Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01518/12.8BEBRG
Data do Acordão:11/18/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:NUNO BASTOS
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
CENTRO REGIONAL DE SEGURANÇA SOCIAL
RECLAMAÇÃO
EXECUÇÃO
ERRO NA FORMA DE PROCESSO
Sumário:I - O meio processual adequado para – invocando inexistência da obrigação de contribuir – reagir contra a exigência de contribuições para a segurança social em execução fiscal que não tenha sido precedida de qualquer ato de definição da obrigação exequenda que pudesse ser impugnado graciosa ou contenciosamente é a oposição à execução fiscal.
II - Idêntico meio deve ser utilizado quando, com o mesmo fundamento e em idêntica circunstância, se pretenda reagir contra decisões supervenientes sobre a existência da obrigação contributiva subjacente ou sobre parte dela, proferidas na própria execução.
III - Antes de proceder à determinação da forma processual adequada e aferir da viabilidade da convolação deve o juiz assegurar-se na inexistência de atividade administrativa a montante da emissão das certidões de dívida e relacionada com as quantias em dívida.
IV - Tendo julgado verificado o erro na forma do processo sem prévia aferição dos factos a que alude o ponto anterior, o tribunal de primeira instância incorre em violação do princípio do inquisitório – artigo 99.º da Lei Geral Tributária – e a decisão correspondente deve ser anulada para a sua aquisição.
Nº Convencional:JSTA000P26775
Nº do Documento:SA22020111801518/12
Data de Entrada:06/30/2020
Recorrente:A........
Recorrido 1:INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL, CENTRO DISTRITAL DE BRAGA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. Relatório

1.1. A…………, contribuinte fiscal n.º ………, com domicílio indicado na Av.ª ………, ……, ………, 4700-…… Braga, recorreu para o Tribunal Central Administrativo Norte da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que, julgando verificada a exceção do erro na forma do processo e a impossibilidade de convolação na forma processual adequada, absolveu a Fazenda Pública da instância.

O recurso foi admitido com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Notificado da sua admissão, o Recorrente apresentou alegações e formulou as seguintes conclusões:

1ª - O Recorrente, na qualidade de trabalhador independente, por se encontrar de doença natural e directa, não procedeu ao pagamento das suas contribuições desde 13/04/2006 a 04/05/2010.

2ª - A Segurança Social, procedeu a cobrança de um tributo (contribuições durante o período de doença) sem qualquer fundamento legal que o sustente, ou, caso tal exista, o que não se concede, mas por mera cautela se refere, sem nunca explicar ao contribuinte tal fundamento.

3ª - O Recorrente reclamou por diversas vezes, alegando no essencial o preceito legal estabelecido no nº 1 do artigo 48º do Dec. Lei 240/96 de 14 de Dezembro, e artigo 159º do Código Contributivo “Não existe obrigação contributiva do trabalhador independente quando: Se verifique situação de incapacidade temporária para o trabalho, independentemente de haver, ou não, direito ao subsídio de doença, nos termos estabelecidos no número seguinte”.

4ª - A função administrativa e a sua actividade estão vinculadas ao PRINCÍPIO DA LEGALIDADE e ao PRINCÍPIO DO PRIMADO OU PREFERÊNCIA DA LEI.

5ª - Esta exigência encontra uma tradução explícita, a propósito dos regulamentos administrativos, no dever de citação da lei habilitante, previsto no nº 7 do artigo 112º da CRP.

6ª - O que não ocorre no presente caso, pois, o acto de liquidação do tributo levado a cabo pela Segurança Social não está em conformidade com as normas e princípios jurídicos. (nº 1 do artigo 48º do Dec. Lei 240/96 de 14 de Dezembro, e artigo 159º do Código Contributivo).

7ª - Num estado de direito, a necessidade da actuação da administrativa deve estar em conformidade com todo o direito (e não só a lei), avultando como sua característica primordial a juridicidade.

