de outras funções, uma vez que o recorrente se limitou a alegar que era agente da PSP, tem a idade de 53 anos e possui o 9º ano de escolaridade, elementos estes que não são suficientes para inverter ao grau de capacidade funcional atribuído, dado que não logrou assacar nenhuma ilegalidade grosseira ao acto que assim a fixou.
E, deste modo, apontado para a discricionariedade técnica em que se movem as Juntas Médicas, concluiu pela improcedência deste segmento de impugnação do acto.
Ao invés o acórdão recorrido, acolhe a mesma solução, mas utilizando argumentos diferentes, ou seja, acolhendo a tese do recorrente de que, o por este alegado não se insere na figura do erro grosseiro de natureza médica, mas sim na do erro de natureza jurídica, logo sindicável pelos Tribunais, como bem se esclarece no Ac. deste STA de 07.07.2016.
Vejamos:
O artigo 48º da Lei 98/2009 — aplicável ao caso por remissão contida no art.° 34º, nº 1 do DL nº 503/99 — sobre a epígrafe («Prestações») estabelece o seguinte:
“(…)
3 - Se do acidente resultar redução na capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado, este tem direito às seguintes prestações:
(…)
b) Por incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual - pensão anual e vitalícia compreendida entre 50 % e 70 % da retribuição, conforme a maior ou menor capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão compatível;
(...)”
Resulta do exposto que a determinação do grau de incapacidade para o trabalho ou de ganho do sinistrado é de fundamental importância na fixação da sua pensão, dado que, se do sinistro resultar uma incapacidade permanente absoluta para o trabalho, mas ainda assim, o acidentado ficar com uma capacidade funcional residual para o exercício de outra funções, de outra profissão compatível, a pensão será fixada numa percentagem variável que vai de 50% a 70% da retribuição, conforme a maior ou menor capacidade funcional residual.
E nesta apreciação da fixação da percentagem em causa, já não nos situamos na natureza técnica especializada dos peritos, mas no âmbito de uma correlação em que entram em funcionamento outros factores concretos referentes aos sinistrados que demonstrem (ou não) a sua possibilidade de conseguir uma alternativa em termos laborais que possa minimizar os danos causados pela incapacidade permanente absoluta para aquele trabalho que desenvolvia e exercia antes do sinistro.
E como bem se refere no Ac. de 07.07.2016, proc. nº 0422/16 «(…) deve atender-se a critérios que contemplem outras variantes que não as estritamente clínicas, como seja, a idade do acidentado, as habilitações escolares e profissionais de que dispõe e a realidade do mercado de emprego, por forma a que, se alcance uma solução que tenha, efectivamente, em conta uma maior ou menor capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão compatível e as reais possibilidades desta alternativa poder ser alcançada».
No entanto, mesmo analisando a questão em sede de erro de direito, não cremos que a alegação do recorrente tenha êxito; ou seja, mesmo a entender-se que o erro invocado se reporta à avaliação em 100% da capacidade residual para o exercício de outra profissão compatível, nas circunstâncias concretas e sobretudo em contraste com os 30% de IPP e a incapacidade absoluta para o exercício da profissão habitual de agente da PSP.
Na verdade, é comummente aceite que «(…) por outra função compatível se deve entender uma outra onde o sinistrado possa desenvolver o seu saber e experiência que veio a acumular ao longo da sua vida profissional, ou seja da vida profissional que exercia à data do acidente e, por isso, onde a sua reintegração profissional não só seja possível como também esteja facilitada e valorizada. Aliás, só assim se entende que na Tabela Nacional de Incapacidades na fixação da capacidade funcional residual para outra profissão compatível com a incapacidade absoluta para o trabalho se deva atender à idade, qualificações profissionais e escolares e à possibilidade concretamente avaliada de integração profissional do acidentado – Ponto 5-A, al. a) – cfr. de novo o Ac. de 07.07.2016 supra referido.
Porém, resulta dos autos que o autor, ora recorrente apenas se limitou a alegar, em prol da sua tese, no que a este segmento recursivo diz respeito, que tinha 53 anos, era agente da PSP e que tinha o 9º ano de escolaridade. Ora tais factos, não justificam por si só e sem outros complementares que se conclua pelo erro assacado, nem pela violação de qualquer norma jurídica, uma vez que são insuficientes para determinar a alteração da atribuição da capacidade residual de 100% para outra função compatível com aquela que exercia, que era agente da PSP, [que se presume exigente em termos de capacidade física] ao qual foi atribuída uma IPP de 30%, ainda que acompanhada de uma incapacidade absoluta para o exercício da sua actividade profissional de agente da PSP.
Atento o exposto, não se vislumbra qualquer violação de lei, designadamente a invocada pelo recorrente no tocante ao previsto no artº 5º-A das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades aprovada pelo DL nº 352/2007 de 23.10, improcedendo o recurso quanto a este segmento recursivo.