8ª - De facto, o próprio CPA afirma que “os órgãos da Administração Pública devem actuar em obediência à lei e ao direito, dentro dos limites dos poderes que lhe estejam atribuídos e em conformidade com os fins para que os mesmos poderes lhe foram conferidos” (artigo 3º n º1).

9ª - Todo o acto administrativo que viole as normas e os princípios jurídicos resulta naturalmente num acto antijurídico, isto é, necessariamente ilegítimo, portanto nulo. O que se verifica no presente caso.

10ª - O Recorrente instruiu o seu pedido com o fundamento de inexistência de fundamento legal para o cumprimento de uma suposta obrigação de pagamentos de contribuições durante o período de incapacidade temporária para o trabalho.

11ª - Tendo alegado no artigo 34º da p.i que, encontrando-se o contribuinte com incapacidade temporária para o trabalho, rege o artigo 159º do Código Contributivo “Não existe obrigação contributiva do trabalhador independente quando: Se verifique situação de incapacidade temporária para o trabalho, independentemente de haver, ou não, direito ao subsídio de doença, nos termos estabelecidos no número seguinte”.

12ª - A Segurança Social ocultou os argumentos apresentados pelo recorrente e descontou do valor que o ora Impugnante tinha direito a receber na sua pensão do mês de Julho de 2012 a quantia de 5.967,67 Euros para pagamento das supostas contribuições em dívida, efectuando assim a respectiva compensação.

13ª - Não existindo obrigação tributária, a entidade administrativa não pode levar a cabo a cobrança de um tributo inexistente, o que inviabiliza de todo o recurso a compensação que se verificou, e consequente nulidade do acto de liquidação.

14ª - Não existe obrigação contributiva do trabalhador independente enquanto se verifique situação de incapacidade temporária para o trabalho, independentemente de haver, ou não, direito ao subsídio de doença.

15ª - Portanto estamos perante uma nulidade do acto de liquidação por inexistência legal que suporte a cobrança do tributo levado a cabo pela Impugnada Segurança Social.

16ª - O impugnante sempre pretendeu atacar e anular o acto tributário, sendo que, a restituição da quantia de 5.967,67 euros (penhora) é uma consequência dessa anulação do acto.

17ª - Pelo que não se encontra correcto o alegado pela Exma Meritíssima Juíz do Tribunal a quo ao referir que “nos presentes autos não é o acto tributário que o autor pretende atacar, mas sim o despacho que ordenou a penhora”.

18ª - Nos termos do artigo 133º nº 1 do CPA, “são nulos os actos a que falte qualquer dos elementos essenciais ou para os quais a lei comine expressamente essa forma de invalidade.

19ª - Segundo o artigo 134º CPA a nulidade é invocável a todo o tempo.

20ª - A forma do processo dos presentes autos enquadra-se na impugnação Judicial nos termos do artigo 99º do CPPT.

21ª - Sendo que, nos termos do artigo 102 nº 3 do CPPT, se o fundamento for a nulidade, a impugnação pode ser deduzida a todo o tempo.

22ª - A Segurança Social nunca esclareceu o contribuinte da fundamentação de direito referente a exigência do tributo.

23ª - Nem na notificação da dívida, nem posteriormente, apesar das diversas reclamações apresentadas, nunca em momento algum, a Segurança Social fundamentou de direito a cobrança do tributo.

24ª - Assim, estaríamos sempre perante um vício formal, que acarreta a respectiva nulidade de todo o procedimento.

25ª - Pelo que, podendo a nulidade ser invocada a todo o tempo, nunca se poderá colocar a intempestividade da presente acção.

26ª - Consta da douta sentença que o ora Recorrente foi notificado para ser pronunciar sobre a excepção do erro na forma do processo, bem como, da intempestividade da convolação, e, que o Recorrente não se pronunciou.

27ª - Sendo verdade que o Recorrente foi notificado.

28ª - No entanto, o Recorrente respondeu a tal notificação através de requerimento apresentado em 5/04/2013, conforme consta dos próprios autos.

29ª - Nesse requerimento, o Recorrente invoca as razões que ora implora.

30ª - A Meritíssima Juiz do Tribunal a quo ao não se pronunciar sobre o alegado pelo Recorrente no supra referido requerimento, violou a disposição do artigo 615º nº 1 al. d) do C. P. C.

31ª - Logo, a sentença proferida pelo tribunal a quo é nula.

32ª - Não existe erro na forma do processo, bem como a presente acção pode ser intentada a todo tempo.

Pediu fosse revogada a sentença recorrida e fosse a mesma substituída por outra que contemplasse a nulidade do ato tributário levado a cabo pela Segurança Social e a consequente restituição da quantia de € 5.967,67, que considera ter sido «cobrada abusivamente».

O Recorrido não contra-alegou.

A Mm.ª Juiz a quo lavrou douto despacho de sustentação do decidido, onde concluiu que não se verificava a nulidade da sentença por omissão de pronúncia.

Por decisão singular da Ex.ma Senhora Desembargadora Relatora, o Tribunal Central Administrativo Norte julgou-se incompetente em razão da hierarquia para conhecer do objeto do presente recurso.

1.2. Recebidos os autos neste tribunal, foi ordenada a abertura de vista ao Ministério Público.

A Ex.ma Senhora Procurador-Geral Adjunta emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso.

Com dispensa dos vistos legais, cumpre decidir.



2. Dos fundamentos

Vem o presente recurso interposto de decisão final foi proferida em autos de impugnação judicial interposta no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga e onde a Mm.ª Juiz a quo julgou verificada a exceção do erro na forma do processo e a impossibilidade de convolação na forma processual adequada e, em consequência, absolveu a Fazenda Pública da instância.

Com o assim decidido não se conforma o ali Impugnante, ora Recorrente, por entender que o tribunal de primeira instância interpretou mal a petição inicial, aplicou mal o direito e não se pronunciou sobre questão que deveria ter apreciado.

Interpretou mal a petição inicial porque o Impugnante sempre pretendeu atacar e anular o ato tributário, sendo a restituição da quantia de 5.967,67 euros uma consequência dessa anulação [conclusões “16.ª” e “17.ª”].

Aplicou mal o direito, porque o ato impugnado é nulo e a nulidade é invocável a todo o tempo (pelo que nunca seria intempestiva a sua arguição) [conclusões “18.ª” a “25.ª”].

Não se pronunciou sobre questão que deveria ter apreciado porque na decisão recorrida não foram analisadas as razões do Recorrente, apresentadas no requerimento de 5 de abril de 2013 [conclusões “26.ª” a “31.ª”].

Quanto à nulidade da decisão recorrida por omissão de pronúncia, é desde já manifesto que o Recorrente não tem razão.

Só há omissão de pronúncia quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse ter apreciado.

Ora, o Recorrente não invocou, no requerimento 5 de abril de 2013, questões que a Mm.ª Juiz a quo devesse ter apreciado antes da questão que ela própria suscitou oficiosamente (o erro na forma do processo). Na verdade, o que o Recorrente ali fez ali foi apresentar argumentos que entendeu relevantes para a apreciação dessa mesma questão e que pretendia contrapor a um sentido possível da respetiva decisão. E, como se sabe, o juiz não está obrigado a analisar todos os argumentos da parte na resolução das questões apreciadas.

Resta-nos, por isso, a apreciação dos outros dois vícios.

Como se sabe e tem sido decidido de forma recorrente por este Supremo Tribunal Administrativo, o erro na forma do processo afere-se pelo pedido ou pretensão formulada (neste sentido ver, por todos, os acórdãos de 28 de maio de 2014 (Proc. 01086/13), de 5 de novembro de 2014, no proc.º 01015/14), de 17 de janeiro de 2018 (Proc. n.º 088/14) e de 10 de outubro de 2018 (no processo n.º 0592/10.6BEPRT).