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(ii) Em relação à 2ª questão suscitada pelo recorrente – direito ao subsídio de elevada incapacidade permanente -, dir-se-á que este subsídio, se destina por força do disposto no artº 67º, nºs 1 e 3 da Lei nº 98/2009 de 04.09, a compensar o sinistrado, com incapacidade permanente absoluta ou incapacidade permanente parcial igual ou superior a 70 %, pela perda ou elevada redução permanente da sua capacidade de trabalho ou de ganho resultante de acidente de trabalho.
A incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual confere ao beneficiário direito a um subsídio fixado entre 70 % e 100 % de 12 vezes o valor de 1.1 IAS, tendo em conta a capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão compatível.” – cfr. artºs 47.°, nº 1, alínea d) e 3 e, 48°, nº 2 do mesmo diploma.
E este seria o regime jurídico aplicável nos autos, por força do disposto no artº 34º, nº 1 do DL 503/99 de 20.11.
No entanto, a aplicação desta norma, é simplesmente afastada pelo facto de existir uma norma especial, prevista no artº 37º do DL nº 503/99 de 20.11 [que aprovou o novo regime jurídico dos acidentes em serviço e das doenças profissionais no âmbito da Administração Pública], uma vez que estamos numa situação enquadrável nos trabalhadores que exercem funções públicas, nas modalidades de nomeação ou de contrato de trabalho em funções públicas – cfr. artº 2º, nº 1 do DL 503/99.
Assim, o artº 37º, deste diploma legal, enquanto norma especial, de aplicação aos autos, por força do disposto no nº 3 do arº 7º do Código Civil, determina o seguinte: «A incapacidade permanente absoluta ou a incapacidade permanente parcial que impliquem uma redução na capacidade geral de ganho igual ou superior a 70% conferem ao sinistrado ou doente direito a um subsídio cujo valor é igual a 12 vezes a remuneração mínima mensal garantida em vigor à data do acidente ou da atribuição da incapacidade permanente resultante de doença profissional, na proporção do grau de incapacidade fixado, sendo pago de uma só vez».
E sendo esta a norma aplicável aos autos, por ser norma especial que derroga a geral, podemos e devemos concluir como fez o acórdão recorrido; ou seja, que para efeitos do subsídio devido por elevada incapacidade permanente, sem prejuízo de a incapacidade permanente absoluta se traduzir, entre o mais numa situação de impossibilidade permanente do trabalhador para o exercício das suas funções habituais [cfr. artº 3º, al. m), do DL nº 503/99 de 20.11], a verdade é que esta deverá ter na sua origem uma redução na capacidade geral de ganho igual ou superior a 70%.
Ora, como resulta da factualidade provada, o autor/recorrente, na sequência do acidente em serviço que sofreu, viu ser-lhe atribuída uma incapacidade parcial permanente (IPP) de 30%, da qual resultou uma incapacidade absoluta para o seu trabalho habitual (IPTH).
Ou seja, o recorrente viu a sua capacidade geral de ganho ser reduzida numa percentagem, não igual ou superior a 70%, mas sim de 30%, facto que desde logo refuta a possibilidade de lhe ser atribuído o subsídio devido por situação de elevada incapacidade permanente.
Deste modo, a norma especial prevista no artº 37º do DL 503/99 acabou por introduzir, de forma que antes que não estava prevista no artº 67º nºs 1 e 2 da Lei nº 98/2009, um pressuposto adicional , de acordo com o qual, a incapacidade permanente deverá implicar uma redução na capacidade de ganho igual ou superior a 70%. Trata-se de um requisito inovador e que não pode ser ultrapassado, uma vez que estamos face a uma norma especial que derroga a aplicação de qualquer outra norma geral existente – cfr. neste sentido que vimos expondo o Parecer nº 000252014 da Procuradoria-Geral da República, proferido em 30.10.2015.
Temos, portanto, que a Junta Médica ao fixar em 30% a incapacidade parcial permanente do recorrente, acabou por, consequentemente, fixar a respectiva desvalorização ou redução da sua capacidade de ganho nos referidos 30%, independentemente de a mesma haver resultado numa incapacidade absoluta para o trabalho que habitualmente vinha desempenhando.
Assim sendo, resta-nos igualmente concluir pela improcedência deste segmento do recurso, uma vez que não se encontram preenchidos as exigências de que depende a concessão do subsídio devido por situações de elevada incapacidade permanente em situações de acidentes em serviço, no âmbito da legislação aplicável aos trabalhadores em exercício de funções públicas – cfr. neste sentido os Acórdãos deste STA, de 29.01.2015, in proc. nº 0969/14 e de 07.07.2016, in proc. nº 0422/16.
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Face ao exposto, improcede in totem o recurso interposto pelo recorrente, mantendo-se na ordem jurídica o acórdão recorrido.
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3 - DECISÃO:
Atento o exposto, acordam em conferência os juízes que compõem este Tribunal em negar provimento ao recurso.
Custas a cargo do recorrente.
Lisboa, 20 de Setembro de 2018. – Maria do Céu Dias Rosa das Neves (relatora) – José Augusto Araújo Veloso – António Bento São Pedro, vencido pelas razões constantes do meu voto de vencido no acórdão de 7/7/2016, proferido no processo 0422/16 para onde remeto.