E como se especifica nos primeiros desses arestos, a causa de pedir pode ser utilizada como elemento de interpretação daquele, quando a este respeito existam dúvidas.

No caso dos autos, o Impugnante pedia a «[revogação da] decisão proferida pelo Serviço da Segurança Social» e que, em consequência, fosse «a Segurança Social condenada a restituir ao ora impugnante a quantia de 5.967,67 Euros, acrescida dos respetivos juros legais desde 10 de Julho de 2012, bem como, serem declarad[as] nul[as] e sem qualquer efeito todas as decisões proferidas pela segurança Social em relação ao objecto da presente acção».

Todavia, o Impugnante não identifica no pedido as decisões da Segurança Social que pretende sejam «revogada» (no caso da primeira referida) ou «declaradas nulas» (no caso das demais).

Em regra – e quando se trata de uma impugnação judicial – é possível colmatar esta dificuldade recorrendo à identificação do ato impugnado logo no introito. Até porque a identificação do ato impugnado é um requisito da petição inicial – artigo 108.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

O que, porém, não ocorre no caso dos autos, porque o Impugnante se limitou a referir no introito a «vários despachos referentes a vários processos supra referenciados, proferidos pelo Instituto de Segurança Social I.P., Centro Distrital de Braga».

Mas ao longo da petição inicial são referidas várias decisões de várias reclamações apresentadas nos serviços da Segurança Social, que o Impugnante identifica pelo n.º atribuído à reclamação, pela data em que a decisão foi proferida e por uma referência sumária ao conteúdo da decisão respetiva (Capítulo II daquele articulado, sob a epígrafe «Notificações da Segurança Social»).

Adiante (Capítulo III do mesmo articulado, sob a epígrafe «Da Legalidade»), o Impugnante faz alusão a outro ato: o ato de compensação no «valor que o ora Impugnante tinha a receber inerente à sua pensão do mês de Julho de 2012» da «quantia de 5.967,67 Euros» e que a Segurança Social destinou ao «pagamento das contribuições em dívida».

Assim, quando o Impugnante pede a revogação da decisão proferida pelo Serviço da Segurança Social e a consequente restituição da quantia de 5.967,67 Euros, é inequívoco que tinha em vista este ato de compensação (artigo 24.º da p.i. e documento n.º 15 junto com aquele articulado).

Já quando o Impugnante pede a declaração da nulidade de «todas as decisões proferidas pela segurança Social em relação ao objecto da presente acção» terá em vista todos os demais atos a que faz referência no capítulo II do seu articulado.

Assim sendo, a Mm.ª Juiz a quo não tem razão quando diz que «o pedido visa atacar a penhora da sua pensão de que o autor foi alvo, num processo de execução».

E não tem razão, por três razões essenciais.

Em primeiro lugar, porque o pedido abrange diversos atos.

Em segundo lugar, porque nenhum desses atos é uma penhora.

O primeiro ato referenciado no pedido (e no artigo 24.º da p.i.) é um ato de compensação de que terá sido autor «O Diretor de Segurança Social do CNP» e praticado ao abrigo do disposto no artigo 220.º da Lei n.º 110/2009, de 16/09.

Que o ato de compensação de créditos, mesmo quando seja praticado na execução fiscal, não se confunde com nenhum ato de penhora já o decidiu o Supremo Tribunal Administrativo, designadamente, no acórdão de 18 de janeiro de 2012 (Proc. n.º 0245/11).

Os demais atos referenciados no pedido (e no capítulo II da p.i.) são decisões de reclamações cujo enquadramento não é inequívoco e cuja decisão a Secção de Processo Executivo de Braga tomou a seu cargo.

Em terceiro lugar, porque nenhum destes atos se relaciona com nenhum ato de penhora.

Não o está o ato de compensação, porque não deriva dos autos que esteja relacionado com alguma penhora do direito à pensão do contribuinte realizada nas execuções de que foi alvo. Que também não se vê que tenha sequer existido. Aliás, o documento n.º 15 não faz nenhuma referência a nenhum processo executivo.

Não o estão as decisões das reclamações porque, embora aparentem ter sido proferidas ou enxertadas nas execuções, o que o que ali foi decidido foram pretensões à inexistência da dívida e não à ilegalidade de algum ato praticado nessas execuções (incluindo alguma penhora que tivesse existido).

Pelo que o Recorrente tem razão nesta parte: não se pode extrair da petição inicial que tivesse pretendido atacar alguma penhora ou despacho que a tivesse ordenado [conclusão “17.ª”]. A decisão recorrida parte aqui de um pressuposto errado, que não pode ser confirmado pelo tribunal de recurso.

Mas o Recorrente vai mais longe e diz que o próprio pedido de restituição da quantia de 5.967,67 euros, a que se reporta a primeira parte do seu pedido é uma consequência (pretendida) da «anulação do ato» (tributário) [conclusão “16.ª”, segunda parte].

Ou seja, que existe uma relação de consumpção entre os pedidos, constituindo o pedido de condenação a restituir uma consequência da anulação do ato.

Mas aqui as coisas não se apresentam tão claras. Afinal de contas, foi expressamente pedida a condenação da Segurança Social a restituir aquele montante, sendo que o pedido condenatório não é consumido pelo pedido de declaração de nulidade ou de anulação.

É verdade, no entanto, que o Impugnante vem alegando desde sempre a «inexistência da obrigação contributiva» (cit. artigo 31.º da p.i.); que, não existe «preceito legal que obrig[ue] o contribuinte a proceder [a] descontos durante o período de incapacidade para o trabalho» (cit. artigo 33.º da p.i.); que «inexiste fundamento legal para o cumprimento de uma suposta obrigação de pagamentos de contribuições durante o período de incapacidade temporária para o trabalho» (cit. artigo 35.º da p.i.). É esta a sua causa de pedir.

É também verdade que o Impugnante não imputa nenhum vício diretamente ao ato de compensação. Que apenas reflexamente está a ser atacado na petição inicial. Quando diz que a quantia foi «descontada abusivamente, sem qualquer fundamento legal» (cit. artigo 25.º da p.i.) pretende inequivocamente dizer que não existia fundamento legal para exigir a contribuição.

Assim sendo, somos levados a concluir que o Recorrente também tem razão nesta parte. Recorrendo à causa de pedir como elemento de interpretação do pedido, é possível concluir que ele pretendeu que o ato de compensação que o privou de parte da sua pensão está atingido, reflexamente, pela inexistência do dever de contribuir. Isto é, que a ilegalidade da exigência de qualquer contribuição a montante afeta, a jusante, a prática daquele outro ato.

Onde não podemos acompanhar o Recorrente é na conclusão de que «sempre pretendeu atacar e anular o acto tributário» [conclusão “16.ª”, primeira parte].

Não só porque nunca identificou ou referenciou nenhum ato tributário primário (ato de liquidação ou ato de primeiro grau), mas também porque, não tendo este sido identificado nos autos nem nas próprias decisões das reclamações que identifica, também não é possível concluir que estas constituam, elas próprias, atos tributários secundários ou de segundo grau. Naturalmente que só podem ter essa designação as decisões das reclamações que incidam sobre atos primários que tenham a mesma natureza.

E é aqui que bate o ponto central do litígio: dos autos não resulta que a emissão das certidões de dívida tivesse sido precedida de algum ato jurídico de aplicação de lei tributária material e definidor da situação contributiva do Recorrente, isto é, da própria obrigação exequenda. E há informações nos autos que referenciam a inexistência de qualquer processo administrativo referente notificação em dívida, que foi comunicada em «processo de participação de dívida automático» (ver fls. 4 do processo administrativo em apenso).

Ora, nas situações em que não existe um ato de liquidação formal não pode ser utilizado o procedimento de reclamação para a impugnação graciosa nem processo de impugnação judicial para a impugnação contenciosa. O meio processual adequado para tal é a oposição à execução fiscal, como deriva da alínea h) do n.º 1 do artigo 204.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (neste sentido, pode ver-se Jorge Lopes de Sousa, in «Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado», Volume III, Áreas Editora, 6.ª edição 2011, pág. 497).

Pelo que, no pressuposto de que não tivesse havido um ato de liquidação prévia da dívida exequenda, a Delegação de Braga do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social deveria, em vez de assumir as vestes de órgão decisor, deveria ter preparado o processo para envio ao tribunal, admitindo, recusando ou convidando o requente a corrigir os respetivos requerimentos, tendo em vista a convolação das reclamações em oposições às execuções fiscais. Seguindo-se os demais trâmites do artigo 208.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

Por outro lado, havendo decisões supervenientes sobre a existência da obrigação contributiva subjacente ou sobre parte dela, tomadas em reclamações a que a Delegação de Braga do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social tenha dado seguimento, não pode deixar de se admitir também a oposição a estas decisões, por identidade de razão.

Se a lei faculta ao executado o direito de se opor à execução com fundamento na ilegalidade concreta da dívida exequenda e quando a lei não assegure outro meio de reação, também facultará ao executado, e nos mesmos termos, o direito de se opor às decisões graciosas que apreciam a legalidade concreta da dívida exequenda dentro da execução e quando a lei não assegura outro meio de contra elas reagir.

O prazo de oposição a estas decisões será o prazo de 30 dias a contar da ocorrência destas decisões ou do seu conhecimento pelo executado – artigo 203.º, n.º 1, alínea b), do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

Entende, porém, o Supremo Tribunal Administrativo que o Instituto de Gestão Financeira deve, através do seu representante, prestar informação cabal sobre a existência ou não de alguma atividade administrativa a montante da emissão das certidões de dívida e relacionada com as quantias em dívida, antes de ser proferida qualquer decisão sobre a forma processual adequada e, sendo caso disso, a possibilidade de convolação.

O que o tribunal de primeira instância deveria ter ordenado, no quadro dos seus deveres de indagação oficiosa.

Não o tendo feito, o recurso merece provimento por aqui.

Ficando prejudicado o conhecimento da outra questão nele colocada.



3. Conclusões

3.1. O meio processual adequado para – invocando inexistência da obrigação de contribuir – reagir contra a exigência de contribuições para a segurança social em execução fiscal que não tenha sido precedida de qualquer ato de definição da obrigação exequenda que pudesse ser impugnado graciosa ou contenciosamente é a oposição à execução fiscal.

3.2. Idêntico meio deve ser utilizado quando, com o mesmo fundamento e em idêntica circunstância, se pretenda reagir contra decisões supervenientes sobre a existência da obrigação contributiva subjacente ou sobre parte dela, proferidas na própria execução.

3.3. Antes de proceder à determinação da forma processual adequada e aferir da viabilidade da convolação deve o juiz assegurar-se na inexistência de atividade administrativa a montante da emissão das certidões de dívida e relacionada com as quantias em dívida.

3.4. Tendo julgado verificado o erro na forma do processo sem prévia aferição dos factos a que alude o ponto anterior, o tribunal de primeira instância incorre em violação do princípio do inquisitório – artigo 99.º da Lei Geral Tributária – e a decisão correspondente deve ser anulada para a sua aquisição.



4. Decisão

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes da Secção Tributária deste Tribunal em conceder provimento ao recurso, anular a decisão recorrida e ordenar a baixa dos autos para obtenção da informação supra referida, seguindo-se os ulteriores termos de acordo com o juízo firmado na presente decisão sobre a questão nela apreciada.

Sem custas o presente recurso.

D.n.

Lisboa, 18 de novembro de 2020. - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos (relator) - Gustavo André Simões Lopes Courinha - Anabela Ferreira Alves e Russo.